O prévio requerimento administrativo e a tutela jurisdicional previdenciária

Resumo: O presente artigo tem como propósito trabalhar a necessidade ou não de prévio requerimento administrativo como condição para a tutela jurisdicional previdenciária.

Palavras-chave: Previdenciário – Requerimento Administrativo – Interesse Processual – Poder Judiciário – Jurisdição

Abstract: This article aims to work the necessity or not of prior administrative requirement as a condition for judicial protection.

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Keywords: Social Security – Administrative Requirements – Interest Procedure – Judiciary – Jurisdiction

Sumário: Introdução. Fundamentação teórica. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Tem sido frequente a propositura de ações judiciais em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em que se pede a concessão de benefício previdenciário (v.g. auxílio-doença; aposentadoria por invalidez; pensão por morte etc.), inclusive com pedido de antecipação dos efeitos da tutela para implementação imediata do benefício pleiteado em Juízo, independentemente da citação e manifestação do INSS, quando não há qualquer comprovação de que o sujeito tenha ingressado na via administrativa requerendo tal benesse antes de provocar a atuação do Poder Judiciário.

Ocorre que, a partir da verificação de reiteradas ações judiciais que passaram a ser propostas visando ao recebimento de benefícios previdenciários sem que tenha havido prévio requerimento administrativo perante o INSS, passou a ser debatido na doutrina e na jurisprudência sobre a efetiva necessidade de prévio requerimento administrativo para que reste configurado o interesse de agir do sujeito na propositura da ação judicial (CPC, art. 3º).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Tendo em vista o não ingresso do sujeito com o requerimento administrativo perante o INSS para obtenção do benefício previdenciário, e, consequentemente, a não apreciação formal e apresentação de resposta, pelo órgão previdenciário, ao requerimento administrativo, surge a discussão sobre a existência do interesse de agir do sujeito, condição da ação imprescindível para a propositura de ação judicial (CPC, art. 3º).

O interesse de agir trata-se, portanto, de uma condição da ação que, independentemente de alegação de uma das partes, deve ser reconhecida de ofício pelo Juiz, em consonância com o que dispõe o § 4.º e inciso X, do art. 301 c/c o § 3.º e inciso VI, do art. 267, todos do Código de Processo Civil.

Previsto no art. 3.º, do Código de Processo Civil, o interesse de agir surge em função da necessidade do sujeito em obter por intermédio do processo a proteção a interesse concreto. O processo não pode ser utilizado como instrumento de indagação, pois a jurisdição, como função estatal, somente deve ter atuação para realizar ou declarar, de forma prática, uma situação jurídica controvertida. Assim, somente o dano ou perigo de dano jurídio, vindo representado pela existência de uma lide, justifica a busca da tutela jurisdicional.

Com efeito, quando se verifica que o sujeito nem mesmo esboçou sua pretensão ao INSS por intermédio do requerimento administrativo, infere-se – a princípio – o não surgimento do conflito de interesses.

Ocorre que, identificar os requisitos básicos para saber se o sujeito faz jus a alguma espécie de benefício é tarefa mais adequada à Administração, antes do pronunciamento do Poder Judiciário. Caso haja necessidade, se não resolvida a situação administrativamente, o conhecimento da causa pelo Estado-Juiz importará então em seu pronunciamento, aí sim de forma indefectível.

Consoante já consignado, o sujeito ingressou na esfera judicial sem sequer apresentar qualquer documento exigido para que seu requerimento pudesse ser formalmente apreciado pelo INSS. Forçoso concluir, in casu, que, somente após superada essa fase, seria emergente o interesse de agir diante de uma necessidade não atendida pela Administração.

Não se pode alegar, lembre-se, o direito de não se esgotar a via administrativa. Isso porque não se deve confundir a inexigência do exaurimento daquela via com a total ausência de provocação da Administração. Sobre o tema já prescrevia a Súmula nº 213 do extinto Tribunal Federal de Recursos:

“O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária.”

No mesmo sentido, a Súmula nº 9 do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3.ª Região:

"Em matéria previdenciária, torna-se desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa, como condição de ajuizamento da ação".

Da inteligência de ambas as Súmulas retratadas, contrario sensu, surge a necessidade do requerimento inicial perante a Administração, em coerência ao entendimento esposado, pois o que não se pode exigir é o seu exaurimento. O preenchimento da condição da ação, interesse de agir, é indubitavelmente indispensável para a hipótese que se apresenta. Não houve ofensa à lei, ocasião hábil a reclamar a tutela Jurisdicional.

Não foi diferente o entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, em decisão que teve como Relator o Eminente Ministro Moreira Alves, a saber:

"NÃO OFENDE O ART. 5.º, XXXV, CF ("A LEI NÃO EXCLUIRÁ DA APRECIAÇÃO DO JUDICIÁRIO LESÃO OU AMEAÇA A DIREITO;"), DECISÃO QUE, SEM EXIGIR O EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA, JULGA EXTINTA, POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR (CPC, ART. 267, VI), AÇÃO ACIDENTÁRIA QUE NÃO FOI PRECEDIDA DE COMUNICAÇÃO AO INSS." (STF – RE 144.840-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, decisão unânime, julgamento em 02.04.96).

Também o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a hipótese, nos seguintes termos:

“PROCESSUAL CIVIL. CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR.PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. FALTA DE PEDIDO ADMINISTRATIVO. DISSÍDIO COM A SÚM. 213-TFR E 89-STJ. NÃO OCORRENTE.

1.Se a interessada, sem nenhum pedido administrativo, pleiteia diretamente em Juízo benefício previdenciário (aposentadoria por idade), inexiste dissídio com a Súm. 213 – TFR e com a 89 – STJ ante a dessemelhança entre as situações em cotejo, porquanto ambas tratam do exaurimento da via administrativa e não da ausência total de pedido naquela esfera.

Correto o julgado recorrido ao fixar a ausência de uma das condições da ação – interesse de agir – porquanto, à míngua de qualquer obstáculo imposto pela autarquia federal (INSS), não se aperfeiçoa a lide, doutrinariamente conceituada como um conflito de interesses caracterizado por uma pretensão resistida.

2. Recurso Especial não conhecido”. (ATJ – Recurso Especial 147186/MG, decisão unânime, decisão em 19.03.1998,  Sexta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, D.J. 06.04.1998).

E nesse sentido manifestou-se o Ministro Herman Benjamin, do Eg. Superior Tribunal de Justiça Tribunal, em voto proferido no Recurso Especial nº 1310042/PR, sinalizando o posicionamento daquela Corte Superior:

A pretensão nestes casos carece de qualquer elemento configurador de resistência pela autarquia previdenciária. Não há conflito. Não há lide. Não há, por conseguinte, interesse de agir nessas situações.

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O Poder Judiciário é a via destinada à resolução dos conflitos, o que também indica que, enquanto não houver resistência do devedor, carece de ação aquele que "judicializa" sua pretensão.(…)

A questão que considero relevante nessa análise é que o Poder Judiciário está assumindo, ao afastar a obrigatoriedade de prévio requerimento administrativo, atividades de natureza administrativa, transformando-se, metaforicamente é claro, em agência do INSS.” (Grifou-se).

Nestes termos, segue ementa do Resp 1310042/PR, do Eg. Superior Tribunal de Justiça:

“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CONCESSÓRIA DE BENEFÍCIO. PROCESSO CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR (ARTS. 3º E 267, VI, DO CPC). PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE, EM REGRA. 1. Trata-se, na origem, de ação, cujo objetivo é a concessão de benefício previdenciário, na qual o segurado postulou sua pretensão diretamente no Poder Judiciário, sem requerer administrativamente o objeto da ação. 2. A presente controvérsia soluciona-se na via infraconstitucional, pois não se trata de análise do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF). Precedentes do STF. 3. O interesse de agir ou processual configura-se com a existência do binômio necessidade-utilidade da pretensão submetida ao Juiz. A necessidade da prestação jurisdicional exige a demonstração de resistência por parte do devedor da obrigação, já que o Poder Judiciário é via destinada à resolução de conflitos. 4. Em regra, não se materializa a resistência do INSS à pretensão de concessão de benefício previdenciário não requerido previamente na esfera administrativa. 5. O interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de a) recusa de recebimento do requerimento ou b) negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada. 6. A aplicação dos critérios acima deve observar a prescindibilidade do exaurimento da via administrativa para ingresso com ação previdenciária, conforme Súmulas 89/STJ e 213/ex-TFR. 7. Recurso Especial não provido. (Recurso Especial nº 1310042/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 15/05/2012, DJe 28/05/2012 – Grifou-se).

O papel de conferência das particularidades de cada benefício previdenciário pleiteado é essencialmente do órgão técnico do INSS, sob pena de o Poder Judiciário exercer função que é, precípua, de ente do Poder Executivo. Os seguintes precedentes jurisprudenciais dos Tribunais Regionais Federais retratam o raciocínio expendido:

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO – FALTA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO – CARÊNCIA DE AÇÃO – SENTENÇA PROFERIDA CONTRA AUTARQUIA – REMESSA OFICIAL – LEI Nº 9.469, DE 10/07/97.

I – Dispõe o art. 3º do CPC que, para propor ação,  é necessário ter legítimo interesse, vale dizer, o exercício do direito de ação, para ser legítimo, pressupõe um conflito de interesses, cuja composição se solicita ao Estado, de tal sorte que, sem uma pretensão resistida, não há lugar à invocação da atividade jurisdicional.

II – A jurisprudência consubstanciada na Súmula nº 213 do extinto TFR não dispensa o prévio pedido do benefício, na via administrativa, com o seu indeferimento, a representar a pretensão resistida e a justificar a invocação da atividade jurisdicional do Estado. Dispensa o exaurimento, ou seja, o esgotamento da via administrativa, com os recursos cabíveis, para o ingresso em Juízo, ou, noutra hipótese, dá como suprida a falta de interesse jurídico-processual do litigante, em situação na qual, embora não tivesse o segurado requerido o benefício na via administrativa, com seu consequente indeferimento, contestara o INSS a pretensão deduzida em Juízo, no mérito, tornando inócuo remeter-se o autor à via administrativa, já que restara demonstrada a existência de pretensão resistida.

III – Não tendo o autor requerido a exibição do documento administrativamente, sustentando a absoluta desnecessidade da prévia postulação administrativa, merece ser extinto o processo, sem julgamento do mérito, à míngua de interesse processual do autor, por carência de ação.

IV – Cabível a remessa oficial de sentença proferida contra autarquia, na vigência da Lei nº 9.469, de 10/07/97.

V – Remessa oficial, tida como interposta, provida. Processo extinto.

VI – Apelação prejudicada."

(AC nº 2002.01.99.026529-9, TRF 1ª Região, Segunda Turma, decisão unânime., Relatora Assusete Magalhães, D.J.  09.09.02, p. 45).

"PROCESSO CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PROVA DE TEMPO DE SERVIÇO PARA EFEITOS DE APOSENTADORIA – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR.

I – Compete à Administração apreciar os elementos para fins de comprovação do tempo de serviço para obtenção da aposentadoria. Logo, deverá tal prova produzir-se a nível e sob controle administrativo, somente se justificando o pedido de prestação jurisdicional quando a administração se recusar àquela atividade ou indeferir o benefício pleiteado, ou, ainda, quando existirem peculiaridades que importem em deslocar a questão para o Judiciário, como a urgência da medida diante de uma inércia contumaz administrativa.

II – Na hipótese, o Autor não postulou administrativamente o benefício pleiteado, não se sabendo, assim, se haveria oposição à sua pretensão, faltando-lhe, destarte, interesse de agir.

III – Recurso a que se nega provimento." (AC nº 96.02.0015371-7, TRF2ª Região Terceira Turma, Relatora Maria Helena, D.J. 15/09/1998, p. 123).

"PREVIDENCIÁRIO. CONTAGEM  DE TEMPO DE SERVIÇO RECÍPROCO. ATIVIDADE RURAL  E  URBANA. VIA ADMINISTRATIVA. CF/88, ART. 202, § 2.º LEI 8.213/91, ART. 94.

Nos casos em que se pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço prestado em atividade rural e urbana, mesmo se reconhecendo como auto-aplicável o art. 202, § 3.º da CF/88, é imprescindível que o interessado ingresse previamente na esfera administrativa, pois não cabe ao juiz substituir-se ao administrador e conferir, mês a mês, a existência da prestação laboral e o reconhecimento das respectivas contribuições previdenciárias". (AC 94.04.4538-6, TRF da 4ª Região,  decisão unânime,  Rel. Juiz Vladimir Passos de Freitas, D.J. 26.10.94, p. 61568).

"PREVIDENCIÁRIO PROCESSUAL CIVIL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REQUERIMENTO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. O Judiciário não substitui, mas apenas controla a legalidade dos atos praticados pela Administração. O segurado, havendo procedimento administrativo específico e regulado em lei para a sua pretensão, obriga-se a percorrê-lo e somente em face do indeferimento é que pode bater às portas do Judiciário, isso porque não há se falar em lide sem pretensão resistida." (A.C.1998.04.01.047586-5, TRF da 4ª Região Quinta Turma, decisão unânime, Relator Élcio Pinheiro de Castro, D.J. 16.12.1998, p. 501).

"PREVIDENCIÁRIO. AMPARO SOCIAL À DEFICIENTE. ART. 203, V, DA CF. LEI 8.742/93. AUSÊNCIA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR.

– O Art. 203, V, da Constituição Federal é uma norma de eficácia contida, carecedora de regulamentação pelo legislador ordinário, efetivada pela Lei nº 8.742/93, com regulamentação pelo Decreto nº 1330/94 e 1744/95.

– Faz jus ao benefício o interessado que requerer administrativamente o amparo e provar que preenche os requisitos legais, retroagindo a concessão à data do requerimento.

– Mesmo não sendo necessário o esgotamento da via administrativa, a concessão do benefício em tela depende da iniciativa do interessado junto ao órgão competente, pois apenas o indeferimento expresso do pedido ou a demora injustificada no atendimento ensejaria o ingresso em juízo.

– Apelo improvido."(AC 97.05.013993-8, TRF 5ª Região, Primeira Turma, decisão unânime, Relator Castro Meira, D.J. 14.05.99, p. 741).

Logo, para evidenciar o interesse de agir do demandante, necessário que ingresse com seu pedido perante a Administração Pública, com toda a documentação exigida por lei e, após o prazo de 45 (quarenta e cinco dias), acaso não apreciado ou negado o seu pleito, estará delineado o conflito de interesses, a lide a ser dirimida pelo Poder Judiciário.

Cumpre ressaltar que a eventual recusa de agente do INSS em protocolizar pedidos de benefício não equivale a pedido não apreciado ou negado pela autarquia. A protocolização de requerimento administrativo é direito do cidadão, cuja violação enseja do Judiciário a imediata reparação por meio de medida judicial cabível, sem prejuízo de outras sanções administrativas e penais aplicáveis ao servidor.

Além disso, são muitos os casos semelhantes em que o sujeito faz o requerimento administrativo durante a tramitação do feito na Justiça, e recebe o deferimento do benefício ao ser possibilitada a análise do pedido no próprio INSS.

O Egrégio Tribunal Regional Federal desta 3.ª Região já apresentou decisões convergentes para o raciocínio apresentado, perfilhando as decisões já transcritas dos Tribunais Superiores e dos Tribunais Regionais Federais. Alguns dos julgamentos, por unanimidade, ficaram assim ementados:

"PROCESSUAL CIVIL, PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. FALTA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE LIDE E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR.

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1.O prévio requerimento administrativo do benefício é necessário para que se caracterize o interesse de agir do autor. Se não há pretensão resistida, não há lide e, consequentemente, falta interesse processual.

2.Não se trata de exigir o exaurimento da via administrativa, mas de exigir o ato administrativo cujo controle de legalidade se pretende fazer. Precedente da Turma.

3.Apelação do autor não provida." (AC 2000.03.00.001282-5, TRF 3ª Região, decisão unânime, Segunda Turma, Relator Juiz Nino Toldo, DJU 31.01.03).

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. PRÉVIO ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. PROVA DA FORMULAÇÃO DO PEDIDO ADMINISTRATIVAMENTE. NECESSIDADE.

I. É público e notório que nem mesmo a expressa disposição legal – artigo 105 da Lei 8213/91 – tem sido suficiente para impedir que os agentes do INSS recusem a simples protocolização de pedido administrativo de benefício, sob fundamento de ausência de direito ou de insuficiência de documentos.

II. A dicção da Súmula 9 desta Corte e da Súmula do Superior Tribunal de Justiça não é a que lhe pretende dar o apelante. Não há necessidade de prévio esgotamento da via administrativa, ou seja, o interessado não precisa esgotar todos os recursos administrativos. Mas as Súmulas não excluem a atividade administrativa.

III. É hora de mudar esse hábito de transferir para o Poder Judiciário o que é função típica do INSS. Se o requerimento administrativo não for recebido no protocolo, ou não for apreciado no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, ou for indeferido, aí sim, surgirá o interesse de agir.

IV. Apelação provida para anular a r. sentença, determinando a suspensão do processo pelo prazo de 60 DIAS (sessenta) dias, para que o apelante possa requerer o benefício ao INSS e, decorridos 45 (quarenta e cinco) dias do requerimento sem manifestação da autoridade administrativa ou indeferido o benefício, retorne aos autos para prosseguimento”. (AC 2003.61.83.003689-3, TRF 3ª ª Região, decisão unânime, Nona Turma, Relatora Juíza Marisa Santos, DJU 09.12.04).

Sem a tentativa do pleito administrativo, não há como se verificar a necessidade do provimento pleiteado. Por mais que se diga que a jurisprudência não vem exigindo o exaurimento das vias administrativas – inclusive encontrando-se esta matéria pacificada e sumulada (Súmula nº 9 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região) -, estas ao menos devem ser provocadas, sob pena de o Judiciário tornar-se balcão de atendimento da autarquia previdenciária e a desconfiguração da atividade jurisdicional.

O interesse de agir decorre da obediência do binômio necessidade e adequação. Não obstante a via eleita seja adequada para se pleitear o que se deseja, não é possível denotar-se a necessidade de sua utilização.

Por oportuno, cumpre observar que para ações previdenciárias de revisão de benefício existem entendimentos no sentido de que não se exige requerimento administrativo prévio, pois seria notório o posicionamento contrário do INSS sobre a matéria. Por conseguinte, de acordo com alguns entendimentos, não seria necessário prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que, comprovadamente, o INSS negaria o pleito do sujeito, como por exemplo, nas ações revisionais que se fundamentam em índices de reajuste de benefícios.

Por conseguinte, verificando-se a ausência de prévio requerimento administrativo, restaria evidente a falta de interesse de agir do sujeito que bate às portas do Poder Judiciário, condição da ação que, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, localiza-se não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto (Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 29ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 56).

Sobre essa matéria, ensinam ainda Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, no Código de Processo Civil Comentado:

“(…) O interesse processual se consubstancia na necessidade de o autor vir a juízo e na utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe proporcionar.(…)

A norma indica que as condições da ação (legitimidade das partes, possibilidade jurídica do pedido e interesse processual) devem estar presentes desde o início do processo, devendo permanecer existentes até o momento da prolação da sentença de mérito…”. (Código de Processo Civil Comentado, 4ª edição, RT, p. 376, 783/784).

Verifica-se, portanto, que o interesse de agir somente pode resultar da pretensão resistida. Desse modo, o pedido administrativo devidamente instruído seria condição indispensável para o ajuizamento da demanda e, consequentemente, à caracterização do direito à ação, conforme a lição do Professor Cândido Rangel Dinamarco, in verbis:

 “a presença do interesse se condiciona à verificação de dois requisitos cumulativos, a saber: necessidade concreta da atividade jurisdicional e adequação de provimento e do procedimento desejados.”(Execução Civil. 2a edição. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1987, p. 229).

Ressalte-se que não se está exigindo que o sujeito esgote completamente o procedimento administrativo, mas, isto sim, que no mínimo requeira a concessão do benefício no INSS, sob pena de restar maculado o princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 2º, da Constituição federal, pois a função jurisdicional somente pode ser exercida, na espécie, como substitutiva da função executiva eventualmente lesiva do segurado.

O extinto Egrégio Tribunal Federal de Recurso já havia firmado no sentido de que a resistência à pretensão do sujeito deveria estar configurada no processo judicial, para que não se precisasse ingressar administrativamente, conforme extrai-se da nota nº 34 e nº 38, do art. 267, do Código de Processo Civil de Theotonio Negrão, com a colaboração de José Roberto Ferreira Gouvêa, in verbis:

“Nota 34. Nos casos em que a lei exige, para o ingresso em juízo, prévia exaustão da instância administrativa: ‘A inexistência de prévia postulação administrativa não constitui óbice ao ingresso em juízo, desde que configurada, na própria ação, a resistência à pretensão deduzida’ (TFR-1ª Turma, AC 108.382-MG, rel. Min. Costa Leite, j. 9.9.86, deram provimento parcial, v.u., DJU 20.11.86, p. 22.728).

Nota 38. Se ainda não existe resistência à pretensão deduzida pelo autor em juízo, este é carecedor de ação, por falta de interesse processual, pois a existência de litígio constitui "conditio sine qua non" do processo (RJTJERGS 152/602). (destacamos)”

De outra parte, a ausência de pedido em sede administrativa acaba por desvirtuar a atuação do Poder Judiciário transformando-o em verdadeiro posto de atendimento do INSS, o que, evidentemente, prejudica a prestação jurisdicional a ser oferecida àqueles que, de fato, dela necessitam.

Esclarece-se que não se trata de negação de acesso ao Poder Judiciário, como direito fundamental inscrito no art. 5º da Constituição Federal, mas, sim, de ausência de condição necessária para a própria existência da demanda.

Sobre essa matéria, o Enunciado nº 35 das Turmas Recursais do Juizado Especial Federal de São Paulo:

“35 – O ajuizamento da ação de concessão de benefício da seguridade social reclama prévio requerimento administrativo.”

Nesse sentido, também o seguinte precedente da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudëncia – TNU:

“TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NATUREZA DA QUESTÃO. REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DA TNU. DIREITO MATERIAL. DIVERGÊNCIA NÃO COMPROVADA. NOTORIEDADE DA CONTROVÉRSIA. INCIDÊNCIA DA QUESTÃO DE ORDEM Nº 03 DA TNU AFASTADA NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E MÉRITO NÃO CONTESTADO JUDICIALMENTE PELO INSS. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. PRECEDENTES DA TNU.

1. A exigência do prévio requerimento administrativo reflete, a bem da verdade, a necessidade que o autor tem de demonstrar que há interesse na busca da prestação jurisdicional, ante a resistência da parte ré na realização de seu direito.

2. No caso dos autos, não há demonstração de tal resistência, seja pela ausência de postulação administrativa anterior, seja pela falta de contestação de mérito. Ademais, não se está diante de hipótese em que tal demonstração se faz dispensável, como as situações em que é patente a negativa da autarquia tanto no que diz respeito ao benefício requerido, quanto à própria aceitação do requerimento, e como as causas pertinentes a Juizado Especial Federal Itinerante.

3. Não se encontra, na presente espécie, configurado o interesse de agir do autor, restando, por conseguinte, correta a extinção do processo sem julgamento de mérito.

4. Pedido de Uniformização conhecido e não provido.” (TNU – PEDIDO 200361841017600 – Relator DERIVALDO DE FIGUEIREDO BEZERRA FILHO – DJ 10/08/2009).

Assim, é bem verdade que não se exige o exaurimento da via administrativa para que seja possível o ajuizamento da demanda judicial. No entanto, é preciso que fique ao menos caracterizado que houve tentativa de buscar, junto ao INSS, o que se pretende judicialmente.

Isto porque, apesar de o INSS ser uma autarquia federal instituída com o fim de administrar e gerir a Previdência Social, com atribuição específica para a concessão e revisão de benefícios previdenciários e assistenciais, tem sido frequente nos dias atuais o fenômeno, cada vez mais comum, da opção por ingressar tais pretensões de benefício previdenciário diretamente em Juízo.

Ocorre que o Poder Judiciário, normalmente abarrotado e congestionado de processos, não tem o mesmo escopo do INSS. As finalidades são distintas, cada qual em sua seara de atribuições e competências, cabendo ao Judiciário atuar quando necessário dirimir conflitos de interesse, e jamais substituir ou passar a exercer atividades típicas do órgão autárquico mencionado.

E só há que se falar na movimentação do Poder Judiciário – em face do princípio processual da inércia (CPC, art. 2º) -, quando a parte interessada o procura a partir de uma violação ou suposta violação a direito que entenda possuir. Somente nessa hipótese, com o surgimento da chamada “pretensão resistida”, é que deveria agir o Judiciário, impulsionado pelo surgimento de uma lide. Sem a existência de uma pretensão resistida, inexistiria direito supostamente violado ou ameaçado de lesão, inexistiria a lide, não se configurando, por conseguinte, o conflito de interesses necessário para se recorrer, validamente, ao Judiciário.

Se o sujeito interessado na concessão de benefício previdenciário ou assistencial não ingressa inicialmente no órgão estatal criado, instituído e aparelhado para tal função, não há falar em pretensão resistida, isto é, não se vislumbra qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito. Como é atribuição do INSS (dada a sua finalidade, sua estrutura administrativa e seu pessoal especializado) analisar se a pessoa interessada atende aos requisitos legais, somente a partir desta manifestação é que se estabelecerá a possibilidade ou não de se recorrer ao Poder Judiciário.

Em sendo concedido o benefício requerido na esfera administrativa pelo INSS, desnecessária a intervenção do Judiciário. Sendo indeferido, aí sim estará caracterizada a pretensão resistida e o consequente interesse em provocar a manifestação jurisdicional.

Assim, trazida a questão ao Poder Judiciário, caber-lhe-á então verificar se o INSS agiu em conformidade com a legislação de regência, inclusive a Constituição Federal e respectivos princípios. Identificada a lesão ou a possibilidade de sua ocorrência, deverá atuar o Judiciário no sentido de sanar a irregularidade e aplicar adequadamente a lei, dando a cada um o que é seu.

Agindo desta forma, o Poder Judiciário exercerá então a sua típica função de controle dos atos administrativos praticados pelos demais órgãos estatais, atuando pontualmente quando exigido. De modo algum deve o Judiciário substituir a autarquia federal (INSS) no exercício do mister a ela atribuído, devendo ocorrer o mesmo raciocínio em relação a qualquer outro órgão da Administração Pública direta ou indireta.

Aliás, ao se pleitear diretamente a concessão de tal benefício no Judiciário este estará agindo não como detentor de parcela da soberania estatal, mas sim como autoridade administrativa, trazendo para si, de pronto, tarefa que não lhe é atribuída. Com isso, a sua função típica de processar e julgar conflitos de interesse (pretensões resistidas) acaba por desvirtuar-se, uma vez que passa a substituir, na grande maioria das vezes, a administração previdenciária.

E, ao se pretender que o Poder Judiciário substitua, de forma ampla e irrestrita, o órgão estatal constituído para específica finalidade (INSS), não somente se estará anuindo com uma inversão de valores indevida e perniciosa, como também se permitindo transferir um ônus que é de integral responsabilidade do Poder Executivo. Cabe a este encontrar os meios necessários para prestar os serviços que lhes são inerentes, da forma digna e efetiva exigida pelos comandos principiológicos constantes da Carta da República de 1988. O Poder Judiciário já possui sérias dificuldades para dar a devida atenção às questões que lhes são típicas, enfrentando um volume excessivo de demandas e uma escassez de recursos materiais e humanos, não podendo compactuar com a assunção de atribuições que não lhe competem.

Daí a necessária vinculação e respeito aos institutos processuais, notadamente ao preenchimento das condições da ação, dentre as quais se insere o sobredito interesse de agir, que decorre do binômio necessidade-adequação: se é certo que, ao menos em tese, a via processual eleita apresenta-se como adequada a tanto, não é menos certo que inexiste, no caso hipotético sob exame, o conflito de interesses caracterizado por uma pretensão resistida, posto que a pretensão do sujeito sequer passou pela análise prévia do órgão administrativo competente, que é o INSS. Sendo assim, não estaria presente uma das condições exigidas pela sistemática processual vigente para que o Poder Judiciário possa processar e julgar tal pedido.

E o interesse processual deve estar presente desde o momento em que a ação é proposta. Sendo uma das condições da ação, a sua inexistência quando da propositura do feito em Juízo pode vir a autorizar o indeferimento da petição inicial proposta em Juízo e, via de consequência, a extinção do processo sem análise do mérito.

Conforme já exposto, esse entendimento já restou sedimentado em súmulas de Cortes Federais, sendo razoável concluir que, se de um lado não é necessário exaurir, ou seja, esgotar, ir até às últimas consequências na via administrativa para só então provocar a atuação do Judiciário, de outro lado impõe-se, ao menos, a provocação inicial e prévia da via administrativa competente. Ou seja, cabe ao sujeito interessado procurar inicialmente a via administrativa (INSS) para a concessão do benefício.

Entretanto, para socorrer-se do Judiciário não é necessário esgotar-se todas as instâncias na via administrativa (recursos, impugnações, revisões, reapreciações). Basta que se ingresse inicialmente e tenha uma manifestação potencialmente lesiva aos direitos que se entenda possuir para surgir o interesse em obter a tutela jurisdicional.

De qualquer modo, a ilação comum que se extrai de tais súmulas é a seguinte: a ausência completa de qualquer pedido em sede administrativa (que é bem diverso da expressão exaurimento) não autoriza o ajuizamento de ação perante o Judiciário.

Frise-se: não se trata de exigência de esgotamento das vias administrativas, mas de configuração do interesse processual em buscar provimento judicial que revise a conduta administrativa do INSS.

Isto porque, quando se busca diretamente a tutela jurisdicional, sem que a outra parte tenha tido oportunidade de oferecer resistência à pretensão formulada, não há conflito de interesses que justifique a intervenção do Poder Judiciário. É preciso que fique ao menos caracterizado que o INSS ofereceu algum tipo de resistência à pretensão formulada, seja indeferindo o pedido, seja deixando de apreciá-lo no prazo regulamentar.

Na medida em que o sujeito passa a buscar diretamente a tutela jurisdicional sem o prévio requerimento administrativo, deixa de existir o conflito de interesses entre as partes quanto à pretensão apresentada em Juizo, motivo pelo qual não há razão para a intervenção do Poder Judiciário.

Não se exige, por óbvio, o exaurimento da via administrativa para que seja possível o ajuizamento da demanda judicial, neste sentido dispondo a referida Súmula nº 9, do Egrégio TRF da 3ª Região, mas ao menos, é preciso que fique caracterizado que houve tentativa de buscar, junto ao INSS, o que ora se pleiteia.

O conteúdo pacificado por meio das mencionadas súmulas, portanto, só corroboram e reforçam o entendimento ora esposado.

Todavia, não obstante tal realidade fática e jurídica que ora se expõe, tem sido recorrente nos Tribunais o entendimento de que o fato do INSS estar sendo inoperante no cumprimento de atividade de tamanha envergadura no contexto social autoriza, ou mesmo impõe, ao Poder Judiciário suprir tal omissão. Ocorre que, o Poder Judiciário deve atuar, como já dito, a partir da caracterização de uma pretensão resistida, da ocorrência de uma efetiva lesão ou ameaça de lesão a direito, e não como órgão que assume todas as mazelas causadas pela incapacidade do Poder Executivo em exercer sua atividade-fim.

Apenas a título de exemplificação, não cabe ao Judiciário – frise-se: quando inexistente prévia provocação junto ao órgão administrativo competente -, conceder alvarás de habitação, conceder certidões negativas de débitos,  expedir passaportes, conceder licença ambiental ou porte de arma, dentre outras funções típicas da atividade administrativa estatal. Tampouco, conceder benefícios previdenciários ou assistenciais, quando inexistente prévia provocação na esfera administrativa (INSS) – respeitada a exceção relativa aos casos de notório posicionamento contrário do INSS (v.g. revisões de benefícios previdênciários).

Em síntese, o Judiciário somente estaria legitimado a atuar desde que comprovada a provocação prévia da autoridade administrativa competente (INSS), com manifestação desfavorável ou com omissão de manifestação, respeitados os prazos legais, atuando o juiz tão somente no controle e na legalidade da decisão administrativa.

Sobre essa matéria, o seguinte precedente do e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRÉVIO EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. PROVA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. APERFEIÇOAMENTO DA LIDE.

1 – Da interpretação finalística das Súmulas nº 9 desta Corte e 213 do extinto TFR, extrai-se que não é imposto ao segurado o esgotamento de todos os recursos junto à Administração. A ausência, porém, de pedido administrativo, equivale ao não aperfeiçoamento da lide, por inexistir pretensão resistida que justifique a tutela jurisdicional, e, via de consequência, o interesse de agir.

2 – Suspenso o andamento do feito para comprovação do prévio requerimento na via administrativa e, quedando-se inerte o sujeito em buscar o benefício junto ao INSS, é de ser mantido o decisum de extinção do processo sem resolução de mérito.

3 – Apelação improvida.” (TRF3 – NONA TURMA – APELAÇÃO CÍVEL – 1266994 – Processo: 200703990513456 – Relator JUIZ NELSON BERNARDES – DJF3 07/05/2008).

No mesmo sentido, o seguinte precedente do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DO FEITO. INTERESSE PROCESSUAL. CABIMENTO. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.

1. Cabível o processamento via instrumento do agravo manejado contra a decisão que determina a suspensão do processo até que se comprove o  indeferimento do benefício na via administrativa. Seria de todo inócua a conversão do agravo de instrumento em retido, já que, ou a parte não cumpre o provimento hostilizado e o processo  remanesce suspenso até ulterior extinção – relegado o enfrentamento  da questão para o julgamento de eventual recurso de apelação que  deverá versar unicamente sobre o discutido no presente agravo -, ou  cumpre o determinado e o recurso resta prejudicado.

2. Não havendo manifestação de mérito do INSS no que toca à pretensão da concessão de aposentadoria rural por idade, mormente tendo a agravante postulado o benefício com fundamento no início de prova material acostado aos autos, não merece censura a decisão suspensiva do feito. 3. O fato de a agravante presumir futura negativa da Autarquia Previdenciária em conceder-lhe o benefício não tem o condão de fazer surgir o litígio, requisito indispensável à provocação do Poder Judiciário”. (TRF4 – SEXTA TURMA – AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO – Processo: 200604000330221 – Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ – D.E. 09/03/2007).

Sobre essa matéria, já decidiu a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais:

“PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO, COM EFEITOS RETROATIVOS, DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. EXISTÊNCIA DE DIVERSOS REQUERIMENTOS ADMINISTRATIVOS. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO ADMINISTRATIVO PRÉVIO OU DA JUNTADA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS DA NATUREZA DA ATIVIDADE. PROCESSO EXTINTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. INCIDENTE NÂO CONHECIDO.

I – A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, vem adotando o entendimento de que é necessária a prévia caracterização da lide para atender à condição da ação relativa ao interesse de agir, o que se dá, no âmbito da concessão de benefícios previdenciários, com o prévio requerimento administrativo, em que haja indeferimento expresso do pedido ou demora injustificável para sua apreciação. Precedentes.

II – O acórdão recorrido não analisou a situação de concessão, mas a de revisão de benefício concedido em 1999, após a realização de três pedidos administrativos sucessivos.

III – A pretensão de reconhecimento e conversão de suposto tempo de serviço especial em comum, com efeitos retroativos, jamais foi realizada em qualquer dos processos administrativos ou tampouco apresentada documentação hábil, da qual não poderia se desincumbir a interessada sem justificativa, levando à extinção do feito, sem resolução de mérito, por falta de interesse de agir.

IV – A não configuração de divergência jurisprudencial, além do caráter processual da pretensão formulada, inviabiliza a pretensão formulada. Pedido de uniformização não conhecido”. (TNU – INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA – Processo: 200470950069512 – Relator  JUIZ FEDERAL RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA – DJU 08/09/2008).

Ressalta-se que o perigo da sedimentação da realidade que ora se contesta é que o Poder Judiciário assuma atividades de outros órgãos do Poder Executivo que não cumprem adequadamente com suas atribuições, o que acaba por tornar a atividade judicial cada vez mais administrativa e menos jurisdicional. Por outro lado, ao assumir tais encargos, deixa o Judiciário de agir em sua essência, dentro de suas finalidades precípuas, isto é, como órgão solucionador de conflitos de interesses.

Portanto, resta cristalina a necessidade de reflexão acerca do tema e um conhecimento mais profundo sobre os interesses envolvidos na esfera dos três poderes da República, visto que a situação fática identificada somente vem a obstar a entrega da jurisdição de forma efetiva e com a qualidade e celeridade que o jurisdicionado, ou seja, o povo, merece. Enquanto o Poder Judiciário tiver que se preocupar em fazer as funções que são próprias do Poder Executivo, menos tempo e atenção poderá dedicar para as questões que realmente lhe dizem respeito e para as quais foi idealizado. 

Outrossim, releva destacar que a exigência de ingresso prévio na via administrativa não viola o disposto no inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que traz o chamado princípio da inafastabilidade da jurisdição. Isto porque, se é certo que descabe à lei obstar o ingresso de quem quer que seja em Juízo, não é menos certo que, para facilitar e viabilizar o efetivo acesso à justiça, há de se respeitar requisitos mínimos exigidos para o exercício do direito constitucional de ação (CF, art. 5º, inciso LIV), ou seja, impõe-se que estejam presentes a legitimidade das partes, o pedido juridicamente possível e o interesse de agir. Sendo o direito de ação igualmente de fundo constitucional, a boa hermenêutica exige que tais princípios sejam compatibilizados.

Assim, ao mesmo tempo em que a Constituição de 1988 garante o amplo acesso ao Judiciário, ela também exige que tal acesso se faça com o atendimento de determinadas condições. Inexistindo uma delas, no caso a falta de interesse processual, inviabiliza-se, desde o início, o acesso ao Judiciário.

Ademais, é certo que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5o, inciso XXXV), porém se não é exigido o esgotamento da via administrativa, indispensável se faz que em algum momento o sujeito tenha tido sua pretensão resistida pelo INSS, a fim de que surja a lesão ou ameaça do direito, e, por conseguinte, o necessário interesse de agir.

Caso assim não se entenda, corre-se o risco de transferir ao Judiciário a tarefa que cabe ao Executivo por meio do INSS criado exclusivamente para tratar do assunto relacionado à Seguridade Social, sobrecarregando aquele primeiro que indevidamente estaria invadindo o campo de atuação do segundo, não obstante o princípio da separação dos Poderes da República (CF, art. 3º).

Por oportuno, cumpre destacar que o Egrégio Supremo Tribunal Federal já decidiu que a matéria “Prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário” é de “repercussão geral”, conforme “Leading Case: RE 631240”, autuado em 11/10/2010, e que se encontra sob a Relatoria do Ministro Roberto Barroso.

Trata-se o RE 631240 de Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 2º e 5º, XXXV, da Constituição Federal, a exigibilidade, ou não, do prévio requerimento administrativo, perante o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, órgão especializado, como requisito para o exercício do direito à postulação jurisdicional.

Ocorre que, muito embora os relevantes fundamentos de tudo o que ora foi sustentado, têm sido recorrentes os posicionamentos no sentido de ser “desnecessário para o ajuizamento de ação previdenciária o prévio requerimento administrativo do benefício à autarquia federal” (RE-AgR 549055, AYRES BRITTO, STF, DJ 10/12/2010), precedente que, dentre outros, tem reiteradamente sido adotado pelos Tribunais pátrios.

CONCLUSÃO

Assim, não estando comprovado que o sujeito buscou obter o benefício inicialmente na via administrativa (INSS), impõe-se o reconhecimento de restar caracterizada a ausência de interesse de agir (CPC, art. 3º), motivo pelo qual, com fundamento nos arts. 295, inciso III e 267, incisos I e VI, todos do Código de Processo Civil, a petição inicial haveria que ser indeferida.

Ressalta-se que o artigo 174, caput, do Decreto Federal nº 3.048/1999, prevê um prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para que o INSS responda ao pleito do segurado, sendo que o mero desatendimento deste prazo já bastaria para a caracterização do interesse de agir, indispensável para a propositura da demanda judicial.

Além disso, o art. 105, da Lei nº 8.213/1991 regula o direito de o sujeito ter o seu requerimento administrativo recebido, ainda que o INSS não seja obrigado a deferi-lo. Por isso, eventual recusa do servidor público quanto ao seu recebimento constitui falta grave que, se cometida, pode resultar em processo administrativo disciplinar e, até mesmo, em processo de natureza criminal, dependendo das circunstâncias fáticas.

Ademais, em grande parte das vezes o sujeito encontra-se devidamente assistido por advogado habilitado, que tem a prerrogativa de exigir a apreciação de qualquer requerimento administrativo em qualquer órgão da Administração Pública direta ou indireta, inclusive no INSS, conforme garante a Lei nº 8.906/1994 (art. 7º, incisos I, VI – alínea “c”, XI, XIII e XV), sem que possa alegar impedimento.

Contudo, ad cautelam, para evitar os prejuízos que uma eventual aplicação pura e simples do direito poderia acarretar, faz-se sempre oportuna a concessão de prazo sugestivo de 60 (sessenta) dias para que o sujeito então proceda ao requerimento administrativo do benefício almejado, comprovando-o frente ao Poder Judiciário, sob pena de, não o fazendo, então a petição inicial ser indeferida, nos termos dos arts. 295, inciso III e 267, incisos I e VI, do Código de Processo Civil, ante a ausência de interesse de agir como condição da ação imprescindível para o processamento de qualquer feito perante o Poder Judiciário.

 

Referências
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Execução Civil. 2a edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987.
THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 29ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999.
NEGRÃO, Theotonio; e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil. 6ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
NERY Junior, Nelson; e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 4ª edição. São Paulo: Editora RT.
Sítio eletrônico oficial do Supremo Tribunal Federal: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp
Sítio eletrônico oficial do Superior Tribunal de Justiça: http://www.stj.jus.br/SCON/
Sítio eletrônico oficial do Tribunal Regional da 3.ª Região: http://www.trf3.jus.br/NXT/Gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=trf3e:trf3ve
Sítio eletrônico oficial do Conselho da Justiça Federal: http://columbo2.cjf.jus.br/juris/unificada/?

Informações Sobre o Autor

Gustavo Catunda Mendes

Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e Juiz Federal no Estado de São Paulo


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