Resumo: A massificação do consumo, oriunda das transformações sociais provocadas pela Revolução Industrial, ao mesmo tempo em que proporcionou à humanidade maior conforto, acessibilidade e segurança no que se refere aos bens e serviços colocados no mercado à disposição do consumidor, trouxe também, como conseqüência, prejuízos àqueles, em decorrência da grande variedade de bens de consumo e das técnicas de produção utilizadas, oriundas da evolução tecnológica, facilmente observada ao longo do tempo. Anteriormente, as relações entre consumidores e fornecedores possuíam um relativo equilíbrio, haja vista o poder de barganha que se instalava entre estes na realização dos negócios jurídicos, uma vez que se conheciam. Todavia, guardando as devidas proporções, desde a revolução industrial, o fornecedor de produtos e serviços foi quem começou a ganhar força nas relações de consumo, pois é ele quem detém as técnicas de produção e oferta de seus produtos e serviços. Dessa forma, tendo em vista que o mercado de consumo começou a crescer em progressão geométrica, enquanto a ciência jurídica sempre cresceu em progressão aritmética, faz-se necessária a implementação de medidas que visem equilibrar ou mesmo reequilibrar as relações entre consumidor e fornecedor.
Recentemente, há aproximadamente três décadas, a defesa do consumidor começou a ser exercitada por aqueles que começaram a ser atingidos pelo crescimento da atividade industrial e dos diversos setores da prestação de serviços, embora naquela época ainda não existisse qualquer norma positivada que tivesse como finalidade maior a proteção dos interesses do consumidor. Todavia, há pouco mais de uma década, a ciência jurídica procurou, através da criação do Código de Defesa do Consumidor, acompanhar todo esse crescimento a fim de que se evitasse quaisquer prejuízos a quem viesse a utilizar-se dos bens e serviços colocados no mercado de consumo. Tal diploma legal trouxe em seu art. 4º, entre outros princípios, o da boa-fé objetiva, sendo este o mais importante, pois tem por finalidade garantir a proteção do consumidor enquanto parte reconhecidamente vulnerável na relação de consumo.
É cediço que o avanço tecnológico pode ser potencialmente prejudicial ao consumidor, na medida em que não seja tutelado pelo direito, favorecendo a prática de inúmeras abusividades, em detrimento de toda a sociedade. Ensina Fábio Ulhoa Coelho que:
“Em termos jurídicos, tecnologia é o saber industrial, isto é, aquele tipo de conhecimento que se pode utilizar na produção de um bem ou comodidade destinados à comercialização. Somente esta espécie de saber tecnológico tem valor de mercado, e, por isso, o direito se ocupa em disciplinar os muitos interesses que gravitam em torno de sua circulação econômica”.
Dessa forma, verifica-se que é de suma importância a intervenção estatal nas relações de consumo, no sentido de que se mantenha o equilíbrio que lhe é indispensável, destacando-se a aplicação do princípio da boa-fé como instrumento altamente eficaz na solução de conflitos envolvendo consumidores e fornecedores, seu aspecto moral como conduta individual (boa-fé subjetiva), e principalmente seu aspecto legal como dever de agir dos fornecedores nas relações de consumo (boa-fé objetiva), notadamente sua importância no Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, é possível notar que o Poder Judiciário, o Executivo, o Ministério Público e os órgãos administrativos vêm adotando diversas medidas, visando colocar consumidores e fornecedores em situação de igualdade, com base na aplicação do princípio da boa-fé objetiva, para dirimir conflitos oriundos das relações de consumo. Para tanto, serão tecidas considerações históricas acerca do tema, a evolução desse princípio, demonstrando quais são essas medias e a eficácia de cada uma, além do papel do consumidor como maior fiscal nas relações de consumo.
INTRODUÇÃO
Inicialmente, necessária se faz uma análise comportamental da sociedade ao longo dos tempos, haja vista a inegável existência de um conflito de valores entre a sociedade de séculos atrás e a moderna.
A título exemplificativo, antigamente os negócios jurídicos envolvendo contratos eram discutidos entre as partes contratantes, havia o poder de barganha, de negociação, ou seja, havia a chamada liberdade de contratar.
Tudo isso teve origem em 1804 com a criação do Código Napoleônico, lei inspiradora, inclusive, do Código Civil Brasileiro de 1916. Na época de Napoleão Bonaparte a liberdade era o principal valor perseguido pela sociedade, dando origem ao Estado Liberal. Já na sociedade moderna, uma sociedade tipicamente consumista, com a massificação do consumo tudo se tornou padronizado, visando a atender a alta demanda pelos bens colocados à disposição do consumidor no mercado. Conseqüentemente, a realização dos negócios jurídicos também se tornou padronizada, atualmente destacando-se os contratos de adesão, sendo que na maioria das vezes o consumidor e o fornecedor sequer se conhecem. Aquele apenas adere a cláusulas previamentre estipuladas pelo fornecedor, frise-se, apenas a título exemplificativo, sem qualquer prejuízo à abrangência do presente trabalho.
Ë exatamente nesse ponto que a boa-fé objetiva surge, no direito do consumidor, como princípio equilibrador ou reequilibrador das relações de consumo, tendo em vista o reconhecimento do consumidor como parte vulnerável na relação jurídica, sendo, justificando, assim, a aplicação do princípio da boa-fé objetiva em favor do consumidor.
Na lição de Plínio Lacerda MARTINS: “A boa-fé é um critério justo para a manutenção do vínculo obrigacional consagrando o equilíbrio na relação de consumo.”[1]
Com o avanço tecnológico, que vivemos nos dias de hoje, os diversos ramos sociais são atingidos. É verdade que muitos setores produtivos precisaram se reorganizar para acompanhar a veloz marcha tecnológica. Não só a economia fora abalada com isto, como também a própria vida cotidiana de cada indivíduo.
As normas que disciplinam a defesa do consumidor, quando de seu descumprimento, acabam por dar ampla margem a inúmeras práticas abusivas por parte dos fornecedores de produtos e serviços. Em virtude disso é que o Judiciário, bem como o Ministério Público e os órgãos administrativos devem promover, por exemplo, o controle das cláusulas e práticas abusivas nas relações de consumo, através da aplicação do princípio da boa-fé, uma vez que aquelas são informadas por este princípio.
Destaque-se que ainda é extremamente conflituosa a questão do confronto de princípios em nosso ordenamento jurídico, mesmo que a tendência atual seja a de elaboração de microssistemas que atendam determinadas situações jurídicas, tais como o Dec.-lei nº 58/37 (regula a venda de lotes e terrenos a prestação), Dec. nº 7.661/45, (regula as falências), Lei nº 8.245/91 (regula as locações), ou seja, microssistemas que afastam a incidência do Código Civil, Código Comercial e outros que encerravam em si princípios que serviam de marco para contratos estritamente individuais, sendo que, atualmente, não mais se destacam princípios envolvendo o pacta sunt servanda, mas sim aqueles que conferem o direito adequado à solução dos conflitos pela sociedade moderna e, portanto, aqueles que promovam a melhor justiça.
Na esfera consumerista isso se torna ainda mais evidente, uma vez que o consumo em massa provoca sensíveis mudanças no comportamento da sociedade, principalmente através da mídia, que é o maior veículo publicitário existente, muitas vezes levando o consumidor a adquirir produtos e serviços, nem sempre interessantes às suas necessidades. A priori, nem sempre é possível se observar a má-fé de certas empresas quando da veiculação de anúncios publicitários, acabando o consumidor por experimentar situações extremamente prejudiciais somente após a conclusão de um contrato ou da aquisição de um produto. Daí a necessidade da aplicação do princípio da boa-fé no controle de tais abusividades. Não se quer aqui dizer que os demais princípios de direito sejam desprestigiados, mas sim que sejam utilizados em harmonia com aqueles que se mostram mais afinados com a realidade social, respeitando o equilíbrio indispensável às relações de consumo.
O objetivo do presente trabalho é, então, demonstrar a importância do princípio da boa-fé objetiva como fator equilibrador nas relações de consumo, para tanto traçando considerações históricas acerca desse importante instituto, sua evolução na legislação ocidental, até sua incorporação pelo direito brasileiro, onde receberá maior enfoque, destacando-se sua aplicação pelo Poder Público, os mecanismos utilizados por este para coibir as abusividades nas relações envolvendo consumidores e fornecedores, bem como o papel da própria sociedade como ente fiscalizador das atividades empresariais.
1. A BOA-FÉ COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E OS IMPACTOS NA SOCIEDADE DE CONSUMO.
1.1. O CONCEITO DE BOA-FÉ
É fato inconteste que cada geração encontra novos problemas a solucionar ao longo da vida, pois novas idéias surgem, criando situações imprevistas, as quais nem sempre o direito codificado possui soluções, uma vez que, apesar do dinamismo que lhe é característico, a lei, em seu corpo é estática. Isso já era percebido desde a Roma antiga, onde foi visto que o direito deveria moldar-se às necessidades sociais, através das mesmas letras da lei.
Foi então que se procurou explicar as modificações do pensamento jurídico no corpo organizado dos códigos. Formulou-se, então, um grande número de princípios gerais, eternos, destinados a nortear a formação moral do homem, orientando-lhe as criações jurídicas a fim de que se adequassem à necessidade, ou seja, leis gerais impostas à obediência.
Todas as vezes que a lei falha em sua função socializadora, não provendo, assim, as necessidades sociais, tais princípios são evocados, rejuvenescendo-a, modificando-lhe a aplicação, permitindo, então, que o direito se faça presente.
Dentre os princípios elaborados pelo jus romanum, está o da eqüidade, o qual permite que se pratique a justiça quando a lei se mostrar obscura. Foi sobre a base desse princípio que se desenvolveu o princípio da boa-fé, que hoje norteia todas as relações jurídicas, sendo um princípio praticamente universal, e constante dos mais importantes sistemas legislativos ocidentais.
Todavia, para os doutrinadores, conceitua-la não é tarefa das mais fáceis, dada sua subjetividade absoluta, pois diz respeito a elementos eminentemente morais, ou seja, intrínsecos à pessoa humana, e por isso não sendo passível de prova direta. De um modo geral, os autores procuram conceitua-la sob dois prismas: positivo e negativo. Sob o aspecto positivo, a boa-fé se revela no momento em que o indivíduo age na crença de que procede com lealdade, sinceridade e convicto da existência do próprio direito. Dessa forma, a convicção é elemento imprescindível à sua caracterização, pois a dúvida da existência do direito a exclui, estando, portanto, de má-fé, aquele que duvida de seu direito. Sob o critério negativo, a boa-fé se resume na falta de consciência do agente, de que seu ato poderá acarretar prejuízos a outrem, ou seja, a ausência de vontade de prejudicar, contrapondo-se, assim, à má-fé.
Assim sendo, de modo positivo a boa-fé traduz a presença de convicção acerca do direito, e de modo negativo, a ausência do elemento volitivo.
Etimologicamente, a boa-fé deriva do latim bona fides, que quer dizer: fidelidade, crença, confiança, sinceridade, convicção interior. É exatamente o contrário da má-fé, sinônima de malícia, engano, dolo. Enquanto aquela é presunção de validade do ato jurídico, esta é causa de sua nulidade.
No direito do consumidor, ora alvo deste trabalho, a boa-fé, todavia, perde seu caráter subjetivo, e passa a ter caráter objetivo como norma de conduta, o que veremos mais à frente.
1.2. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
1.2.1 A BOA-FÉ NO DIREITO ROMANO
Considerada o laboratório jurídico do Ocidente, a Roma Antiga já percebia as transformações sociais radicais pelas quais a vida passava, o que, conseqüentemente refletia no direito. Novas questões, então, surgiam, as quais a lei codificada nem sempre conseguia solucionar. Os romanos então, se depararam com o abismo existente entre a rigidez dos textos e o dinamismo do direito, uma vez que a evolução, dado seu caráter contínuo, torna-se fatal para as leis.
A criação de princípios universais pelos romanos foi, então, a ponte construída para transpor esse abismo existente entre o direito e a lei positivada, dentre eles o da boa-fé, como já mencionado anteriormente. Isto porque na interpretação dos atos jurídicos deveria relevar-se a vontade do autor, colocando-se a letra da lei em plano secundário.
1.2.2 O CÓDIGO DE HAMURABI
A responsabilidade objetiva já podia ser sentida em textos antiqüíssimos, como no Império Babilônico, por exemplo. Visando defender os compradores de bens e serviços, o Rei Hamurabi impingiu uma forte legislação, contendo regras como a dos artigos 229 e 233 do Código de Hamurabi, que previam:
“Art. 229 – Se um pedreiro edificou uma casa para um homem mas não a fortificou e a casa caiu e matou seu dono, esse pedreiro será morto”
.“Art. 233 – Se um pedreiro construiu uma casa para um homem e não executou o trabalho adequadamente e o muro ruiu, esse pedreiro fortificará o muro às suas custas”.
Dessa forma, é possível notar, já em um texto legal antigo, a presença da responsabilidade objetiva, consagrada pelo Código de Defesa do Consumidor, através do princípio da boa-fé objetiva, ou seja, a preocupação com a reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos oriundos de projetos, fabricação, construção, entretanto com o diferencial da pena capital, prevista no art. 229 daquele texto, mas inexistente em nosso ordenamento jurídico.
1.2.3 A BOA-FÉ NO DIREITO CANÔNICO
No direito canônico, ao contrário do direito romano, a boa-fé nos negócios jurídicos significava a ausência de pecado, e permitia o aparecimento da má-fé. Plínio Lacerda Martins cita o caso do usucapião que, “no Decreto do período romano clássico, possibilitava requerer a bona fides apenas no início da posse, para que a mesma facultasse a aquisição por usucapião; já na bona fides Decretais exigido pelo direito canônico teria de exigir durante todo o percurso prescricional, constando essa posição no Code Iuris Canonici, consolidando assim, na linha de valores próprios do direito da Igreja, que a boa-fé dependeria sempre da consolidação do pecado, traduzindo assim a boa-fé canônica na ausência de pecado”[2]. A boa-fé é, portanto, no direito canônico, um estado de consciência individual.
1.2.4 A BOA-FÉ NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
O Código Civil Brasileiro de 1916 não consagrou expressamente o princípio da boa-fé como cláusula geral, o que, segundo magistério de Caio Mário da Silva Pereira, foi uma falha imperdoável, tendo em vista tal princípio já haver sido consagrado em Códigos como o francês, em seu artigo 1.134, e o alemão, em seu parágrafo 242.
Todavia, o Novo Código Civil de 2002 finalmente preencheu esta lacuna, aparecendo a boa-fé dispondo em seu art. 422 in verbis:
“Art. 422 – Os contraentes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”
Porém, apesar de inserida como cláusula geral no Novo Código Civil, assevera o supracitado jurista que “esqueceu-se o legislador de incluir expressamente na fórmula do art. 422 os períodos pré e pós-contratual, dentro dos quais o princípio da boa-fé tem importância fundamental para a criação de deveres jurídicos para as partes, diante da inexistência nessas fases de prestação a ser cumprida. Essa omissão não implica negação da aplicação da regra da boa-fé para essas fases antecedentes e posteriores ao contrato, muito pelo contrário, já que cabe aqui a interpretação extensiva da norma para abranger também as situações não expressamente referidas, mas contidas no seu espírito”[3].
Traços semelhantes com a norma consumerista podem ser notados ainda no diploma civilista em seu art. 423 in verbis:
“Art. 423 – Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”
É o que prescreve o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 47 in verbis:
“Art. 47 – As cláusulas contratuais serão interpretadas der maneira mais favorável ao consumidor.”
Ou seja, tendo em vista que a maioria esmagadora dos contratos de consumo é de adesão, é flagrante a semelhança entre o disposto na lei civil vigente e o Código de Defesa do Consumidor, lembrando apenas que, no direito brasileiro, este último diploma legal foi pioneiro em adotar o princípio da boa-fé como cláusula geral, inclusive salvaguardando o contrato em todas as suas fases.
1.3. PANORAMA DA BOA-FÉ NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA
Como visto anteriormente, a consagração do princípio da boa-fé como cláusula geral chegou tarde ao direito brasileiro. Tal fenômeno só pôde ser assim observado em 1990, com a edição do Código de Defesa do Consumidor, e mais recentemente com a chegada do Novo Código Civil. Na legislação estrangeira, a proteção do consumidor goza de avançada especialização, tendo os países nórdicos como pioneiros a se concientizarem acerca dos interesses dos consumidores. Em 1971, foi criada na Suécia o Ombudsman e o Juizado de Consumo, sendo no ano seguinte seguida pela Noruega, pela Dinamarca em 1974 e pela Finlândia em 1978.
Não é difícil, entretanto, entender o por quê da legislação estrangeira ter sido a pioneira na busca de medidas que visavam solucionar os problemas vividos pela sociedade consumo. Segundo Hélio Gama, “o movimento consumerista originou-se nas lutas dos grupos sociais contra as discriminações de raça, sexo, idade e profissões vividas no final do século XIX e no início do século XX”[4], por ocasião do industrialismo, que provocou sensíveis transformações na sociedade, alterando o panorama político, econômico, social e jurídico, oriundas do liberalismo emergente do século XIX. Logicamente, a inovação tecnológica e o processo de produção em massa provocaram maiores reflexos na Europa, berço da Revolução Industrial, implicando um desenvolvimento em larga escala, fazendo com que as legislações dos países não conseguissem acompanhar as transformações no seio social. Era necessário, então, que se estabelecesse uma nova ordem jurídica, a fim de que se harmonizassem as relações de consumo.
Em 1985, a 106a. Sessão Plenária da ONU estabeleceu, através da Resolução nº 39/248, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, reconhecendo-o como a parte mais fraca na relação de consumo, e tornando-o merecedor de tutela jurídica específica, exemplo este seguido pela legislação consumerista brasileira.
Na Inglaterra, em 1977, criou-se o “Unfair Contract Terms Act”, consistente num sistema de defesa do consumidor que objetivava o reconhecimento da nulidade das cláusulas abusivas, notadamente aquelas que viessem a excluir a responsabilidade e riscos do fornecedor, fora dos requisitos de razoabilidade, sendo que, naquele caso, a razoabilidade possui caráter objetivo, segundo padrões consagrados.
Na França, a legislação consumerista é vasta, estando a boa-fé inserida nos artigos 1.134 e 1.135 do Código Civil Francês (Code Napoleon). Em 1973, foi editada a “Lei Royer”, destinada à proteção do pequeno comércio e do artesanato, a qual continha normas de regulamentação da publicidade ilícita e a permissão de exercício da ação civil pelas associações de consumidores. Criou-se ainda, em 1978, a Lei nº 78-22, conhecida como “Lei Scrivner”, controladora das cláusulas abusivas, e a Lei nº 78-23, que em seu artigo 35 elenca os elementos caracterizadores da abusividade nas relações de consumo. Em 1995, foi editada a lei nº 95-96, que veio a modificar alguns artigos do Código do Consumo (Code de la Consommation), introduzindo o art. 132-1, prevendo que, nos contratos concluídos entre profissionais e não profissionais ou consumidores, são abusivas as cláusulas que criem, em detrimento do não profissional ou consumidor, um desequilíbrio significante entre os direitos e obrigações das partes contratantes.
Figura interessante, recentemente incorporada pelo direito francês é o chamado Superendividamento, caracterizado pela concessão desordenada de créditos a consumidores já endividados. Interessante frisar que no direito francês, em se tratando de superendividamento, existe a boa-fé do devedor, que é presumida. Nos ensinamentos de Geraldo de Faria Martins da Costa: “A boa-fé deve ser apreciada não somente no momento da apreciação da demanda, mas também na fase anterior à abertura do procedimento de tratamento da situação de superendividamento”.
No direito italiano, ao contrário do que prescreve a lei consumerista brasileira e a alemã, as cláusulas abusivas não são nulas de pleno direito. Segundo o artigo 1.341 do Código Civil Italiano, as cláusulas abusivas podem ter eficácia, uma vez que especificamente aprovadas por escrito, sendo que a “aprovação”, nesse sentido, traduz a idéia de consentimento. Vale aqui, então, transcrever o teor do dispositivo acima citado, que estabelece in verbis:
Art. 1.341 – “As condições gerais do contrato previamente estabelecidas por um dos contratantes serão eficazes em relação ao outro se, no momento da conclusão do contrato, forem do conhecimento deste último ou se deveriam sê-las de seu conhecimento segundo o critério de diligência ordinária”.
Nota-se, então, que o princípio da autonomia da vontade, tendo como máxima o pacta sunt servanda ainda se faz presente em plano primário na lei italiana. Entretanto, o codex italiano traz a boa-fé expressa em seus artigos 1.175 e 1.337. O primeiro dispositivo prescreve que o devedor e o credor devem se comportar segundo regras de correção, enquanto o segundo diz que a parte, no desenvolvimento e na formação do contrato, devem se comportar segundo a boa-fé. Ou seja, o dever de comportamento segundo as regras de correção e o dever de comportamento segundo a boa-fé, nada mais traduzem do que a boa-fé objetiva, pois ambos os dispositivos citados trazem consigo uma norma de comportamento.
A regra consumerista espanhola se assemelha bastante com o nosso Código de Defesa do Consumidor, consignando a boa-fé como requisito para o equilíbrio nas relações de consumo. Tal regra está inserida no artigo 10 da lei General para la Defesa de los Consumidores y Usuários.
Em Portugal, a boa-fé está inserida como princípio geral no artigo 16 do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de outubro de 1985, proibindo as cláusulas contratuais contrárias à boa-fé. Semelhantemente à lei consumerista brasileira, o Código Civil português, em seu artigo 227, procurou resguardar os contratos em suas fases preliminares e de formação, dispondo que as partes devem proceder segundo as regras de boa-fé, prevendo, ainda, a reparação por ato ilícito por aquele que culposamente causar danos à outra parte.
Importante diploma civilista que trata da boa-fé objetiva é o Código Civil alemão. Estabelece o § 242 do BGB (Código Civil Alemão) que o devedor está adstrito a realizar a prestação tal como o exija a boa-fé, com consideração pelos usos e costumes de tráfego. Destaca a doutrina consumerista brasileira que o inciso IV do artigo 51 do nosso Código de Defesa do Consumidor foi inspirado no § 9º da lei das Condições Gerais dos Negócios (AGB-Gesetz) que, além de adotar o princípio da boa-fé, proibiu o estabelecimento de vantagem exagerada a uma das partes na relação de consumo. Nelson Nery Júnior frisa que a regra contida no § 242 do BGB não só é válida para as relações consumo, mas para todas as relações jurídicas. Outro traço interessante no direito alemão diz respeito aos §§ 10 e 1 da AGB-Gesetz, que prevêem as listas negra e cinza, respectivamente. Trata a primeira das cláusulas contratuais absolutamente ineficazes, e a segunda das relativamente ineficazes. Destaque-se que tal divisão é de cunho doutrinário.
Além das legislações acima citadas, o direito do consumidor alemão goza ainda de legislações específicas, como a VerbrKrg (Lei de crédito ao consumo), criada em1990 com a finalidade regular os contratos de crédito e os contratos de agenciamento de crédito, privilegiando a posição do consumidor, que pode, por exemplo, revogar unilateralmente o contrato. Há também a HausTWG (Lei sobre a revogação de negócios realizados na porta de casa e negócios semelhantes) que, inclusive foi alterada pela lei anteriormente mencionada. Essa lei contém um traço interessante acerca da declaração de vontade, levando-se em conta o local da declaração.Harriet Christiane Zitscher assinala que tal declaração “deve ser manifestada no local de trabalho do consumidor ou na sua residência privada; quando terceiro leva a algum local; ou nas ruas ou meios de transporte”. É importante lembrar que as legislações acima referidas aplicam-se no campo da proteção contratual do consumidor. Mas há também outras legislações específicas objetivando a proteção extracontratual do consumidor. Como exemplo citamos a ProdHaftG de 1989, conhecida como Lei sobre a responsabilidade por produtos defeituosos e a ProdSG de 1997 (Lei sobre a exigência de segurança de proteção e para a proteção do símbolo CE). Essa lei foi criada com o objetivo de regulamentar as exigências de produtos e para que possuam a informação CE, que identifica a origem do produto como sendo a União Européia.
Nota-se, então, através do estudo da legislação alemã, que o nosso direito do consumidor acabou por se inspirar em grande parte naquele sistema, que consagra o direito à proteção e à informação, o direito à proteção da saúde e segurança, direito à proteção de seus interesses econômicos, direito ao ressarcimento do dano sofrido, direito à instrução e formação e o direito à representação (direito de ser ouvido).
1.4. DISTINÇÃO ENTRE BOA-FÉ SUBJETIVA E OBJETIVA
Antes de adentrar efetivamente na boa-fé consagrada pelo direito do consumidor, é de bom alvitre que sejam tecidos alguns comentários, diferenciando-a da boa-fé subjetiva.
Foi visto anteriormente que a boa-fé, em sentido amplo, é o sentimento intrínseco de crença que o indivíduo traz consigo, ou seja, no plano particular, de atuar corretamente, convicto de estar agindo conforme o direito. É uma manifestação estritamente psicológica e, portanto, contrapondo-se à má-fé, caracterizando sua inexistência como atuação dolosa.
Entretanto, quando se fala em boa-fé objetiva, também conhecida como boa-fé obrigacional, não há que se levar em consideração o fator psicológico caracterizador da boa-fé subjetiva, pois aquela configura-se como um dever de agir conforme modelos socialmente aceitos, de forma que a relação jurídica seja conduzida de forma honesta, leal e correta, ou seja, sua feição objetiva impõe um padrão de conduta aos que se obrigam na relação jurídica. Para Plínio Lacerda Martins, “a noção de boa-fé objetiva constitui novo princípio a conduta dos contraentes nos contratos atuais”[5], pois, não só no direito do consumidor, como em todo o direito obrigacional, são nesses instrumentos de negociação que se vislumbra com maior facilidade o desequilíbrio entre os contraentes. Em matéria consumerista, a aplicação desse princípio se torna ainda mais evidente, porquanto é inegável que a grande maioria das relações entre consumidores e fornecedores se firma através de contratos, e o Código de Defesa do Consumidor veio a consagrar o princípio da boa-fé objetiva, até mesmo antes do Novo Código Civil, como cláusula geral, visando a otimizar o comportamento contratual dos contraentes, principalmente o do fornecedor de produtos e serviços, que com o crescente desenvolvimento tecnológico, o crescimento da demanda do mercado de consumo e a falta de cultura jurídica da população de um modo geral, a cada dia se torna parte mais forte nesse tipo de relação, o que, via de conseqüência, resulta no desequilíbrio da relação jurídica que se forma.
1.5 A BOA-FÉ NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Prescreve o art. 4º do diploma consumerista in verbis:
“Art. 4º – A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, a respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.”
Da simples leitura do dispositivo legal supratranscrito, percebe-se, logo no inciso I, que o Código de Defesa do Consumidor consagrou o princípio da vulnerabilidade, reconhecendo o consumidor como a parte mais frágil na relação de consumo. Na verdade, isso ocorreu em conformidade com a Resolução da ONU 39/248 de 1985, que estabeleceu em seu art. 1º que o consumidor é a parte mais fraca, denotando, então, tal reconhecimento em âmbito mundial. A explicação para tanto se verifica no fato de que o consumidor é aquele que acaba por submeter-se ao poder de controle dos titulares dos bens de produção, ou seja, dos empresários, pois não tem, aquele, os conhecimentos técnicos necessários a elucidar quaisquer questões que envolvam o produto adquirido ou o serviço prestado, sejam elas referentes à produção, vícios, oferta, modo de execução do serviço etc., tendo em vista a especificidade que lhes é inerente. O que se objetivou com o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor foi, antes de qualquer coisa, a facilitação de sua defesa.
No tocante ao inciso III, nota-se que a preocupação primária do legislador foi a de harmonizar os interesses de consumidores e fornecedores, isso porque a harmonia e o equilíbrio são fatores indispensáveis para que haja a tão esperada justiça. Não há como negar que o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor mostra-se altamente protecionista, se comparado à legislação consumerista francesa, por exemplo, que, aliás, lá possui a denominação de Código do Consumo (Code de la Consomation), pois tutela não somente os interesses dos consumidores, como também os interesses dos fornecedores. Da mesma forma, pode se notar que o legislador pátrio não se preocupou tão somente com os interesses dos consumidores, mas sim de todos os fatores que propiciam o desenvolvimento do mercado de consumo. Tal conclusão é no mínimo lógica, uma vez que, para que haja desenvolvimento econômico e tecnológico, é preciso que haja quem consuma, ou seja, quem diga se os produtos e serviços colocados no mercado de consumo estejam atendendo a demanda de forma satisfativa, ou seja, a crítica do consumidor aos produtos e serviços acaba por obrigar as empresas a investirem em novas técnicas de produção, técnicas de marketing, merchandising etc..
Todavia, como já foi visto anteriormente, a estática da lei codificada nem sempre permite que a justiça seja sentida. E é essa mentalidade que o nosso Código de Defesa do Consumidor procurou incorporar, pois a experiência pós-Revolução Industrial mostra que as transformações sociais se tornaram tão grandes e seqüenciais que o Estado, em seu labor jurídico, acaba por quedar-se diante das mesmas, pois as demais ciências, que não a jurídica, pelo menos em sua devastadora maioria são despidas da burocracia, tão característica do direito.
Por isso é que a boa-fé objetiva veio, na lei consumerista brasileira, como cláusula geral, regra padrão de conduta, um princípio ao qual se pode socorrer na falta da lei, porquanto é ele maior que a norma, é um princípio, um mandamento nuclear, cujo respectivo desrespeito colocará todo um sistema em xeque, posto que lhe é o norteador.
Como já dito anteriormente, nos contratos é que se torna ainda mais evidente a aplicação desse princípio, pois a cláusula geral de boa-fé foi adotada pelo Código do Consumidor, implicitamente, devendo reputar-se inserida e existente em todas as relações jurídicas de consumo, mesmo que não inserida de forma expressa no contrato. Nesse sentido, vale aqui citar o art. 51, inciso IV do diploma legal acima referido, que diz in verbis:
“Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam imcompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.”
Segundo os autores do anteprojeto do código, a verificação da presença de boa-fé na conclusão do negócio jurídico cabe ao magistrado, no intuito de constatar se determinada cláusula contratual é ou não válida perante o dispositivo supra transcrito. Já no que diz respeito à eqüidade, esta constitui regra de julgamento apenas nos casos prescritos em lei, consoante prescrição do art. 127 do Código de Processo Civil. Sendo assim, nesses casos o juiz não julgará com base na eqüidade, mas tão somente observará o que está de acordo com a eqüidade e a boa-fé.
Traço interessante encontrado no Código de Defesa do Consumidor brasileiro, intimamente ligado ao princípio aqui estudado, diz respeito ao direito à informação previsto no artigo 6º, III do diploma legal acima citado. Nesse sentido, ensina Tereza Negreiros que “o mais típico dever acessório derivado do princípio da boa-fé é o dever de informar”. Na verdade isso se verifica porque em uma relação de consumo não só a obrigação principal é objeto de tutela, mas sim o interesse global, ou seja, ao adquirir um produto ou serviço o consumidor tem o direito de acesso a todas as informações acerca do que está adquirindo.
2. AS PRINCIPAIS FORMAS DE CONTROLE DAS ABUSIVIDADES
2.1 O PAPEL DO JUDICIÁRIO
Atualmente, quando se fala em Direito das Obrigações, a figura da função social do contrato vem sendo cada vez mais prestigiada. A liberdade de contratar foi protegida, sendo então, os contraentes, submetidos aos princípios da probidade e da boa-fé. Com a edição do Novo Código Civil, dois novos institutos foram consagrados, quais sejam, o estado de perigo e a lesão. Relativamente a esta última figura, vale lembrar que já havia sido incorporada ao direito pátrio pelo Código de Defesa do Consumidor, objetivando a defesa dos economicamente mais fracos.
Como visto anteriormente, a boa-fé serve como regra de julgamento pelo magistrado quando da apreciação de questões, as quais a lei nem sempre prevê. Cabe destacar que, conforme constatado na pesquisa realizada junto à doutrina e jurisprudência, são três as funções da boa-fé, quais sejam, interpretativa, de integração e de controle.
No que se refere à função interpretativa da boa-fé, esta se observa quando por exemplo, um contrato de adesão contenha em si cláusula obscura e duvidosa, o que permite ao juiz afastar-se de qualquer outra interpretação, que não aquela em favor do contraente aderente. O artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor é um exemplo de norma que prevê essa função, ao determinar que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
As funções integradora e controladora da boa-fé nada mais refletem do que a busca do equilíbrio entre os partícipes da relação de consumo. Decidiu o STJ em Recurso Especial que:
“Os princípios fundamentais que regem os contratos deslocaram seu eixo do dogma da autonomia e do seu corolário da obrigatoriedade, para considerar que a eficácia dos contratos decorre da lei, a qual sanciona porque são úteis, com a condição de serem justos. O art. 53 do CDC veio apenas expressar um enunciado que já estava presente no ordenamento e era aplicado sempre que necessário para restabelecer o equilíbrio entre as partes, afastar a vigência de cláusulas resultantes do arbítrio de uma, impor o respeito ao princípio da boa-fé e fazer cumprir a solidariedade social”[6].
Judith Martins Costa, em sua obra “Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro” destaca que no Brasil, mesmo tendo sido incorporada ao direito legislado em 1990, através da edição do Código de Defesa do Consumidor, há quinze anos os tribunais brasileiros vêm utilizando o princípio da boa-fé objetiva como fonte de específicos deveres de conduta e como limite ao exercício de direitos. Assinala a autora que dos Tribunais brasileiros, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é o que guarda o maior número de decisões cujo teor aprecia o princípio da boa-fé como regra de conduta, demonstrando, segundo suas palavras, uma “modelagem brasileira” da boa-fé objetiva, de cunho fortemente jurisprudencial. Muitos autores devem tal transformação na mentalidade jurídica brasileira à obra de Clóvis do Couto e Silva, autor da obra “O princípio da boa-fé no direito brasileiro e português”[7] que, inclusive, compartilha da opinião de Caio Mário da Silva Pereira no que se refere à falha do legislador e da doutrina brasileira ao não dar à boa-fé a devida importância no campo do direito obrigacional.
Jurisprudência interessante firmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul diz respeito à Apelação Cível nº 598225720, julgada pela 17a. Câmara Cível em 1999[8], a qual decidiu acerca do comportamento de cliente correntista de banco que alegou inexistência de débito aos realizar sucessivos saques. Asseverou o Relator Demétrio Xavier Lopes Neto, que tal expediente veio a ferir a boa fé, quebrando-se, assim, o dever de lealdade do cliente em relação à instituição financeira. Vislumbra-se aqui um caso não muito freqüente de se observar, onde o Poder Judiciário apreciou o princípio da boa-fé objetiva contra o consumidor. Segundo Judith Martins Costa, tal decisão foi prolatada mediante a verificação da existência da função de “otimização”[9] do comportamento contratual, decorrente do destaque que a função social do contrato vem ganhando atualmente. Em observância ao dever de cooperação que as partes devem guardar, aquele mesmo Tribunal decidiu que age com deslealdade o advogado que recomenda providência judicial onerosa para o cliente e benéfica a ele, estipulando-a no contrato de honorários, caso este que levou à nulidade da cláusula[10].
Em instância superior, decidiu o STJ que o estabelecimento bancário que coloca área de estacionamento à disposição do cliente, assume também o dever de proteção do bem ali guardado, oriundo da boa-fé objetiva[11]. Percebe-se, então que, ao apreciar a lide o julgador levou em conta não só os interesses decorrentes do contrato bancário, mas sim a totalidade dos interesses envolvidos. Nesse sentido, assevera Flávio Alves Martins que além do dever de prestação há também o dever de conduta, sendo que:
“(…) aqueles são destinados a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação; enquanto estes, também chamados laterais, correlatos ou acessórios, são os que, não interessando diretamente à prestação principal, são importantes ao correto processamento da obrigação”[12].
Essa opinião é compartilhada por Tereza Negreiros, como já visto anteriormente no que se refere às prestações acessórias. Exemplo disso pode ser encontrado na Apelação Cível nº 589071711 do TJRGS. Versa o caso sobre furto de veículo em estacionamento de um shopping center, o qual acabou por ser condenado ao pagamento de indenização pelo ocorrido. Em 1a. instância, decidiu-se pela improcedência do pedido, ao argumento de que a gratuidade do estacionamento constitui em um fator impeditivo da responsabilidade contratual. Todavia, entendeu aquele Egrégio Tribunal que o ato do consumidor aceitar a oferta e deixar seu veículo estacionado no parque, por si só acaba gerando a relação obrigacional, porquanto o bem acaba ficando sob a guarda do esquema de segurança disponibilizado pelo estabelecimento, também decorrente do contrato social como elemento necessário e quase sempre imprescindível para a prática dos atos de mercancia em locais como o shopping que, apesar de não exigir pagamento imediato pelo estacionamento, acaba por embuti-lo no preço dos bens e serviços por ele prestados.
Afirma, ainda, o autor, que nos últimos anos o Código de Defesa do Consumidor foi a fonte mais recorrida pelos juízes quando da aplicação do princípio da boa-fé. Certamente isso se deve ao fato do CDC haver sido o primeiro diploma legal a consignar a boa-fé objetiva de forma expressa em nosso ordenamento jurídico.
2.2 A FUNÇÃO DO PARQUET
Para alguns autores, o controle das abusividades nas relações de consumo somente pode ser exercido pelo Judiciário, à exemplo da Alemanha. Há países onde tal controle é misto, como a Suécia, e outros como a França, que adotou o controle puramente administrativo pela autoridade competente.
Todavia, a realidade brasileira mostra que o Ministério Público vem adotando o inquérito civil como forma de controle das cláusulas contratuais abusiva. Mesmo com o veto do § 3º[13] do artigo 51 e do § 5º[14] do artigo 54, ambos do Código de Defesa do Consumidor, que previam a intervenção do Ministério Público como agente controlador das cláusulas contratuais abusivas, Newton de Lucca esclarece, citando palestra proferida por Nelson Nery Júnior, que o Ministério Público do Estado de São Paulo já exercia o controle administrativo dessas cláusulas através da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), demonstrando que, na prática, tal veto presidencial não traria maiores conseqüências. Aliás, se for feita uma análise detalhada do § 5º do artigo 54 do codex citado, vislumbrar-se-á que, de fato, seria inviável que todos os contratos de adesão fossem submetidos ao crivo do Ministério Público, tornando-o demasiadamente sobrecarregado, em detrimento de outras prerrogativas ministeriais.
Assinala Plínio Lacerda Martins que o Ministério Público continua exercendo o controle das cláusulas abusivas, tendo como instrumento o inquérito civil, expressamente previsto no artigo 90 do diploma consumerista, sendo seu procedimento regulado pelo artigo 8º, § 1º da Lei nº 7.347/85. Nesse procedimento, o Ministério Público pode arregimentar documentos, informações, proceder à oitiva de testemunhas e interessados, proceder à realização de perícias e exames, tudo objetivando a formação de um juízo acerca da existência ou não de cláusula abusiva. E segue o autor, dizendo tratar-se de procedimento inclusive passível de composição extrajudicial, tornando assim efetivo o controle administrativo, sem que se necessite da apreciação do judiciário. Afirma o mesmo autor, mencionando a crítica de Nelson Nery Júnior acerca do veto supracitado, que apenas o “caráter geral da decisão” do órgão ministerial é que ficou prejudicado pelo veto.
No que diz respeito ao controle das referidas cláusulas, este pode ser exercido de forma abstrata e concreta. A primeira forma se verifica quando não existe ainda uma violação do direito concreto do consumidor, ou seja, este não sofreu ainda nenhum dano. Entretanto, pode o Ministério Público receber reclamação a fim de verificar a existência de cláusulas abusivas. Nesse caso, qualquer interessado, ou até mesmo o órgão ministerial, por iniciativa própria. No segundo caso, há efetivamente uma violação do direito do consumidor. Nesse caso, o consumidor prejudicado encaminhará representação ao órgão, a qual se limitará a apreciar o fato concreto. Ou seja, no primeiro caso verifica-se a existência de cláusulas gerais que ainda receberão a adesão do consumidor, e no segundo, a existência de uma situação já concretizada, oriundo de uma relação de consumo específica. Nesse passo, é importante ressaltar que o Parquet não só defenderá direitos que, em tese, poder-se-iam classificar em individuais, mas acima de qualquer coisa o interesse social, conforme previsto no artigo 1º da lei consumerista.
Interessante frisar que a legitimidade do Ministério Público para propor a defesa do consumidor em juízo decorre de previsão Constitucional (art. 129, IX), e não restam dúvidas acerca da importância do controle promovido por este importante órgão, uma vez que, assim procedendo, nada menos estará fazendo do que cumprindo seu papel de fiscal da lei.
2.3 OUTRAS FORMAS DE CONTROLE
Além das formas de controle das cláusulas abusivas acima referenciadas, há de se destacar a importante atuação dos órgãos administrativos de proteção e defesa do consumidor e de diversas associações criadas para esse fim.
No âmbito da administração pública os PROCONs se fazem presentes em muitos municípios dos Estados da Federação. Dentre as atribuições conferidas a estes órgãos estão as de atendimento ao público, fiscalização das atividades empresariais, instauração de processos administrativos, multas, dentre outras. O artigo 33 do Decreto nº 2.181/97, por exemplo, prevê o processo administrativo como forma de apurar as práticas que atentem contra as normas de proteção e defesa do consumidor. É bem verdade que em municípios de menor porte a atuação dos PROCONs nem sempre apresenta reflexos de destaque, como em cidades de maior porte. Entretanto, não é por isso que sua importância seja menor, porquanto em muitos casos a composição extrajudicial pode ser verificada, a exemplo do Ministério Público, exteriorizando-se, então, o controle administrativo, não só das cláusulas abusivas, como também das práticas abusivas, estas nem sempre dependentes da existência de um contrato para que sejam verificadas. Recentemente, o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (DPDC), da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça vem promovendo programas que incentivam a criação de PROCONs nos municípios. Aliás, o DPDC é outro importante mecanismo de controle, cujas atribuições estão elencadas no artigo 106 e incisos do Código de Defesa do Consumidor. Prevê, ainda, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) a criação de órgãos e instituições aptas a promover a defesa do consumidor, podendo aqui ser citadas as Associações de Defesa do Consumidor, Associações de Donas de Casa, que refletem nada menos do que o próprio consumidor como fiscal de seus direitos.
Além do controle administrativo das cláusulas e praticas abusivas, há de se destacar o controle através de normas incriminadoras que prevêem o comportamento dos fornecedores, passível de apreciação no âmbito penal, uma vez que as sanções administrativas e as indenizações civis se mostram insuficientes diante da gravidade desses comportamentos. A previsão penal para os crimes envolvendo relações de consumo está expressamente prevista no artigo 61 usque 80 do CDC. Nesse sentido, afirma Fábio Ulhoa Coelho em seu “Manual de Direito Comercial”:
“Para assegurar a proteção ao consumidor, a lei tipifica como crime a inobservância de quase todos os deveres impostos aos empresários. Assim, desde a omissão de informações sobre a periculosidade do produto até a promoção de publicidade enganosa ou abusiva, define o CDC uma série de infrações penais, responsabilizando qualquer pessoa que concorrer para a prática criminosa, bem como o representante legal da sociedade empresária (administrador, gerente ou diretor) que promover, permitir ou aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços em condições vedadas pela lei (CDC, arts. 61 a 80)”.
Ainda no que diz respeito aos mecanismos de controle das abusividades, verifica-se em nosso ordenamento jurídico a presença de legislações específicas, reflexo do intervencionismo estatal no que se refere a conter abusos praticados nos contratos de adesão, em detrimento do consumidor. A título ilustrativo, podemos citar, além do disposto no artigo 51 do CODECON, a edição, pelo Governo Federal, da Lei nº 9.656/98, que objetivou a regulamentação dos contratos de planos de saúde, haja visto o número elevado de reclamações nos PROCONs.
3. EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO
Como já explanado anteriormente, no início deste trabalho, é notório o crescimento acentuado do consumo na sociedade moderna. Mesmo que não percebamos, acabamos por praticar inúmeras relações de consumo ao longo de cada dia de nossas vidas, desde a manhã, quando nos dirigimos ao banheiro para praticar hábitos de higiene, utilizando a água, a escova e a pasta de dentes, o papel higiênico, a toalha etc., até à noite, quando encostamos a cabeça no travesseiro, deitamos no colchão e, por muitas vezes, ligamos a televisão, que nos bombardeia com propagandas das mais variadas. É tão acentuada a orgia consumista, que hoje em dia até canais de vendas, que ficam no ar vinte e quatro horas por dia, vêm se multiplicando, principalmente nos canais por assinatura, herança dos Estados Unidos, maior mercado de consumo do mundo.
Geraldo de Faria Martins da Costa chama a atenção para a chamada “embriaguez[15] do consumidor, causada pela incitação publicitária, que o torna pronto para comprar e a tudo comprar, e continua, afirmando que:
“Iludido pela publicidade matreira, o consumidor é psicologicamente condicionado pela idéia “por que não eu?” Ou pelos refrãos “você pode comprar”, “compre tudo, imediatamente tudo” Pagar parcelado tornou-se um hábito, ou até uma boa forma de viver. Os estudiosos vêem nessa ideologia uma questão de sobrevivência do capitalismo que não seria possível sem a criação no consumidor de uma série de necessidades relativas a um desejo desenfreado de conforto e novas comodidades”.
O mesmo autor ainda afirma que, segundo pesquisas, no Brasil os consumidores de poder aquisitivo mais limitado são os que mais consomem produtos de alta tecnologia e qualidade, como forma de alimentarem sua auto-estima. Via de conseqüência, produtos de primeira necessidade acabam por serem substituídos por eletroeletrônicos, vestuário caro etc., sendo que tal expediente exacerbado de consumo acaba por comprometer sobremaneira a renda desses consumidores.
O 5º Congresso Brasileiro de Defesa do Consumidor trouxe em seu Painel 8 algumas conclusões acerca do direito básico à educação para o consumo. Destacou-se em primeiro lugar a importância da escola como meio ideal para a informação e formação do consumidor, a fim de que este possa desempenhar seu papel de forma consciente, crítica e participativa. O artigo 6º, II do CODECON prevê expressamente a educação do consumidor, asseverando os autores do anteprojeto do código que a educação ali tratada deve ser encarada sob dois aspectos. O primeiro deles diz respeito à educação formal, que é exatamente aquela ministrada no primeiro grau das escolas públicas e privadas, abordando o tema em disciplinas como a educação moral e cívica (aspectos legais e institucionais), ciências (aspectos técnicos) etc.. O segundo aspecto diz respeito à responsabilidade dos próprios fornecedores, levando-se em conta aspectos éticos que envolvam a informação do consumidor em relação às características dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo, caracterizando, assim, um elo permanente entre fornecedores e consumidores. Aliás, esse também foi um dos pontos tratados no congresso acima referido, sendo, ali, sustentado que as empresas devem assumir e implementar tarefas específicas de educação do consumidor, relacionada a asuntos dos seus negócios.
Há de se destacar, também, o importante papel desempenhado pelos órgãos públicos de proteção e defesa do consumidor que, com a edição de cartilhas, realização de debates, pesquisas de mercado, procuram disponibilizar ao público o máximo de informações possível no tocante aos seus direitos.
É de bom alvitre assinalar que todo esse trabalho conjunto de educação para o consumo não visa apenas alertar os consumidores em relação a eventuais perigos representados à sua pessoa, envolvem também medidas cujo objetivo precípuo é o de garantir a liberdade de escolha do consumidor, o que, por fim, fará com que se alcance a igualdade de contratação, conforme enfatizam os autores do anteprojeto. Evita-se, assim, por exemplo, que o consumidor seja posteriormente surpreendido com cláusulas contratuais abusivas.
Mencionou-se anteriormente a respeito da harmonização entre os interesses das partes envolvidas na relação de consumo e o desenvolvimento econômico e tecnológico, previstos no artigo 4º, III da lei consumerista pátria. Nesse sentido, o 5º Congresso Brasileiro de Defesa do Consumidor aprovou, por maioria, o programa do INMETRO. Tem por objetivo tal programa analisar produtos, promovendo, posteriormente a divulgação dos respectivos resultados. Isso contribui não só para a orientação do consumidor para adequadas decisões de compra, tornando-o parte efetiva do processo de melhora da qualidade de produtos e serviços, mas também fornece subsídios para a indústria nacional melhorar continuamente a qualidade e equalizar a concorrência, refletindo, portanto, a harmonização daqueles interesses tratados no dispositivo legal supracitado.
Atualmente, a rede de lanchonetes Mac Donalds vem promovendo um tipo de marketing interessante. Trata-se de incentivar seu público alvo a praticar exercícios físicos e adotar hábitos alimentares mais saudáveis. Pode parecer um pouco estranho, mas, na verdade, isso nada mais é do que um exemplo de educação para o consumo, pois, tendo em vista o alto grau de nocividade que os alimentos por ela comercializados traz ao organismo humano, a empresa promove esse tipo de incentivo a fim de que seus consumidores continuem consumindo seus produtos, porém de forma mais responsável para com a saúde[16]. Ao que parece, a adoção desse tipo de propaganda vem dando certo, pois outras redes de fast food espalhadas pelo mundo, a exemplo da americana, estão adotando a mesma medida, uma vez que se observou o aumento das vendas do tão famoso trio (hambúrguer, refrigerante e batata frita). Verifica-se aí, um típico caso raro de demonstração de boa-fé por parte dessas empresas, ou seja, a preocupação com a saúde do consumidor, diante da ciência dos malefícios trazidos por uma má alimentação.
A atuação da imprensa é também merecedora de destaque no que se refere à educação para o consumo. A todo o momento são veiculados nos meios de comunicação entrevistas com economistas, empresários, juristas etc., as quais procuram orientar o consumidor da maneira mais objetiva possível para que exerçam seus direitos perante os fornecedores. Todavia, em que pesem os esforços empreendidos nesse sentido, o que se verifica como fato notório é que o consumidor brasileiro ainda está aquém do ideal de consumo almejado pelos especialistas. Isso talvez seja reflexo da parca cultura jurídica do nosso povo, ou talvez pela necessidade desenfreada de consumir, como salientou Geraldo de Faria Martins da Costa, pois não se pode aqui deixar de observar que muitos são os casos onde, mesmo informado, o consumidor brasileiro muitas vezes acaba por buscar, seja na justiça, seja através dos órgãos públicos, direitos que na verdade não possuem, às vezes porque não leram o contrato no momento da contratação, ou não telefonaram pro serviço de atendimento ao consumidor (SAC), disponibilizado pelas empresas, a fim de buscarem maiores informações sobre determinado produto ou serviço etc..
Dessa forma, demonstrada está a importância da educação para o consumo como forma de conter as abusividades praticadas pelos fornecedores, sendo este um trabalho que deve ser cada vez mais empreendido, sendo, acima de tudo, responsabilidade do Estado fornecer subsídios para que sejam viabilizados ainda mais programas no sentido de orientação do consumidor.
CONCLUSÃO
Ao longo deste trabalho, procurou-se discorrer acerca do princípio da boa-fé como forma de equilibrar as relações de consumo, uma vez que o equilíbrio é fator indispensável à correta execução das obrigações contraídas entre consumidores e fornecedores.
Restou verificado que já na Roma Antiga percebeu-se que a sociedade sofre constantes transformações, as quais a lei codificada nem sempre traz a tutela adequada para dirimir conflitos ocasionados pelas transformações sociais, o que levou os romanos a elaborarem princípios universais, dentre eles o da boa-fé, capaz de orientar o pensamento jurídico através dos tempos, sendo notados seus traços em legislações antiqüíssimas, como o Código de Hamurabi, denotando-se, já naquela época, a necessidade de tutela dos interesses daqueles vulneráveis às práticas comerciais.
E não foi diferente, uma vez que o estudo mostrou que o princípio da boa-fé foi adotado como cláusula geral pelas mais importantes legislações ocidentais, algumas, inclusive, serviram de modelo à legislação consumerista brasileira, com destaque para o BGB e a AGBG da Alemanha. Todavia, foi visto que se necessitou dar à boa-fé um caráter objetivo, alheio ao elemento psicológico humano, de forma que as partes, numa relação jurídica, adotassem um comportamento afinado com padrões socialmente aceitos.
O Código de Defesa do Consumidor brasileiro foi o primeiro diploma legal, em nosso país, a adotar a boa-fé como cláusula geral, até mesmo antes do Código Civil, o que, para a maioria dos juristas foi uma falha imperdoável. Mesmo assim, a chegada desse princípio ao nosso ordenamento jurídico foi tardia em termos jurídicos, somente em 1990, vez que há muito já constava de outras legislações. Traz, ainda, o código, o elenco das cláusulas contratuais contrárias à boa-fé, sendo ali elencadas de forma taxativa, e conferindo às mesmas nulidade absoluta.
Como forma de controle das abusividades, foi visto que o princípio da boa-fé objetiva afigura-se como regra de julgamento a ser utilizada pelo magistrado na defesa do consumidor em juízo, permitindo ao mesmo a formação de um juízo de valor no que se refere às cláusulas contratuais abusivas, inclusive declarando-lhes a nulidade, conforme previsto na lei consumerista, cabendo, aqui, frisar que, mesmo antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, esse princípio já vinha sendo utilizado pela jurisprudência pátria como forma de equalizar as relações de consumo, certamente devido à flexibilização que os contratos vêm recebendo, oriunda da recente consagração da teoria da lesão. Ainda nesse passo, chega-se a um consenso de que o controle judicial é ainda o mais eficaz, porquanto na solução de conflitos colocados a seu apreço opera-se a coisa julgada.
Observou-se, também, as várias formas de controle administrativo das abusividades, com destaque para a atuação do Ministério Público que, mesmo com o veto presidencial atinente aos §§ 3º e 5º dos artigos 51 e 54, respectivamente, do diploma consumerista, continuou atuando em favor do consumidor, para tanto valendo-se da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), permitindo que o órgão ministerial continue cumprindo sua função precípua como fiscal da lei. Das demais formas de controle administrativo, ficou a certeza acerca de sua importância como meio de composição extrajudicial entre os partícipes da relação de consumo, o que, via de conseqüência, evita a sobrecarga do Judiciário, sem se esquecer das sanções penais e do controle legislativo, este último demonstrador da importância da criação de microssistemas legislativos, a exemplo da Alemanha, que visem atender a setores específicos do mercado de consumo.
Por derradeiro, a educação para o consumo mostra-se extremamente necessária, uma vez que, através dos programas implementados pelos órgãos públicos, empresas, imprensa e demais entidades afins do mercado de consumo permite-se ao consumidor a formação de um juízo crítico em relação aos bens colocados à sua disposição, ou seja, tomando um caráter eminentemente preventivo, o que, conseqüentemente, evita possíveis conflitos em torno da relação jurídica ali estabelecida.
Informações Sobre o Autor
Vitor Vilela Guglinski