O princípio da legalidade e suas vertentes no direito penal brasileiro

Resumo: No direito brasileiro temos uma carga principiológica muito grande, os princípios são fontes no nosso direito e criam obrigações tais quais qualquer lei. Vários são os princípios que estão espalhados pela nossa Constituição Federal e nas legislações extravagantes, um deles é o princípio da Legalidade, princípio que é de fundamental importância em todos os ramos do direito e em cada um deles assume um papel de forma diferente. No direito penal, o princípio da legalidade está estampado no Código Penal, além da positivação na Constituição Federal, acontece que a visão desse princípio não pode ser meramente legalista, conforme uma interpretação literal, deve-se analisa-lo de forma mais ampla, dando a atenção necessária para efetivar o alcance de cada desdobramento desse tão importe princípio.

Palavras-Chave: Princípios no Direito Penal. Princípio da Legalidade. Desdobramentos da Legalidade. Alcance do Princípio da Legalidade.

Abstract: Under Brazilian law have a very large principled charge, the principles are the source of our law and create obligations such that any law. There are several principles that are spread by our Federal Constitution and the extravagant laws, one of them is the principle of legality, that principle is of fundamental importance in all branches of law and each plays a role differently. In criminal law, the principle of legality is stamped in the Penal Code, as well as assertiveness in the Federal Constitution, it happens that the sight of this principle can not be merely legalistic, as a literal interpretation, one must analyze it more widely, giving attention needed to carry out the scope of each development of this principle as import.

Keywords: Principles in criminal law. Principle of Legality. Splits of Legality. Scope of Legal Principle.

Sumário: Introdução. 1. Noções sobre princípios do direito penal. 2. Princípio da Legalidade. 2.1 Diferença entre Legalidade Formal e Material. 3. Desdobramentos do princípio da legalidade. 3.1 Não há crime ou pena sem lei: anterior, escrita, estrita, certa e necessária. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O presente artigo científico tem o objetivo de realizar um estudo sistemático e aprofundado sobre o Princípio da Legalidade e suas vertentes ou desdobramentos dentro do direito penal brasileiro, mais precisamente delimitando-se no tema: “O princípio da legalidade e suas vertentes no direito penal brasileiro”.

Apesar de não existir hierarquias entre princípios, podemos arriscar dizer que o princípio da legalidade é um dos mais importantes para todo o ordenamento jurídico brasileiro e para o direito penal não poderia ser diferente.

Nesse passo, o estudo desse princípio deve ser alvo de uma análise calma, sem apressamentos, para se compreender todo o seu real alcance. Contudo, mais precisamente no direito penal, é comum se dar apenas uma interpretação literal do que se está tipificado no artigo 1° do Código Penal e do artigo 5°, II, da Constituição Federal, o que seguramente não deve ser feito.

Desse modo, a pesquisa em questão será dividida da seguinte maneira, no primeiro capítulo serão abordadas as noções introdutórias sobre princípios no direito penal brasileiro, precisamente sobre conceitos.

No segundo capítulo do texto será abordado o Princípio da Legalidade, que é o enfoque principal deste trabalho, abordando seu conceito, suas características entre outros tópicos. Neste capítulo será apresentado também uma diferença muito importante que merece análise em subtópico apartado do tópico anterior, qual seja a diferença entre a Legalidade Formal e a Legalidade Material.

No terceiro capítulo serão explanados os desdobramentos do Princípio da Legalidade no Direito Penal brasileiro, demonstrando o verdadeiro sentido e alcance deste princípio.

O quarto e último capitulo trará as considerações finais sobre o tema, abordando tudo que foi visto e exposto no trabalho cientifico.

Desta feita, o estudo será produzido através da pesquisa exploratória bibliográfica que se caracteriza por aprofundar o conhecimento da realidade, explicando a razão e o porquê das coisas. Isso através de fonte de papel impressa, fontes informatizadas, de conteúdos já elaborados, além de consultas a revistas e artigos científicos que ofereçam conteúdo interessante e de relevância ao tema.

Finalmente, através de análise sistemática, busca-se por meio deste demonstrar que o alcance do princípio da legalidade é muito maior que a simples interpretação literal dos dispositivos do código Penal e da Constituição Federal, ao mesmo passo que demonstrar que uma interpretação literal deste princípio é uma visão falha e apressada.

Far-se-á isso com um estudo completo e sistematizado em relação ao referido princípio.

1 NOÇÕES SOBRE PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

Os princípios são fontes do direito brasileiro, ou seja, eles buscam indicar de onde a norma emana, e com o direito penal não é diferente, Cunha (CUNHA, 2015, p. 51) afirma que “ao tratar das fontes do Direito Penal, o que se busca é indicar de onde a norma penal emana, qual sua origem, de onde ela provém e como se revela”.

Os princípios podem ser expressos no nosso ordenamento jurídico ou ainda implícitos, que é quando derivam de desdobramentos de um princípio que se encontra taxativamente positivado no nosso ordenamento pátrio. A esse respeito nos ensina Cunha em sua obra Manual de Direito Penal, in verbis:

“os princípios podem ser explícitos, quando positivados no ordenamento, ou implícitos, quando derivam daqueles expressamente previstos e que decorrem de interpretação sistemática de determinados dispositivos. Como exemplo dos primeiros, temos o da individualização da pena, insculpido no artigo 5°, inciso XLVI, da Constituição Federal, do qual deriva, implicitamente, o da proporcionalidade, segundo o qual se deve estabelecer um equilíbrio entre a gravidade da infração praticada e a severidade da pena, seja em abstrato, seja em concreto. ” (CUNHA, 2015, p. 67)

Importante se faz ainda tecer alguns comentários sobre a diferença entre Leis e princípios. Existem duas diferenças primordiais que o professor Cunha (CUNHA, 2015, p.67) de forma cristalina traz em seus ensinamentos, a primeira “diz respeito à solução de conflito existente entre ambos. Havendo embate entre leis, somente uma delas prevalecerá, afastando-se as demais. Não será essa a solução, todavia, para o enfrentamento entre princípios”.

No embate entre princípios, invoca-se a proporcionalidade para a solução do caso concreto, ou seja, utiliza-se uma técnica de ponderação de valores para aplica-los em conjunto na medida de sua compatibilidade e necessidade, dessa informação podemos deduzir, portanto, que não existe revogação de princípios no ordenamento jurídico brasileiro.

CUNHA em sua ora Manual de direito Penal ainda nos ensina a segunda grande diferença entre leis e princípios, senão vejamos:

“outra diferença está no plano da concretude. Malgrado ambos sejam dotados de aplicação abstrata, os princípios possuem maior abstração quando comparados à lei. Com efeito, a lei é elaborada para reger abstratamente determinado fato, enquanto os princípios se aplicam a um grupo indefinido de hipóteses”. (CUNHA, 2015, p.68)

São vários os princípios que norteiam o direito penal brasileiro, como já dito alguns expressos e outros implícitos, Nucci em sua obra Direito Penal parte Geral cita os seguintes princípios, in verbis:

“dignidade da pessoa humana: cuida-se de um princípio regente, que envolve o direito como um todo, produzindo reflexos no direito penal (art.1°, III, CF). É base e meta do Estado Democrático de Direito, focalizando dois prismas: objetivo, para garantir o mínimo de subsistência do ser humano; subjetivo, para assegurar o bem-estar individual, calcado na autoestima e na respeitabilidade da diante da sociedade[…]

Devido processo legal[…]

Legalidade[…]

Anterioridade[…]

Retroatividade[…]

Personalidade ou responsabilidade pessoal[…]

Individualização da pena[…]

Humanidade[…]

Intervenção Mínima[…]

Culpabilidade[…]

Taxatividade[…]

Proporcionalidade[…]

Vedação da dupla punição pelo mesmo fato[…]” (NUCCI, 2012, p.23-26)

O estudo dos princípios torna-se mais dinâmico se abordado através da visão trazida por Cunha, que resolveu dividir esse estudo em quatro grandes grupos de princípios, quais sejam: a) Princípios relacionados com a missão fundamental do Direito Penal; b) Princípios relacionados com o fato do agente; c) Princípios relacionados com o agente do fato; d) Princípios relacionados com a pena.

Se encaixariam no primeiro grande grupo de princípios os princípios da exclusiva proteção de bens jurídicos e o da intervenção mínima, no segundo grupo se enquadram os princípios da exteriorização ou materialização do fato, o princípio da legalidade (que será o enfoque principal deste trabalho) e o princípio da ofensividade ou lesividade, no terceiro grupo temos os princípios da responsabilidade pessoal, da responsabilidade subjetiva, da culpabilidade, da igualdade, da presunção de inocência ou não culpa e por fim no último grupo temos os princípios da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena, da proporcionalidade, da pessoalidade e da vedação do “bis in idem”.

Em síntese, esses são os principais princípios que norteiam o direito penal brasileiro.

2 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Conforme já mencionado, embora não exista hierarquia entre princípios, muitos doutrinadores são firmes em ensinar que este seria o principal princípio do direito penal brasileiro.

Nas palavras de Nucci (NUCCI, 2012, p. 23) “é o mais relevante princípio penal, pois assegura que não há crime (ou contravenção penal) sem prévia definição legal; igualmente, inexiste pena sem prévia cominação legal. ”

O professor Nucci ainda elucida uma definição do princípio da legalidade, abaixo transcrita:

“o princípio da legalidade advém da Magna Carta (ano de 1215), com a finalidade de coibir os abusos do soberano. Estabelece somente constituir delito a conduta consagrada pela lei da terra (by the law of the land), vale dizer, os costumes, tão importantes para o direito consuetudinário. Com o passar do tempo a expressão tranmudou-se para o devido processo legal (due process of law), porém seu significado não se alterou. Aliás, ampliou-se para abranger, além da vedação de punição sem prévia lei, outros princípios fundamentais, como a presunção de inocência, ampla defesa, o contraditório, dentre outros preceitos, enfim, sem os quais a justiça não atingiria seu status de dignidade e imparcialidade.” (NUCCI, 2012, p. 23)

O princípio em tela é um princípio que pertence ao grupo dos princípios relacionados com o fato do agente e está tipificado no artigo 1º do Código Penal e também no artigo 5º, II, da Constituição federal, ipsis litteris:

“Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (BRASIL, 1940, online)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (BRASIL, 1988, online)

A origem de tal princípio é decorrente de alguns documentos históricos que fizeram menção a uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera de liberdades individuais, e por isso a Constituição Federal o consagrou nos direitos e garantias fundamentais.

Os principais documentos internacionais que podemos citar são: Convênio para a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais de 1950; Convenção Americana de Direitos Humanos (pacto de San José da Costa Rica) de 1969 e o Estatuto de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional em 1998.

A legalidade, em sua essência, ela é composta de dois fatores, sendo o primeiro resultado da reserva legal e o segundo da anterioridade. Só pode-se falar em legalidade com o acumulo desses dois fatores, se um deles for desrespeitado teremos uma afronta a tal princípio. Esses conceitos serão aprofundados no capítulo 3 deste trabalho.

Nessa toada de pensamentos, oportuno se faz trazer à baila os ensinamentos do professor Cunha que definiu em sua obra que o princípio da legalidade possui três fundamentos, quais sejam:

“(a)Político, numa clara exigência de vinculação dos Poderes Executivo e Judiciário a leis formuladas de forma abstrata, impedindo o poder punitivo arbitrário;

(b)Democrático, que representa o respeito ao princípio da divisão de poderes, conferindo aos representantes do povo (parlamento) a missão de elaborar as leis;

(c)Jurídico, pois a lei prévia e clara produz importante efeito intimidativo.” (CUNHA, 2015, p. 81-82)

A evolução desse princípio é salutar para que se possa falar em um direito penal racional compatível como o Estado Democrático de Direito, a exemplo dessa evolução cita-se a ampliação de sentido da redação do artigo 1º do CP que utiliza a palavra “crime”, sendo que hoje, é pacífico o entendimento que onde se lê “crime”, deve-se interpretar “infração penal”, portanto, abrangendo também as contravenções penais e além disso, onde se lê “pena” deve interpretar “sanção penal”, incluindo as medidas de segurança em seu bojo.

2.1 Diferença entre Legalidade Formal e Legalidade Material

Uma importante diferenciação que se faz necessária ao real entendimento deste princípio consiste em dividi-lo em legalidade Material e Legalidade Formal.

A legalidade Formal é aquela que obedece ao devido processo legislativo, portanto é uma lei vigente, enquanto a legalidade Material é aquela em que seu conteúdo respeita os direitos e garantias do indivíduo, essa legalidade garante a validade da lei.

Assim, podemos perfeitamente nos deparar com uma situação na qual uma lei seja vigente, pois respeitou os trâmites legislativos, contudo, não seja válida por desrespeitar algum direito ou garantia individual do ser humano.

Cunha traz cristalinamente essa diferenciação, verbis:

“a Legalidade Formal representa obediência aos trâmites procedimentais (devido processo legislativo) fazendo da lei aprovada, sancionada e publicada uma lei vigente. Entretanto, para que haja legalidade material,  a observância às formas e procedimentos impostos não é suficiente, sendo imprescindível que a lei respeite o conteúdo da Constituição Federal, bem como dos tratados Internacionais de direitos Humanos, observando direitos e garantias do cidadão. Apenas desse modo é possível falar em lei válida.”

Portanto não resta dúvidas sobre essa diferenciação, a título de exemplo com base nessa distinção, podemos citar que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2°, §1º da Lei n° 8.072/90, que vedava a progressão de regime para os crimes hediondos. Esse artigo embora atendesse a legalidade formal ele era uma afronta à legalidade material, por violar a individualização da pena e a dignidade da pessoa humana.

3 DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Nesse capítulo será abordado a temática principal desse trabalho científico de pesquisa, na busca de demonstrar que o alcance e os desdobramentos da legalidade vão além da simples interpretação dos dispositivos legais.

3.1 Não Há Crime Ou Pena Sem Lei: Anterior, Escrita, Estrita, Certa e Necessária

O princípio da legalidade estampado no artigo 1º do Código penal e no artigo 5° da Constituição, merece uma interpretação que vai além do entendimento literal.

O entendimento básico e literal não tem muitos desdobramentos é apenas a transcrição literal do que o legislador quis alcançar, ou seja, não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal e ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada, senão em virtude de lei.

O primeiro desdobramento desse princípio está pautado na afirmação de que não há crime ou pena, sem lei.

Em consonância com o princípio da Reserva Legal, uma infração penal só pode ser criada por uma lei, em regra utilizando-se de lei ordinária e excepcionalmente de lei complementar. Cunha ensina nesse sentido, in verbis:

“segundo o princípio da reserva legal, a infração penal somente pode ser criada por lei em sentido estrito, ou seja, lei complementar ou ordinária, aprovadas e sancionadas de acordo com o processo legislativo respectivo, previsto na CF/88 e nos regimes internos da Câmara dos Deputados e Senado Federa”l. (CUNHA, 2015, p. 83)

Dessa forma podemos concluir que Medidas de Segurança não podem criar penas pois não é lei. Medida de Segurança é um ato do executivo com força normativa, assim, não cria crime e nem comina pena. Nesse sentido Cunha corrobora dos pensamentos de Queiroz, abaixo colacionado:

“medida provisória não pode definir infrações penais ou cominar penas. Quer pela efemeridade, quer pela incerteza que traduz, dada a possibilidade de sua não conversão em lei ou de sua rejeição pelo Congresso Nacional, é claramente incompatível com o postulado de segurança jurídica que o princípio quer assegurar. Dificilmente se poderá compatibilizar ainda os pressupostos de relevância e urgência da medida com pretensões criminalizadoras, sobretudo à vista dos múltiplos constrangimentos que podem ocorrer no curto espaço de sua vigência.” (QUEIROZ apud CUNHA, 2015, p. 83)

Uma dúvida ainda corrente na doutrina moderna é em relação ao artigo 62, §1º, I, b, da Constituição Federal que traz a seguinte redação, ipsis litteris:

“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:[…]

b) direito penal, processual penal e processual civil;”

Depreende-se da leitura do artigo supracitado que a Medida Provisória não pode versar sobre o direito penal, contudo, a dúvida que paira sobre a doutrina é se esse direito penal é apenas o incriminador ou também o não-incriminador.

Duas correntes doutrinárias buscaram explicar essa dualidade, a primeira afirma que com o advento da Emenda Constitucional 32, ficou claro que a Medida Provisória não pode versar sobre direito Penal (incriminador ou não) e essa corrente é a que prevalece entre os doutrinadores constitucionalistas. A segunda corrente afirma que a EC/32 reforça a proibição da Medida Provisória de versar sobre direito penal incriminador, permitindo, portanto, que se verse sobre matéria de direito penal não incriminador.

Essa segunda corrente tem como forte defensor o Supremo Tribunal Federal. O STF admitiu a Medida Provisória não incriminadora 417/2008 que impedia a tipificação de determinadas condutas e comportamentos no Estatuto do Desarmamento.

Ainda nesse sentido o professor Cunha traz importantes ensinamentos acerca dessa temática de que não há crime ou pena sem lei, verbis:

“também é inadmissível que a lei delegada verse sobre direito penal, com fundamento no artigo 68, §1º, CF/88, uma vez que a redação do dispositivo, a um só tempo, impede a delegação de atos de competência exclusiva do Congresso Nacional e veda que a lei delegada discipline sobre direitos individuais, matéria ínsita a toda norma penal.

Por fim, resoluções de quaisquer espécies (TCE, CNJ, CNMP, dentre outros) não podem criar infrações penais, portanto não são lei em sentido estrito”. (CUNHA, 2015, p.84)

Em relação as resoluções, vale lembrar que, quando estas trazem crimes e penas elas estão apenas reproduzindo crimes já tipificados em outras leis já consolidadas, e não criando novos tipos.

O segundo desdobramento está pautado na afirmação de que não há crime ou pena sem lei anterior. Tal postulado desdobra-se no princípio da anterioridade que impede a retroatividade maléfica da lei penal, a retroatividade benéfica é, ao contrário, garantia constitucional do cidadão.

Nas palavras de Cunha (CUNHA, 2015, p.84) “pelo princípio da anterioridade, a criação de tipos e a cominação de sanções exige lei anterior, proibindo-se a retroatividade maléfica. ”

Importante perceber que se a pena supõe um fato que afronte à lei, o dano causado antes de existir a lei que não o proíbe não é em sua essência uma pena, e sim uma hostilidade, uma vez que antes de existir a lei, não se pode falar em transgressão a mesma.

Nesse passo pode-se afirmar que o artigo 3º do COM não foi recepcionado pela Constituição de 1988, vejamos os ensinamentos de Cunha:

“é possível afirmar que o artigo 3º do Código Penal Militar, no trecho que confere prevalência da medida de segurança vigente ao tempo de sua execução sobre aquela vigente ao tempo da sentença, não foi recepcionado pela CF/88, configurando claro desrespeito à anterioridade”. (SACHES, 2015, p. 85)

O terceiro desdobramento versa na afirmação de que não há pena ou crime sem lei escrita. Nos ensinamentos de Cunha (CUNHA, 2015, p.85), “só a lei escrita pode criar crimes e sanções penais, excluindo-se o direito consuetudinário para fundamentação ou agravação da pena”.

Dessa forma pode-se inferir que no direito brasileiro proíbe-se o costume incriminador, ou seja, costume não cria crime e nem comina pena.

Os costumes no direito penal têm importante atuação na interpretação da lei, o costume interpretativo exerce essa missão fundamental no direito penal, é chamado também de secumdum legem, ajuda a esclarecer o sentido de uma palavra, de uma expressão ou de um texto, atuando dentro dos limites do texto penal.

Sobre essa missão do costume no direito penal, Cunha nos elucida através de exemplos, abaixo transcrito:

“entretanto, tem o costume grande importância do direito penal, em especial na elucidação do conteúdo de certos tipos, como ocorre com a expressão “repouso noturno”, constante do artigo 155, §1º do Código Penal, e cuja compreensão adequada perpassa pela perquirição do costume na localidade em que se deu a subtração da coisa[…]” (CUNHA, 2015, p.85)

Ainda nesse contexto dos costumes no direito penal brasileiro, é de salutar importância que se fale no chamado “Costume Abolicionista”, que é quando um costume extingue uma infração penal. Atualmente a doutrina brasileira discute se a contravenção do jogo do bicho foi revogada por costume, existem três correntes que buscam explicar tal acontecimento.

A primeira corrente admite o costume abolicionista ou revogador da lei nos casos em que a infração penal não mais contraria a o interesse social, deixando de repercutir negativamente na sociedade, portanto, para os adeptos dessa corrente, o jogo do bicho deixou de ser uma contravenção penal.

A segunda corrente afirma que não é possível o costume abolicionista, entretanto, quando o fato já não é mais indesejado pelo meio social, a lei não deve ser aplicada pelo magistrado. Portanto, para os adeptos dessa corrente apesar de ser formalmente contravenção penal, o jogo do bicho não deve ser punido, carecendo de tipicidade material.

A Terceira e última corrente que é a mais adotada pelos doutrinadores e juristas brasileiros, afirmam a não existência de Costume Abolicionista, pois somente uma lei pode revogar outra lei. Portanto para os adeptos dessa teoria o jogo do bicho continua sendo contravenção penal e deve ser punido.

O Supremo Tribunal Federal nega a existência do chamado Costume Abolicionista. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a existência do Costume abolicionista para a Pirataria de CD’s e DVD’s piratas. O STJ afastou o costume abolicionista para a pirataria de CD’s e DVD’s com a edição da súmula 502 que afirma que “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas.”

O quarto desdobramento no princípio da legalidade está pautado na afirmação de que não há crime ou pena sem lei estrita, ou seja, proíbe-se a utilização da analogia para criar um tipo incriminador. É a vedação da analogia in malam partem.

Cunha em sua obra Manual de direito penal é preciso ao tratar do tema, in verbis:

“proíbe-se a utilização da analogia para criar tipo incriminador, fundamentar ou agravar pena. Tendo como norte este desdobramento do princípio da legalidade, o STF declarou a atipicidade da conduta do agente que furta sinal de TV a cabo, asseverando ser impossível a analogia (in malam partem) com o crime de furto de energia elétrica, previsto no artigo 155, §3º, CP.

Note-se, contudo, que a analogia in bonam partem é perfeitamente possível, como ressaltado anteriormente, encontrando justificativa no princípio da equidade”. (CUNHA, 2015, p. 85)

O quinto desdobramento funda-se na afirmação de que não há crime ou pena sem lei certa. Ocasiona no princípio da taxatividade ou da determinação que afirma que os tipos penais devem ser de fácil compreensão, evitando-se tipos vagos e incertos.

Cunha traz importantes esclarecimentos sobre essa temática, abaixo transcrito:

“o princípio da taxatividade ou da determinação é dirigido mais diretamente à pessoa do legislador, exigindo dos tipos penais clareza, não devendo deixar margem a dúvidas, de modo a permitir à população em geral o pleno entendimento do tipo criado”. (CUNHA, 2015, p. 85)

O último desdobramento está pautado na afirmação de que não há pena ou crime sem lei necessária. Esse desdobramento é uma decorrência lógica do princípio da intervenção mínima que afirma que o direito penal só deve ser aplicado quando estritamente necessário, de modo que sua intervenção fica condicionada ao fracasso das demais esferas de controle, observando somente os casos de relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

Cunha nos traz um exemplo onde o legislador revogou um tipo penal com base nessa intervenção mínima, por estar ausente o critério da necessidade e por consequente afronta a legalidade, in verbis:

“nesse contexto, andou bem o legislador ao revogar o crime de “Sedução” (art. 217 do CP) e adultério (art. 240 do CP). Embora os tipos trouxessem condutas consideradas imorais, indesejadas, sua pouca relevância não reclama a intervenção do direito penal como forma de repreensão estatal à sua prática”.(CUNHA, 2015, p. 86)

Por fim importante frisar que o princípio da legalidade é o vetor basilar do garantismo no direito penal. O garantismo é o mínimo poder punitivo do Estado em face das máximas garantias do cidadão, ou seja, quanto menor é a necessidade de interferência do direito penal, maior são as garantias dos cidadãos.

CONCLUSÃO

O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo geral produzir uma atmosfera de pensamento que ampliasse a visão forense, através da doutrina do direito brasileiro, através de ensinamentos extraídos de textos de juristas de carreira, acerca dos desdobramentos do princípio da legalidade no direito penal.

Demonstrou-se, portanto, uma visão geral dos princípios no direito penal brasileiro, trazendo alguns conceitos importantes como a distinção entre lei e princípios. Restou-se demonstrado também a variedade de princípios existentes no nosso ordenamento pátrio penal e que estes podem ser implícitos ou explícitos nas leis.

Em ato continuo, deu-se enfoque maior ao princípio da legalidade no direito penal, explicando o seu conceito básico através da leitura literal dos artigos nos quais o mesmo encontra-se positivado. Ao mesmo tempo demonstrou-se de onde originou-se a ideia de legalidade através da citação dos documentos históricos que são de fundamental importância para essa visão moderna de legalidade no direito penal.

Igualmente importante foi definir a diferença entre os dois tipos de legalidade existentes, quais sejam a Legalidade Formal e a Legalidade Material, utilizando-se de uma dinâmica explicativa para que uma jamais se confunda com a outra.

Em sequência, passou-se a análise dos desdobramentos do princípio da legalidade, que é ir a fundo no conceito de legalidade, entendendo suas vertentes e os princípios que dele se originam de modo a trazer o real sentido que o princípio da legalidade tem no direito penal moderno.

Portanto, chega-se à conclusão que o princípio da legalidade não deve ser interpretado apenas com a apressada leitura dos artigos da nossa legislação (Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal), vai além disso, podemos concluir que, em síntese, o princípio da legalidade traduz que não há crime sem lei, essa lei deve ser anterior, escrita, estrita, certa e necessária, observando-se cada desdobramento para que se traduza o real sen- Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal tido do Princípio da Legalidade.

 

Referências
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito Penal, parte geral. 3ª. Ed. Bahia: Editora Jus Podivm, 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Direito Penal Parte Geral. Vol. 1 esquemas&sistemas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 de Outubro de 2016
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 18 de Outubro de 2016.

Informações Sobre o Autor

Calil Rodrigues Carvalho Assunção

Advogado no Piauí. Pós Graduando em direito e Processo do Trabalho e Previdenciário


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