O princípio da precaução e a sua importância para a tutela do meio ambiente e da saúde

Resumo: A natureza jurídica do meio ambiente e as suas características revelam uma realidade na qual quaisquer os danos ambientais gerados podem, de fato, ter reflexos imprevisíveis. Reconhecendo que alguns desses danos podem ser de caráter irreversível, torna-se inescapável ter como postura ética ambiental prevenir a ocorrência de degradações ao meio ambiente. O princípio da precaução se adéqua a esse contexto, de modo que se torna razoável que, em sendo desconhecidas as consequências de determinada atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente, deve ela ser evitada. Considerando que a vida humana está intimamente ligada à qualidade do meio ambiente, resta reconhecer que a aplicação do princípio da precaução é importância não só para a proteção do meio ambiente em si, mas, também, da própria saúde do ser humano.


Palavras-chave: Direito Ambiental, Meio Ambiente, Princípio da Precaução, Tutela Ambiental, Tutela da Saúde.


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Resumen: La naturaleza jurídica del medio ambiente y sus características revelan una realidad que los daños ambientales generados pueden, de hecho, tienen consecuencias imprevisibles. Reconociendo que el daño puede ser irreversible, se hace ineludible tener como ética prevenir la aparición de la degradación ambiental para el medio ambiente. El principio de precaución se inscribe en este contexto, por lo que es razonable que, siendo desconocidos en las consecuencias de ciertas actividades potencialmente dañinas para el medio ambiente, se debe evitar. Teniendo en cuenta que la vida humana está íntimamente ligada a la calidad del medio ambiente, se reconoce que la aplicación del principio de precaución es importante no sólo para la protección del propio medio ambiente, sino también la salud de los seres humanos.


Palabras clave: Derecho Ambiental, Medio Ambiente, Principio de Precaución, tutela del medio ambiente, tutela de la Salud.


Sumário: 1. Introdução; 2. Aspectos Relevantes do Meio Ambiente: o seu Conceito e a sua Natureza Jurídica: 2.1. O Conceito de Meio Ambiente; 2.2. A Natureza Jurídica de Meio Ambiente; 3. Os Princípios Gerais do Direito Ambiental: Breves Considerações; 4. Os Princípios da Precaução e da Prevenção: Aproximações e Diferenças; 5. A Relação do Direito ao Meio Ambiente com o Direito à Saúde; 6. O Princípio da Precaução e a sua Importância para a Tutela do Meio Ambiente e da Saúde; 7. Conclusão; 8. Bibliografia.


1. Introdução


A discussão sobre a essência e o significado do meio ambiente, ainda que através dos seus elementos, é muito antiga, apesar de ser relativamente recente a sua tutela jurídica.


Apesar desse contexto, diante de toda a evolução do tratamento jurídico destinado ao meio ambiente, torna-se imprescindível admitir que, do ponto de vista lógico e prudencial, reconheceu-se ser muito mais vantajoso evitar a ocorrência de danos ambientais ao invés de repará-los. Isto porque alguns deles, ante as suas peculiaridades e dimensões, podem ter reflexos irreversíveis ou de difícil reversão, a exemplo da extinção de uma ou mais espécies.


Foi dessa constatação que, certamente, soergueram-se dois dos mais mencionados princípios do Direito Ambiental, previstos, direta ou indiretamente, em inúmeras legislações nacionais e em diversos tratados internacionais: os princípios da precaução e da prevenção. Destaca-se que ambos nutrem, substancialmente, a ideia de evitar a ocorrência do dano ambiental e, por consequência, de seus indesejáveis reflexos, ainda que sejam desconhecidos.


Sobre a relação existente entre os dois mencionados princípios, não há posicionamento pacífico, vez que é possível se encontrar, em sede doutrinária, posicionamento que os entenda como um único princípio e não como dois distintos princípios.


Todavia, o que é mais importante frisar é o fato de que ao se buscar alcançar uma plena, eficiente e prévia tutela do meio ambiente, por intermédio da materialização do princípio da precaução, o legislador acaba por efetivar uma respectiva e prévia tutela da saúde dos seres humanos, haja vista que a garantia de um meio ambiente sem graves danos e, portanto, ecologicamente equilibrado, é fundamental para que as pessoas não adoeçam.


Reconhece-se, desta feita, a importância acadêmica e social do tema proposto, de modo que o presente artigo dele se desincumbirá, visando tratar sobre as particularidades do princípio da prevenção, demonstrando, ainda, a sua importância para a eficiente tutela do meio ambiente e da saúde.


2 Aspectos Relevantes do Meio Ambiente: o seu Conceito e a sua Natureza Jurídica


2.1 O Conceito de Meio Ambiente


Ao contrário do que possa parecer, conceituar “meio ambiente” não é tão simples. Tal ideia pode ser observada pela própria composição da expressão “meio ambiente”, formada por duas palavras que necessitam, ambas, de adequada interpretação, de modo a entendê-las individual e conjuntamente, para o alcance da compreensão ideal da expressão.


Em um primeiro momento, definir-se-á o significado do termo “ambiente”.


Neste sentido, o jurista Toufic Daher Deebeis (1999), dita duas definições. A primeira, baseada no “Novo Dicionário de Língua Portuguesa”, diz que “ambiente” significa “o que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas por todos os lados, envolvente”. Já a Segunda definição, ditada pelo autor, é retirada do livro de “Direito Ambiental Constitucional”, de José Afonso da Silva, e diz que “a palavra ambiente indica a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos”.


Em um segundo momento, necessário faz-se definir o significado do termo “meio”.


Sobre este termo, Deebeis, novamente citando José Afonso da Silva, escreve, referindo-se a palavra “ambiente”, que “em certo sentido, portanto, nela já se contém o sentido da palavra meio” (SILVA[1] apud DEEBEIS, 1999, p.25). Observando o raciocínio, entende-se, pois, que as palavras “ambiente” e “meio”, apesar de terem nomenclatura distintas, têm significados próximos.


Diante do analisado, poderia afirmar um estudioso mais equivocado, que, por terem os termos “ambiente” e “meio” sentidos semelhantes, logo seria a junção deles na expressão “meio ambiente” uma reles redundância, sem nada a acrescentar, já que une, em seu bojo, duas palavras de sentidos próximos.


Entretanto, tal ideia pode ser facilmente desmistificada ao se ler o mencionado pelo já citado autor. Afirma ele que: “a expressão meio ambiente se manifesta (…) mais rica de sentido do que a simples palavra ambiente”.


Diz-se, ainda, complementarmente que:


“o conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico” (SILVA apud DEEBEIS, 1999, p.26).


Diante do conceito acima citado, fica fácil compreender que realmente a expressão “meio ambiente” é carregada de redundância, que é derivada, justamente, da junção de termos isolados (ambiente e meio) que possuem significados próximos. E é, definitivamente, esta redundância que amplia a fronteira dos objetos alcançados e abraçados pelo conceito agora abordado.


Desta feita, seria um erro considerar a redundância contida na expressão meio ambiente “reles” e “sem nada a acrescentar”, quando, na verdade, ocorre o oposto. Afinal, ela é a grande responsável pela ampliação valorativa da expressão em tela.


Como pode ser percebido, no conceito de Silva, o “meio ambiente” não se limita, apenas, às florestas, às matas, ao Pantanal, aos rios, aos oceanos, aos animais. Ele alcança as próprias relações humanas entre o homem e o seu meio, entre o homem e os demais seres vivos e entre o homem e o próprio homem. Nesta certeza, Silva afirma que se engloba em seu conceito o “patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico”.


2.2 A Natureza Jurídica de Meio Ambiente


Muita polêmica existe na determinação da natureza jurídica do meio ambiente. Parte da doutrina afirma ser o meio ambiente, juridicamente, de natureza coletiva. Nessa parte, incluem-se doutrinadores de relevo como, por exemplo, José Afonso da Silva (2000, p.466) que ao referir-se à ação popular afirma que “o que lhe dá conotação essencial é a natureza impessoal do interesse defendido por meio dela: interesse da coletividade”. Luís Carlos Silva de Moraes também defende esse raciocínio quando diz que: “atribui-se ao Estado a proteção do chamado interesse coletivo (…). A maior prova disso é o local de inserção das normas de meio ambiente na CF: Título VIII – Da Ordem Social (arts. 193 a 232). Se importa à ordem social, é coletivo” (MORAES, 2001a, p.15).


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Além da confusão gerada pela ideia de coletividade, poder-se-ia muito bem confundir a natureza do meio ambiente com o caráter de direito público, por se tratar de um bem que requer proteção do Estado, do próprio Poder Público, com o fito de viabilizar a proteção da população nacional. Entretanto, sobre a definição da natureza jurídica de meio ambiente, ter-se-á cautela pela certeza de que o meio ambiente não é de natureza jurídica pública, como, equivocadamente, poderiam os leigos pensar. Confirmar-se-á, neste tópico, que a natureza deste objeto alcança patamares ainda maiores, abraça muito mais do que o limitado pela característica “pública”. Um excelente esclarecimento, sobre este aspecto, pode ser construído com base na redação contida no caput do art. 225 da C.F. de 1988, pois “ao dizer que é papel do Estado e da coletividade defender e preservar o meio ambiente, abandona-se o conceito de que o meio ambiente é um bem público, no sentido que apenas a atuação do puissance publique era permitida”. Por esse raciocínio depreende-se, por conseguinte, que


“consoante noção trazida pelo referido artigo, o conceito de meio ambiente supera esta denominação, visto que não só do Estado, mas também da coletividade é dever defendê-lo e preservá-lo. Isto nos remete ao conceito de interesse difuso, qual seja, aquele que se situa no hiato entre o interesse público e o interesse privado” (FIORILLO, RODRIGUES, 1995, p.49).


Na verdade, “coletivo”, “público” e “difuso”, apesar de parecerem expressões de significados próximos, essencialmente, são de significados distintos, indicando, cada uma, um “grau” preciso de coletividade. Há quem considere, nessa ótica, que os interesses inculcados nas expressões representam uma “escala crescente de coletivização”.


“Sob esse enfoque, caminha-se desde os interesses ‘individuais’ (suscetíveis de captação e fruição pelo indivíduo isoladamente considerado), passando pelos interesses ‘sociais’ (os interesses pessoais do grupo visto como uma pessoa jurídica); mais um passo, temos interesses ‘coletivos’ (que passam as esferas anteriores, mas se restringem a valores concernentes a grupos sociais ou categorias bem definidas); no grau seguinte temos o interesse ‘geral’ ou ‘público’ (referindo primordialmente à coletividade representada pelo Estado e se exteriorizando em certos padrões estabelecidos, ou standards sociais, como bem comum, segurança pública, saúde pública). Todavia, parece que há ainda um grau nessa escala, isto é, haveria certos interesses cujas características não permiti-riam, exatamente, sua assimilação a essas espécies. Referimo-nos aos interesses difusos” (MANCUSO, 1997, p.74).


Pelo mencionado supra, compreende-se que, considerando-se a existência dessa “escala crescente de coletivização”, estaria o interesse difuso em último grau, já que a sua coletivização se dá mais acentuadamente que nas demais categorias de interesses. Portanto, o direito difuso não trata especificamente de uma coletividade, mas, diversamente, trata da coletividade enquanto indeterminação dos sujeitos. Assim sendo, fica nítida a idéia de que a natureza jurídica do meio ambiente é de direito difuso, pois, sendo o meio ambiente direito de cada indivíduo e de todos simultaneamente, e levando-se em consideração a qualificação ubíqua do meio ambiental, de estar presente em todas as partes – como será visto mais à frente, no tópico de princípios do Direito Ambiental, não há como se entender que alterações nesse bem afetem apenas determinados indivíduos ou determinada coletividade, quando, de certo, os reflexos dos danos ambientais não se prendem à territorialidade de seu surgimento, podendo, indistinta e imprevisivelmente, atingir a um indivíduo, a uma coletividade ou a todos respectivamente dependendo de sua intensidade.


“Desse modo, os interesses difusos ‘excedem’ ao interesse público ou geral, configurando-se no quinto e último grau daquela ordem escalonada, notabilizando-se por um alto índice de desagregação ou de ‘atomização’, que lhes permite referirem a um contingente indefinido de indivíduos e a cada qual deles, ao mesmo tempo” (MANCUSO, 1997, p.75).


Imporante, outrossim, faz-se esclarecer que os “interesses difusos apresentam as seguintes notas básicas: indeterminação dos sujeitos; indivisibilidade do objeto; intensa conflituosidade; duração efêmera, contingencial” (MANCUSO, 1997, p.79). Dessa maneira, com a finalidade de melhor entender a natureza jurídica do meio ambiente, analisar-se-á as suas duas principais, ou mais marcantes características: indeterminação dos sujeitos e indivisibilidade do objeto, vislumbrando, não um estudo visceral (já que não se trata do objeto central desta pesquisa), mas um estudo geral, viabilizando uma compreensão genérica, todavia relevante, do que venha a ser um direito difuso.


Indeterminação dos Sujeitos

O interesse difuso, por sua própria essência, não possui sujeitos ou titulares determinados. Um exemplo claro dessa afirmação é o direito ao meio ambiente, que, por sua ubiquidade, ou seja, pela sua característica de estar presente em todas as partes, acaba tendo uma vinculação com uma quantidade indeterminada de pessoas. Esse fato inviabiliza uma determinação objetiva daqueles que são titulares do direito. Da mesma forma, essa inviabilidade é derivada do fato de que o meio ambiente é de cada um e, ao mesmo tempo, de todos, sendo, da mesma maneira, o prejuízo gerado nesse direito repartido por todos e não somente por um. Nesses moldes, notar-se-á claramente que a indeterminação dos titulares é, de certo, uma das mais importantes características do direito difuso.


Indivisibilidade do Objeto

A indivisibilidade do objeto é derivada da própria indeterminação dos sujeitos. Por ela, qualquer benefício ou prejuízo a um direito difuso beneficiará ou prejudicará a todos, isto é, se uma pessoa impetrar uma ação popular ambiental, com o fito de evitar, por exemplo, que a prefeitura de um determinado município destrua um casarão antigo, mesmo que não esteja preocupada com o bem-estar social, caso bem sucedida, o benefício gerado pela preservação do patrimônio histórico da cidade será um ganho para toda a coletividade e não apenas para o sujeito que impetrou a referida ação popular. Desta feita, se os titulares dos direitos difusos são indeterminados, indeterminados, então, serão os beneficiados, não sendo possível a divisão do objeto almejado. Sobre esse panorama, diz-se, ainda, que


“tais interesses caracterizam-se por pertencerem a uma série indeterminada de sujeitos e pela indivisibilidade de seu objeto, de forma tal que a satisfação de um de seus titulares implica a satisfação de todos, do mesmo passo que a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade” (BARROSO, 1996, p.254).


Relevante, por fim, é ditar que “os interesses difusos são indivisíveis, no sentido de serem insuscetíveis de partição em quotas atribuíveis a pessoa ou grupos estabelecidos” (MANCUSO, 2001, p.83).


3 Os Princípios Gerais do Direito Ambiental: Breves Considerações


O estudo dos princípios é fundamental para qualquer pesquisa jurídica. Diz-se isto pela certeza de que os princípios são a própria alma de um ordenamento. Enquanto as normas e as leis, com (e todos os seus processos e as suas formalidades, constroem o corpo de um ordenamento jurídico, os princípios, em si, formam o espírito, a essência que banha internamente o corpo ordenamental, dando-lhes vitalidade e sentido. Em outras palavras, “princípios são proposições, diretrizes características às quais deve subordinar-se todo o desenvolvimento ulterior. Nesse sentido, os princípios despertam a idéia do que é primeiro em importância; e na ordem da aceitação, do que é fundamental” (RIBEIRO JÚNIOR, 1997, p.11).


Por esta ótica, fundamenta-se a necessidade de confecção deste tópico. Afinal, sem compreender os princípios que norteiam o Direito Ambiental, ainda que de maneira panorâmica, seria inviabilizada a possibilidade de uma compreensão mais ampla do próprio princípio da precaução e de sua importância para a tutela do meio ambiente e da saúde humana.


Nesse panorama, decidiu-se por efetivar uma breve explanação sobre os princípios do Direito Ambiental, com a intenção de construir um alicerce básico, fundamental e indispensável, para a compreensão geral do próprio tema nuclear desta pesquisa.


Optou-se, contudo, por tratar o princípio da precaução em um tópico isolado, como forma de viabilizar uma compreensão particular de suas características.


3.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável


Nesse princípio, a pedra de toque é a palavra sustentabilidade. Sustentabilidade que não inibe, de qualquer forma, os desequilíbrios naturalmente provocados pela ação e pela existência humana em seu meio, mas que, notadamente, não aceita que o desenvolvimento humano, em busca de sua constante evolução, ameace a suportabilidade do meio ambiente ante os impactos gerados. Isto porque essa suportabilidade faz-se fundamental para que o planeta mantenha-se habitável e existente.


O meio ambiente, em si, possui um limite dentro do qual as influências humanas são absorvidas, não prejudicando a sua renovabilidade e sustentabilidade[2]. Esse limite deve ser respeitado! Essa é a essência do desenvolvimento sustentável, que não impede o homem de desenvolver-se, desde que não ameace a sustentabilidade ambiental. Sustentabilidade ambiental que envolve, inclusive, a sustentabilidade do próprio homem e de suas relações com o meio natural e com a sociedade a qual pertence; afinal, fazem estes parte do complexo que é o meio ambiente (como já foi esclarecido no tópico em que se conceituou meio ambiente). “Em outras palavras, para que o desenvolvimento seja sustentável, não basta que seja ecologicamente sustentável; deve visar igualmente às dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais do desenvolvimento” (SILVA, 1995, p.49).


Terminologicamente, ressaltar-se-á que esse princípio foi desenvolvido em 1972, em Estocolmo, na Conferência Mundial do Meio Ambiente, sendo repetido nas demais conferências sobre meio ambiente, em especial na ECO- 92, a qual empregou o termo em onze de seus vinte e sete princípios (FIORILLO,2002, p.24).


3.2 Princípio do Poluidor-Pagador ou da Responsabilização


A regra presente em todo o Direito Ambiental é a ideia de que se deve prevenir qualquer dano, derivado da ação humana, que ponha em risco a sustentabilidade e renovabilidade do meio ambiente. Essa regra é consubstanciada nos dois primeiros princípios (prevenção e desenvolvimento sustentável).


Apesar de esta ser a regra, acontecem muitas vezes, pela ação de pessoas descompromissadas com as normas ambientais e/ou pelo descaso do Poder Público de pôr em prática essas normas, de não serem evitadas as degradações no meio ambiente. Ocorrendo esse fato, a medida a ser tomada é o autor da ação degradadora ser responsabilizado. Nesse caso, “o empreendedor, aquele que representa a atividade desempenhada, deve arcar com os custos para a mitigação dos danos que seu empreendimento possa causar, pois esses custos, em princípio, não podem ser repassados ao cidadão” (MATOS, 2001, p.63).


Essa responsabilização é justamente derivada do fato de que “qualquer violação ao Direito implica a sanção do responsável pela quebra da ordem jurídica” (ANTUNES, 1998, p.31). Todavia, quando se trata da degradação ambiental, torna-se essa violação majorada, já que terá reflexos (pela natureza difusa e pela substância complexa do meio ambiente), para toda a coletividade e, mais ainda, para todo o ecossistema.


3.3 Princípio da Obrigatoriedade da Ação Estatal


Esse, definitivamente, é um princípio de Direito Ambiental. Por esse princípio, deve o Estado, por todos os meios possíveis, prevenir as degradações a esse bem e, havendo as degradações, punir o degradador, responsabilizando-o com base no princípio do poluidor-pagador e com a aplicação coerente das normas ambientais brasileiras. Além desse fato, “o Estado deve assumir a condução da política ambiental, por meio de seus órgãos competentes, efetivando os controles necessários à manutenção da qualidade de vida” (MATOS, 2001, p.61).


Outro reflexo desse princípio encontra-se na ideia de que o Estado deve AGIR OBRIGATORIAMENTE no sentido de notificar[3] os demais Estados sobre o surgimento de eventos ambientalmente nocivos, mas precisamente se houver proporções que levem prejuízos a outras nações, em outros territórios. Destarte, é obrigação do Estado efetivar a notificação, sendo que esta “refere-se ao comportamento entre nações, levando-as à obrigatoriedade de comunicação de eventos danosos ao meio ambiente, principalmente quando os efeitos são transfronteiriços” (MATOS, 2001, p.61).


3.4 Princípio do Direito Humano Fundamental


Esse princípio é adotado por ANTUNES (1998) e por DEEBEIS (1999). É derivado da própria substancialidade do direito ao meio ambiente, já que o mesmo é um direito humano fundamental. Daí brota o princípio! Sustenta-se esse entendimento pelo fato de “(…) o reconhecimento do direito ao meio ambiente saudável já está registrado em documentos internacionais de grande relevância (…)”.


Esse princípio, além de ter sido configurado na Constituição Federal de 1988 “também já penetrou nas Constituições e na legislação de grande número de Estados” (DALLARI, 1998, p.56).


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Por outro lado, o reconhecimento do direito ao meio ambiente como um direito fundamental é reflexo direto da sua constitucionalização.


3.5 Princípio do Direito-Dever da Participação Popular (Democrático ou da Participação) [4]


Como já foi observado no princípio anterior, o meio ambiente é um direito humano fundamental, tendo, portanto, o homem direito de usufruir, sustentavelmente, desse bem. Além do mais, tem a população o direito de participar ativamente da proteção desse bem.


Todavia, cabe ressaltar que não só tem a coletividade o direito facultativo de participar e cobrar para que o meio ambiente não seja ameaçado, mas, conjuntamente, tem a coletividade o DEVER de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Desse modo, a participação popular não pode ser encarada como um mero fruto da faculdade do cidadão, mas, ao contrário, deve ser um imperativo.


“Acrescente-se a isso a impossibilidade de viver democraticamente se os membros da sociedade não externarem suas opiniões e vontades” (DALLARI, 1998, p.16).


3.6 Princípio da Cooperação [5]


Ao estender à coletividade o dever de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, reconhece-se que a ação isolada dos sujeitos desse dever (Poder Público e coletividade) não seria suficiente ou eficaz para a tutela do meio ambiental. Por esse fato, foi estabelecida a necessidade de que ambos participassem simultânea e, quando possível, conjuntamente. Assim sendo, surgiu como princípio a necessidade da cooperação entre o Poder Público e a coletividade, com o fito de viabilizar a proteção ambiental e a materialização da idéia de desenvolvimento sustentável.


3.7 Princípio da Soberania dos Estados


Esse princípio é amplamente fortificado no Direito Internacional e, geralmente, reforçado nas constituições nacionais. Esse princípio, no Direito Ambiental, deixa claro que cada Estado tem a liberdade para proteger o meio ambiente presente em seu território, de modo que, precipuamente, não poderá um Estado ou Organismo externo ditar as normas que deverão ser aplicadas na preservação do meio ambiente nacional. “As nações têm total soberania para o estabelecimento de sua política ambiental, ditando os parâmetros a serem seguidos no seu território, com o objetivo de equilibrar o meio ambiente com o desenvolvimento” (MATOS, 2001, p.64).


Destarte, cabe ao Estado legislar e executar as suas políticas ambientais sem intervenções externas, com o objetivo de proteger e sustentabilizar o meio ambiente. Todavia, na prática, “deve estar claro que existem mecanismos internacionais de pressão para que determinada nação adote um determinado controle ambiental” (MATOS, 2001, p.64).


3.8 Princípio da Complexa Educação Ambiental [6]


O princípio da educação ambiental está consolidado no Direito Internacional. Da mesma forma, vê-se no texto constitucional brasileiro de 1988, no seu inciso VI, § 1°, do art. 225. Esse parágrafo incumbiu o Poder Público de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.


3.9. Princípio da Ubiquidade


Esse princípio é consubstanciado na ideia de que o meio ambiente é ubíquo, ou seja, está presente em toda parte, em todo o globo, e que, portanto, toda e qualquer lesão ocorrida em sua estrutura, independente do local onde ocorra, tem reflexos, diretos ou indiretos, em toda a natureza. Dessa forma o que se quer ressaltar é que “(…) os bens ambientais naturais colocam-se numa posição soberana a qualquer limitação espacial ou geográfica”. Em consequência, “(…) dado o caráter onipresente dos bens ambientais, o princípio da ubiqüidade exige que em matéria de meio ambiente exista uma estreita relação de cooperação entre os povos, fazendo com que se estabeleça uma política mundial ou global para sua proteção e preservação” (RODRIGUES, 2002, p.134).


4 Os Princípios da Precaução e da Prevenção: Aproximações e Diferenças


Ao efetivar-se, no tópico anterior, uma análise de diversos princípios do Direito Ambiental, resta tão-somente realizar um relevante estudo sobre os princípios da precaução e da prevenção, diante de sua relação direta com o tema ora proposto.


A postura de evitar-se a degradação ambiental “ganhou reconhecimento internacional ao ser incluído na Declaração do Rio (princípio n° 15) que resultou da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento − Rio 92” (ANTUNES, 1998, p.29). Determina que toda e qualquer atividade humana (governamental ou não) deva ser devidamente calculada no sentido de prevenir que o seu impacto de alguma forma ameace a sustentabilidade ambiental.


Notar-se-á que o princípio da prevenção não delineia atividades específicas que devam ser prevenidas, subtendendo-se, portanto, que toda e qualquer atividade, independente de sua natureza ou de seus autores, deva ser estudada antecipadamente como forma de precaução e com a meta de evitar que, pela sua imprudência, seja prejudicada não só a sustentabilidade, mas, também, a renovabilidade ambiental.


“A atuação do Poder Público deve ser preventiva, ou seja, como em todas as atividades humanas, existe um fator de risco” (MATOS, 2001, p.62). E, de certo, esse fator de risco deve ser analisado. Nisso consiste o princípio da prevenção.


No Direito Ambiental, é muito comum, entretanto, encontrar-se uma nítida divergência entre os doutrinadores que se dedicam a comentar os princípios (jus)ambientalistas da precaução e da prevenção: a) há aqueles que entendem serem eles um só princípio; e b) aqueles que defendem serem os ditos princípios autônomos e distintos.


Com relação à primeira corrente, pode-se afirmar que:


“A prevenção é reconhecida pela doutrina como um dos princípios do Direito ambiental. Esse princípio também pode ser reconhecido, doutrinariamente, como precaução, prudência ou cautela. Muito embora existam as diversas nomenclaturas, essa diversidade não se reflete na substancialidade dos princípios, tanto que boa parte dos doutrinadores brasileiros destina a essas expressões as mesmas ideias e essências, diferente dos portugueses que, por exemplo, diferenciam o princípio da prevenção do da precaução”[7] (BRITO, 2010, p. 55).


Com relação, contudo, à segunda corrente, é possível afirmar que o conhecimento ou o desconhecimento dos reflexos nocivos de determinado ato potencialmente degradador do meio ambiente é o critério, geralmente, utilizado pela doutrina para diferenciar os dois princípios.


Nesses termos, quando o ato ou atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente tem efeitos conhecidos ou previsíveis estar-se-ia falando do princípio da prevenção.


Por outro lado, quando esses efeitos ou resultados fossem, ao contrário, desconhecidos, ou seja, imprevisíveis, o princípio em tela seria o da precaução.


Seguindo esse raciocínio, ter-se-ia o princípio da prevenção ao se evitar a caça de determinadas espécies, da mesma forma que a pesca em determinados períodos de desova, pois, nesses casos, os reflexos do dano gerado seriam conhecidos ou previsíveis, isto é, a ameaça de extinção de determinadas espécies ou ainda a redução da biota.


Contrariamente, quando se fala da proibição de plantação de determinadas variedades vegetais transgênicas, antes de se efetivarem prévios estudos que constatem a não existência de ameaça ao equilíbrio ambiental ou a saúde do ser humano – potencialmente consumidor dos produtos deles advindos –, estar-se-ia tratando do princípio da precaução, até mesmo porque não há como se prever os reflexos danosos gerados por esta prática. Não sendo previsível o dano, notadamente, há referência à precaução e não à prevenção.


Há, igualmente, quem sustente a distinção entre os dois princípios, em fatores de ordem etimológica, alegando que ambas as nomenclaturas, apesar de semelhantes, remontariam significados distintos.


Na prática, no entanto, a diferenciação entre os princípios da prevenção e da precaução parece ser de pouca utilidade.


Além do mais, não parece razoável a iniciativa doutrinária de reconhecer dois princípios distintos pelo mero fato de serem ou não previsíveis os danos ambientais advindos de determinadas práticas.


A ideia de princípio relaciona-se intimamente com a noção primeira de valor. Os princípios jurídicos, nesse contexto, seriam uma fonte primeira de vitalidade do ordenamento jurídico; uma nascente fluvial propriamente dita, da qual brotariam as gotas iniciais e propulsoras da correnteza de um rio teórico e normativo.


Ao se tentar, todavia, explicar a razão de ser de um princípio pelos resultados ou consequências de determinadas práticas, como na presente situação, parece estar incidindo em grave erro, por estar-se invertendo o foco caracterizador dos princípios: ao invés de considerar-se o valor norteador, considera-se o reflexo dele surgido; ao invés de considerar-se o início, passa a considerar-se o fim.


Nessa conjectura, é coerente afirmar que tanto o princípio da precaução como o da prevenção são um único princípio por possuírem eles uma única ideia valorativa nuclear, um único valor central: evitar a ocorrência do dano ambiental. Nada mais do que isso.


Desta feita, pouco importa o conhecimento ou não, a previsibilidade ou não do dano ambiental gerado. Isto não é motivo suficiente para se justificar a existência de dois princípios autônomos.


Havendo a possibilidade ou a ameaça de ocorrência de uma degradação ambiental e, por derivação, de ameaça à saúde do ser humano, deve tal degradação ser evitada, prevenida ou precavida, não importando, assim, qual a expressão que será utilizada para referir-se a esse fim.


 Diante dessa realidade, optar-se-á, neste artigo, por entender a prevenção e a precaução como um único princípio, divergindo, assim, de boa parte da doutrina ambientalista. Motivo pelo qual, no próximo capítulo, abordar-se-ão todos e quaisquer contextos que possam ser entendidos como iniciativa para se “evitar a ocorrência de dano ambiental”, independentemente de sua previsibilidade.


Por fim, ressaltar-se-á que a importância desse princípio é inquestionável, já que a ideia de prevenção sempre é a mais oportuna. Principalmente, ao levar-se em consideração a ideia de que “(…) nem sempre é possível reparar cabalmente um dano ecológico: haja vistas, por exemplo, à extinção total de certos animais ou vegetais” (GRASSI, 1995, p.31). Torna-se mais coerente, por esse motivo, evitar o surgimento do dano ecológico, do que simplesmente sanar as suas consequências (algumas vezes irremediáveis).


5 A Relação do Meio Ambiente com a Saúde


Já tendo efetivado a análise do conceito e da natureza jurídica de meio ambiente, bem como uma análise panorâmica dos diversos princípios do Direito Ambiental, torna-se, de fato, possível compreender o vínculo existente entre a necessária tutela do meio ambiente e a plena garantia do direito à saúde de todo e qualquer indivíduo.


Em um primeiro momento, torna-se crucial destacar que, diferentemente do que ocorria no passado – período no qual o conceito de meio ambiente envolvia apenas alguns aspectos de ordem eminentemente “verde” –, na atualidade se compreende majoritariamente que ele engloba não só a fauna, a flora, os minerais, mas, outrossim, o próprio homem, e, com ele, os diversos aspectos que lhe dizem respeito individual e conjuntamente, a exemplo dos sociais, psicológicos e econômicos.


Essa inclusão inevitável do homem e da sociedade humana na órbita ambiental deixou evidente os seus naturais papéis de integrantes do meio ambiente, da mesma forma que as suas vulnerabilidades ante os desequilíbrios neste provocados, uma vez que, em sendo partes de um todo ambiental, o homem e a sociedade humana sofrem direta ou indiretamente com as suas degradações.


Logo em seguida, é necessário reconhecer que esta vulnerabilidade humana ante os impactos ambientais surgidos não se resume a um ou outro indivíduo, em espaços mais ou menos definidos.


O reconhecimento da natureza jurídica difusa do meio ambiente tem, como consequência, admitir que as degradações provocadas ao meio ambiente atingem um número indeterminado de pessoas, humanas ou não, nos mais distintos espaços do planeta.


Por último, o princípio da ubiquidade reforça essa afirmação; afinal, se está o meio ambiente em toda parte ao mesmo tempo, logo toda e qualquer pessoa, independente do local em que habite, pode ser vítima dos impactos ambientais, onde quer que ocorram.


 Assim sendo, a vulnerabilidade humana ante os impactos ambientais surgidos propicia uma integração clara entre as temáticas da tutela ambiental e da tutela da saúde, haja vista que os reflexos nocivos da degradação do meio ambiente podem comprometer a saúde e a vida das pessoas.


Considerando, ainda, que os reflexos advindos da degradação do meio ambiente não são, de regra, isolados, mas – como já dito – atingem um número indeterminado de pessoas, vê-se como algo razoável que as políticas públicas de tutela ambiental sejam integradas com aquelas de saúde pública.


Ao controlar-se, portanto, a degradação ambiental, está se promovendo uma tutela pública adequada da saúde individual e coletiva dos seres humanos e, igualmente, dos demais seres.


É justamente nessa ótica que entra o princípio da precaução e de sua importância na tutela não só do meio ambiente, propriamente dito, mas, também, da saúde das pessoas, como será abordado no capítulo seguinte.


6 O Princípio da Precaução e a sua Importância para a Tutela do Meio Ambiente e da Saúde


Associar os temas do meio ambiente e da saúde humana, por tudo já tratado, é uma iniciativa indescartável.


Internalizar na tutela da saúde as diretrizes e os princípios de Direito Ambiental, comumente utilizados na tutela específica do meio ambiente, também o é.


Essa necessidade é reforçada pelo fato de o próprio homem e as suas sociedades, igualmente, serem, em si, meio ambiente. Aliás, já foi demonstrado que a conceituação contemporânea deste bem engloba aspectos humanos dos mais diversos.


 Reconhecendo as condições acima, resta, enfim, sistematizar a relação do princípio da precaução com as tutelas do meio ambiente e da saúde, nos termos adotados neste trabalho.


Para tanto, é preciso reconhecer que, tendo em mente a equivalência valorativa entre os princípios da precaução e da prevenção, viabilizar-se-ia a sua consideração em duas dimensões, duas faces de uma mesma moeda: a) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos são previsíveis ou conhecidos (situação tradicionalmente associada ao princípio da prevenção); e b) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos não são previsíveis ou não são conhecidos (situação comumente associada ao próprio princípio da precaução).


Na primeira situação, é preciso afirmar que o Poder Público, ao conhecer os resultados nocivos que a ameaça de determinada prática lesiva ao meio ambiente pode gerar, deve, impreterivelmente, agir no sentido de reprimi-la.


Essa necessidade de atuação do Poder Público é respaldada na existência de outro princípio (jus)ambientalista: o princípio da obrigatoriedade da ação estatal.


Nessa conjectura, ao agir combatendo a ameaça de lesão ambiental, o Poder Público, inicialmente, estará evitando a ocorrência de grave desequilíbrio do meio ambiente e, por conseguinte, estará evitando que, por intermédio, deste desequilíbrio, a saúde dos seres humanos e demais seres vivos seja afetada.


A implantação, por exemplo, de políticas de saneamento básico em regiões periféricas dos grandes centros, nas quais é muito comum a existência de esgotos a céu aberto se encaixaria nessa dimensão; afinal, é previsível que em realidades como as mencionadas, a população local seja afligida com uma série de problemas de saúde, o que onera, inclusive, o próprio Estado.


Na segunda situação, é preciso afirmar que o Poder Público, ante a mera ameaça de determinada prática lesiva ao meio ambiente, ainda que desconheça os resultados nocivos que podem vir a ser gerados, deve, impreterivelmente, agir no sentido de reprimi-la.


Certamente, o desconhecimento dos reflexos nocivos a serem gerados não é motivo suficiente para uma postura de omissão estatal. Mais uma vez o princípio da obrigatoriedade da ação estatal cobra do Estado uma iniciativa afirmativa e eficiente, como forma de preservar o equilíbrio ambiental e o bem-estar humano.


Nesse contexto, é possível se encaixar a plantação de determinados vegetais transgênicos, pois o desenvolvimento recente dessa nova tecnologia não dava plena segurança de que sua proliferação não efetuaria impactos ao meio ambiente, bem como à saúde dos consumidores.


Por esse motivo, em diversos países, em especial no Brasil, durante algum tempo, a utilização de grãos transgênicos em plantações foi proibida e/ou limitada, justamente para se proteger o meio ambiente e, outrossim, a saúde das pessoas, de males desconhecidos e que sequer tinham confirmação científica.


A simples possibilidade de que algum dano pudesse ser produzido pela utilização daquela nova tecnologia de produção de alimentos se tornou suficiente para que os Estados agissem na defesa ambiental e humana.


Salienta-se que, ainda na atualidade, como no caso brasileiro, a utilização de novas variedades transgênicas tem uma série de restrições, sendo alvo de uma fiscalização constante e pormenorizada pelo Poder Público, que, entre diversos aspectos, exige a realização de uma série de experimentos, com um controle severo.


Diante dessa realidade, fica evidente a importância do princípio da prevenção para a tutela do meio ambiente e da saúde humana. Essa importância é, de fato, potencializada ao se reconhecer que determinados danos ambientais, bem como determinados danos à saúde humana podem ser irreversíveis. Destarte, evitar a ocorrência dessas lesões é a melhor forma de não contabilizar prejuízos.


7 Conclusão


Diante do todo já exposto, cabe, pertinentemente, sintetizar o seguinte:


– O conceito de meio ambiente, diferente de visões que preponderaram no passado, ultrapassa os limites do universo “verde”, abarcando o próprio homem e a sociedade humana;


– a natureza jurídica do meio ambiente é, notadamente, de direito difuso, haja vista ostentar como características: a indivisibilidade do objeto e a indeterminação dos sujeitos;


– poder-se-ia identificar, entre outros, como princípios gerais do direito ambiental: o Princípio do Desenvolvimento Sustentável, o Princípio do Poluidor-Pagador ou da Responsabilização, o Princípio da Obrigatoriedade da Ação Estatal, o Princípio do Direito Humano Fundamental, o Princípio do Direito-Dever da Participação Popular (Democrático ou da Participação), o Princípio da Cooperação, o Princípio da Soberania dos Estados, o Princípio da Complexa Educação Ambiental e o Princípio da Ubiquidade;


– com relação ao princípio da precaução, faz-se relevante afirmar existirem duas correntes doutrinárias preponderantes: uma que entende serem ele e o princípio da prevenção princípios idênticos e outra que entende serem ambos princípios distintos;


– para a corrente que entende serem distintos os princípios da precaução e da prevenção, o primeiro destinar-se-ia a evitar a ocorrência de lesão, cujo os danos resultantes seriam desconhecidos ou não previstos, enquanto que o segundo destinar-se-ia a evitar a ocorrência de lesão, cujos danos seriam conhecidos ou devidamente previstos;


– a inclusão inevitável do homem e da sociedade humana na órbita ambiental deixou evidente os seus naturais papéis de integrantes do meio ambiente, da mesma forma que as suas vulnerabilidades ante os desequilíbrios neste provocados, uma vez que, em sendo partes de um todo ambiental, o homem e a sociedade humana sofrem direta ou indiretamente com as suas degradações;


– a vulnerabilidade humana ante os impactos ambientais surgidos propicia uma integração clara entre as temáticas da tutela ambiental e da tutela da saúde, haja vista que os reflexos nocivos da degradação do meio ambiente podem comprometer a saúde e a vida das pessoas;


– é preciso reconhecer que, tendo em mente a equivalência valorativa entre os princípios da precaução e da prevenção, viabilizar-se-ia a sua consideração em duas dimensões: a) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos são previsíveis ou conhecidos (situação tradicionalmente associada ao princípio da prevenção); e b) havendo ameaça de lesão, cujos reflexos não são previsíveis ou não são conhecidos (situação comumente associada ao próprio princípio da precaução);


– Por fim, em ambas as dimensões, em obediência ao princípio da obrigatoriedade da ação estatal, ainda que o perigo oriundo da ameaça de dano não seja cientificamente comprovado, deve o Poder Público agir, evitando, assim, a consolidação de desequilíbrio ambiental e de grave prejuízo à saúde humana.


 


Bibliografia

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Notas:

[1] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2.ed. São Paulo: Malheiros,1995, p.01.

[2] Essa ideia de limite é tão forte que alguns doutrinadores identificam-na como um princípio isolado do Direito Ambiental. Nesse trabalho, contudo, entendeu-se que o LIMITE insere-se na ideia de desenvolvimento sustentável, já que a qualidade de sustentabilidade, em seu bojo, compreende um raciocínio de que o meio ambiente tem uma limitação com a qual consegue absorver o desenvolvimento do homem.

[3] Apesar de Matos(2001), baseando-se na estruturação principiológica de Machado (1994), adotar a notificação como um princípio isolado, entendeu-se, na confecção desse trabalho, que a notificação está contida na essência do princípio da obrigatoriedade da ação estatal; afinal, tendo o Estado a obrigação de agir sempre (preventiva ou repressivamente) na proteção ambiental, torna-se função sua (ACESSÓRIA) notificar não só aos particulares e à coletividade, mas, também, a outros Estados no caso de degradação ambiental transfronteiriça (ou na possibilidade desta).

[4] Esse princípio, doutrinariamente, é nominado de “participação” ou de “democrático”, todavia, adotou-se, neste escrito, conjuntamente as outras duas, a nomenclatura de “direito-dever” da participação popular. Esse fato é justificado pela certeza de que, por ser um dever constitucional (contido no caput do art.225 da C.F. de 88), esse princípio ultrapassa a ideia de faculdade na participação.

[5] Esse princípio é abordado por Grassi (1995), na sua obra “Direito Ambiental Aplicado” (listada na bibliografia). 

[6] No Direito Internacional, assim como na doutrina ambiental brasileira, o princípio é conhecido simplesmente por “educação ambiental”. Neste trabalho, contudo, resolveu-se acrescentar à nomenclatura do referido princípio, a expressão “complexa”, que tem como fito potencializá-lo e sintonizá-lo com o espírito participativo da C.F. de 1988. Entendeu-se, em suma, que a educação ambiental não deve resumir-se ao mero incentivo da consciência ecológica, mas que deve ter como meta conjunta a popularização do Direito Ambiental nacional, entre outros valores, que dariam a sua substancialidade um arcabouço complexo.

[7] Na doutrina portuguesa, costuma-se diferenciar a nomenclatura prevenção da nomenclatura precaução. Tal fato não é comum na cultura jurídica brasileira.


Informações Sobre o Autor

Fernando de Azevedo Alves Brito

Advogado. Escritor. Professor Substituto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata. Mestrando em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro da APRODAB.


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