O princípio da solidariedade intergeracional no âmbito do direito previdenciário

Resumo: A aplicação do princípio da solidariedade intergeracional no âmbito do direito previdenciário é de suma importância diante dos graves e complexos problemas que a previdência social enfrenta. O presente trabalho busca apresentar um panorama geral da previdência enquanto um direito que pertence à coletividade e que por ela deve ser preservado. Buscando tal intento, utilizar-se-á das técnicas de observação informal e de estudo de caso, realizando uma pesquisa bibliográfica e uma abordagem teórica qualitativa; para concluir que o princípio da solidariedade intergeracional tem seu papel de relevância também no direito previdenciário.

Palavras-chave: Direito Previdenciário; Princípio da solidariedade intergeracional.

Abstract: The principle of intergenerational solidarity in the social security law is of paramount importance before the serious and complex problems that social security faces. This study aims to present an overview of security as a right that belongs to the community and for it to be preserved. Seeking such intent, will be used the informal observation techniques and case study, conducting a literature search and a qualitative theoretical approach; to conclude that the principle of intergenerational solidarity plays a role also of relevance in the social security law.

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Keywords: Social Security Law; Principle of intergenerational solidarity.

Sumário: Introdução. 1. A solidariedade e os direitos fundamentais. 2. A solidariedade no âmbito do direito previdenciário. 3. A solidariedade intergeracional. 4. A solidariedade intergeracional no âmbito do direito previdenciário. Conclusão. Referências.

Introdução

O princípio da solidariedade intergeracional, enquanto regra que atenta para a responsabilidade de todos na preservação dos recursos da previdência, deve ser um dos protagonistas do direito previdenciário na medida em que a sua observância por todos os atores do sistema contribui para a solidez do mesmo, evitando que seus recursos sejam desviados de suas funções precípuas. Sempre importante que se destaque que não apenas o meio ambiente, mas também o direito previdenciário, cada qual no seu contexto, quando comprometidos e insustentáveis trazem indignidade ao ser humano.

Ora, um indivíduo que recebe um benefício previdenciário indevidamente acaba por prejudicar a coletividade de diversas formas: prejudica todos aqueles que tem direito ao benefício, acarreta indiretamente na diminuição do valor dos benefícios concedidos, compromete a sustentabilidade do sistema, prejudica outras políticas publicas essenciais, põe em risco do direito à segurança social das futuras gerações etc. Frisa-se: cada geração é ao mesmo tempo guardiã ou depositária dos recursos da seguridade social e sua usufrutuária; fato que nos impõe a obrigação de cuidar de tais recursos e nos garante certos direitos de explorá-los.

Portanto, o princípio da solidariedade intergeracional, fundado em uma ética solidária, responsável e inclusiva, é de suma importância para a garantia de uma previdência que cumpra o seu escopo no âmbito dos direitos humanos dos mais necessitados uma vez que impede que os já escassos recursos sejam deslocados dos objetivos prioritários da previdência.

1. A solidariedade e os direitos fundamentais

A solidariedade está ligada aos direitos fundamentais, dentre eles os ecológicos e os de solidariedade, já que significa a responsabilidade de cada indivíduo pelo destino dos demais integrantes da comunidade. Desta forma, cada um também tem responsabilidade pela realização dos direitos sociais de forma conjunta com o estado social.

Nesta feita, importa acrescentar que os direitos de terceira dimensão possuem caráter transindividual, o que os faz abranger toda a coletividade, sem quaisquer restrições a grupos específicos. Ora, o ideário de solidariedade alberga justamente um sucedâneo de direitos que contemplam a coletividade enquanto unidade, não se atendendo a características diferenciadoras ou mesmo particularidades segregadoras.

O ordenamento jurídico português[1] assim conceitua “Princípio da solidariedade: consiste na responsabilidade colectiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento, nos termos definidos pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro. Este princípio concretiza-se em 3 planos: -Nacional, através da transferência de recursos entre os cidadãos, de forma a permitir a todos uma efetiva igualdade de oportunidades e a garantia de rendimentos sociais mínimos para os mais desfavorecidos; -laboral, através do funcionamento de mecanismos redistributivos no âmbito da proteção de base profissional e intergeracional, através da combinação de métodos de financiamento em regime de repartição e de capitalização”.

Desta feita, importante esclarecer que a solidariedade deverá assumir papel subsidiário e não exclusivo, como panaceia de eventuais insustentabilidades.

2. A solidariedade no âmbito do direito previdenciário

No âmbito do direito previdenciário, não obstante o estado social tenha o papel de garantir aos seus membros um nível adequado de realização dos direitos à segurança social e, para tanto, deva sempre levar em conta o princípio da solidariedade intergeracional; os demais atores que participam do sistema também tem o dever de observar tal princípio. Isso porque a concessão banalizada de benefícios, sem a observância de critérios preestabelecidos prejudica diretamente não somente o próprio sistema securitário, mas também outros setores da sociedade uma vez que implica em certa medida na falta de recursos para a garantia de direitos como saúde, educação, habitação etc.

Casalta Nabais estabelece uma classificação da solidariedade que esclarece que além do empenho estatal, é necessária uma atuação conjunta e espontânea dos indivíduos e grupos sociais, haja vista que o estado social se mostra incapaz de, sozinho, resolver todos os problemas que afetam a sociedade “(…) a solidariedade horizontal, solidariedade dos deveres ou solidariedade fraterna, chama à colação, de um lado, os deveres fundamentais ou constitucionais que o estado, enquanto seu destinatário directo, não pode deixar de concretizar legislativamente e, de outro lado, os deveres de solidariedade que cabem à comunidade social ou social civil, entendida esta, em contraposição à sociedade estadual ou política”.

3. A solidariedade intergeracional

A solidariedade intrageracional é pressuposto da solidariedade intergeracional. Nesse sentido, enquanto solidariedade horizontal, diante de situações de crise econômico-financeira, destaca-se como extremamente importante para diminuir o fracasso do papel estatal na realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse contexto, para que tal solidariedade possa atuar de forma mais efetiva, essencial que sejam estimuladas praticas de transparência e de publicidade por parte do poder público. Leciona Casalta Nabais, ao correlacionar solidariedade e cidadania, que “(…) a ideia de solidariedade não é, ou não é só, uma moda dos tempos que correm. Ela é efectivamente um valor que suporta uma nova dimensão da cidadania – a cidadania solidária ou a cidadania responsavelmente solidária.”  Mais adiante o autor esclarece que “esta solidariedade social também não se reduz, nem pode reduzir-se, ao voluntariado social” e que se impõe “um adequado equilíbrio entre a solidariedade pelo estado ou solidariedade estadual e a solidariedade social.

4. A solidariedade intergeracional no âmbito do direito previdenciário

A solidariedade intergeracional, uma vez que representa uma dimensão mais recente de solidariedade, tem intrínseco vínculo com a sustentabilidade, a qual é condição inerente não só para a existência do meio ambiente, mas também para a previdência. Ora, se no âmbito do direito ambiental o princípio da solidariedade intergeracional visa a assegurar a utilização racional dos recursos ambientais para que as gerações futuras também possam os aproveitar; no contexto do direito previdenciário o raciocínio é o mesmo: os recursos previdenciários devem ser utilizados racionalmente para que a previdência social consiga alcançar da melhor forma possível o seu escopo mesmo com a limitação de recursos financeiros.

Nesse sentido, Juarez Freitas ensina que a sustentabilidade, princípio multidimensional, deve ser compreendida como um valor constitucional supremo na medida em que garante a expansão sistemática das dignidades e a prevalência da responsabilidade antecipatória; consistindo em um dever improtelável a adoção da diretriz vinculante da sustentabilidade (FREITAS, 2011, p. 122-123).

Diante dos objetivos, da complexidade e das características da previdência social, é imperioso que se conclua que a ela se aplica o desenvolvimento sustentável, que satisfaça as necessidades presentes, sem o comprometimento da capacidade das gerações futuras de suprir as suas.

Nas lições de Bordin, a Teoria da Equidade Intergeracional de Weiss baseou-se na Teoria da Justiça de Rawls, que defendia, com fundamento na ideia de justiça, uma igualdade de condições entre as gerações. Para este autor, a geração presente não deve se sobrepor às futuras diante da circunstância de estarem em uma fase precedente na linha do tempo. Assim, na concepção de Rawls, uma eventual preferência temporal pura que favoreça a geração atual implica necessariamente em uma injustiça.

A doutrina de Edith Brown Weiss (AMADO, 2007, p. 156-157), ao versar sobre a solidariedade intergeracional sob três enfoques, quais sejam, a conservação das opções das gerações vindouras, conservação da qualidade dos recursos naturais e conservação do acesso a estes; deve ser aplicada também no âmbito previdenciário. Isso porque também nesse ramo do direito é primordial que se conserve as opções das futuras gerações, bem como a qualidade dos benefícios e serviços da seguridade e o acesso a estes.

Não obstante seja evidente a importância do princípio da solidariedade intergeracional no âmbito do direito previdenciário, a teoria da solidariedade intergeracional encontra limites como a ausência de representatividade política dos interesses das gerações futuras, a inexistência de imputação de responsabilidade das gerações futuras relativamente às precedentes; a impossibilidade de atestar com certeza a inocuidade e irreversibilidade de certas condutas; a dificuldade de explicar a necessidade de se modificar ou eliminar hábitos em nome de interesses hipotéticos das gerações vindouras (AMADO, 2007).

Para minimizar os efeitos dessas limitações resta imprescindível que haja transparência no trato dos recursos da previdência e nos números estatísticos que envolvem o sistema; além de ampla divulgação para a população sobre a necessidade de maximização da colaboração da sociedade, enfatizando o relevante papel da solidariedade horizontal.

Partindo das ideias de Carla Amado Gomes, é possível que se sistematize a aplicação da solidariedade a direitos fundamentais sociais focando-se, em primeiro lugar, na importância da educação para a criação de um espírito de responsabilidade partilhada na gestão dos recursos previdenciários, educação esta que deve ocorrer nos níveis material, procedimental e processual. Em segundo lugar, na relevância da participação pública e da informação nas decisões concernentes à seguridade social, de forma que se compreenda a importância da descodificação das informações a fim de que se tornem acessíveis para o cidadão comum. Por fim, em terceiro lugar, no desdobramento de cada cidadão em prol da seguridade, revelado o seu duplo papel, ou seja, de credor de uma conduta responsável por parte dos atores sociais e econômicos, pessoas individuais ou coletivas, na gestão racional dos recursos da previdência, e como devedor de comportamentos éticos e conforme o que exige a sociedade.

Tem-se, portanto, a configuração de um direito de solidariedade que impõe à sociedade não apenas o encargo de contribuir de forma ativa e significativa para a sustentabilidade da previdência social, mas também o dever ético, responsável e inclusivo de não tratar os recursos da previdência como se fossem isolados e ilimitados.

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Assim, a utilização da expressão “solidariedade intergeracional” visa evidenciar a ligação entre a responsabilidade da atual geração e os direitos previdenciários das futuras. Essa expressão deve ser vislumbrada sob duas ópticas, já que se desdobra na solidariedade pautada na geração atual (sincrônica) e também na solidariedade que se volta para as gerações futuras (anacrônica).

Conclusão

Conclui-se, por fim, que a equidade intergeracional é um desdobramento da equidade social e é dotada de carga valorativa do princípio, visto que procura normatizar um padrão ético de conduta humana, qual seja, a preocupação com o Outro – no presente e no futuro. Desta forma, o Direito prega que o ser humano assimile uma nova ética, a fim de transformar a sua consciência e seu comportamento. O princípio da solidariedade intergeracional é propulsor de justiça social, já que o seu conteúdo valorativo afirma a igualdade (igualdade de condições entre o hoje e o amanhã) e, em um sentido mais abrangente, a redução da pobreza e da marginalização. Assim, a conscientização sobre a importância do Princípio da Solidariedade ou Equidade Intergeracional no âmbito do direito previdenciário  é reflexo de  uma mudança de paradigma do Direito, calcada em valores éticos, fato que impõe que todos os atores envolvidos (Estado, indivíduos e operadores do Direito) atuem de forma responsável para que se alcance um sistema previdenciário sustentável[2].

Referências
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Notas:
[1] Disponível na Internet: < http://www4.seg-social.pt/objectivos-e-principios>. Acesso em 10 de março de 2015.

[2] No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro destacam-se algumas decisões que mencionam o princípio da solidariedade entre gerações para justificar a incidência do fator previdenciário (TRF3, AC 0030213-86.2013.4.03.9999, Rel. Des. Therezinha Cazerta, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 06/12/2013) e a instituição de contribuições pelos inativos (PEDILEF 200651510395624, Juíza Federal Maria Divina Vitória, DJU 28/11/2009).


Informações Sobre o Autor

Cristiane Wada Tomimori

Procuradora Federal. Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul. Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo


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