O problema da força normativa dos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil

Resumo: Este trabalho procura analisar a força normativa dos contratos à luz da força normativa da Constituição. Inicialmente, discute-se a natureza normativa da Constituição a partir das concepções de Lassale e Hesse, em termos de eficácia jurídica e social, e no segundo momento, analisa-se a normatividade dos tratados internacionais de direitos humanos. Por fim, é posta a problemática do conflito entre tratados e Constituição, ou seja, a oposição entre direito internacional e direito interno. Após uma descrição das posições supranacionalista, legalista, supralegalista e constitucionalista, argumenta-se em favor da última, vislumbrando uma unidade indissociável entre Constituição e tratados de direitos humanos recepcionados pelo Brasil, fonte da normatividade desses tratados no nosso ordenamento jurídico.


Palavras-chave: Eficácia; Efetividade; Constituição; Tratados internacionais.


Sumário: 1- Introdução; 2- A força normativa da Constituição; 3- A força normativa dos tratados internacionais; 4- Os tratados internacionais de direitos humanos e o direito brasileiro; 5- Conclusão; Referências; Notas.


1 INTRODUÇÃO


“Na hermenêutica emancipatória dos direitos há que imperar uma lógica material e não formal, orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da dignidade humana.” (Flávia Piovesan)


A evolução civilizatória da humanidade fez surgir a concepção e a imperatividade dos chamados “direitos humanos” tutelados não só pelos Estados, mas no contexto de uma “governança global”. Dessa forma, enquanto no direito interno, instituem-se “direitos fundamentais”, na seara internacional proliferam-se os tratados de direitos humanos. Embora solidários e até certo ponto congruentes do ponto de vista axiológico, eles distinguem-se quanto à sua natureza jurídica:


“Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídicoinstitucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.” (CANOTILHO, 2003: 393)


Ao ingressarem nos ordenamentos jurídicos internos, esses direitos passam a identificar-se ainda mais com aqueles instituídos pelas constituições desses Estados, no entanto, por sua natureza anfíbia, reconhecidos e tutelados nacional e internacionalmente, a análise de sua eficácia jurídica é repleta de contradições e reentrâncias que muitas vezes obstam sua aplicação, para além da própria dificuldade de dar efetividade aos seus dispositivos. Nesse sentido, afirma Flávia Piovesan:


“Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, ao consagrarem parâmetros mínimos a serem respeitados pelos Estados, apresentam um duplo impacto: são acionáveis perante as instâncias nacionais e internacionais. No campo nacional, os instrumentos internacionais conjugam-se com o Direito interno, ampliando, fortalecendo e aprimorando o sistema de proteção dos direitos humanos, sob o princípio da primazia da pessoa humana. No campo internacional, os instrumentos internacionais permitem invocar a tutela internacional, mediante a responsabilização do Estado, quando direitos humanos internacionalmente assegurados são violados.” (apud AFONSO, 2008)


No entanto, essas duas ordens não se confundem: embora os Estados se comprometam internacionalmente, internamente eles podem – e, em certas situações, até devem agir de maneira diversa, se assim determinar seu regime jurídico. Exemplo disso é o controle de constitucionalidade dos tratados, que é poder-dever do STF. Se o Supremo Tribunal decidir pela inconstitucionalidade de determinadas pactuações feitas pela República Federativa do Brasil, mesmo responsabilizado em âmbito internacional, o Estado deve agir de acordo com suas próprias normas.


Enfrentar o conflito entre essas duas instâncias, a eficácia dos tratados frente à eficácia da Constituição (e as disposições normativas dela decorrentes), é o objetivo primordial deste trabalho, e para tal, segue o seguinte percurso teórico: um estudo da força normativa da Constituição a partir de Lassale e Hesse; um esboço analítico acerca da força e da debilidade normativa dos tratados internacionais de direitos humanos; e, por fim, uma análise acerca da problemática do conflito em tela e das propostas doutrinárias e jurisprudenciais de solução.


2 A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO


Enfrentando o problema do sucesso das constituições, Bulos (2010) divide a eficácia constitucional, isto é, “a capacidade das normas superiores do Estado produzirem efeitos” (2010: 464), em duas espécies: eficácia normativa ou técnico-jurídica e eficácia social ou sociológica. A primeira é atributo intrínseco das constituições, a possibilidade de sua aplicação no ordenamento jurídico; a segunda diz respeito a concretização da aplicação dos dispositivos constitucionais pelos fatores reais do poder.


Assim, toda norma constitucional possui um mínimo de eficácia, porque ou vincula o Poder Legislativo no intuito de regulamentar suas disposições, ou deve ser aplicada de imediato. No entanto, nada garante a sua efetividade, quer dizer, a obediência dos detentores do poder no sentido de implementá-la.


Essa problemática da imperatividade social das normas constitucionais já foi enfrentada em momentos distintos por dois grandes juristas, que chegaram a conclusões sensivelmente distintas: Ferdinand Lassale e Konrad Hesse.


Lassale, vivendo no Alemanha do século XIX, proferiu na associação liberal-progressista de Berlim uma conferência acerca da essência da constituição, em que defendeu a debilidade das disposições constitucionais. As Constituições Jurídicas seriam meras “folhas de papel”, e só seriam observadas na medida de sua equivalência com as Constituições Reais, isto é, a conjuntura política constituída pela articulação e hierarquização entre os fatores reais do poder, os sujeitos e as instituições que compõem a sociedade. “Esta é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação.” (LASSALLE, 1998: 34)


Dessa forma, as normas constitucionais seriam descritivas e flexíveis, porque não prescrevem condutas nem instituem direitos, mas apenas registram e declaram o ordenamento normativo já vigente e respeitado nas relações sociais, devendo ser reformada conforme as mudanças experimentadas por essas relações sociais.


Hesse, por sua vez, conterrâneo de Lassale, mas vivendo no século XX, defende a existência de uma força normativa da Constituição. Segundo ele, as normas constitucionais devem respeitar as possibilidades reais de sua aplicação, mas não submeter-se ao jogo de interesses dos fatores reais do poder. Ela pode impor tarefas, tornando-se também um dos fatores reais de poder. Ou seja, não apenas se submete à realidade, mas ordena-a e conforma-a, numa dialética entre o ser e o dever-ser.


“[…] “Constituição real” e “Constituição jurídica” estão em uma relação de coordenação. Elas condicionam-se mutuamente, mas não dependem, pura e simplesmente, uma da outra. Ainda c não de forma absoluta, a Constituição jurídica tem significado próprio. Sua pretensão de eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do qual resulta a realidade do Estado. A Constituição adquire força normativa na medida em que logra idealizar essa pretensão de eficácia. Essa constatação leva a uma outra indagação, concernente às possibilidades e aos limites de sua realização no contexto amplo de interdependência no qual esta pretensão de eficácia encontra-se inserida.” (HESSE, s.d.; 3)


Para tanto é imprescindível que se façam “[…] presentes na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)” (HESSE, s.d.: 4). Ou seja: a força da Constituição reside na legitimação que lhe concedem os sujeitos constituintes da sociedade, a conformação da vontade humana à Constituição pelo reconhecimento dessa força.


É necessário, portanto, que as constituições sejam estáveis, de modo a não se tornarem caducas pela simples alteração das relações sociais, mas apenas sendo objeto de reforma de quando sua finalidade (sua pretensão de eficácia) já não puder ser atingida ou não for relevante ante as novações do contexto sócio-político-econômico. Dessa forma, seu conteúdo deve ser geral e não-momentâneo, estruturalmente unilateral, sua práxis deve observar seus princípios e suas prescrições (não contrariando-os em nome de interesses ocasionais, ou por imporem sacrifícios incômodos) e sua interpretação deve concretizar de forma excelente o sentido da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa dada situação.


Logo, Hesse não contraria Lassale na totalidade de sua teorização, mas avança no entendimento do papel e do poder social das normas constitucionais. Ora, se a Constituição fosse apenas uma folha de papel cuja aplicação se condiciona exclusivamente aos interesses dos potentados da sociedade, desnecessários seriam todos os esforços no sentido de constituí-la e implementá-la. Mas se as sociedades lutam por estabelecê-la e impor por meio delas objetivos a serem alcançados, significa que, no jogo de poder que rege essas sociedades, as constituições não são meros registros dos pactos realizados nesse jogo, mas elemento de poder que se insere nele.


Há, portanto, uma dialética entre Norma e Realidade, que se opõem e se integram, de modo que uma não pode ser reduzida à outra. Isso pode ser mais bem entendido sob a ótica da Teoria Tridimensional do Direito: a Constituição possui um viés normativo, um viés fático e outro axiológico.


Para Miguel Reale (2004), essas três dimensões se relacionam do seguinte modo:


“a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;


b) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta;


c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade histórico-cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elementos que integram.”


Dessa forma, a consciência humana é o espaço de mediação entre o fato e a norma, como também um juízo de adequação normativa e de subsunção factual. É o valor dado às normas, e o juízo de valor dos fatos conforme as normas que garante a força normativa da Constituição.


3 A FORÇA NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS


O problema da força normativa dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, por sua vez, é enfrentado por Bobbio (1992), sob o conceito de tutela dos direitos humanos:


“As atividades até aqui implementadas pelos organismos internacionais, tendo em vista a tutela dos direitos do homem, podem ser consideradas sob três aspectos: “promoção, controle e garantia”. Por promoção, entende-se o conjunto de ações que são orientadas para este duplo objetivo: a) induzir os Estados que não têm uma disciplina específica para a tutela dos direitos do homem a introduzi-la; b) induzir os que já a têm a aperfeiçoá-la, seja com relação ao direito substancial (número e qualidade dos direitos a tutelar), seja com relação aos procedimentos (número e qualidade dos controles jurisdicionais). Por atividades de controle, entende-se o conjunto de medidas que os vários organismos internacionais põem em movimento para verificar se e em que grau as recomendações foram acolhidas, se e em que grau as convenções foram respeitadas. Dois modos típicos para exercer esse controle – ambos previstos, por exemplo, nos dois “Pactos” de 1966 já mencionados – são os “relatórios” que cada Estado signatário da convenção se compromete a apresentar sobre as medidas adotadas para tutelar os direitos do homem de acordo com o próprio pacto (cf. art. 40), bem como os “comunicados” com os quais um Estado membro denuncia que um outro Estado membro não cumpriu as obrigações decorrentes do pacto (cf. art. 41). Finalmente, por atividades de garantia (talvez fosse melhor dizer de “garantia em sentido estrito”), entende-se a organização de uma autêntica tutela jurisdicional de nível internacional, que substitua a nacional. A separação entre as duas primeiras formas de tutela dos direitos do homem e a terceira é bastante nítida: enquanto a promoção e o controle se dirigem exclusivamente para as garantias existentes ou a instituir no interior do Estado, ou seja, tendem a reforçar ou a aperfeiçoar o sistema jurisdicional nacional, a terceira tem como meta a criação de uma nova e mais alta jurisdição, a substituição da garantia nacional pela internacional, quando aquela for insuficiente ou mesmo inexistente.” (1992: 40-41)[1]


Novamente, vemos aqui a divisão entre eficácia normativa e eficácia social. Isso porque, a garantia dos direitos humanos envolve o estabelecimento de uma série de medidas e de agências que exerçam a força política e jurídica suficiente e necessária para dar efetividade às disposições pactuadas em nível internacional. A simples legitimidade e adequação técnico-jurídica das disposições não são capazes de satisfazer seus objetivos.


Também não é suficiente o reconhecimento desses direitos pela comunidade internacional, pois embora constituam um valor social, estamos diante de situações factuais que ultrapassam e muito a razoabilidade e a sociabilidade: trata-se da luta contra as afrontas ao próprio senso de humanidade e de comunidade; bem como de normas jurídicas cujas instituições legitimadoras e aplicadoras ainda não formaram um ordenamento jurídico internacional estruturado e autossustentável.


Analisar a efetividade dessas disposições, no entanto, é tarefa complexa, e envolve muito mais do que hermenêutica, uma análise fenomenológica dos direitos humanos no mundo. Dada a brevidade a que esse trabalho se propõe, não enveredaremos por essa seara, de modo que ocupar-nos-emos apenas da eficácia jurídica dos tratados internacionais dos direitos humanos, ou seja, da aplicabilidade e da exigibilidade desses pactos.


Tampouco trataremos de modo aprofundado dos mecanismos jurídicos internacionais de garantia da eficácia dos direitos humanos, isso porque, conforme afirma Bobbio:


“[…] só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma jurisdição internacional conseguir impor-se e superpor-se às jurisdições nacionais, e quando se realizar a passagem da garantia “dentro” do Estado – que é ainda a característica predominante da atual fase – para a garantia contra o Estado.” (1992: 41-42)


Até o momento, em nível internacional, não há um sistema sólido e eficaz de garantia de direitos humanos. Os órgãos da ONU que atuam nesse sentido ainda enfrentam sérias limitações, jurídicas e operacionais, que os relegam a uma atuação tímida e subsidiária aos mecanismos nacionais de defesa de direitos.


Esses órgãos da ONU são classificados como mecanismos convencionais ou extraconvencionais de proteção global dos direitos humanos (DUARTE, s.d.; IKAWA, s.d.a; s.d.b). Os convencionais são aqueles criados por convenções específicas de direitos humanos e se voltam apenas à proteção de direitos previstos nas convenções que os criaram. São exemplos destes o Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, instituído pela Convenção com o mesmo nome (Decreto nº 4377, de 13-9-2002); o Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, estabelecido também por Convenção de mesmo nome (Decreto nº 65.810, de 8-12-1969); e o Comitê contra a Tortura, criado pela Convenção contra a Tortura (Decreto nº 40, de 15-2-1991).


Os extraconvencionais derivam principalmente de um único tratado internacional – a Carta da ONU (Decreto nº 19.841, de 22-10-1945) – e tratam de violações a quaisquer direitos, contanto que relacionados a violações sistemáticas. Como exemplo, temos a Comissão de Direitos Humanos da ONU, fundada pelo Conselho Econômico e Social e substituída em 2006 pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.


Essas comissões e comitês de direitos humanos, no entanto, possui natureza política e não jurisdicional. O único órgão da ONU com poder judicante no que toca aos direitos humanos é a Corte Internacional de Justiça, mas seu mandato refere-se à globalidade das disposições da Carta da ONU, não possuindo atribuições especiais de proteção desses direitos, além do mais, só os estados podem demandar.


Os tribunais penais internacionais de direitos humanos, por sua vez, embora punam as ofensas a esses direitos, não são meios eficazes de proteção, mas apenas de repressão a transgressões gravíssimas já realizadas, como é o caso do Tribunal Penal Internacional, que julga os crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão, e dos tribunais ad hoc, criados pelo Conselho de Segurança da ONU para resolver conflitos na Bósnia, em Ruanda etc.


Subsiste, portanto, o papel do ordenamento jurídico dos Estados como via principal de tutela de direitos.


4 OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E O DIREITO BRASILEIRO


Classicamente foram elaboradas duas teorias para resolver o problema da internalização do direito internacional: a teoria dualista e a teoria monista. Os dualistas, considerando que “[…] a ordem internacional regula as relações entre os Estados, enquanto a ordem interna regula a convivência civil entre os indivíduos de um determinado Estado” (VIEIRA, 2007: 51), afirmam que “[…] o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona a sua sintonia com a ordem internacional” (REZEK, 2002: 4).


Esse dualismo, porém, se reparte em duas orientações: extremado, quando se exige a transformação da norma internacional em norma de origem interna por meio do processo legislativo ordinário, respeitando a integralidade e a literalidade do conteúdo do respectivo tratado internacional; e moderado, quando se exige somente uma apreciação (referendo) do Poder Legislativo antes da ratificação pelo Chefe do Poder Executivo.


O monismo, por sua vez, considera as ordens internacional e interna como sendo uma só, de modo que


“[…] o Estado, ao obrigar-se na ordem internacional, estaria utilizando-se de sua soberania, devidamente reconhecida por essa mesma ordem e que essa obrigação, assumida pelo Estado, estender-se-ia aos indivíduos subordinados a esse Estado, passando a ser tais indivíduos sujeitos de direitos e obrigações internacionais.” (VIEIRA, 2007: 54)


Essa concepção também é dividida em dois posicionamentos: nacionalista, quando em favor da soberania da ordem interna; e internacionalista, quando defensor da primazia da ordem internacional. – atualmente, uma mera construção doutrinária, pois “[…] não há ordenamento jurídico contemporâneo que dê prevalência aos tratados sobre sua própria Constituição” (REZEK apud FRANCO, 2003)


Hoje, no entanto, a discussão entre monismo e dualismo está ultrapassada, pois a questão é resolvida conforme as disposições constitucionais de cada país[2]. Assim, as atuais disposições do ordenamento jurídico brasileiro (CF; Decreto 7030/2009), em consonância com a Convenção de Viena de 1969, estabelecem os seguintes requisitos de validade jurídica dos tratados internacionais no Brasil, quais sejam: i) celebração (negociação e assinatura) pelo Presidente da República (CF, art. 84, VIII); ii) aprovação pelo Congresso Nacional, com o quorum qualificado de 3/5, em dois turnos, nas duas casas do Congresso, e edição de correspondente Decreto Legislativo (CF, art. 5º, §3º, c/c art. 49, I); iii) ratificação; iv) promulgação; v) publicação mediante Decreto presidencial[3].


O problema essencial, no entanto, diz respeito aos limites da eficácia técnico-jurídica dos tratados vigentes no Brasil, ante um conflito entre eles e a Constituição ou entre eles e a legislação infraconstitucional. Isso porque


“[…] não basta verificar a constitucionalidade de um tratado, pois há também que se ter em conta a compatibilidade da própria Constituição com as normas cogentes de Direito Internacional, de aplicação geral e obediência compulsória por todos os Estados, por expressarem valores permanentes da comunidade internacional. Dentre estes estão os tratados que dizem respeito aos Direitos Humanos que prevalecem sobre eventuais valores de comunidades nacionais com eles contrastantes.” (MAGALHÃES apud VIEIRA, 2007: 55)


Em outras palavras: o que se questiona é o regime jurídico dos tratados internacionais de direitos humanos. Isso porque o art. 102, III, b permite o controle de constitucionalidade dos tratados internacionais pelo STF, no entanto, no ordenamento jurídico brasileiro, esparsas são as disposições que indicam a força normativa dos tratados frente às normas do direito interno, sendo possível apenas identificar duas situações: i) os tratados de direitos humanos são incorporados ao direito interno por meio de um rito especial e ganham status de emenda constitucional (CF, art. 5º, §3º, acrescentado pela EC 45/2004); ii) os tratados de matéria tributária possuem primazia sobre as leis ordinárias (CTN, art. 98).


Jurisprudencial e doutrinariamente, porém, também se consideram que os tratados de extradição, por serem especiais, prevalecem sobre as leis internas, que possuem caráter geral (CEIA, 2008: 3).


No tocante aos tratados internacionais de direitos humanos, a EC 45/2004 não pacificou o entendimento quanto ao seu status, se constitucional – posição assumida pelo Min. Celso de Mello, no HC 87.585-8/TO (Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 3-12-2008), minoritária no STF – ou supralegal – defendida no mesmo processo[4], pelo Min. Gilmar Mendes, majoritária –, embora estabeleça a equivalência entre eles e as emendas à Constituição. Como também não resolveu o conflito entre tratados anteriores à sua edição e as normas de direito interno, mas tornou ainda mais complexa a análise da força normativa dos tratados de direito humanos, ao distingui-los cronologicamente:


“a) os tratados regularmente incorporados à ordem jurídica interna em momento anterior ao da promulgação da Constituição de 1988 teriam caráter de norma constitucional, dado que foram recebidos nessa qualidade pelo § 2° do art. 5° da Constituição; b) os tratados aos quais o Brasil venha a aderir em momento posterior à promulgação da EC 45/2004, para terem natureza constitucional, deverão observar o procedimento de aprovação previsto no § 3° do art. 5° da Constituição; e c) os tratados celebrados pelo Brasil, entre a promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC 45/2004, possuiriam status materialmente constitucional, porque esta hierarquia jurídica teria lhes sido transmitida por efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade.” (CEIA, 2008: 5)[5]


Para resolver essa questão, Bulos (2010) e Piovesan (s.d.) afirmam que se consolidaram quatro posições jurisprudenciais e doutrinárias: i) corrente do status supraconstitucional; ii) corrente do status supralegal; iii) corrente do status de lei ordinária; e iv) corrente do status constitucional.


A corrente do status supranacional, à qual pertencem Augustin Gordillo, André Gonçalves Pereira, Min. Laudo de Camargo e Min. Lafayette de Andrade, defende a tese de que “[…] a supremacia da ordem supranacional sobre a ordem nacional preexistente não pode ser senão uma supremacia jurídica, normativa, detentora de força coativa e de imperatividade. Estamos, em suma, ante um normativismo supranacional.” (GORDILLO apud PIOVESAN, s.d.: 16), e influenciou as decisões do STF nos anos 1940 e 1950, a exemplo das Apelações Cíveis 7.872/RS e 9.587/DF.


A corrente da tese paritaridade entre tratado e lei ordinária federal foi consolidada no julgamento do RE 80.004/SE (Rel. Min. Ministro Xavier de Albuquerque, j. em 1-6-1977), estendido por dois anos (entre setembro de 1975 e junho de 1977), e que estabeleceu os seguintes critérios para a resolução das antinomias jurídicas envolvendo tratados internacionais e leis ordinárias federais: i) lex posterior derogat legi priori; ii) lex specialis derrogat legi gernerali; iii) pacta sunt servanda (uma vez que, mesmo revogado no Brasil, o país continuava a ser responsável pelo cumprimento e descumprimento das disposições pactuadas em nível internacional[6]). Nos demais casos (antinomia entre tratados e outras espécies normativas), o critério de resolução era o lex superior derogat legi inferiori.


Com a edição da EC 45/2004, essa tese perdeu seu fundamento, uma vez que a própria Constituição passou a estabelecer a primazia dos tratados internacionais de direitos humanos sobre as leis ordinárias. Caso emblemático dessa mudança é o posicionamento do STF acerca da prisão civil do depositário infiel, que em 1995, afirmou que “Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica” (HC 72.131/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 22-11-1995), e em 2008 decidiu que “A subscrição pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia, implicou a derrogação das normas estritamente legais referentes à prisão do depositário infiel” (HC 87.585-8/TO).


A partir de então, “O direito brasileiro, portanto, fez opção por um sistema misto, combinando regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos e outro aplicável aos tratados gerais, que não disponham sobre direitos humanos” (VIEIRA, 2007: 65). A paritaridade subsiste para os tratados que não envolvem direitos humanos, mas é inaplicável nos demais casos.


Ora, os tratados de direitos humanos são superiores às leis ordinárias, mas persiste a discussão quanto à sua natureza jurídica, se constitucional ou infraconstitucional (supralegal).


São partidários da segunda tese os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Carlos Alberto Menezes Direito. “Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade” (RE 466.343/SP).


Em oposição a estes, os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau[7] e Ellen Gracie defendem que


“Em decorrência dessa reforma constitucional, e ressalvadas as hipóteses a ela anteriores (considerado, quanto a estas, o disposto no parágrafo 2º do art. 5º da Constituição), tornou-se possível, agora, atribuir, formal e materialmente, às convenções internacionais sobre direitos humanos, hierarquia jurídico-constitucional, desde que observado, quanto ao processo de incorporação de tais convenções, o “iter” procedimental concernente ao rito de apreciação e de aprovação das propostas de Emenda à Constituição, consoante prescreve o parágrafo 3º do art. 5º da Constituição […].


É preciso ressalvar, no entanto, como precedentemente já enfatizado, as convenções internacionais de direitos humanos celebradas antes do advento da EC n. 45/2004, pois, quanto a elas, incide o parágrafo 2º do art. 5º da Constituição, que lhes confere natureza materialmente constitucional, promovendo sua integração e fazendo com que se subsumam à noção mesma de bloco de constitucionalidade.” (HC 87.585-8/TO)


São partidários também dessa corrente Bulos (2010) e Piovesan (s.d.). Esta apresenta quatro argumentos em favor da constitucionalidade dos tratados de direitos humanos:


“a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º, já que o último não revogou o primeiro, mas deve, ao revés, ser interpretado à luz do sistema constitucional; b) a lógica e racionalidade material que devem orientar a hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações que apontem a agudos anacronismos da ordem jurídica; e d) a teoria geral da recepção do Direito brasileiro.” (PIOVESAN, s.d.: 20)


Bulos (2010), por seu turno, enumera argumentos favoráveis a essa visão e efeitos benéficos advindos dela: i) visão concatenada e sistêmica dos §§ 2º e 3º do art. 5º da CF; ii) predomínio do princípio da dignidade da pessoa humana em sua inteireza (CF, art. 1º, III); iii) prevalência da CF sobre os tratados internacionais de direitos humanos; iv) segurança das relações jurídicas, que é reforçada e não ameaçada pelos tratados; v) observância das espécies normativas constitucionalmente instituídas (CF, art. 59); vi) concretização do princípio da boa-fé e do pacta sunt servanda (Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, art. 27); vii) constatação da materialidade constitucional dos tratados de direitos humanos, inseridos no bloco de constitucionalidade.


Para eles, o § 3º do art. 5º, inserido pela EC 45/2004, apenas formalizou aquilo que já era materialmente constitucional, por força do § 2º, do mesmo artigo, por meio de uma cláusula de equivalência ou equiparação dos tratados internacionais de direitos humanos às emendas constitucionais[8]. Dessa forma,


“[…] o tratamento jurídico diferenciado, conferido pelo art. 5.º, § 2.º, da Carta Constitucional de 1988, justifica-se na medida em que os tratados internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes. Os tratados de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados. Este caráter especial passa a justificar, assim, o status constitucional atribuído aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.” (PIOVESAN, 1997: 94)


A força normativa que brota desse entendimento é de tal modo imperiosa, que quatro graves consequências podem ser observadas: i) embora parte integrante do direito interno, os direitos humanos reconhecidos por meio de tratados são exigíveis interna e internacionalmente[9]; ii) não podem ser objeto de denúncia, em nível internacional, dada sua constitucionalização, ainda que o tratado preveja a possibilidade de denúncia (PIOVESAN, 1997: 74-75; ); iii) não podem sofrer abolições posteriores (CF, art.60, § 4º, IV); iv) havendo conflito entre tratado e Constituição, mesmo sendo pacífica a primazia da desta sobre aquele, a antinomia normativa deve ser resolvida não pela simples hierarquia de normas, mas considerando o princípio fundante da dignidade da pessoa humana, conforme afirma Valério Mazzuoli:


“[…] ingressando tais tratados no ordenamento jurídico interno com o status de norma constitucional (CF, art.5º, §2º), a aparente contradição entre essas “duas normas constitucionais” conflitantes deve ser resolvida dando sempre prevalência ao interesse (valor) maior em conflito. Como vimos, sempre que uma norma proveniente de tratados internacionais, contiver disposição de direito que favoreça o ser humano, esta norma, como tal, passa a ser considerada, por permissão expressa da própria Carta Magna, verdadeira “norma constitucional”. E, se porventura, houver choque entre esta nova norma incorporada por um tratado e alguma disposição constitucional, ou seja, se houver disposição entre essas “duas normas constitucionais” (que são, logo, da mesma categoria), terá primazia a norma que der prevalência aos direitos humanos, consoante dispõe o art. 4,II da Constituição Federal […].” (apud LEMOS, 2007: 20)


Pode-se ainda argumentar que, a lógica do sistema jurídico brasileiro, para que seja mantida a sua coerência, exige o nivelamento entre tratados internacionais anteriores à EC 45/2004 e a Constituição, pois, como defende Piovesan,


“A título de exemplo, destaque-se que o Brasil é parte da Convenção contra a Tortura desde 1989, estando em vias de ratificar seu Protocolo Facultativo. Não haveria qualquer razoabilidade se a este último – tratado complementar e subsidiário ao principal – fosse conferida hierarquia constitucional, enquanto que ao instrumento principal fosse conferida hierarquia meramente legal. Tal situação importaria em agudo anacronismo do sistema jurídico.” (apud LEMOS, 2007: 30)


Logo, a relação entre tratados de direitos humanos e Constituição é muito mais solidária e complementar, do que antinômica. Os direitos humanos estabelecidos por meio de tratados acrescentam-se aos direitos implícitos e explícitos da Constituição. Ou seja, é necessário observar


“[…] o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais, o que justifica estender aos direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais.” (PIOVISAN, s.d.: 9)


A hermenêutica dos conflitos entre tratados internacionais e legislação interna é, então, fundamental para garantir a força normativa da Constituição, de um lado, e a força normativa dos Tratados, de outro, haja vista que o Brasil não adota os princípios do efeito direto e da aplicabilidade imediata (CR 8.279 AgR/AT – Argentina, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 17-06-1998)[10], e que cumpre ao Poder Judiciário, e em especial ao STF, zelar pela guarda dos princípios e das disposições constitucionais. Assim:


“[…] o Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades civis, das franquias constitucionais e dos direitos fundamentais assegurados pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil”. Essa alta missão, que foi confiada aos juízes e Tribunais, qualifica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário. O Juiz, no plano de nossa organização institucional, representa o órgão estatal incumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito das gentes. Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição – e garante de sua supremacia – na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular. É dever dos órgãos do Poder Público – e notadamente dos juízes e Tribunais – respeitar e promover a efetivação dos direitos garantidos pelas Constituições dos Estados nacionais e assegurados pelas declarações internacionais, em ordem a permitir a prática de um constitucionalismo democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dos direitos básicos da pessoa humana.” (HC 87.585-8/TO)


Portanto, a força normativa dos tratados de direitos humanos no Brasil reside na própria força normativa da Constituição, que lhes dá guarida e primazia sobre todas as demais normas internas. E, além disso, o próprio conflito entre tratado e Constituição deve ser resolvido – conforme a corrente “constitucionalista”, aqui adotada – não pela simples aplicação do critério hierárquico às normas, mas pela ponderação axiológica dos valores em conflito.


5 CONCLUSÃO


Essa concepção constitucionalista, que dá aos tratados internacionais de direitos humanos, longe de oferecer uma ameaça à força normativa da Constituição Federal de 1988, dá-lhe mais vigor e fornece-lhe mais instrumentos de efetividade, à medida que estabelece parâmetros de proteção dos indivíduos contra o arbítrio do poder.


Ora, se a Constituição possui força normativa assentada sobre a dimensão axiológica da práxis social, é essa a mesma fonte dos tratados internacionais que tentam levar ao extremo a proteção à dignidade da pessoa humana, fundamento da sociedade, da lei e da justiça.


No estágio atual da evolução dos direitos humanos, reconhecem-se as profundas e amplas limitações dos Estados em relação às pessoas, e é inconcebível que as disposições normativas de um Estado possam constituir uma barreira à eficácia desses direitos, reconhecidos pela comunidade internacional, como base na mera incompatibilidade técnico-jurídica, isso porque a proteção à pessoa e a promoção da dignidade e do progresso humanos devem ser os valores máximos de todas as instituições.


No caso da Constituição Brasileira, isso se torna ainda mais imperioso porque esses não são valores apenas a serem observados, mas princípios estruturantes da República, em toda a sua extensão (CF, art. 1º, III), de modo que reconhecer direitos no plano internacional, e frustrar-lhe a eficácia no plano interno representa não só uma incoerência político-jurídica, mas sobretudo uma afronta à própria Constituição.


Assim, os tratados internacionais de direitos humanos são constitucionais, mesmo antes da EC 45/2004: i) axiologicamente, pois os valores que encerram são os mesmos da CF/1988; ii) materialmente, uma vez que a CF/1988 recepciona outros direitos fundamentais nela não expressos (art. 5º, § 2º). E a partir da EC 45/2004, tornaram-se também formalmente constitucionais, o que só vem confirmar sua eficácia normativa e sua integração harmônica com o ordenamento jurídico brasileiro.


 


Referências

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Notas

[1] A referência a artigos, feita por Bobbio (1992), refere-se ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), vigente no Brasil pelo Decreto nº 595, de 6-7-1992.

[2] Voto do Min. Celso de Mello na ADIN 1.480-DF: “é na Constituição da República – e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro”.

[3] No tocante à relação entre vigência e eficácia dos tratados internacionais no direito interno brasileiro, afirma Martins (2001): “A meu ver, a mesma eficácia precária, mas real, ocorre na celebração dos tratados internacionais, convenções ou atos, na medida em que o ato de celebrar é privativo do Presidente, embora sujeito a referendo do Congresso, que o convalidará ou não. Entre sua assinatura e o referendo, todavia, em minha maneira de interpretar o texto, tem eficácia provisória, mas real.

A “definitividade” do tratado, acordo ou convenção internacional ao que me parece, é obtida com a edição de decreto legislativo do Congresso, embora a eficácia obtenha-se, de forma ainda precária e provisória, com sua assinatura.

[…] Nitidamente, o Presidente da República só pode sancionar tratado que tenha assinado e o Congresso apenas “resolver definitivamente” aquilo que foi acordado com outras nações.

Em outras palavras, nem o Congresso Nacional pode alterar, sem a concordância de outras nações, o tratado, podendo, no máximo, rejeitá-lo, nem o Presidente, ao promulgá-lo por decreto, poderá promulgar algo diverso daquilo que assinou ou do que a publicação do decreto legislativo tornou definitivo.

A promulgação, portanto, por “decreto presidencial”, de tratado internacional ao qual já fora dado publicidade em “decreto legislativo” que conferiu, definitividade a sua eficácia, é mera formalidade que não gera eficácia a partir daquele momento, mas apenas reitera a eficácia provisória da época da assinatura e a eficácia definitiva da data da publicação de decreto legislativo do Congresso.”

[4] E de maneira especial nos seguintes julgados: RE 466.343/SP, Rel Min. Cezar Peluso, j. em 3-12-2008; RE 349.703/RS, Rel. Min. Carlos Britto, j. em 3-12-2008.

[5] Aqui, toma-se por base a posição de Celso de Mello.

[6] Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, art. 27: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado”. Convenção de Havana sobre Tratados, art. 11: “Os tratados continuarão a produzir efeitos ainda quando se modifique a constituição interna dos Estados contratantes”; e art. 12: “Quando o tratado se torna inexeqüível, por culpa da parte que se obrigou, aquela é responsável pelos prejuízos resultantes de sua inexecução”.

[7] Atualmente, aposentado.

[8] “O dispositivo é claro sobre essa equiparação. Assim, se a lei estabelecer determinado direito ou garantia, não incluído dentre os estabelecidos no artigo 5º, tal lei poderá ser revogada por outra, sem ferir a Constituição. Mas se tal direito ou garantia for assegurado por tratado, a lei não poderá revoga-los, diante da equiparação constitucional estabelecida no citado dispositivo” (MAGALHÂES apud SILVA, s.d.: 8).

[9] Acerca disso, afirma Piovisan (apud AFONSO, s.d.): “Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, ao consagrarem parâmetros mínimos a serem respeitados pelos Estados, apresentam um duplo impacto: são acionáveis perante as instâncias nacionais e internacionais. No campo nacional, os instrumentos internacionais conjugam-se com o Direito interno, ampliando, fortalecendo e aprimorando o sistema de proteção dos direitos humanos, sob o princípio da primazia da pessoa humana. No campo internacional, os instrumentos internacionais permitem invocar a tutela internacional, mediante a responsabilização do Estado, quando direitos humanos internacionalmente assegurados são violados”.

[10] SILVA (s.d.: 7), não obstante, apresenta essa questão como controversa, porque “É entendimento pacífico na doutrinária pátria de que se trata de uma cláusula geral de recepção plena não cabendo quaisquer controvérsias quanto ao argumento da incorporação automática ao ordenamento interno. No entanto, não é o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. O entendimento é de que a Constituição Federal de 1988 adotou para os tratados de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §1º), e os tratados de direitos humanos (art. 5º, §2º), o preceito da incorporação imediata ao direito interno.

CANÇADO TRINDADE vai dizer que os direitos humanos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se “ipso facto” ao direito interno brasileiro, no âmbito do qual passam a ter ‘aplicação imediata’ (art. 5º, §1º), da mesma forma e no mesmo nível que os direitos constitucionalmente assegurados (…). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição brasileira vigente.”


Informações Sobre o Autor

Marcos Paulo Santa Rosa Matos

Acadêmico de Letras e Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Ages


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