Resumo: Prescreve o artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que, ocorrendo infração de trânsito, lavrar-se-á auto de infração do qual deverá constar, dentre outros elementos, a tipificação da infração e suas circunstâncias de tempo e lugar. Finda a autuação o auto de infração será encaminhado à autoridade de trânsito para julgamento de sua consistência e regularidade, podendo a autoridade, estando convicta de sua insubsistência, determinar o seu arquivamento. A contrario sensu, verificando presentes seus três elementos essenciais, quais sejam, a lavratura por autoridade de trânsito ou por seu agente, uma conduta possivelmente infratora e a forma escrita, além de seus elementos materiais (consistência) e formais (regularidade), determinará a autoridade de trânsito a expedição da notificação da autuação (exceto nos casos em que seja colhida a assinatura do condutor e a infração seja de sua responsabilidade, proprietário ou não), observando-se o lapso temporal de 30 (trinta) dias entre o cometimento da infração e a sua expedição. Nesse momento a autoridade de trânsito ainda não aplicou nenhuma penalidade, iniciando-se, a partir daí, a possibilidade do condutor infrator contrapor-se ao desiderato estatal através da defesa da autuação, a qual inaugura a fase do contraditório e ampla defesa no processo administrativo de trânsito. Seguem-se a esta, caso não sejam acolhidas as argumentações elencadas pelo infrator (mérito e de forma) ou não exercitada esta dentro do prazo previsto, a imposição da penalidade e a fase recursal propriamente dita, em 1ª e 2ª instâncias. Delimitado o alcance do tema, buscaremos estabelecer as fases e feições do processo administrativo para imposição de penalidades, abarcando a imposição das penalidades de advertência por escrito, multa, suspensão do direito de dirigir e cassação da Carteira Nacional de Habilitação.[1]
Palavras-chaves: Direito de trânsito. Poder de Polícia. Sanção de Polícia. Processo Administrativo para imposição de penalidade.
I – NOTIFICAÇÃO E DEFESA DA AUTUAÇÃO
O exercício da defesa prévia, como o instituto era conhecido na vigência do antigo Código Nacional de Trânsito (CNT), teve disciplina estabelecida, respectivamente, pelas Resoluções nº 568/80, 744/89 e 829/97, tendo esta última vigorado, segundo nosso entendimento, até a edição da Resolução nº 149/03, quando foi tacitamente revogada. Após a edição do CTB, abalizadas vozes negaram, por muito tempo, a existência do instituto ante a suposta lacuna do texto legal. Ocorre que o artigo 314 do CTB deu plena eficácia à Resolução nº 829/97, a qual prescrevia em seu artigo 1º que:
“O ato administrativo punitivo relativo à prática infracional de trânsito, precedido de ações que tenham assegurado ao infrator o exercício da defesa prévia, se efetiva a partir do momento em que, comprovadamente, se deu ciência ao apenado (grifo meu).”[2]
Diga-se mais ainda. Com a alteração efetuada pela Lei nº 9.602/98 no inciso II do § único do artigo 281, restou evidente no texto legal a existência da dupla notificação: esta, relativa à notificação da autuação, e a constante do artigo 282, atinente à notificação da imposição da penalidade. Ainda que não se tenha sido erigida pelo CTB à categoria de recurso próprio, apresenta esta todas as nuances daqueles institutos, uma vez que seu deferimento propicia o imediato arquivamento do auto de infração. Apesar de todo o arcabouço jurídico existente, capitaneado pelo inciso LV do artigo 5º da CF/88, os motoristas brasileiros foram sumariamente destituídos de tão importante direito por mais de cinco anos.
E ainda continuam sendo face à consolidação da jurisprudência no sentido de que a autuação in facie do infrator, excluída tão somente a situação em que esta seja de responsabilidade do proprietário e o mesmo não esteja conduzindo o veículo, deve ser considerada como a primeira notificação, iniciando-se a partir daí o prazo de 30 dias para apresentação da defesa da autuação, desprezando por isso mesmo a regra contida no § 3º do artigo 3º da Resolução nº 149/03, a qual não exime o órgão de trânsito de expedir aviso informando ao proprietário do veículo os dados da autuação e do condutor identificado.
Equívoco expressivo comete nossos doutos julgadores e os eminentes conselheiros do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Desconhecem esses ilustres personagens que o início do processo administrativo para imposição de penalidade só irá se iniciar se a autoridade de trânsito julgar o auto de infração consistente e regular, pois caso contrário este será arquivado e seu registro julgado insubsistente. Portanto, o proprietário do veículo somente poderá apresentar a defesa da autuação quando esta for julgada válida pela autoridade de trânsito e encaminhada para sua ciência, ocasião então que se iniciará o prazo para apresentação do recurso. Qualquer entendimento em sentido oposto se chocará frontalmente com os sagrados princípios da ampla defesa e do contraditório e, com certeza, causará sérios prejuízos aos administrados.
Findo o julgamento do auto de infração pela autoridade de trânsito, deve esta expedir, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do cometimento da infração, a notificação da autuação dirigida ao proprietário do veículo, na qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB e em regulamentação específica (Portaria nº 28/07 do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN), devendo ser frisado que para infrações comprovadas por sistemas automáticos não metrológicos, tais como o avanço do sinal vermelho do e semáforo e parada sobre a faixa de pedestre, a notificação da autuação (e da imposição de penalidade) deverá conter, obrigatoriamente, a informação de que a infração foi comprovada por meio do uso daqueles sistemas.
A expedição da notificação se fará por meio de remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência do julgamento da autuação (aplicável à Defesa da Autuação, por analogia ao contido no caput do art. 282). Note-se que o CTB é claro ao impor aos órgãos e entidades de trânsito o dever de assegurar efetiva ciência ao proprietário do veículo, situação excepcionada tão somente no caso de devolução da notificação por desatualização do endereço do destinatário.
Ocorre que, inobstante tal fato, exorbitando de seu poder regulamentar, o CONTRAN estipulou que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação da autuação à empresa responsável por seu envio, confrontando-se com a legislação maior e prejudicando claramente os administrados, uma vez que é consabido que esta entrega se faz por meio do conhecido AR (Aviso de Recebimento), o qual é restituído ao emitente após três tentativas de entrega.
Verifica-se que grande parte dos proprietários de veículos trabalha durante o período comercial, ocasião em que suas residências se encontram vazias, sendo cientificados tão somente, na imensa maioria das vezes, quando do licenciamento do veículo, tolhendo-se seus direitos inarredáveis de contraditório e ampla defesa pelo transcurso dos prazos de recursos. E nem se diga que a publicação de edital em jornal de circulação local e/ou regional ou em Diário Oficial possa suprir tal lacuna, haja vista que seria ilógico e indevido impor ao proprietário de veículo acompanhar diariamente essas publicações.
Talvez uma solução intermediária para esse impasse seja a previsão contida na Deliberação nº 01/04 do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo (CETRAN/SP) [3], a qual prescreve que a expedição se caracterizará pela entrega da notificação à empresa responsável pelo seu envio, no endereço constante nos registros do órgão expedidor do CLA, situação esta que aparenta ser mais condizente com o preconizado no CTB, deixando-se de utilizar o famigerado AR.
Outra questão a ser posta se relaciona com as matérias a serem ventiladas na defesa da autuação. A Deliberação nº 01/04 do CETRAN/SP e várias portarias de órgãos e entidades de trânsito cingem o campo de abrangência da defesa da autuação aos aspectos formais do auto de infração, sem adentrar ao mérito da imputação, restringindo inadvertidamente o alcance postulado pela Resolução nº 149/03, que não limita a abrangência do instituto. E nem poderia ser diferente, uma vez que a limitação imposta fere mortalmente o princípio da ampla defesa.
Igual entendimento é ressaltado pelo CETRAN/SC na Resolução nº 008/04 [4], a qual veda expressamente a discussão acerca do mérito da infração, tendo, a par do entendimento ofertado pelo jurista Alessandro Samartin Gouveia, em interpretação autêntica, confundido inconsistência com irregularidade do auto de infração (artigo 8º, § 1º).
Nessa seara deve ser registrada e aplaudida a iniciativa dos preclaros Conselheiros do CETRAN/RJ, os quais fixaram entendimento no sentido de que
“[…] uma vez conhecidos elementos fáticos e/ou jurídicos capazes de proporcionar a análise das alegações apresentadas pelos recorrentes, as autoridades de trânsito – estaduais ou municipais, in casu específico – são obrigadas a promoverem decisões de mérito nos processos de DEFESA DA AUTUAÇÃO (defesa prévia), regularmente interpostos na forma do §2º. do artigo 3º. da Resolução CONTRAN nº. 149/2003.” [5]
Para abrilhantar o esmero da decisão acima adotada, tomo a liberdade de transcrever excerto do voto lavrado na Ata da 14ª Seção Ordinária daquele órgão:
“[…] Ao proceder o julgamento da defesa da autuação, decerto precedida de uma minuciosa análise da consistência ou regularidade do auto de infração, a autoridade de trânsito não poderá furtar-se em avaliar as alegações oferecidas pelo recorrente – proprietário e/ou condutor do veículo infracionado – sobre o não cometimento da infração contestada; e, inclusive, das razões que o levaram, inesperadamente, a cometê-la.
[…] VOTO pela OBRIGATORIEDADE DAS AUTORIDADES DE TRÂNSITO – ESTADUAIS E MUNICIPAIS -, sob pena de nulidade dos seus atos, PROMOVEREM DECISÕES DE MÉRITO nos processos administrativos instaurados para apuração das responsabilidades dos proprietários ou condutores de veículos infracionados, regularmente notificados para a apresentação de defesa da autuação, na forma do artigo 3º., caput, e seu § 2º., da Resolução CONTRAN nº. 149/2004.” [6]
A conclusão acima exposta também é reforçada pelo escólio do jurista Alessandro Samartin Gouveia, que assevera:
“A primeira situação a ser examinada decorre da apresentação tempestiva da defesa prévia.
[…] com a interposição dentro do prazo, nasce para o autor da defesa prévia o direito de ter todos os seus pedidos e fundamentos examinados e julgados pela autoridade de trânsito que julgar o AIT. Por exemplo, se o suposto infrator alega a inexistência do auto de infração de trânsito porque o agente autuador não era agente da autoridade de trânsito, esse argumento não poderá ser relevado pela autoridade julgadora, sob pena de infringência direita ao princípio da ampla defesa, porque a não apreciação da matéria implicará em sérios danos à defesa do suposto infrator.
Portanto, temos, pela tempestiva apresentação da defesa prévia, a necessária vinculação da decisão da autoridade julgadora, sob pena de nulidade da decisão de imposição de penalidade. Salientemos que só não será necessário o enfrentamento de todas as razões da defesa prévia se, com a procedência de uma delas, as demais restarem prejudicadas, mas, mesmo nessa hipótese, tal circunstância deve ser expressamente referida no julgamento”. [7]
II – DA APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE ADVERTÊNCIA POR ESCRITO
A penalidade de advertência por escrito poderá ser imposta no caso de infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa. Para Waldyr de Abreu [8] a advertência é uma pena substitutiva da pena de multa leve ou média, de caráter essencialmente educativo, aplicável a critério da autoridade e desde que o condutor tenha bom prontuário, observando que a penalidade de multa anteriormente imposta deva apresentar decisão definitiva dentro do prazo a ser considerado (doze meses).
A doutrina remansosa indica que esta não é uma faculdade concedida à autoridade de trânsito, mas sim um direito público subjetivo do infrator, desde que as circunstâncias objetivas ali estatuídas se façam presentes.
Questão controvertida a ser desvendada pelo intérprete da norma em comento se refere ao momento de sua imposição, ou seja, se esta deve ser aplicada após o julgamento do auto de infração pela autoridade ou após pedido expresso do infrator na análise da defesa da autuação. Sabe-se que a maioria dos órgãos e entidades de trânsito, sob o manto de alegações absurdas e questionáveis, preferem impor a penalidade de multa ao revés da advertência por escrito, mesmo porque em nenhum momento há o efetivo julgamento do auto de infração e as notificações de penalidade são impressas indistintamente, sob os auspícios da informática.
Cumpre-nos, nesse aspecto, parabenizar os eminentes conselheiros do CETRAN/SC que, percebendo a lacuna legislativa e a oposição das autoridades de trânsito em impor a referida penalidade, em afronta ao princípio da motivação dos atos administrativos, assentaram entendimento, por meio do Parecer nº 016/05, no sentido de que “nas decisões hipoteticamente sujeitas à imposição da advertência, a autoridade de trânsito tem o dever de motivar o seu ato, esclarecendo ao infrator o motivo pelo qual optou por advertir ou multar, sob pena de tornar o ato nulo, caso não proceda dessa forma” [9], situação esta a que me filio por entender ser a mais coerente com a intenção do legislador. O referido parecer culminou, em 13 de junho de 2005, na publicação da Resolução nº 010/05, a qual estabelece, ipsis literis:
“[…] Art. 1o Nas hipóteses em que o Código de Trânsito Brasileiro prevê a aplicação de penalidade de advertência, a autoridade de trânsito deve justificar o motivo pelo qual deixou de fazê-lo.
Art. 2o As Juntas Administrativas de Recursos de Infrações e o Conselho Estadual de Trânsito considerarão em suas decisões a falta de motivação do ato da autoridade de trânsito que deixar de aplicar a penalidade de advertência, sujeitando esse ato ao reconhecimento da nulidade.” [10]
Entendimento contrário possui o eminente jurista Arnaldo Luis Theodosio Pazetti, para o qual não pode a autoridade de trânsito impor, de ofício, a referida penalidade, devendo esta ser solicitada pelo infrator, assentado no seguinte entendimento:
“[…]Embora a redação do supracitado artigo não tenha explicitado, entendemos não ser possível a conversão de ofício da penalidade de multa em penalidade de advertência por escrito, pois, embora tal conversão, em tese, fosse benéfica em virtude de se afastar a aplicação de penalidade pecuniária, o infrator poderia entender que, no seu caso, seria preferível arcar com o valor de uma multa leve ou média ao invés de ver lançada uma advertência por escrito em seu prontuário.
Havendo solicitação da conversão por parte do infrator, a autoridade de trânsito poderá (na realidade deverá, caso não fundamente o motivo do indeferimento do pedido de conversão) aplicar a penalidade de advertência por escrito, desde que o interessado encontre-se nas hipóteses previstas no artigo 267, ou seja, desde que não tenha praticado a mesma infração, de natureza leve ou média, nos últimos doze meses, e a autoridade de trânsito entender esta providência como mais educativa.” [11]
III – NOTIFICAÇÃO DA PENALIDADE DE MULTA
Em caso de indeferimento da Defesa da Autuação ou de seu não exercício no prazo previsto (mínimo de quinze dias contados a partir da data da notificação), a autoridade de trânsito aplicará a penalidade, expedindo a notificação da penalidade, da qual deverão constar, no mínimo, os dados definidos no art. 280 do CTB, o previsto em regulamentação específica (Portaria nº 28/07 do DENATRAN) e a comunicação do não acolhimento da defesa, além da informação de que a penalidade foi aplicada em virtude da infração ter sido comprovada por meio de sistema automático não metrológico, se for o caso.
Caso a penalidade de multa seja aplicada, na notificação da penalidade deverá constar a data de término do prazo de apresentação de recurso pelo responsável pela infração, que não será inferior a trinta dias, contados da data da notificação, seja pelo condutor ou pelo proprietário, uma vez que ambos possuem legitimidade para tal procedimento. A data ali estabelecida delineará, também, a data para o recolhimento da multa, que poderá ser feita, nesse interregno, por oitenta por cento do seu valor.
IV – RECURSO À JUNTA AMINISTRATIVA DE RECURSO DE INFRAÇÕES – JARI (1ª INSTÂNCIA) E AO CETRAN/CONTRADIFE/CONTRAN/JARI (2ª INSTÂNCIA)
Recebida a notificação da penalidade de multa, inicia-se para o administrado o prazo para interposição de recurso à JARI, o qual deve ser protocolado junto ao órgão ou entidade de trânsito que impôs a penalidade, no prazo legal, sem o recolhimento de seu valor. Deve ser frisado que para cada penalidade aplicada deverá ser interposto, isoladamente, um recurso à JARI, no caso de cometimento de várias infrações, ainda que o infrator tenha recebido um único auto de infração.
Se a infração for cometida em localidade diversa daquela do licenciamento do veículo, o recurso poderá ser apresentado junto ao órgão ou entidade de trânsito da residência ou domicílio do infrator, devendo a autoridade de trânsito que receber o recurso remetê-lo, de pronto, à autoridade que impôs a penalidade, certificando a data de seu recebimento e fazendo-o acompanhar das cópias dos prontuários necessários ao julgamento.
Recebido o recurso na forma acima indicada ou interposto diretamente junto ao órgão de trânsito, incumbe à autoridade que impôs a penalidade remeter o recurso à JARI, dentro dos dez dias úteis subseqüentes à sua apresentação, e, se o entender intempestivo, assinalar o fato no despacho de encaminhamento. Após ser capeado, numerado e rubricado, inicia-se o procedimento administrativo junto a JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias; se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro deste prazo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo.
Em caso de indeferimento do recurso pela JARI, permite-se ao administrado opor-se à pretensão punitiva estatal por meio de recurso em 2ª instância, no prazo de trinta dias contado da publicação ou da notificação da decisão, desde que acompanhado do comprovante de recolhimento do valor da multa, imposição esta que já foi devidamente validada por diversos Tribunais de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça, devendo ser apreciado pelo órgão colegiado no prazo de trinta dias.
Tratando-se de penalidade imposta por órgão ou entidade de trânsito da União, será o recurso apreciado pelo CONTRAN nos caso de suspensão do direito de dirigir por mais de seis meses, cassação do documento de habilitação ou penalidade por infrações gravíssimas; nos demais casos, a apreciação do recurso incumbirá a um colegiado especial integrado pelo Coordenador-Geral da JARI, pelo Presidente da Junta que apreciou o recurso e por mais um Presidente de Junta, sendo que, em havendo apenas uma JARI, o recurso será julgado por seus próprios membros.
Essa última situação é fortemente criticada por Waldyr de Abreu, para quem esta estrutura não parece ser capaz de garantir decisões boas, imparciais e confiáveis, embora de última instância administrativa [12]. Ressalta aos olhos, por óbvio, que tal permissivo afronta sobremaneira a garantia de ampla defesa e contraditório, caracterizando, cristalinamente, supressão de instância recursal.
Em se tratando de penalidade imposta por órgão ou entidade de trânsito estadual, municipal ou do Distrito Federal, serão os recursos interpostos apreciados pelo CETRAN e pelo Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRANDIFE), respectivamente.
A apreciação do recurso acima indicado encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades, finda a qual as penalidades aplicadas nos termos do CTB Código serão cadastradas no Registro Nacional de Carteiras de Habilitação (RENACH).
V – PEDIDO DE REVISÃO E DIREITO DE PETIÇÃO
De acordo com o disposto no art. 290 do CTB, a apreciação do recurso enunciado no art. 288 encerra a instância administrativa. O CETRAN/SC, por seu turno, em brilhante iniciativa, estatuiu, no Capítulo VI da Resolução nº 008/04, o instituto da revisão, a qual restou assim disciplinada:
“Art. 24 A decisão definitiva proferida em processo administrativo de que trata esta resolução, transitada em julgado, poderá ser revista, de ofício ou a pedido, no prazo de dois anos contados do trânsito em julgado, quando se verificar:
I – reconhecimento, por parte da autoridade de trânsito responsável pela imposição da penalidade, de erro ou circunstâncias capazes de justificar a inocência do acusado ou nulidade da pena;
II – falsidade de documentos em que se tenha fundamentado a decisão que se pretende rever;
III – superveniência de documentos, com eficácia sobre a prova produzida; e,
IV – desconsideração pelo julgador de documentos constantes dos autos, com eficácia sobre a prova produzida.
Art. 25 Têm legitimidade para propor a Revisão:
I – o infrator apenado;
II – o proprietário do veículo responsável pelo pagamento da multa; e
III – a autoridade de trânsito.
Art. 26 O pedido de Revisão não suspende a execução da decisão definitiva.
Art. 27 O pedido de revisão será sempre dirigido à autoridade que aplicou a pena, ou colegiado que a tiver confirmado em grau de recurso.
Art. 28 No processo revisional, o ônus da prova cabe ao requerente.
Art. 29 A simples alegação de injustiça da penalidade não constitui fundamento para a revisão, que requer elementos novos, ainda não apreciados no processo originário.
Art. 30 A revisão correrá em apenso ao processo originário.
Art. 31 Julgada procedente a revisão, tornar-se-á sem efeito a penalidade imposta, restabelecendo-se todos os direitos por ela atingidos.
Art. 32 Aplicam-se ao processo de revisão, no que couber, as normas e procedimentos próprios do processo administrativo originário.”[13]
Caso o infrator continue irresignado com a decisão administrativa imposta, resta-lhe, observada a prescrição quinqüenal, a possibilidade do exercício do direito de petição, o qual encontra assento no inciso XXXIV do art. 5º da CF/88. No site DHnet encontramos o seguinte enunciado sobre o direito de petição:
“define-se “como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre urna questão ou uma situação”, seja para denunciar urna lesão concreta e pedir a reorientação da situação. seja para solicitar uma modificação do direito em vigor, no sentido mais favorável á liberdade. Ele está consignado no art. 5º XXXIV, a . que assegura a todos o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.
O direito de petição cabe a qualquer pessoa. Pode ser, pois, utilizado por pessoa física ou por pessoa jurídica; por indivíduo ou por grupos de indivíduos; por nacionais ou por estrangeiros. Mas não pode ser formulado pelas forças militares corno tal, o que não impede reconhecer aos membros das Forças Armadas ou das policias militares o direito individual de petição, desde que sejam observadas as regras de hierarquia e disciplina. Pode ser dirigido a qualquer autoridade do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.
É importante frisar que o direito de petição não pode ser destituído de eficácia. Na pode a autoridade a quem é dirigido escusar de pronunciar-se sobre a petição, quer para acolhê-la quer para desacolhê-la com a devida motivação.”[14]
VI – PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR E CASSAÇÃO DA CNH
Encerrada a instância administrativa e cadastrada a penalidade no RENACH, poderá se sujeitar o infrator, condutor ou proprietário do veículo, a novo procedimento administrativo, doravante para suspensão de seu direito de dirigir ou cassação da CNH, conforme estabelecido na Resolução nº 182/05 do CONTRAN.
A penalidade de suspensão do direito de dirigir poderá ser aplicada sempre que o infrator atingir a contagem de vinte pontos, no período de 12 (doze) meses, bem como nos casos de transgressão às normas estabelecidas no CTB, cujas infrações prevêem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir, tais como a transposição não autorizada de bloqueio viário policial (art. 210) e o racha (art. 173), não sendo os pontos relativos à essas infrações considerados para aquele somatório anterior.
A penalidade de cassação da CNH poderá ser imposta quando, suspenso o direito de dirigir, o infrator conduzir qualquer veículo; no caso de reincidência, no prazo de doze meses, das infrações previstas no inciso III do art. 162 e nos arts. 163, 164, 165, 173, 174 e 175 do CTB; quando for condenado judicialmente por delito de trânsito, observado o disposto no art. 160, situação que somente será aplicada após regulamentação específica do CONTRAN (§ único do artigo 4º da Resolução nº 180/05).
Se a infração cometida for objeto de apreciação judicial, os pontos correspondentes ficarão suspensos até o julgamento e, sendo mantida a penalidade, os mesmos serão computados, observado o período de doze meses, considerada a data da infração.
A portaria inaugural do processo administrativo (suspensão e cassação) deverá conter o nome, qualificação do infrator, a infração com descrição sucinta do fato e indicação dos dispositivos legais pertinentes, expedindo-se notificação ao infrator por remessa postal, por meio tecnológico hábil ou por outros meios que assegurem a sua ciência, sendo que, esgotados estes, a notificação dar-se-á por edital, na forma da lei, ou, ainda, por meio de ciência pessoal no próprio órgão ou entidade de trânsito responsável pelo processo; frise-se, por oportuno, que a notificação devolvida por desatualização do endereço do infrator no RENACH será considerada válida para todos os efeitos legais.
A notificação encaminhada ao infrator tem por finalidade cientificá-lo sobre a instauração do processo administrativo e estabelecer a data do término do prazo para apresentação da defesa, que não será inferior a quinze dias contados a partir da data da notificação, devendo observar, no mínimo, os requisitos contidos no art. 10 da Resolução nº 182/05.
A peça de defesa somente será conhecida se interposta tempestivamente e por quem seja parte legítima, devendo conter o nome do órgão a que se dirige, a qualificação do infrator, a exposição dos fatos, fundamentação legal do pedido, documentos que comprovem a alegação, a data e assinatura do requerente ou de seu representante legal e cópia de identificação civil que comprove a assinatura do infrator.
Concluída a análise do processo administrativo, a autoridade proferirá decisão motivada e fundamentada, sendo que, caso sejam acolhidas as razões de defesa, o processo será arquivado, dando-se ciência ao interessado. Em caso de não acolhimento da defesa ou do seu não exercício no prazo legal, a autoridade de trânsito aplicará a penalidade, dentro dos parâmetros estabelecidos, oportunidade em que notificará o infrator para interpor recurso ou entregar sua CNH no órgão de registro da habilitação, até a data do término do prazo constante na notificação, que não será inferior a trinta dias contados a partir da data da notificação da aplicação da penalidade.
Os órgãos competentes para apreciação de recurso contra penalidade de suspensão do direito de dirigir e de cassação da CNH são o CETRAN, no caso de penalidade imposta por órgão executivo de trânsito estadual, e o CONTRADIFE, no caso de penalidade imposta pelo órgão executivo de trânsito do Distrito Federal.
Mantida a penalidade pelos órgãos recursais ou não havendo interposição de recurso, a autoridade de trânsito notificará o infrator para entregar sua CNH até a data do término do prazo constante na notificação, que não será inferior a 48 (quarenta e oito) contadas a partir da notificação, sob as penas da lei, findo o qual a imposição da penalidade e a data de início de seu efetivo cumprimento serão inscritos no RENACH.
No caso de penalidade de suspensão do direito de dirigir a CNH ficará apreendida e acostada aos autos e será devolvida ao infrator depois de cumprido o prazo de suspensão do direito de dirigir e comprovada a realização do curso de reciclagem. Em se tratando de cassação da CNH, decorridos dois anos da imposição da penalidade, o infrator poderá requerer a sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma estabelecida no § 2º do artigo 263 do CTB.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O CTB trouxe a lume importante ferramenta para a correta ordenação do trânsito brasileiro, apesar das várias lacunas legislativas encontradas em seu bojo. Ao comemorarmos a sua primeira década de vida, devemos comemorar, igualmente, os grandes avanços obtidos desde a sua edição, seja na melhoria do tráfego ou na redução da letalidade nas estradas.
Inobstante tal fato, carecia a comunidade acadêmica e o público em geral de artigos doutrinários que apontassem as feições e limites do processo administrativo de trânsito, de forma a fornecer-lhes subsídios para atuar com igualdade de armas no tocante à defesa de seus interesses junto aos órgãos e entidades de trânsito, o que procuramos fazer de forma a não esgotar o assunto.
A imposição de penalidade aos infratores de trânsito é necessária e deve sempre se fazer presente. O que não se pode olvidar e se permitir, entretanto, é que esta se conduza fora dos mandamentos constitucionais e infraconstitucionais atinentes à ampla defesa e contraditório, subtraindo-se aos administrados o direito de oporem-se ao jus puniendi estatal.
Informações Sobre o Autor
Benevides Fernandes Neto
Oficial da Polícia Militar de São Paulo. Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pela UNORP