Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o papel atual do Poder Judiciário na busca pela concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988 através do processo coletivo. Faz uma breve exposição sobre a constitucionalização do processo civil resultando no neoprocessualismo a fim de fundamentar o denominado ativismo judicial praticado quando há omissão dos Poderes Legislativo e Executivo em efetivar os objetivos que lhe foram impostos pela Carta Magna. Este trabalho trata também da legitimidade do controle judicial de políticas públicas afirmando que tal controle não viola o Princípio da Separação dos Poderes uma vez que o mérito do ato administrativo pode ser controlado de acordo com os parâmetros constitucionais. Aborda o processo coletivo como instrumento apto a transformar a realidade social principalmente através da prática do ativismo judicial posto que as demandas por ele veiculadas são essencialmente de interesse público abrangendo o direito de muitos indivíduos. Por fim este texto enumera os limites impostos aos juízes para efetuar o controle judicial de políticas públicas: o mánimo existencial a reserva do possível e a razoabilidade da pretensão deduzida em face do Poder Público.
Palavras-chave: ativismo judicial – neoprocessualismo – neoconstitucionalismo – processo coletivo – direitos fundamentais
Abstract: This article aims to analyze the current role of the Judiciary in the quest for the realization of fundamental rights under the Constitution of 1988 through the collective process. It was made a brief presentation on the constitutionalization of civil procedure resulting in neoprocessualism in order to justify the so-called judicial activism practiced when there is omission of the Legislative and Executive accomplish the goals that were imposed by the Constitution. It is about the legitimacy of judicial review of public policies saying that such control does not violate the Principle of Separation of Powers once the merits of administrative action can be controlled according to constitutional parameters. It is discussed the collective process as an instrument capable of transforming social reality especially through the practice of judicial activism since its expressed demands are essentially public interest including the right of many individuals. Finally this article lists the limits on judges to perform judicial review of public policies: the existential minimum the reserve for contingencies and the reasonableness of the alleged claim in the face of the Government.
Keywords: judicial activism neoprocessualism – neoconstitutionalism – a collective process – fundamental rights.
Sumário: 1.introdução. 2. A constitucionalização do processo civil: o neoprocessualismo. 3. Ativismo judicial: a concretização de direitos fundamentais através do papel criativo do juiz 4. O processo coletivo como instrumento capaz de transformar a realidade social: uma nova concepção .5. Os limites impostos ao legítimo controle de políticas públicas pelo poder judiciário. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Sob o domínio do Estado Liberal, prevalecia, na sociedade, uma forte influência do Direito Privado, fazendo com que as relações jurídicas fossem norteadas pelo Código Civil.
O fracasso do Liberalismo resulta numa nova forma de pensar e interpretar o Direito, fundamentando o “novo” Estado na proteção à dignidade da pessoa humana e na garantia dos direitos fundamentais do cidadão, favorecendo a eclosão do Estado Democrático de Direito.
A metodologia jurídica sofre uma transformação, reconhecendo o papel criativo e normativo da atividade jurisdicional, tornando a Constituição a principal fonte de Direito, atribuindo-se a ela o status de norma jurídica, obrigatória e imperativa, consagrando e expandindo os direitos fundamentais e desenvolvendo a teoria dos princípios. Surge, assim, o neoconstitucionalismo, publicizando toda a teoria geral do direito.
Tal mudança de paradigma não deixaria imune o direito processual, uma vez que, a partir de então, o repertório teórico do neoconstitucionalismo passaria a embalar a ciência processual, dando origem ao neoprocessualismo.
Sabe-se que qualquer lesão ou ameaça a direito pode ser levada à apreciação do Poder Judiciário, não se excluindo a lesão causada pela falta de implementação de políticas públicas pelos Poderes Legislativo e Executivo, determinadas pela Constituição da República, diga-se, promulgada há mais de 20 anos.
Dessa forma, com a clara intenção de dar concretude aos comandos constitucionais, aparece o ativismo judicial, muito veiculado pelo processo coletivo, como um importante instrumento de criação do processo democrático em nosso país, causador de polêmicas por envolver dogmas há muito estabelecidos, como o de impedir a atuação do juiz como legislador positivo, em respeito ao Princípio da Separação dos Poderes e o de que o Judiciário não pode controlar o mérito dos atos administrativos, razão pela qual, serão analisados de acordo com as premissas do neoprocessualismo.
Nesse contexto, pretende-se promover um estudo relacionando os fundamentos do ativismo judicial praticado pelo Poder Judiciário quando exerce o controle judicial de políticas públicas, concretizador de direitos fundamentais, principalmente, via processo coletivo, com o repertório teórico do neoprocessualismo, anexando a esse fato o desafio de constatar a compatibilidade jurídica existente entre ambos, legitimada pela Constituição da República.
Por fim, o presente trabalho pretende estudar e demonstrar que o papel do magistrado atual, principalmente ao julgar ações coletivas, assemelha-se muito ao de um agente político, posto que, nessas ações, interpreta a Constituição de um modo proativo (ativismo judicial) e, consequência disso, é que faz uma opção política, ao decidir qual será o direito fundamental sacrificado para que outro prevaleça. Nesse ato, implementa políticas públicas.
2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO CIVIL: O NEOPROCESSUALISMO
A supremacia do Direito Privado, à época do Estado Liberal, fazia com que a as relações jurídicas fossem norteadas pelo Código Civil.
O fracasso do Liberalismo e a derrota dos regimes totalitários na Europa acarretaram a necessidade de criação de direitos que fossem capazes de defender e garantir os direitos do cidadão frente aos abusos cometidos pelo Estado.
Assim, a partir da 2ª. Grande Guerra Mundial, a metodologia jurídica passou por grandes transformações, passando a influenciar sensivelmente a interpretação e aplicação do Direito, tendo como ponto de partida a Constituição e sua irradiação para todos os outros diplomas jurídicos.
Nesse momento, nasce o Estado Democrático de Direito, cujos pilares são a garantia fundamental dos direitos do cidadão e a dignidade da pessoa humana, núcleo axiológico da tutela jurídica a partir de então.
O novo pensamento jurídico contemporâneo que se formava foi chamado de “neoconstitucionalismo” e possuía, segundo Luís Roberto Barroso (2009), três vertentes: o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.
Essas vertentes englobam, dentre outros aspectos, o reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional, o desenvolvimento da Teoria dos Princípios e a consagração dos Direitos Fundamentais.
Reconhecer a força normativa da Constituição significa afirmar que todas as disposições nela contidas são normas jurídicas dotadas de imperatividade.
Importante salientar que nem sempre foi assim, pois o Direito Constitucional Clássico classificava as disposições constitucionais de normas programáticas, ou seja, considerava que eram declarações políticas sem valor normativo, para serem implementadas futuramente, de acordo com a conveniência da Administração Pública.
No contexto jurídico atual, a Constituição é Lei reguladora de condutas e ações que devem ser efetivadas.
A expansão da jurisdição constitucional ganhou sinuosa importância em decorrência do direito fundamental de acesso à justiça (garantia da inafastabilidade da jurisdição) estabelecido no artigo 5º, XXXV, da Carta Magna.[1]
Além disso, nossa Lei Maior admite o controle difuso e abstrato de constitucionalidade, deixando claro que nenhum ato administrativo possui permissão para violá-la.
Há que se falar na criação dos Juizados Especiais que facilitou o acesso à justiça aos cidadãos dispensando, inclusive, a presença do advogado.
As demandas coletivas começaram a chegar ao Poder Judiciário, ganhando espaço no cenário jurídico nacional ao discutir questões sociais relevantes, tornando-se um efetivo mecanismo de participação da sociedade na administração da coisa pública, conforme nos ensina Sérgio Cruz Arenhart (2005).
O desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional destacou a teoria dos princípios (sobre a teoria das regras), cujo fio condutor é o princípio da proporcionalidade.
A nova dogmática melhorou imensamente a busca por soluções de conflitos entre direitos fundamentais, de acordo com as palavras de Eduardo Cambi (2009), ao afirmar que na solução de conflitos entre direitos fundamentais ou na colisão de princípios, assume grande importância operacional o valor da dignidade da pessoa humana, alicerce do Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição da República de 1988.
Nesse contexto, o Direito Processual Civil não passaria ileso por todas essas mudanças: a interpretação e aplicação dessa ciência, agora, teriam que estar em consonância com o atual repertório teórico. Nisso consiste o “neoprocessualismo”.
A relação do Processo Civil com as premissas metodológicas do neoconstitucionalismo pode ocorrer de maneira direta ou indireta, conforme as preciosas lições do jurista supracitado:
“A relação entre a Constituição e o processo pode ser feita de maneira direta, quando a Lei Fundamental estabelece quais são os direitos e as garantias processuais fundamentais, quando estrutura as instituições essenciais à realização da justiça ou, ainda, ao estabelecer mecanismos formais de controle constitucional. Por outro lado, tal relação pode ser indireta, quando, tutelando diversamente determinado bem jurídico (por exemplo, os direitos da personalidade ou os direitos coletivos ou difusos) ou uma determinada categoria de sujeitos (crianças, adolescentes, idosos, consumidores etc), dá ensejo a que o legislador infraconstitucional preveja regras processuais específicas e para que o juiz concretize a norma jurídica no caso concreto”. (CAMBI, 2007, p. 01).
Observa-se a ocorrência do fenômeno da constitucionalização dos direitos e garantias processuais que retirou do Código de Processo a centralidade do ordenamento processual (fenômeno da descodificação), ressaltando o caráter publicístico do processo.
Assim, percebe-se que os fundamentos de validade do processo estão contidos na Lei Fundamental que está no centro do ordenamento jurídico, como esclarece Ana Paula de Barcellos (2005, p. 02) “[…] por força do fato de que os demais ramos do Direito devem ser compreendidos e interpretados a partir do que dispõe a Constituição.”
Portanto, o processo se consagra como um importante instrumento para efetivar direitos reconhecidos pela Constituição.
Exatamente nesse ponto, manifesta-se o ativismo judicial, valendo-se do processo para apresentar sua face concretizadora de direitos fundamentais.
3 ATIVISMO JUDICIAL: A CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ATRAVÉS DO PAPEL CRIATIVO DO JUIZ
Quando há uma crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Poder Legislativo, o povo se afasta cada vez mais do processo político, posto que a vontade do representante não corresponde à vontade do representado.
Assim, surge um espaço no campo de atuação dos Poderes Executivo e Legislativo, ficando vulnerável à interferência do Poder Judiciário que objetiva apenas participar de forma mais ampla e intensa na concretização dos valores constitucionais. (BARROSO, 2008, p. 04).
Luís Roberto Barroso (2008, p. 03) definiu o ativismo judicial como “[…] uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.”
Continua, definindo as premissas do ativismo judicial:
“A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (I) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente da manifestação do legislador ordinário; (II) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (III) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”. (BARROSO, 2008, p. 04).
Desses brilhantes conceitos, percebe-se que, o protagonista do cenário posto é o magistrado, que não mais pode ser visto como mero aplicador do direito ao caso concreto. A nova hermenêutica jurídica valoriza o papel criativo do juiz que, ao interpretar a Constituição, cria a norma jurídica do caso concreto, à luz dos valores por ela emanados. O juiz, ao contrário do que tradicionalmente se pensa, também é um agente político, posto que é transformador da realidade social, ou seja, sua atividade não é mecânica.
Por isso, o magistrado moderno está autorizado a buscar a verdade real. Aquela figura que apenas observava, sem participar da confecção das provas que formarão o seu convencimento, adormeceu no passado. A tutela de direitos massificados impõe uma postura proativa do juiz que deve ter a iniciativa probatória a fim de buscar a verdade real.
Uma das críticas sofridas pelo ativismo judicial consiste na atuação do juiz atual como legislador positivo. Porém, tal conduta é papel que lhe é imposto, pois o Estado Democrático de Direito requer do agente estatal prestações positivas, visando à implementação de direitos fundamentais.
Importante diferir essa atual postura daquela praticada no Estado Liberal. Esse modelo impunha ao Estado prestações negativas, ou seja, determinava que o governo não poderia interferir nas liberdades individuais dos indivíduos. Portanto, o juiz aplicava a lei ao caso concreto e estava resolvida a questão.
Atualmente, ocorre o oposto ou, pelo menos, deveria ocorrer. A atuação judicial visa à implementação de direitos fundamentais, principalmente os sociais, cumprindo a missão de conferir efetividade à Constituição, o que legitima e legaliza o ativismo judicial.
Aliás, há grande discussão acerca da legitimidade do Poder Judiciário para invalidar decisões daqueles que são eleitos pelo povo. Ora, o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal por determinação da própria Constituição. O papel principal desse órgão e do Poder Judiciário é velar e concretizar os direitos fundamentais e o regime democrático, mesmo não tendo sido eleitos para isso.
Nessa perspectiva, urge definir política pública como sendo o conjunto de atividades e programas destinados a cumprir os fins do Estado.
Isso significa que as atividades políticas (políticas públicas) exercidas pelo Legislativo e Executivo devem se adequar aos fins constitucionais. Ao Poder Judiciário caberá a análise da compatibilidade dessas atividades com a vontade imposta pela Constituição, ou seja, o controle de legalidade dessas atividades fica a cargo do Poder Judiciário por determinação constitucional. Ressalta-se, a legitimidade do controle de políticas públicas exercido pelo Poder Judiciário advém da Carta Magna.
Portanto, caso haja afronta à realização da democracia ou aos direitos fundamentais, legitimado está o Poder Judiciário para agir, impedindo arbitrariedades, pois sua função, como agente político que também é, consiste em cumprir os fins do Estado. Para tal mister, investigará os fundamentos dos atos estatais, verificando se estão compatíveis com os objetivos constitucionais.
De fato, a implementação dos direitos fundamentais cabe tanto ao Judiciário, quanto à Administração Pública, considerando ser o Poder Estatal uno.
Portanto, não há que se falar em violação ao Princípio da Separação dos Poderes. Outra grande crítica posta ao ativismo judicial.
Nossa Lei Maior determinou em seu artigo 2º. serem os Poderes independentes, mas harmônicos entre si.[2]
Segundo Ada Pellegrini Grinover (2010), os três poderes devem harmonizar-se para que os objetivos fundamentais do Estado sejam alcançados.
Ademais, pelo fato de nosso ordenamento jurídico permitir o controle de legalidade dos atos do Executivo, pode-se afirmar que o modelo concebido pela Constituição não foi o da separação de poderes, mas o do balanceamento de poderes, pelo qual, segundo o sábio magistério de Sérgio Cruz Arenhart (2005, p. 9/10), “[…] o Judiciário tem a prerrogativa de interferir na atividade do Executivo e do Legislativo, para controlar a atuação destes na sua conformidade com o Direito – aí incluídos os princípios e diretrizes constitucionais.”
O mesmo autor (ARENHART, 2005, p. 9/10) cita expressiva decisão do Supremo Tribunal Federal, que já se pronunciou nesse sentido, afirmando sua vigência no direito nacional:
“[…] II. Separação e independência dos Poderes: pesos e contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1. Sem embargo de diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos poderes, no Estado de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de todas as suas formulações positivas os "pesos e contrapesos" adotados. 2. A fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes: cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode legitimar. 3. Do relevo primacial dos "pesos e contrapesos" no paradigma de divisão dos poderes, segue-se que à norma infraconstitucional – aí incluída em relação à Federal, a constituição dos Estados-membros -, não é dado criar novas interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República. 4. O poder de fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é outorgado aos órgãos coletivos de cada câmara do Congresso Nacional, no plano federal, e da Assembleia Legislativa, no dos Estados; nunca, aos seus membros individualmente, salvo, é claro, quando atuem em representação (ou presentação) de sua Casa ou comissão.
III. Interpretação conforme a Constituição: técnica de controle de constitucionalidade que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição.” (STF, Pleno. Adin 3046/SP. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJU 28.05.04, p. 492) – grifou-se.
Entretanto, os críticos ferrenhos do ativismo judicial insistem em afirmar que a violação à clássica Teoria da Separação dos Poderes, criada por Montesquieu, no contexto do Estado Liberal, ocorre pelo fato de que ao Judiciário não cabe controlar o mérito do ato administrativo, isto é, não pode analisar as razões de conveniência e oportunidade desse ato.
É verdade que o administrador público possui uma margem de liberdade para agir, o que não significa margem plena. Sua atuação tem que respeitar a lei, não podendo exercer a discricionariedade que lhe é conferida, de acordo com sua conveniência, mas com a conveniência do interesse público.
Nesse caso, o interesse público exige que dentre as opções existentes, o administrador escolha a melhor possível ou, nas palavras do Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 400), “[…] a discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para proporcionar em cada caso a escolha da providência ótima.”
O Superior Tribunal de Justiça, em várias decisões, manifestou o entendimento de que a Administração Pública se submete ao império da lei, até mesmo no que toca à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
Não é diferente o entendimento do Ministro Luiz Fux:
“[…] 6. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração.
Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.” (Resp nº. 577.836/SC, rel.Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, j. em 21.10.2004, publicado no DJ de 28.02.2005, p. 200.) – grifou-se.
Nesse sentido, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.:
“[…] mas, quando existe um direito assegurado na Constituição e na lei infraconstitucional, que regulamente o campo de escolha do administrador, este está de tal forma reduzido que a sindicabilidade pelo Judiciário é decorrência natural do dever de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais”. (2011, p. 133).
Ora, os fundamentos do controle decorrem da Constituição, como já exaustivamente exposto acima, sendo que a execução desse controle, promove a efetivação de direitos fundamentais através de um instrumento: o processo.
Não se pode olvidar, no entanto, a existência de entendimento contrário. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais vem exprimindo seu pensamento em recentes decisões.
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ESGOTO SANITÁRIO – MUNICÍPIO – MÉRITO ADMINISTRATIVO – LIMITES DO CONTROLE JUDICIAL SOBRE ATOS DO EXECUTIVO – CARÊNCIA DE AÇÃO – EXTINÇÃO DO FEITO SEM EXAME DO MÉRITO, COM BASE NO ARTIGO 267, VI, CPC. – 'Ex vi' da exegese do artigo 2º da CF, ao Poder Judiciário não é dado determinar e definir a realização, por parte do Executivo Municipal, de obras públicas de grandes extensões para coleta e tratamento de esgoto sanitário, tampouco pode estipular prazo para concretização de referidas obras, sob pena de extrapolar os limites do controle jurisdicional, adentrando na seara da conveniência e oportunidade do ato administrativo, matéria que é reservada ao Executivo.” (Apelação Cível nº 1.0079.04.171396-1/001, numeração única: 1713961-31.2004.8.13.79, rel.Des. SILAS VIEIRA, 3ª CÂMARA CÍVEL, j. em 28/01/2010, publicado no DJMG em 05/03/2010.)
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. OBRAS DE INFRAESTRUTURA. MÉRITO ADMINISTRATIVO. CONVÊNIENCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. INGERÊNCIA INDEVIDA DO PODER JUDICIÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES Não pode o Poder Judiciário substituir a vontade do Administrador na determinação para realização de obras de infraestrutura. Trata-se de ingerência indevida da função administrativa, em flagrante ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes.” (Apelação Cível nº 1.0024.05.816841-0/001, numeração única: 8168410-97.2005.8.13.24, rel.Des. ARMANDO FREIRE, 1ª CÂMARA CÍVEL, j. em 05/05/2009, publicado no DJMG em 05/06/2009.)
Ora, ousa-se discordar desse posicionamento, por entender que não mais se coaduna com a ordem jurídica vigente, cujos valores impostos pelo Estado Democrático de Direito, requerem a efetividade da Constituição da República que garante aos cidadãos inúmeros direitos fundamentais, sendo certo que é dever do Estado concretizá-los, conforme já exposto.
4 O PROCESSO COLETIVO COMO INSTRUMENTO CAPAZ DE TRANSFORMAR A REALIDADE SOCIAL: UMA NOVA CONCEPÇÃO
Passaram-se 20 anos desde a promulgação da nossa Carta Magna, contudo, direitos nela previstos permanecem sem nenhuma concretude. Em face dessa omissão, o Poder Judiciário vem sendo provocado, principalmente através das ações coletivas, a proferir decisões determinando a efetivação desses direitos, realizando, via de consequência, um controle judicial sobre políticas públicas, tarefa que, a princípio, não seria sua.
Nesse ponto, o processo coletivo possibilita a tutela de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, prevista na Constituição de 1988, sendo certo que tem se mostrado um eficiente mecanismo, apto a proteger e a concretizar direitos fundamentais, sobretudo os sociais.
Inclusive, nessa seara, ensina-nos Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2011) que o processo civil, conforme sua concepção clássica, sempre foi um meio para solucionar conflitos de cunho privado.
Ao contrário, o processo coletivo propõe um novo modelo de litígio, voltado para a consecução de políticas públicas: a litigação de interesse público. Significa “a defesa do interesse público primário através dos litígios cíveis, inclusive na atuação do controle e realização de políticas públicas através desta litigação.” (DIDIER e ZANETI, 2011, p. 37).
Portanto, não há como aplicar os institutos processuais clássicos do processo civil, posto que dotados de uma visão estritamente individualista, não sendo possível nortearem processos sobre direitos massificados.
Por óbvio, toda a mudança paradigmática ocorrida na segunda metade do século XX, afetou a estrutura da ciência processual civil. Novos direitos surgiram junto com o Estado Democrático de Direito, preocupados com a promoção dos chamados direitos transindividuais, aqueles que ultrapassam a esfera egoísta e individual imposta pelo modelo antes adotado, tais como direito ao meio ambiente equilibrado, do consumidor, à saúde, à previdência, de moradia, entre vários outros.
Percebeu-se então que o processo civil precisava se adequar a esse novo papel, pois ele não possuía aptidão para dirimir os conflitos quer passaram a surgir no Judiciário.
Passa-se a conferir os esclarecimentos prestados pelo Ministro Antônio Herman Benjamim, do Superior Tribunal de Justiça:
“Em sua formulação original, nenhum desses princípios se ajusta à realidade econômica e social do final do século XX, à sociedade pós-industrial, caracterizada pela tecnologia, produção, comercialização, crédito, comunicação e conflituosidade massificados. São princípios que trazem uma marcante concepção individualista, própria da sociedade interpessoal do século XX, o que os leva, em sobrevivendo, a sacrificar os próprios fins do processo, que são a realização de uma tutela jurisdicional eficaz e justa”. (BENJAMIM apud MIRANDA, 2010, p. 106).
No processo coletivo, o Poder Judiciário é visto como um órgão de transformação da realidade social.
Por isso, os requisitos de admissibilidade processual deverão ser flexibilizados para que, na análise do mérito, o comando jurídico esperado pela sociedade seja concretizado. A aplicação desse preceito livra o judiciário da repetição de processos idênticos. Essa é a diretriz do princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo.
O princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela coletiva nos processos coletivos estabelece que num único feito a prestação jurisdicional pode ser entregue a um grande número de indivíduos de uma vez só. Daí, a prioridade desse tipo de demanda.
O artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor consagrou o princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva, ao estabelecer que é admissível qualquer espécie de ação capaz de propiciar a sua adequada e efetiva tutela.[3]
O princípio da máxima efetividade do processo coletivo mitiga o princípio da congruência entre o pedido e a sentença, objetivando a maior efetividade possível do provimento jurisdicional na tutela coletiva.
A mitigação do princípio da congruência entre o pedido e a sentença decorre de toda a transformação do Estado e da consequente evolução sofrida pelo processo civil ao longo dos tempos.
Explica-se. Conforme Luiz Guilherme Marinoni (2010), os clássicos institutos do processo civil não poderiam mais ser aplicados, diante de novos direitos substanciais que nasciam, por falta de adequação ao novo contexto estatal. Ademais, o juiz passou a ser considerado um agente político do Estado, consciente de que a justa organização social é imprescindível para a efetiva proteção dos direitos fundamentais.
Dessa forma, ao juiz é permitido adequar a sua decisão, na melhor forma possível, sempre voltada para a defesa dos direitos coletivos, consagrando a relação da mitigação do princípio da congruência entre o pedido e a sentença com o ativismo judicial necessário à tutela dos direitos fundamentais coletivos.
A jurisprudência pátria acolhe esse entendimento:
“[…] Dever-se, ainda, que, em se tratando de questão ambiental, dominada por interesse difuso e planetário, como no caso em exame, há de mitigar-se o princípio da congruência, privilegiando-se o do ativismo judicial, de forma que o órgão julgador possa adequar a sua decisão, na melhor forma possível, com a visão intertemporal, sempre voltada para a defesa e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, no interesse das presentes e futuras gerações.” (TRF-1ª Reg., Edcl 2000.39.02.000141-0/PA, 6ªT., j. 14.04.2008, rel. Des. Fed. Souza Prudente) – grifou-se.
O princípio do ativismo judicial nada mais é que uma faceta do princípio inquisitivo ou impulso oficial.
Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2011) entendem que uma de suas acepções está contida no artigo 7º da lei da ação civil pública (Lei nº 7.347/85) que estabelece: “Se no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão as peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.”
Uma segunda acepção desse princípio estaria na definição pelo magistrado do valor da indenização residual em razão da lesão a direitos individuais homogêneos, prevista no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor. [4]
Além disso, o princípio se revela no controle judicial de políticas públicas, situação que vem se repetindo, já existindo vários precedentes dos Tribunais Superiores, decidindo pela efetivação de atividades essenciais pelo Poder Público.
O processo coletivo, então, revela-se como um instrumento no qual o ativismo judicial tem sido praticado, pois a tutela de direitos coletivos, principalmente os sociais, exige essa conduta por parte dos juízes, ou seja, uma nova tarefa emergiu para o Poder Judiciário, qual seja, a de órgão apto a solucionar conflitos metaindividuais, sendo certo que essa tarefa decorre da politização da Justiça, cuja manifestação se dá através do ativismo judicial que proporciona a realização de políticas públicas, sempre respeitando a Constituição. (DIDIER e ZANETI, 2011, p. 41).
Contudo, a aplicação do ativismo judicial impõe limites que devem ser observados pelo magistrado, sob pena de tornar ilegítima sua conduta.
5 OS LIMITES IMPOSTOS AO LEGÍTIMO CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO
Inicialmente, urge trazer à baila parte da antológica decisão do Ministro Celso Antônio Bandeira de Mello na ADPF nº 45, onde traça os limites impostos ao exercício do ativismo judicial e se posiciona a favor da intervenção do Poder Judiciário no controle das políticas públicas de forma muito significativa:
“[…] não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República. […].É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte – que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). (grifos nossos) […] Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. […]A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.” (grifou-se)Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. (grifou-se) […]É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. […]”
Percebe-se que o Eminente Ministro estabelece alguns limites ou requisitos que possibilitem ao Poder Judiciário intervir no controle de políticas públicas:
a) apuração do mínimo existencial;
b) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público;
c) cláusula da reserva do possível: disponibilidade financeira do Estado para implementar as políticas públicas efetivadoras dos direitos fundamentais.
O mínimo existencial configura-se nos elementos vitais essenciais para que se tenha uma vida digna. São condições mínimas, básicas, razoavelmente exigidas e, sobretudo, necessárias à satisfação de uma existência digna.
É o direito mínimo de existência, evidente concreção do princípio da dignidade da pessoa humana.
Ricardo Lobo Torres (1990, p. 69/70) esclarece: “a dignidade humana e as condições materiais de existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados.”
O núcleo central do mínimo existencial é composto pelos direitos sociais (2ª geração), de prestação positiva pelo Estado. Na Constituição Pátria, estão contemplados no artigo 6º: saúde, educação, segurança, previdência, lazer, trabalho moradia, proteção à maternidade e assistência aos desamparados.
Percebe-se que para a promoção desses direitos fundamentais, ações estatais têm que ser implementadas.
Em caso de inobservância dessas ações pelo Poder Público, as mesmas poderão ser exigidas judicialmente, conforme esclarece Ana Paula de Barcellos (2005).
Nesse panorama, se ações estatais capazes de implementar e garantir direitos fundamentais são exigidas, certamente haverá dispêndio de recursos públicos.
Como corriqueiramente acontece, a justificativa mais utilizada pela Administração Pública para não implementar uma determinada política pública, é justamente a falta de verba, a chamada reserva do possível.
No entanto, a reserva do possível não deve ser considerada um limite absoluto, posto que uma política pública realiza direitos fundamentais, cuja implementação se comprometeu o próprio Estado na Constituição.
Assim, a falta de caixa não é argumento suficiente para tornar sem efeito os comandos constitucionais.
Portanto, a alegação da reserva do possível tem que encontrar respaldo concreto, deve ser provada, caso contrário poderá ser imposta ao Estado a concretização da ação.
Nesse ponto, vale a observação de que se aplica a regra da inversão do ônus da prova prevista no artigo 6º., VIII, do Código de Defesa do Consumidor[5], tendo em vista o microssistema processual coletivo formado pelo Título III do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90), pela Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90), pelo Estatuto do Idoso (Lei nº.10.741/03), pela Lei da Ação Popular (Lei nº. 4.717/65), pela Lei do Mandado de Segurança Coletivo (Lei nº. 12.016/09) e de Improbidade Administrativa (Lei nº. 8.429/92), conforme se depreende do artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública[6].
Dessa forma, caberia à Administração provar não estar dotada de recursos suficientes para efetivar direitos assegurados na Constituição.
Importante destacar que um direito fundamental apenas pode ser restrito, caso essa restrição atenda a outro direito, igualmente, fundamental. Para resolver esse conflito de interesses que surge, principalmente, nas demandas coletivas, utiliza-se a técnica da ponderação de interesses e a consequente aplicação do princípio da proporcionalidade.
Em processos coletivos, o princípio da proporcionalidade terá papel relevante, uma vez que conflitos de interesses estarão sempre em jogo, tanto no polo ativo, quanto no passivo.
Ao escolher qual desses interesses prevalecerá, o juiz exerce o papel de agente político que é, por imposição constitucional, controlando judicialmente, bem como implementando (ou não) políticas públicas, legitimamente.
CONCLUSÃO
A falta de compatibilidade entre os anseios da sociedade e os Poderes Executivo e Legislativo abre espaço para a atuação do Poder Judiciário no sentido de efetivar os comandos constitucionais, principalmente aqueles referentes aos direitos fundamentais concretizadores do princípio da dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição da República de 1988.
Importante ressaltar que o papel do Poder Judiciário é velar pelos objetivos constitucionais e, esta regra, está contida na Lei Maior. Caso tais objetivos sejam violados, há permissão para efetuar o controle judicial das políticas públicas, não ferindo, dessa forma, o Princípio da Separação de Poderes.
Nesse diapasão, o novo repertório teórico do neoprocessualismo, ao reconhecer o papel criativo do juiz, jogando por terra a tradicional e secular visão de que é mero aplicador da lei ao caso concreto, autoriza a prática do ativismo judicial, evidente, sempre dentro dos parâmetros estabelecidos pela Constituição. Os juízes interpretam os valores constitucionais, criando a norma jurídica do caso concreto e, assim, transformam a realidade social, posto que, repita-se, também são agentes políticos.
Certamente, o ativismo judicial tem se revelado mais facilmente através dos processos coletivos, uma vez que a presença de forte interesse público primário, pede uma maior participação do juiz, sem mencionar o número de pessoas a serem atingidas na decisão, daí decorrendo a flexibilização dos requisitos de admissibilidade processual, a fim de que o mérito da ação possa ser enfrentado e, assim, exercer sua função social, missão que lhe é imposta pela Carta Magna, assim como a qualquer outro agente político.
No contexto atual, 20 anos após a promulgação da Constituição Cidadã, não há mais como ser conivente com a omissão dos Poderes Legislativo e Executivo que não concretizaram suas respectivas missões constitucionais, principalmente, aquelas relacionadas à implementação de direitos fundamentais, os quais propiciam o mínimo existencial, essencial ao alcance da dignidade por qualquer ser humano.
Admitir que a falta de orçamento público é motivo para não serem efetivados direitos básicos conferidos a todos, como saneamento básico, por exemplo, é simplesmente tornar letra morta nossa Constituição. O mínimo existencial tem que ser alvo prioritário dos gastos públicos, sempre. Recursos públicos apenas deveriam ser aplicados em outras metas governamentais, após ter sido atingido esse núcleo tão fundamental de direitos. Assim, percebe-se a possibilidade de compatibilizar o mínimo existencial com a reserva do possível.
Pelo exposto, perfeitamente legítima a implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário, revelada pelo ativismo judicial através de processos coletivos, primordialmente, se os outros Poderes da República se esquivam de seus deveres constitucionais.
Informações Sobre o Autor
Gerusa e Silva Castro López
Servidora pública. Analista na assessoria jurídico-administrativa do Ministério úblico de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Processual Civil e Constitucional