Resumo: Trata-se de um breve apanhado sobre o direito de ação, considerando o processo e a sua relação com o direito subjetivo. Após analisar os aspectos do direito material e processual encontrou-se na constitucionalização dos direitos públicos o instrumento para se alcançar a tutela jurisdicional.
Palavra Chave: Processo. Direito subjetivo
Sumário: 1 Introdução. 2 A relação jurídica material e a relação jurídica processual. 3 O direito de ação e a Constituição da República. 4 Conclusão. Bibliografia.
1 Introdução
Desde a jurisdição romana o processo e a sua relação com o direito subjetivo foi tema de discussão entre teóricos. Chiovenda, por exemplo, um dos precursores da teoria civilista da ação, defendia que direito material e direito de ação seriam sinônimos. O cerne do presente trabalho busca investigar as relações do processo com o direito subjetivo, sob o enfoque constitucional.
2 A relação jurídica material e a relação jurídica processual
Diante das diversas transformações ocorridas na evolução do Estado, pode se conceituar jurisdição como a função atribuída a um terceiro imparcial que irá dizer o direito em uma situação concreta de modo imperativo, tornando a decisão indiscutível e insuscetível de controle externo.
Nos primórdios, o exercício da ação de direito material acontecia mediante a autotutela, posteriormente passou a ser exercida através do processo. No direito romano não se fazia uma nítida distinção entre a relação jurídica processual e a relação jurídica material. Nessa esteira, a ação era o próprio direito material violado.
Libman, que muito influenciou o processo civil brasileiro com sua Teoria Eclética, ao contrário de Chiovenda, defendeu a autonomia da ação frente o direito material. Para ele as condições da ação, como elementos constitutivos da mesma, ficariam fora do mérito da causa.
Alguns autores, a exemplo de Ovídio Baptista da Silva, fazem oposição a Teoria Eclética, tendo em vista que a mesma não conseguiu explicar a natureza da atividade jurisdicional, nos casos em que a ação é julgada improcedente, bem como nos casos de carência de ação. Essa corrente reconhece a existência de duas ações: uma de direito material e outra de direito processual e a partir daí busca resolver a conformação teórica da relação processual discordando do fato de só existir ação quando concorrem suas condições.
A ação de direito material seria a ação concreta, ou seja, aquela que apresenta o direito subjetivo, como nos casos de vencimento de dívida, em que o exercício da pretensão consiste no próprio ato de exigir o que é devido. Em outras palavras, a ação de direito material surge a partir do momento que é violado o direito subjetivo que, no caso do exemplo, seria a recusa em realizar o pagamento. Assim, a ação de direito material é o exercício do próprio direito por ato de seu titular, independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado. A ação de direito processual, por sua vez, seria o momento seguinte em que o juiz, sendo verdadeiros os fatos afirmados, julga a ação procedente.
Com o processo, temos que a ação processual sempre existirá, pois se situa no plano da abstração e independente da procedência da ação. O processo é o meio que se tem para veicular a ação de direito material, diante da proibição da autotutela. A ação de direito material, como já foi ressaltado, existirá no caso de ação de procedência, pois esta ação somente estará presente se tiver um direito subjetivo correspondente.
Acerca do monopólio estatal da jurisdição, Ovídio Baptista da Silva ressalta:
“A doutrina não leva em consideração que o monopólio estatal da jurisdição fez nascer uma segunda pretensão (exigibilidade), além daquela que o titular do direito já possuía, contra o destinatário do dever jurídico. Tanto posso exigir o pagamento (exercer pretensão) contra meu devedor, quanto posso exigir que o Estado – quando fracasse aquela exigência privada – realize, por intermédio do processo, a minha pretensão. É claro que estou a tratar de ação procedente, porém não se pode obscurecer a existência das duas exigibilidades, outorgadas ao titular do direito: o agir contra o devedor (proibido, mas não eliminado) e o agir estatal, que a sentença de procedência necessariamente realiza.” (Direito Material e Processo, Pág. 08).
Como se vê, Ovídio Baptista entende que o Estado, através do processo, realiza a pretensão de direito material no caso de ação procedente. Para este autor, portanto, a pretensão seria de direito material e não a tutela jurisdicional. Esse entendimento leva a crer que para toda sentença de procedência existiria o correspondente exercício de uma ação de direito material.
Carlos Alberto Álvaro de Oliveira nega a existência de uma ação de direito material não só condenatória e mandamental, mas também declaratória e constitutiva e discorre sobre a vigência da ação de direito material, ressaltando o seguinte:
“Depois dessa constatação, cabe indagar onde estaria a vigência da ação de direito material – fenômeno exclusivo do plano de direito material – no plano do direito processual. Tudo na verdade não passa de confusão entre os dois planos, com amesquinhamento do plano do direito processual. Este é instrumental não há dúvidas, mas não meramente instrumental, tem vida própria matéria própria autonomia enfim. O que é ação de direito material? È a eficácia (força, inflamação ou o nome que se lhe dê) do direito material, quando desatendido. Eficácia que seria alcançada, fora do processo, pelo cumprimento voluntário do dever ou da obrigação ou se desatendida, realizada pelo juiz, agindo no lugar da parte, exercendo a mesma atividade desta”.( OLIVEIRA, pag. 766).
De fato, não há ação de direito material nas ações declaratórias, constitutivas e condenatórias, ainda que sejam julgadas procedentes. Na ação declaratória só o juiz pode declarar, sendo que o privado não poderia outorgar certeza jurídica. O mesmo raciocínio é utilizado no tocante às ações constitutivas em que somente o juiz pode constituir ou desconstituir, sendo vedado esse exercício pelo particular. Da mesma forma, cabe ao juiz mandar, inexistindo, assim, ação material mandamental.
Como hoje não é mais possível, salvo algumas exceções, o exercício da autotutela, não há necessidade de se atribuir importância a ação de direito material. A crítica que Álvaro de Oliveira faz a Teoria de Ovídio Baptista demonstra que ao se inserir a ação no plano do direito material, acaba-se por desconsiderar a necessária separação entre os planos de direito material e direito processual.
Corroboramos com o entendimento de Álvaro de Oliveira, no sentido de que a partir do momento da propositura da ação é possível ignorar a existência de uma possível ação de direito material, uma vez que essas ações não estão ligadas necessariamente para o exercício da jurisdição.
Da mesma forma que não é possível afirmar a existência do direito sem que se proceda ao devido processo legal, contraditório, ampla defesa e etc., também não se pode afirmar que uma ação é de direito material bem no início da demanda. O que se buscou com o conceito de direito material refere-se às normas dirigidas ao particular, mas que atualmente seria exercida mediante a ação processual. Não se deve hoje atribuir tanta importância a ação de direito material, sob pena de entendê-la como sendo o próprio direito subjetivo da parte de exercer a jurisdição. Com efeito, o titular de uma ação que não tenha o direito material, mesmo sucumbente, estará legitimado a exercer o direito à jurisdição.
Ademais, a atividade do juiz não é similar à exercida pelo particular nos primórdios em que se exercia a autotutela. Com a vedação desta, não há mais porque se falar em ação de direto material. Essa ação apenas subsiste nas raras exceções previstas em lei. Atualmente, não há como equiparar a eficácia do direito material com a eficácia da jurisdição. A ideia de pretensão à tutela jurisdicional, em busca de uma sentença favorável, por implicar em concretismo, é incompatível com a incerteza do processo.
4 O direito de ação e a Constituição da República
Uma proposta alternativa trazida por alguns autores como Álvaro de Oliveira em relação à visão de Ovídio Baptista da Silva consiste em situar o direito de ação no âmbito do direito constitucional, pois a relação entre o indivíduo e o Estado implica no exercício de um direito subjetivo público.
Não há dúvidas que o direito de ação é uma situação jurídica prevista constitucionalmente garantindo ao seu titular o devido processo legal consubstanciado no contraditório, juiz natural, vedação de prova ilícita, tipicidade dentre outros.
A Constituição tem o seu papel central na análise do direito, de forma que toda problemática jurídica deve ser centrada numa perspectiva constitucional. Atualmente, não é possível dissociar a tutela jurisdicional dos direitos subjetivos públicos com a garantia desses direitos consagrados na Carta Magna, a qual prevê a existência de um Estado-juiz que não pode se eximir de prestar a jurisdição como acontecia no direito romano.
A questão da tutela jurisdicional se insere no âmbito dos direito fundamentais (art. 5º XXXV da CF/88), de forma que o elo entre o direito material e o direito processual é o direito essencial previsto constitucionalmente, que consiste na proteção, instrumentalizada pela outorga de jurisdição e respectiva pretensão, ambos situados no plano do direito público.
Ademais, diante das complexidades sócias, a jurisdição, sob o prisma Constitucional, possibilitará ao juiz a oportunidade de se valer das diferentes técnicas de tutela jurisdicional, de acordo com as necessidades e peculiaridades do direito subjetivo a ser garantido no caso concreto.
5 Conclusão
Houve um período na história em que direito material e direito processual se confundia para definir o conceito de ação. Com o passar dos tempos percebeu-se que a realização da jurisdição independe da existência de um direito efetivo.
É indubitável que a Constituição conferiu a todos o direito de exigir do Estado, em qualquer situação, a prestação jurisdicional. A relação do processo com o direito material hoje é vista, sob o ponto de vista constitucional que se utiliza dos direitos subjetivos públicos como forma de instrumentalizar a realização da jurisdição.
Informações Sobre o Autor
Leidiane Mara Meira Jardim
Advogada da União em Minas Gerais- Pós-graduanda em Direito Público pelo CEAD/UNB