O recall e o ordenamento jurídico brasileiro

A palavra recall significa literalmente “chamar de volta”.  Ou seja, é um termo comumente utilizado pelos fornecedores (fabricantes, distribuidores, importadores, etc.) nos Estados Unidos para comunicar ao público ou chamar a atenção desse público da retirada do mercado de um produto ou de componentes defeituosos que apresentem risco para o consumidor.


O recall é muito comum ser utilizado em empresas fabricantes de automóveis, porém, pode e deve ser utilizado de modo geral, ou seja, com quaisquer tipos de produtos ou serviços ofertados junto ao mercado brasileiro, não só para veículos.


Nesse diapasão, o consumidor deve levar o produto defeituoso à loja onde o comprou ou ao representante do fabricante para que seja feita a correção. Quando o problema atingir somente uma peça, o fabricante apenas deve trocar a peça gratuitamente e, se o defeito inutiliza todo o produto, o fornecedor deve substituí-lo por um novo ou simplesmente devolver o dinheiro.


No ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente na Lei nº. 8078, de 11 de setembro de 1990, ou o conhecido Código de Defesa do Consumidor, in verbis, se apresenta a previsão do recall no País:


Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.


§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.”


Neste contexto, observa-se que o Código de Defesa do Consumidor prevê o recall, muito embora não utilize o termo inglês.


“No Brasil, se a empresa não cumpre a lei, o Procon e o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, com a ajuda do Ministério Público, podem e devem apurar os fatos e punir os infratores. O Código do Consumidor considera crime a omissão do recall. As empresas podem ser multadas em até R$ 3,1 milhões. Os responsáveis podem ser indiciados criminalmente e estão sujeitos a detenção de seis meses a dois anos.” (Disponível em: http://www.idec.org.br/consumidorsa/arquivo/dez00/dez0002.htm, acesso em 25 de novembro de 2009, às 09h00minmin).


Importante salientar que muito embora feito o recall, conforme pressupõe o Código de Defesa do Consumidor, do fornecedor não é retirada a sua responsabilidade pelo defeito. Assim, se um consumidor sofrer prejuízos ou outros danos devido ao produto defeituoso, seja quando for (mesmo fora do período de garantia ou depois do anúncio do recall), a empresa deverá responder por isso.


Em face desta temática é importante conhecer:


Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (…)


Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:


I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;


II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;


III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.


Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.


Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.


§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:


I – o modo de seu fornecimento;


II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;


III – a época em que foi fornecido.” (CDC/1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8078.htm, acesso em 25 de novembro de 2009, às 10h00min).


Dois detalhes jurídicos importantes para casos de acidente de consumo. Um detalhe é em relação ao consumidor, pois que é considerado consumidor não somente o proprietário do produto, mas todas as vítimas.


E o outro é quanto ao fornecedor, considerando que em casos de acidente de consumo, o Código de Defesa do Consumidor responsabiliza solidariamente o fabricante, o produtor, o construtor e o importador. Vale dizer que o comerciante, ou, no caso de concessionária, não é incluído.


É fato de que o Código de Defesa do Consumidor é de suma importância a todos, mas no caso de defesa da vítima, facilita-se a garantia do seu direito, uma vez que embasados na Lei 8.078/1990, veja-se:


– Interpor ação Judicial no Fórum da cidade da vítima, e não fica o fornecedor, montador ou fabricante do produto;


– Requisição da inversão do ônus da prova, para que a empresa fique com a obrigação de provar que não foi o produto defeituoso o responsável pelos danos;


– Valer-se do princípio da responsabilidade objetiva para processar, por exemplo, o importador, caso o produto seja fabricado no exterior.


No Site do Ministério da Justiça há algumas considerações sobre recall (chamamento) no Brasil, considerando que alguns dos direitos básicos dos consumidores, estão expressos nos termos da Lei nº. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), frisa-se que é importante garantir ao consumidor o direito à informação e o direito à segurança.


Nesta contextualidade, quando um produto ou serviço for considerado defeituoso, de acordo com a lei de consumo brasileira, uma vez que o fornecedor verifique essa condição após sua colocação no mercado, este deverá imediatamente apresentar todas as informações cabíveis acerca dos problemas identificados.


O Ministério da Justiça assegura que:


Ao procedimento pelo qual o fornecedor informa o público sobre os defeitos detectados nos produtos ou serviços que colocara no mercado dá-se o nome de recall (chamamento). Os objetivos essenciais desse tipo de procedimento são o de proteger e preservar a vida, saúde, integridade e segurança do consumidor, bem como de evitar ou minimizar quaisquer espécies de prejuízos, quer de ordem material, quer de ordem moral. O recall deve ser gratuito e, para que alcance seus propósitos, deve alcançar todo o universo de consumidores expostos aos riscos decorrentes dos defeitos detectados nos produtos ou serviços objeto do chamamento. Os consumidores por sua vez, no caso de reparos, devem exigir e guardar o comprovante do serviço efetuado. No Brasil, o instituto do recall está previsto no Código de Defesa do Consumidor, que o define em seu artigo 10, § 1º.


É muito importante que o consumidor efetivamente atenda a esses chamamentos. O que se tem por objetivo, afinal, é a garantia de sua própria segurança, evitando-se a concretização de potenciais acidentes de consumo e, nesse sentido, a realização dos reparos ou substituições dos produtos defeituosos, pelos fornecedores, mostra-se uma prática necessária” (Disponível em: http://www.mj.gov.br/RecallL, acesso em 24 de novembro de 2009, às 13h00min).


Em face do todo exposto, observa-se a importância do recall para se garantir a segurança dos consumidores, cabendo, portanto, aos fornecedores empreenderem esforços para que sejam prevenidos e sanados os defeitos verificados nos produtos ou serviços colocados no mercado de consumo.


Em garantia do direito de informação, assim como o da segurança, o Código de Defesa do Consumidor, dispõe:


No inciso III do artigo 6º, dentre outros, o direito à informação. Esse direito primário deve ser observado quando da oferta de bens e serviços no mercado de consumo. A informação deve ser adequada e clara, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam. A informação deve ainda ser oferecida antes ou durante a oferta do produto ou serviço no mercado.


Paralelamente, outro princípio que deve nortear as relações de consumo é o da segurança. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a respeito (art.8º, da Lei 8078/90). Os fornecedores de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança devem ainda informar de forma ostensiva e adequada (artigo 9º, da Lei 8078/90). Cumpre lembrar que o Código de Defesa do Consumidor não proíbe a colocação no mercado de produtos ou serviços, que por sua natureza, modo de uso ou destinação pode apresentar riscos potenciais e inerentes à sua utilização (ex. combustíveis, gás de cozinha, inseticidas, facas, tesouras etc.), não sendo por essa razão considerada defeituosos.


Assim e excepcionalmente, o produto ou serviço será considerado defeituoso nos termos da Lei 8078, se vier a apresentar a potencialidade de causar dano, quando não tinha essa característica como própria ou ainda quando supera os riscos previsíveis para o homem médio. Se o fornecedor verificar que após a colocação de produto ou serviço no mercado, esse apresenta nocividade ou periculosidade que não faz parte de sua essência ou destinação normal, deverá com base no princípio da segurança prestar de imediato, todas as informações necessárias e adequadas a respeito do problema verificado” (Disponível em: http://www. http://www.procon.sp.gov.br/recall.asp).


As divulgações nos veículos de comunicação são importantes para que os fornecedores realizarem levantamentos periódicos (diário, semanal, quinzenal etc.) no sentido de se verificar a eficácia das medidas adotadas.


Quando não houver retorno dos consumidores ao chamamento do fornecedor em número adequado e compatível com o objetivo proposto, cabe ao fornecedor adotar novo recall, além de buscar outras formas que possam efetivamente alcançar os consumidores. Ou seja, o recall deve ter ampla divulgação para atingir todos os envolvidos.


O SNDC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor entende que tal assunto é tão importante que:


“Por força da gravidade dos riscos insertos em tais casos, os fornecedores deveriam envidar todos os esforços que estivessem ao seu alcance, no sentido de dar à divulgação de tais procedimentos a maior abrangência possível. Além disso, o SNDC também discorda da imposição, pelos fornecedores, de qualquer prazo limite para a realização dos serviços necessários à plena regularização das condições dos produtos ou serviços objeto de recall. Enquanto houver no mercado produtos que apresentem os problemas que levaram ao chamamento, o fornecedor será responsável por sua pronta reparação, sem qualquer ônus para os consumidores, ainda que a campanha de chamamento estipule um prazo para seu encerramento” (Disponível em: http://www. www.consumidorbrasil.com.br/consumidorbrasil/, acesso em 25 de novembro de 2009, às 09h00min).


Quando reparado o defeito, o consumidor deve, por sua vez, exigir e guardar o comprovante de que a mesma foi efetuada. Da mesma forma devem agir os proprietários atuais dos bens objeto de recall, ainda que não os tenham adquirido diretamente de seus fornecedores originais – compradores de veículos usados, por exemplo – gozam dos mesmos direitos.


Dar atenção necessária ao consumidor é dever de todos os fornecedores, pois uma vez satisfeitas as suas necessidades de consumo e respeitados os seus direitos, a fidelidade consumerista é garantida. Diante disso é importante a prática do recall, até porque, dentro das relações de consumo, reveste-se da verdadeira cidadania.


Enfim, para se proteger e preservar a vida, a saúde, a integridade e segurança do consumidor, se objetiva o recall, com o intuito de evitar prejuízos materiais e morais dos consumidores.


A satisfação do consumidor é o verdadeiro marketing com vistas ao sucesso do fornecedor.


 


Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

IDEC – INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.  Disponível em: http://www.idec.org.br/consumidorsa/arquivo/dez00/dez0002.htm

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Disponível em: http://www.mj.gov.br/Recall/

PROCON SÃO PAULO. Disponível em: http://www.procon.sp.gov.br/recall.asp


Informações Sobre o Autor

Vanilza Candida Moita Misturini

Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Especialista em Psicopedagogia, com tripla habilitação: Inclusão Escolar, Gestão Escolar e Linguistica Aplicada à Língua Estrangeira. Formanda em Direito – Universidade Cuiabá. Professora de Licenciatura Plena – SEDUC/MT; Serventuária da Justiça – TJMT


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