Resumo: A reforma do Código de Processo Civil, realizada através da edição da Lei n. 11.280 de 16 de fevereiro de 2006, importou em mudança radical de um dos mais antigos institutos da ciência jurídica: a prescrição. Por força do referido diploma legal o magistrado passa a ter o poder de reconhecer, ex officio, a prescrição, não importando qual a espécie do direito tutelado. Esta modificação trouxe consigo o questionamento sobre a aplicação ou não desta regra no âmbito do Direito do Trabalho, tendo em vista que a alteração legislativa é eminentemente civilista e o Direito do Trabalho somente admite a aplicação do Direito Civil na qualidade de fonte subsidiária e desde que compatível com seus os princípios fundamentais. Diante deste questionamento procedemos á ponderação, com vistas á aferir a compatibilidade ou não, da aplicação da regra trazida pela legislação em comento, com os princípios norteadores do Direito Laboral, para então, formar nosso juízo de valor.
Palavras chave: Lei n. 11.280/06; Prescrição; Reconhecimento de ofício; Aplicação no Direito do Trabalho.
Abstract: The reform of the Code of Civil action, carried through the edition of Law n. 11.280 of 16 of February of 2006, mattered in radical change of one of the oldest justinian codes of legal science: the prescription. For force of the related statute the magistrate starts to have the power to recognize, former officio, the prescription, not importing which the species of the right tutored person. This modification brought obtains the questioning on the application or not of this rule in the scope of the Right of the Work, in view of that the legislative alteration is eminently civilist and the Right of the Work only admits the application of the Civil law in the quality of compatible subsidiary source and since that with its basic principles. Ahead from this questioning we proceed the balance, with sights to survey the compatibility or not, of the application of the rule brought for the legislation in comment, with the basic principles of the Labor Right, for then, to form our judgment of value.
Key words: Law n. 11.280/06; Prescription; Recognition ex-officio; Application in the Right of the Work.
Sumário: 1. Considerações iniciais – 2. Prescrição – 2.1. Origem Etimológica e Histórica – 2.2. Conceito – 2.3. Fundamento – 2.4. Natureza Jurídica – 2.5. Requisitos – 3. A aplicação sudsidiária do direito comum ao direito do trabalho – 4. O reconhecimento da prescrição em juízo – 4.1. O Reconhecimento da prescrição face à inovação legislativa – 4.2. O posicionamento dos tribunais a cerca do reconhecimento da prescrição no Direito do Trabalho – 5. Considerações finais – 6. Referência bibliográfica.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A prescrição é um dos temas mais desafiadores do Direito, haja vista, se tratar de um mecanismo gerador de segurança jurídica e consequentemente de paz social, ainda que por meio deste instituto o titular de algum direito venha perde-lo em função de sua inércia no tempo. A segurança jurídica aflora justamente em razão desta potencial possibilidade de perda do direito pelo seu titular, já que, caso não houvesse termo para o exercício de determinado direito pelo seu titular as relações jurídicas se prolongariam ad eternum.
A alteração legislativa operada pela Lei n. 11.280/06 trouxe consigo uma nova perspectiva para o reconhecimento da prescrição pelo órgão judicante, até então inexistente em nosso ordenamento jurídico e que veio causar muita polêmica na doutrina e na jurisprudência.
A referida lei deu nova redação ao § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil revogando o art. 194 do Código Civil e assim determinando que a prescrição a partir de então, será pronunciada de ofício pelo juiz.
Com isso, surgiu entre os estudiosos do Direito do Trabalho a dúvida quanto à aplicação ou não desta norma na seara trabalhista.
Diante desta indagação e através de uma intensa pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, buscamos sedimentar conceitos relativos ao instituto da prescrição e de princípios jus laborais para nos posicionarmos diante da questão apresentada, sem a pretensão de inovar, mas tão somente a de enriquecer nossos conhecimentos jurídicos e colaborar na elucidação do problema hora proposto.
2. PRESCRIÇÃO
2.1. Origem Etimológica e Histórica
O termo prescrição procede do vocábulo latino praescriptio, derivado do verbo praescribere, formado pelos radicais prae e scribere, com o significado de escrever antes do começo[1].
Quanto á origem do instituto da prescrição, destacamos lição de Washington de Barros Monteiro, que menciona que a gênese do termo em questão vem do Direito Romano, senão vejamos:
“Por ser originariamente apenas meio de defesa, atribuído ao possuidor contra terceiros, era colocada na fórmula expedida pelo pretor antes da demonstratio; por ela se concitava o magistrado a não examinar o mérito da lide caso o réu tivesse posse ad usucapionem durante certo tempo. O aspecto da prescrição que primeiro se salientou foi realmente o da prescrição aquisitiva, figurando mesmo na Lei das XII Tábuas; entretanto, de início, ela só beneficiava o cidadão romano e só dizia respeito a coisas romanas. “[2]
A prescrição tinha aplicação originalmente para designar a extinção da ação reivindicatória, pela longa duração da posse; tratava-se da praescripitio longissimi temporis e para indicar a aquisição da propriedade, em razão do relevante papel desempenhado pelo longo tempo, caso em que tinha a praescripitio longi temporis. Desta forma, no Direito Romano, sob o mesmo vocábulo surgiram duas instituições jurídicas, com os mesmo elementos, quais sejam a ação prolongada do tempo e a inércia do titular do direito.[3]
Diante dos dois institutos da prescrição, foi Justiniano quem destacou sua dupla face a aquisitiva e a extintiva, as diferenciando da seguinte forma: a primeira como um modo de aquisição por meio do decurso do tempo e a segunda o meio pelo qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do tempo. Entretanto, muitos são os autores que criticam a existência da prescrição aquisitiva de direitos, diante da tese de que em nosso ordenamento jurídico os dois assuntos são tratados em institutos diferentes.
2.2. Conceito
Como já dizia o poeta: “o tempo não pára….”.
O tempo dirige a vida do homem em diversos aspectos, como o biológico, social, relações civis e também nos seus direitos[4].
Quanto aos direitos, o tempo pode exercer importante papel, já que, às vezes, se apresenta como condição de seu exercício, seja em decorrência de convenção das partes, seja por determinação legal. Diversas situações estão sujeitas ao decurso do tempo como a vigência da lei, prazos processuais, prazos estipulados em obrigações.
Quando o decurso do tempo tem influência nas relações jurídicas ele se torna um fato jurídico, sendo assim, dentre as diversas conseqüências do tempo como fato jurídico a que nos interessa é a relativa ao prazo de exercício de direitos, tratada como prescrição.
Podemos conceituar prescrição, no dizer de Clovis Bevilaqua, como “a perda da ação atribuída a um direito, de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo.” [5]
Silvio Rodrigues afirma que prescrição é “a inércia do credor, ante a violação de um seu direito, por força de um período fixado em lei, que conduz à perda da ação de que todo o direito vem muni-lo, de modo à privá-lo de qualquer capacidade defensiva.” [6]
Pontes de Miranda escreve que “prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação.” [7]
Câmara Leal declara que “prescrição é a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso.” [8]
Muito embora sejam interessantes as definições colacionadas, destacamos o posicionamento mais atual de Pablo Stolze Gagliano e Rofolfo Panplona Filho, que afirmam ser “a prescrição a perda da pretensão de reparação do direito violado em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei” [9], já que o art. 189, do Novo Código Civil Brasileiro assim preceitua, e ainda pelo fato do direito de pedir ao Estado um provimento jurisdicional, ser público abstrato, sendo assim inalcançável pela prescrição.
Carlos Roberto Gonçalves, á seu turno, menciona que
“hoje predomina o entendimento na moderna doutrina, de que a prescrição extingue a pretensão, que é a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. O direito material, violado, dá origem à pretensão (CC, art. 189), que é deduzida em juízo por meio da ação. Extinta a pretensão, não há ação. Portanto, a prescrição extingue a pretensão, atingindo também a ação. O instituto que extingue somente a ação, conservando o direito material e a pretensão, que só podem ser opostos em defesa é perempção.”[10]
Portanto, daí se infere que a novel doutrina já pacificou o conceito da prescrição, que é perda da pretensão de reparação do direito, e não a perda do direito, como se imaginava.
2.3. Fundamento
O fundamento da prescrição já foi largamente discutido pela doutrina especializada, assim diante das várias concepções destacaremos algumas para que sejam observadas e discutidas.
Foi Câmara Leal quem sem dúvida melhor sistematizou os diversos fundamentos jurídicos da prescrição:
“1° – o da ação destruidora do tempo, mencionado por Coviello; 2° – o do castigo à negligência, indicado por Savigny; 3° – o da presunção de abandono ou renúncia, sugerido por M. I. Carvalho de Mendonça; 4° – o da presunção de extinção de direito, apontado por Colin & Capitant e já referido por Savigny; 5° – o da proteção ao devedor, enunciado por Savigny e reproduzido por Vampre e Carvalho Santos; 6° – o da diminuição das demandas, referido por Savigny; 7° – o do interesse social, pela estabilidade das relações jurídicas, adotado pela maioria dos escritores como Baudry & Tisier, Laurent, Planiol & Ripert, Colin & Capitant, Beltjens, Barassi, Ruggiero e muitos outros.”[11]
O autor informa ainda os três fundamentos da prescrição encontrados nas fontes romanas: a) o da necessidade de fixar as relações jurídicas incertas, evitando controvérsias; b) o castigo á negligência; c) o interesse público. Concluindo, por fim que o único fundamento aceitável da prescrição é o interesse público, a fim de que a instabilidade do Direito não viesse a se perpetuar com sacrifício da harmonia social, base fundamental do equilíbrio, que está assentada a ordem pública.
Silvio Rodrigues ressalta a necessidade das relações jurídicas se consolidarem no tempo, sugerindo que “há um interesse social em que situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para que sobre a comunidade não paire, indefinidamente na ameaça de desequilíbrio representada pela demanda.” [12]
Pablo Stolze Gagliano e Rofolfo Panplona Filho mencionam que
“a existência de prazo para o exercício de direitos e pretensões é uma forma de disciplinar a conduta social, sancionando aqueles titulares que se mantém inertes, numa aplicação do brocardo latino dormientibus nom sucurrit jus. Afinal, quem não tem a dignidade de lutar por seus direitos não deve sequer merecer sua tutela”.[13]
Machado Júnior afirma que “o fundamento principal da prescrição é a paz social, sepultando de forma definitiva as situações pretéritas, que não poderão ser revividas após o decurso de prazos fixados, o que colabora com a harmonia e segurança das relações humanas.” [14]
A prescrição é indispensável à estabilidade e a consolidação de todos os direitos, mesmo que a primeira vista, ela pareça iníqua, pois o titular de um direito se vê despojado do que lhe pertence, e o devedor livre da obrigação, porém, é indiscutível, a utilidade da prescrição com relação à eqüidade e a moral, sendo absolutamente indispensável em qualquer sociedade bem organizada.[15]
Assim percebe-se que a maioria dos autores fundamenta a prescrição como inibidora de demandas infinitas, no interesse social em estabelecer um clima de segurança e harmonia, evitando-se que com o passar dos anos venha surgir ações versando sobre direitos cuja prova de constituição se perdeu no tempo.
2.4. Natureza Jurídica
A natureza jurídica é a base de todo instituto jurídico, já que dela se extraem os princípios norteadores de sua essência, e dela advém seu entendimento.
As normas jurídicas possuem natureza pública, ou privada, conforme seu interesse, sendo a primeira cercada do interesse público e indisponível em prol da sociedade e do Estado; a segunda de acordo com interesse particular entre os sujeitos interessados. Embora, o interesse público e o privado estejam conjuntamente presentes em todas as normas jurídicas, eles se distinguem pelo interesse predominante.
Em razão da prescrição, ter como fundamento a segurança e harmonia social, notamos facilmente sua natureza pública, já que ela busca possibitar tranqüilidade à sociedade como um todo, e não somente aos sujeitos nela envolvidos.
Sendo assim, selecionamos o entendimento de Câmara Leal que aponta a prescrição como norma de ordem pública:
“(…) na prescrição, dando-se o sacrifício do interesse individual do titular do direito, pelo interesse público da harmonia social, sua instituição obedece, direta e principalmente, à utilidade pública, e que a norma que a estatui é, portanto, de ordem pública. Não obstante, como as relações jurídicas por ela reguladas são de ordem privada, esse fato lhe empresta, também um caráter privado, dando-lhe uma natureza mista, simultaneamente pública e privada. Daí os dois fenômenos antagônicos: como norma pública, fica a prescrição em curso sujeita às alterações da nova lei; mas, como norma privada, pode ser renunciada pelo prescribente, uma vez consumada, e só pode ser pronunciada pelo juiz se invocada, via de regra.”[16]
Maria Helena Diniz assevera que “esse instituto foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado.”[17]
2.5. Requisitos
Os requisitos da prescrição foram apresentados por Câmara Leal[18] descritos como “elementos integrantes” ou “condições elementares”, sendo os seguintes:
A) “Existência de uma ação exercitável;”
O nascimento da ação, segundo os romanos, necessita da ocorrência de duas condições: a existência de um direito atual atribuído a seu titular e incorporado a seu patrimônio; e a violação deste direito. Violado este direito, surge a pretensão, que pode ser alegada em juízo por meio de uma ação exercitável, trata-se pois, da chamada actio nata romana.
B) “Inércia do titular da ação pelo seu não-exercício;”
Entende-se por inércia a inação, a passividade do titular do direito, diante da violação de seu direito. Essa inércia caracteriza-se pela abstenção do exercício da pretensão por meio da ação. Tal inércia somente se cessa, no momento em que o titular ajuizar uma ação solicitando ao órgão jurisdicional o restabelecimento de seu direito, impondo ao infrator a reparação dos danos.
C) “Continuidade dessa inércia durante certo lapso de tempo;”
Não basta haver inércia momentânea e passageira, a fim de que se verifique a prescrição, é necessária, a inércia prolongada, duradoura, indicativa da negligência do titular. Ela deve durar o lapso temporal previsto na norma legal que a indica, contudo, se antes da consumação deste prazo o titular do direito se torna ativo, a prescrição se interrompe.
D) “Ausência de algum fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional.”
Embora presentes todos os elementos de prescrição: actio nata e inércia do titular, há circunstâncias, prevista em lei, que impedem o curso da prescrição. São as causas preclusivas de do curso da prescrição, que são as interruptivas, suspensivas e as impeditivas.
3. A APLICAÇÃO SUDSIDIÁRIA DO DIREITO COMUM AO DIREITO DO TRABALHO
O Direito do Trabalho é sem dúvida um ramo autônomo do Direito, porém a própria CLT em seu art. 8º, parágrafo único estabelece que o Direito Comum será fonte subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
Conforme Amauri Mascaro Nascimento, “subsidiariedade é a técnica de aplicação de leis que permite levar para o âmbito trabalhista normas do direito comum”.[19]
A teorização da prescrição foi retirada do Direito Civil, mas de acordo com expressa previsão legal são aplicados estes institutos no Direito Laboral de forma subsidiária. Portanto, tudo o que se afirmou até agora sobre prescrição é cabível e usual, evidentemente que observadas as particularidades e o respeito aos princípios norteadores do Direito do Trabalho.
É importante frisar que, esta subsidiariedade do direito do trabalho, não encontra respaldo apenas no campo do direito material, pois o art. 769 da CLT também proclama que o Direito Processual Comum será fonte subsidiária do Direito Processual do Trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com suas normas.
Tem-se, portanto, que o Direito Comum seja ele material ou processual servirá de “norte”, ao Direito Trabalhista, nas omissões deste, por expressa permissão legal.
Contudo vale ressaltar a lição de Amauri Mascaro Nascimento, que enfatiza existir duas condições para que se proceda à aplicação de normas do Direito Processual Comum no Direito Processual do Trabalho: “a primeira, a verificação de omissão da lei processual trabalhista, caso em que se impõe subsidiá-la; a segunda, a indispensabilidade de as regras subsidiárias serem adaptáveis às necessidades do processo trabalhista”.[20]
Então, para aplicação subsidiária de norma do Código de Processo Civil ao processo do trabalhista não basta apenas a omissão legislativa, mas a possibilidade de adaptação e a necessidade daquela norma no procedimento jus laboral.
4. O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO EM JUÍZO
4.1. O Reconhecimento da prescrição face à inovação legislativa
É cediço, que o direito vem sempre buscando dar efetividade ao processo para que, desta forma, consiga atingir a justiça entre os litigantes. Prova disso são as várias alterações que o Código de Processo Civil tem sofrido, no sentido de se privilegiar a diminuição do tempo na entrega do bem pretendido, dentre as quais se pode mencionar: a instituição da antecipação de tutela e da forma de cumprimento das tutelas específica e inibitória, pela Lei n. 8.952/94; o procedimento nas ações que tenham por objeto entrega de coisa, estabelecido pela Lei n. 10.444/02; a possibilidade de julgamento imediato pelos tribunais das chamadas “causas maduras”, a partir da Lei n. 10.352/01; a edição da Lei n. 11.232/06, que imprimiu profunda modificação na sistemática da execução por quantia certa contra devedor solvente, eliminando a figura dos embargos do devedor e da execução como ação autônoma. Na esteira de tais alterações encontra-se a Lei n. 11.280/06 em discussão.
Muito embora a prescrição seja instituto atinente ao direito material, sua repercussão incide, em verdade, sobre o processo. Portanto, apesar da disciplina prevista no Direito Civil, era o Código de Processo Civil que estatuía, no parágrafo 5º do artigo 219, a possibilidade de, não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz conhecê-la e decretá-la de imediato. A nova redação determinada pela Lei n. 11.280/06 estabelece a pronúncia de ofício da prescrição sem qualquer ressalva quanto à natureza do direito invocado, além de revogar expressamente o artigo 194 do Código Civil.
Diante desta mudança legislativa surge o questionamento: A declaração da prescrição de ofício pelo juiz se aplica ao Processo do Trabalho?
Inicialmente, parece-nos que o legislador, com a elaboração da norma em comento, deu ao órgão jurisdicional ferramenta para acelerar o fim do processo na hipótese de a alegação de prescrição passar despercebida pela parte beneficiária. Da mesma forma, evita-se a alegação tardia da prescrição, conforme possibilita o artigo 193 do Código Civil, assim abrevia-se a duração do processo a partir da decretação judicial da extinção do feito com resolução do mérito. Esta é a visão e.g. de Ney Stany Morais Maranhão:
“A proclamação ex officio do cutelo prescricional, autorizada pelo artigo 219, § 5º, do CPC, com a redação conferida pela Lei n. 11.290/2006, constitui medida que se propõe a concretizar o princípio da celeridade processual, estampado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal”.[21]
Contudo, deve se ter em mente que a aplicação subsidiária do processo civil ao processo do trabalho, deve ser efetuada com cautela e observados os limites estipulados pela Consolidação das Leis do Trabalho e pela doutrina, quais sejam: a existência de omissão na legislação trabalhista e a compatibilidade com os princípios processuais trabalhistas.
Sergio Pinto Martins entende que tal norma é perfeitamente aplicável ao processo do trabalho através da técnica da subsidiariedade, prevista nos artigos 8º e 769 da CLT, pois
“há omissão na CLT sobre a possibilidade da argüição da prescrição de ofício pelo juiz. Não há incompatibilidade com as com as normas do Título a que se refere a CLT, pois esta se refere a normas e não a princípios. Logo, é aplicável o § 5º do art. 219 do CPC ao processo do trabalho.”[22]
Não obstante estas ponderações supramencionadas, que a nós soam muito superficiais, tendo em vista que entre os constitucionalistas já é cristalino que regras e princípios constituem-se espécies do gênero normas jurídicas, destacamos a posição de Amauri Mascaro Nascimento, que também é defensor da aplicabilidade da norma em comento ao direito juslaboral ao mencionar que “a lei processual trabalhista não prevê declaração oficial, razão pela qual é omissa, além de ser compatível com o processo trabalhista no qual há prazo de prescrição fixado pela Constituição. Como dever do juiz sua declaração atende á natureza e finalidade.”[23]
Em contrapartida, reconhece-se ao processo do trabalho a autonomia científica em relação à disciplina processual civilista, vez que ele possui instituições, fins e princípios próprios.
Um desses princípios que é próprio do Direito do Trabalho é o Princípio da Proteção, que preconiza a salvaguarda do hipossuficiente na relação trabalhista, qual seja: o empregado.
As normas processuais trabalhistas dão ao trabalhador uma especial proteção, visando precipuamente dar a ele paridade processual, para que possa, com isso, atenuar essa sua situação de inferioridade e vulnerabilidade diante de seu empregador em uma lide. Sobre este principio, Carlos Henrique Bezerra Leite menciona que tal
“princípio protetor deriva da própria razão de ser do Direito do Trabalho, pois esta disciplina foi criada para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, que são, na verdade, os mesmos litigantes do processo laboral.[24]
Como a prescrição – praticamente em todos os casos – irá beneficiar ao empregador, já que é ele que terá obrigações para com seu empregado, a aplicação da argüição da prescrição pelo juiz do trabalho, de ofício, constituí uma afronta ao princípio mencionado, incompatibilizando a regra trazida pela Lei n. 11.280/06, com o arcabouço processual trabalhista vigente.
Mauricio Godinho Delgado vai mais além ao afirmar que
“há argumentos contrários à compatibilidade novo dispositivo com a ordem jusnaturalista (arts. 8ª e 769, CLT). É que, ao determinar a atuação judicial em franco desfavor dos direitos sociais laborativos, a novel regra civilista entraria em choque com vários princípios constitucionais como da valorização do trabalho e do emprego, na norma mais favorável e da submissão da propriedade á sua função socioambiental, além do próprio principio da proteção.”[25]
Vale ainda ressaltar que, em ordenamentos jurídicos estrangeiros o reconhecimento da prescrição de oficio pelo juiz é vedado. O Código Civil italiano, estabelece em seu art. 2.938, expressamente, que “il giudice non può rilevare d’ufficio la prescrizione non opposta”. Também o Código Civil francês trata do tema em seu art. 2.223 e asssim dispõe: “les juges ne peuvent pas suppléer d’office le moyen résultant de la prescription”. O art. 142 do Código de Obrigações da Suíça tem redação análoga, senão vejamos: “le juge ne peut suppléer d’office le moyen résultant de la prescription”. O Código Civil argentino dispõe sobre o tema em seu art. 3.964, detreminando que “el juez no puede suplir de oficio la prescripción”. Por fim o Código Civil português, cujo art. 303º estabelece que “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo ministério público”.
Outro ponto a ser esclarecido está no fato de que a Lei n. 11.280/06, talvez por descuido do legislador, ou mesmo pelo fato de referido diploma legal trata-se de uma aberração jurídica, revogou o art. 194 do Código Civil que estabelecia que “o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz”. Porém manteve incólume o art. 191 do referido Código que prescreve a possibilidade do credor renunciar a prescrição, nos seguintes termos: “a renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição”.
Desta monta, a revogação do art. 194 do Código Civil e a manutenção da vigência do art. 191 do mesmo código, acarretam um verdadeiro descompasso no conjunto das disposições atinentes à prescrição, pois permite que o juízo decrete de ofício a prescrição da pretensão, mas também permite que haja renúncia expressa ou tácita, contrariando a própria ordem existente no sistema jurídico pátrio.
Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara afirma que “o legislador deu ao juiz o poder de conhecer de ofício da prescrição, mas não retirou do devedor a faculdade de a ela renunciar. Isso torna o direito civil brasileiro em matéria de prescrição, absolutamente incoerente e, por isso mesmo, assistemático”.[26]
4.2. O posicionamento dos tribunais a cerca do reconhecimento da prescrição no Direito do Trabalho
Em pesquisa nos tribunais laborais pátrios, pudemos notar que a modificação trazida pela Lei n. 11.280/06, traz ainda grande confusão entre os aplicadores do direito, fazendo surgir pelo menos três correntes jurisprudenciais sobre o tema.
A primeira corrente jurisprudencial aceita plenamente a aplicação da decretação ex oficio da prescrição, sem qualquer restrição.
Nesse sentido encontramos julgados nas turmas recursais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª, 4ª, 9º, 10º e 12ª Regiões:
“PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. LEI 11.280/2006. A Lei 11.280/2006 alterou a redação do parágrafo 5º, do art.219, do CPC, possibilitando ao Juiz que pronuncie de ofício a prescrição, quando verificada a hipótese, mesmo que a matéria não tenha sido abordada na r. sentença. Recurso a que se dá provimento.” (TRT 2ª Região. – RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO 010872003067020000 – 3ª Turma – Rel. Márcia Tomazino – DJ 24/06/2008).
“RECURSO ORDINÁRIO DOS RECLAMANTES. PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. Nos termos do art. 219, § 5º, do CPC, é permitido ao Juiz declarar de ofício a prescrição. Nesse passo, considerando-se que a lide versa sobre o critério de conversão dos salários em URV, encontra-se prescrita a ação ajuizada em 05.10.05, uma vez que a lesão ocorreu em 1994, aplicação da OJ nº 243 da SDI-1 do TST. Processo extinto com resolução de mérito.” (TRT 4ª Região. – RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO 00949-2005-121-04-00-0 – 7ª Turma – Rel. Vanda Krindges Marques – DOE 15/10/2008).
“PRESCRIÇÃO. PRONUNCIAMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. O § 5º do art. 219 do CPC é plenamente aplicável ao processo do trabalho, nos termos do art. 769 da CLT. A norma em comento é imperativa e não confere faculdade ao juiz para reconhecer a prescrição de ofício, mas o obriga a pronunciá-la ex officio, a qualquer tempo e grau de jurisdição. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. NECESSÁRIA PROVA DA IDENTIDADE DE PEDIDOS. ÔNUS. O ajuizamento de ação trabalhista interrompe a prescrição apenas quanto aos pedidos idênticos (Súmula 268 do C. TST). A prova da identidade de pedidos é imprescindível e incumbe à parte interessada. A simples constatação de existência de reclamatória ajuizada anteriormente não tem o condão de interromper a prescrição. Recurso da autora que se nega provimento.” (TRT 9ª Região. – RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO 00720-2007-303-09-00-4 – 1ª Turma – Rel. Janete do Amarante – DJ 09/05/2008).
“PRESCRIÇÃO. PRONUNCIAMENTO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC. A alteração na lei processual civil, efetuada por meio da Lei nº 11.280/06, acrescentou o § 5º ao art. 219, permitindo ao Juiz pronunciar a prescrição de ofício, como já lhe era permitido fazê-lo com relação às pretensões não patrimoniais. A lei processual tem aplicabilidade imediata (art. 1.211 do CPC). Assim, a nova redação do § 5º do art. 219 deve apanhar os processos em curso. Prescrição pronunciada ex-officio.” (TRT 10ª Região. – RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO 00387-2007-020-10-00-9 – 1ª Turma – Rel. JOSE Leone Cordeiro Leite – DJ 07/11/2008).
“DECLARAÇÃO DA PRESCRIÇÃO “EX OFFICIO”. APLICAÇÃO DO INSTITUTO AO PROCESSO DO TRABALHO. Considerando que inexiste qualquer dissonância entre a regra adjetiva civil e os princípios ou normas juslaborais, e que não há ditame consolidado tratando do assunto, não há falar em
inaplicabilidade da prescrição de ofício nos processos em trâmite perante esta Justiça Especializada.” (TRT 12ª Região. – RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO 00273-2008-017-12-00-6 – 2ª Turma – Rel. Teresa Regina Cotosky – DJ 22/09/2008).
Outra corrente de julgados reconhece a possibilidade da aplicação da decretação de oficio da prescrição, contudo, desde que, respeitado o principio do contraditório, ou seja, o magistrado antes de reconhecer a prescrição deve dar vista a parte que se aproveita da prescrição, para alegar fatos impeditivos, interruptivos ou suspensivos da prescrição [27].
Com este posicionamento colacionamos julgados das turmas recursais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 3ª e 17ª Regiões:
“EMENTA: PRESCRIÇÃO. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, PARÁGRAFO 5o., DO CPC. PROCESSO DO TRABALHO. COMPATIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ISONOMIA E DO CONTRADITÓRIO. 1. A declaração de ofício da prescrição prevista no art. 219, parágrafo 5o., do CPC, é compatível com o processo do trabalho, não só pela omissão da CLT, como também em face do seu art. 8o., “caput”, que dispõe que as normas trabalhistas devem ser interpretadas de “maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”. 2. É que a prescrição, inteiramente aplicável ao processo do trabalho em face do art. 7o., XXIX, da CF, tem grande alcance social, pois “Se a possibilidade de exercício dos direitos fosse indefinida no tempo, havia instabilidade social” (Sílvio Venosa). Assim, entre o interesse particular no exercício do direito de ação de forma ilimitada e a declaração de ofício da prescrição constitucional, de interesse coletivo, deve o intérprete prestigiar essa última, em face do citado art. 8o., “caput”, da CLT. 3. Frise-se que a possibilidade da declaração de ofício da prescrição é de inegável conteúdo isonômico, pois, nessa situação, está se igualando os privilégios processuais concedidos aos reclamados, que invariavelmente a invocam e a obtêm em seu favor, exceto àqueles empregadores desfavorecidos de assistência jurídica. 4. Contudo, a aplicação do art. 219, parágrafo 5o., do CPC deve respeitar o princípio do contraditório, previsto no art. 5o., LV, da CF e, consequentemente, antes da declaração de ofício da prescrição deve o juiz conceder vista à parte para que possa esta argüir fatos que impeçam, suspendam ou interrompam os prazos prescricionais.” (TRT 3ª Região. – RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO 00597-2006-028-03-00-5 – 3ª Turma – Rel. César Pereira da Silva Machado Júnior – DJMG 01/11/2007).
“INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL DE OFÍCIO – QUANDO HÁ VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. O Juízo ao declarar ex officio a prescrição qüinqüenal estabelecida no artigo 7º, XXIX, da CF/88 e artigo 11 da CLT, deve abrir vista dos autos ao autor para que, querendo, demonstre a existência de causa impeditiva, interruptiva ou suspensiva da prescrição, e não o fazendo, tem-se verdadeira violação ao princípios do devido processo legal, sobretudo o contraditório.” (TRT 17ª Região. – RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO-V 03239-2005-037-12-00-5 RO 000199.2006.008.17.00.8 – 2ª Turma – Rel. Carlos Henrique Bezerra Leite – DJ 25/09/2008).
Uma última corrente jurisprudencial tem entendido que esta norma não é adequada ao Direito do Trabalho, portanto incompatível com o Processo de Trabalho a norma contida no § 5º do artigo 219 do CPC.
Seguindo esta posição, destacamos algumas decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª, 3ª, 5ª, 9ª e 12ª Regiões:
“PRESCRIÇÃO – DECLARAÇÃO DE OFÍCIO – INCOMPATIBILIDADE – PRINCÍPIO PROTETIVO – A prescrição, como modalidade extintiva ou aquisitiva do direito de ação e medida de defesa destinada a excluir a pretensão inicial (total ou parcialmente). O art. 269, IV do CPC coloca a prescrição como matéria de mérito. E, como tal, por versar sobre direito patrimonial, a teor do art.194 do CC/02, cc arts.128 e 219, § 5º do CPC, deve ser argüída pela parte interessada, em qualquer grau ordinário de jurisdição, completa o art.193 do CC/02. O que implica necessariamente a possibilidade de renúncia, expressa ou tácita, tal como previsto no art. 191 do mesmo Diploma. O exercício dessa prerrogativa, por parte do devedor ou obrigado, é incompatível com a pronúncia de ofício da prescrição, pelo juiz. O instituto da prescrição, nos sistemas Processual Civil e Trabalhista são diversos. Não há compatibilidade na aplicação do art.219, § 5º do CPC, aqui no processo do trabalho, já que se pretende garantir a isonomia das partes, assegurando condições jurídicas ao hipossuficiente. Até porque também afrontaria ao princípio protetivo delegado ao empregado e a seus direitos alimentares exigidos nesta Especializada. Afasto a declaração de prescrição de ofício”. (TRT 2ª Região. – RO 00392200603402007 – 6ª Turma – Rel. Ivani Contini Bramante – DJ 12/02/2008).
“PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES TRABALHISTAS – PRONÚNCIA DE OFÍCIO PELO JUIZ – INCOMPATIBILIDADE. Não se aplica às ações trabalhistas a inovação trazida pela Lei 11.280/06, ao estabelecer nova redação ao parágrafo 5o. do art. 219 do Código de Processo Civil – pronúncia da prescrição, ex officio, pelo juiz -, por ser incompatível com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, valorização do trabalho e do emprego e subordinação da propriedade à sua função sócio-ambiental, a par de agredir frontalmente os princípios justrabalhistas da proteção e da norma mais favorável. Ocorre que a prescrição é instituto que solapa direitos assegurados na ordem jurídica, inclusive oriundos da Constituição (direitos constitucionais fundamentais), ao lhes suprimir a exigibilidade judicial. O seu caráter drástico e, às vezes, até mesmo injusto, não permite que sofra qualquer interpretação ampliativa ou aplicação analógica, a ponto de ser capturada no liberal, individualista e patrimonialista Direito Civil para incidir na ordem justrabalhista especializada, esterilizando-lhe princípios constitucionais e infraconstitucionais basilares. Desse modo, qualquer regra nova acerca da prescrição, que acentue sua lâmina mitigadora de direitos, deve ser interpretada com restrições no tocante ao campo do Direito do Trabalho”. (TRT 3ª Região. – RO 01109-2006-110-03-00-7 – 1ª Turma – Rel. Mauricio Godinho Delgado – DJMG 04/04/2007).
“PRESCRIÇÃO DE OFICIO – afastada porque incompatível com o processo do trabalho.” (TRT 5ª Região. – RO 00184-2008-291-05-00-4 – 3ª Turma – Rel. Yara Trindade – DJ 17/1/2007).
“PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 219, §5º, DO CPC. Inviável, nesta Justiça Especializada, a decretação da prescrição de ofício. Impera no Direito do Trabalho uma mega-princípio ou princípio superior, pelo qual se busca tutelar ou proteger a hipossuficiência do empregado na relação de emprego. E desse princípio decorrem todos os demais princípios que norteiam o Direito do Trabalho. Por isso, a pronúncia da prescrição, de ofício, pelo juiz, soa contraditória no processo trabalhista, pois beneficiaria apenas um dos sujeitos da relação empregatícia e, justamente, o empregador inadimplente.” (TRT 9ª Região. – RO 02023-2008-024-09-00-5 – 3ª Turma – Rel. Celso Luiz Napp – DJPR 07/11/2008).
“PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO. INAPLICABILIDADE AO DIREITO DO TRABALHO. Não é aplicável ao Direito do Trabalho a prescrição de ofício, por ser contra o princípio protetivo.” (TRT 12ª Região. – RO 02125-2008-035-12-00-8 – 3ª Turma – Rel. Lília Leonor Abreu – DJ 24/10/2008).
Registramos ainda que, até mesmo no Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, não há consenso sobre a aplicação ou não da decretação ex oficio da prescrição ao Processo do Trabalho, vejamos:
“PRESCRIÇÃO DECLARAÇÃO DE OFÍCIO POSSIBILIDADE ART. 219, § 5º, DO CPC. 1. A nova regra do art. 219, § 5º, do CPC, de aplicação imediata aos processos pendentes, à luz do art. 1.211 do mesmo diploma legal, prevê a declaração de ofício da prescrição, aplicando-se necessariamente nesta Justiça Especializada. Para tanto, basta verificar o preenchimento das condições previstas no art. 769 da CLT sobre aplicação subsidiária da legislação processual civil na esfera trabalhista, quais sejam, a omissão e a compatibilidade da regra civil com o Processo do Trabalho. 2. In casu, a legislação trabalhista é omissa sobre a iniciativa para declaração dos efeitos da prescrição, pois o diploma consolidado apenas estabelece prazo prescricional (CLT, art. 11). Ademais, a nova regra não é incompatível, tampouco exclui o princípio da tutela do hipossuficiente que fundamenta o Direito do Trabalho, pois a fragilidade do trabalhador em relação ao empregador é apenas econômica, já tutelada pela legislação substantiva, não se justificando privilégio suplementar processual nesse campo, o qual implicaria ofensa ao art. 125, I, do CPC, que exige o tratamento isonômico das partes em juízo. O magistrado trabalhista deve aplicar de forma imparcial uma legislação material que já é protetiva do trabalhador. 3. Importante registrar que a declaração de ofício da prescrição contribui para a efetiva aplicação dos princípios processuais trabalhistas (garantia da informalidade, da celeridade, do devido processo legal, da economia processual, da segurança jurídica, bem como do princípio constitucional da razoável duração do processo e da dignidade da pessoa humana), impedindo a prática de atos desnecessários, como por exemplo, nas demandas em que o direito material discutido já se encontra fulminado pela prescrição. 4. Finalmente, é mister frisar que o próprio dispositivo anterior, que previa a necessidade de argüição, pela parte interessada, da prescrição de direitos patrimoniais tinha sede civil e processual civil (CC, art. 194; CPC, art. 219, § 5º), e era aplicada subsidiariamente na Justiça do Trabalho à míngua de regramento próprio desta. Mudando a legislação que disciplina o modo de aplicação da prescrição (revogação do art. 194 do CC e alteração da redação do § 5º do art. 219 do CPC), a repercussão é inexorável na esfera laboral. Pretender a não-aplicação da regra processual civil ao Processo do Trabalho, nessa hipótese, deixa sem respaldo legal a exigência judicial da argüição, pela parte, da prescrição, como condição de seu acolhimento, o que atenta contra o princípio da legalidade (CF, art. 5º, II). 5. Nem se diga que a norma civil revogada subsiste no Processo do Trabalho como princípio, uma vez que, havendo norma legal expressa em sentido contrário, não há possibilidade de remissão a princípio carente de positivação, mormente em matéria processual, que se norteia por regras claras e expressas. As próprias regras do CPC de 1939 que ainda subsistem como princípios sob a égide do CPC de 1973 (v.g., arts. 809 e 810, prevendo os princípios da variabilidade e fungibilidade recursais) são apenas aquelas que não foram expressamente contrariadas por dispositivos que estabelecessem procedimento diverso. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR 2574/2002-034-02-41 – 7ª T. – Rel. Ives Gandra Martins Filho – DJ 03/10/2008).
“RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE DEFESA. REVELIA. DECLARAÇÃO EX OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. DIFERENÇAS DA MULTA DE 40% DO FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. NÃO-CONHECIMENTO. Não há como se aferir violação literal dos dispositivos de lei e da Constituição Federal quando a r. decisão recorrida foi pautada na impossibilidade de pronúncia de prescrição pelo MM. Juízo de 1º grau quando não requerida pela parte a quem a aproveita em defesa, porque revel, além de ter ficado assente naquele julgado a inexistência de pedido de reconhecimento de prescrição constante das contra-razões apresentadas pela reclamada ao recurso ordinário. A aplicação de ofício da prescrição não condiz com os princípios do Direito do Trabalho, diante da regra protetora dos créditos trabalhistas. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 1864/2003-001-02-00 – 6ª T. – Rel. Aloysio Corrêa da Veiga – DJ 10/10/2008).
“RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO DECLARAÇÃO DE OFÍCIO IMPOSSIBILIDADE. No processo do trabalho, é inaplicável a prescrição de ofício. Recurso de revista a que se dá provimento”. (TST – RR 1730/2001-048-15-00 – 5ª T. – Rel. Kátia Magalhães Arruda – DJ 06/10/2008).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A regra trazida pela Lei n. 11.280/06, alterou sensivelmente o instituto da prescrição, pois ao dar nova redação ao § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil, preconizou o seu pronunciamento de ofício do juiz, não importando qual a natureza do direito afetado pelo prazo prescricional.
Essa alteração é eminentemente civilista, contudo o Direito do Trabalho utiliza-se subsidiariamente das normas no direito comum, quando há alguma omissão e desde que haja compatibilidade com seus institutos e princípios norteadores.
Assim, entendemos que em razão da completa incompatibilidade com o principio protetivo do trabalhador e demais princípios como a valorização do trabalho e da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, não é viável nem possível a aplicação da argüição ex ofício da prescrição no âmbito trabalhista, sob pena da subversão total deste ramo do direito.
Na verdade esta norma não deveria ser aplicada sequer ao Processo Civil, pois é aparente seu desacordo com todo o sistema jurídico material e processual brasileiro. Parafraseando Alexandre Freaitas Câmara, “esta é uma modificação amalucada ou, como disse no título (…) descabeçada. Penso e o digo sem qualquer pudor, que o legislador brasileiro demonstra, agora, que perdeu totalmente o juízo”.[28]
Com efeito, cabe à doutrina e à jurisprudência interpretar à regra, dando a ela efeitos de um contorno condizente com os demais valores que inspiram o ordenamento jurídico jus laboralista, sob risco de que venha produzir efeitos mais nocivos dos que aqueles que sua criação objetivou atacar.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, Mestre em Direito Coletivo, Cidadania e Função Social pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP, Professor efetivo Assistente I da Universidade Federal de Viçosa Campus de Rio Paranaíba.
Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…
O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…
O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…