O Regime diferenciado de custas na Lei nº 11977/09 – Programa Minha Casa – Minha Vida – Uma alternativa de tutela de interesses coletivos

Resumo: O presente estudo objetiva a análise da constitucionalidade dos artigos 42 e 43 da Lei 11977/09, que instituiu o “Programa Minha Casa Minha Vida”, relativamente ao regime diferenciado de emolumentos notariais e registrais.


Palavras-chaves: Emolumentos registrais e notariais. Programa Minha Casa – Minha Vida.


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Abstract: The present objective study the analysis of constitutionality of articles 42 and 43 Law 11977/09, that instituted the “Program My House – My Life”, relatively to the differentiated regimen of notarial fees and your register.


Sumário: 1. O Programa Minha Casa – Minha Vida. 2. O problema do valor das taxas notariais e registrais no país. 3. O tratamento diferenciado introduzido pela lei 11977/09 e a sua constitucionalidade. 4. Conclusão.


1.O Programa


A Lei nº 11.977, de 09 de julho de 2.009, traçou um ousado arcabouço jurídico para o enfrentamento do gravíssimo problema da habitação popular em nosso país. Além criar mecanismos para a regularização fundiária de áreas urbanas, instituir subsídios estatais, facilidades em financiamentos imobiliários e tocou em ponto nevrálgico, quase sempre esquecido em iniciativas semelhantes – as excessivas taxas cartorárias.


Com certeza, o programa estatal mencionado está revestido de extraordinária relevância.  A consecução de seus objetivos permitirá que o Estado Brasileiro resgate uma gigantesca dívida social com milhões de brasileiros, que residem em habitações que não lhes garante a mínima dignidade humana.


A maioria dos mecanismos introduzidos no festejado programa já foram tentadas – de forma tímida – em outras oportunidades. Todavia, pela primeira vez houve a manifestação da clara intenção de remoção de grave óbice, que muitas vezes inviabiliza o sonho da casa própria – a exorbitância de custas e emolumentos cartorários.


2.O problema do valor das taxas notariais e registrais no país


O problema relativo às taxas notarias e registrais é muito grave no país e produz perversos efeitos em uma vasta gama de situações. Por vezes, um hipossuficiente consegue a almejada prestação jurisdicional – como em um arrolamento de bens – se valendo do benefício da “justiça gratuita”. Posteriormente, ao tentar materializar a decisão judicial, geralmente estampada em uma carta de sentença, vê frustrada a pretensão, em razão dos extravagantes valores que lhe são exigidos. Absurdo!


Conforme é sabido, os serviços notariais e de registro são de natureza pública e, na maioria das vezes, delegados aos particulares, que se investem na prerrogativa de cobrança de taxas pelos serviços prestados ao público, na forma do disposto no artigo 236 da Constituição da República[1].


O Supremo Tribunal Federal já reiterou o entendimento no sentido de que “A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada ‘em caráter privado, por delegação do poder público’ (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa.”[2]


Diante do status constitucional atribuído a tais serviços, não é admissível permitir que a remuneração dos serviços delegados se constitua em objeção para a consecução de objetivos de nosso Estado Democrático de Direito.


Sem embargo disso, com o passar dos tempos, a remuneração dos serviços notariais e de registro, foram transformados em instrumentos de construção de fortunas. Em outras palavras, as receitas de natureza pública passaram a se constituir em instrumento da riqueza privada de poucos, em detrimento do agravamento da situação de miséria de muitos.


Por certo, ninguém seria contrário à justa remuneração dos serviços notariais e de registro, máxime para a maioria dos serventuários que obtiveram as delegações através de concorridos concursos públicos de provas e títulos.


Nesse sentido, deve ser lembrado que a Lei Federal nº 10.169/2001 que instituiu normas gerais para a fixação dos emolumentos notariais e de registro, determina que os valores dos mesmos devam ser fixados em cada unidade federada, de forma a corresponder ao efetivo custo e a adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados (art. 1º, parágrafo único). Assim, em muitos Estados, o legislador extrapolou os limites impostos pela União, gerando situações de indesejável injustiça, como relatado.


3.O tratamento diferenciado introduzido pela lei 11977/09 e a sua constitucionalidade


Agindo com elogiável espírito público, o legislador federal estatuiu um regime de custas diferenciado para os empreendimentos e imóveis incluídos no “Plano Minha Casa – Minha Vida”. Em seu artigo 42, o diploma de lei instituiu um desconto de 75% a 90% das custas para abertura de matrículas e registros de empreendimentos (loteamento, condomínios, etc).


Já o artigo 43 da Lei nº 11977/09 concedeu isenção de custas para lavratura e registro de escrituras públicas de alienação e constituição de gravames, para interessados com renda de até 03 salários mínimos, além de descontos que variam de 80% a 90% para os demais com renda de até 10 salários mínimos, sob pena de multa fixada em R$.100.000,00, para o descumprimento (art. 44).


Não tardou para que muitos titulares de serventias dirigissem consultas aos seus Juízes Corregedores, com fundamento no artigo 29 da Lei nº 11.331/2002, questionando os dispositivos da Lei Federal, sob o argumento de que existe ofensa a autonomia legislativa dos Estados, que possuem a competência para disciplinar a cobrança de custas.


No âmbito da E. Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo existe entendimento pacificado no sentido de que “que a remuneração dos serviços notariais e de registro tem natureza tributária, configurando taxa remuneratória de serviço público, de competência estadual. Bem por isso, somente o ente político competente para a imposição do tributo – no caso, o Estado de São Paulo – tem competência para estabelecer isenções.”[3]


Por certo, tal entendimento, além de equivocado, não pode ser aplicado para o fim de afastar a incidência da Lei Federal nº 11977/09, até porque ofende a cláusula de reserva de plenário, instituída pela Súmula Vinculante nº 10, do C. Supremo Tribunal Federal.


Mas não é só. De conformidade com aquilo que dispõe o § 2º, do artigo 236 da Constituição Federal, é da competência da União o estabelecimento de normas gerais relativas à fixação dos emolumentos cartorários[4].


Está claro, que as disposições dos artigos 42 e 43 da Lei Federal nº 11977/2009, cuidaram de estabelecer normas gerais para a cobrança de emolumentos pelas serventias extrajudiciais, em todo país. O caráter de generalidade da norma não viola a cláusula federativa da Constituição da República ou invade o campo da competência tributária exclusiva do Estado.


O programa criado pela citada lei federal, é de caráter nacional e visa resgatar a dignidade de milhões de pessoas, de forma que é natural e constitucional, que também cuidasse da diminuição das taxas cartorárias, muitas vezes extorsivas.


Por certo, a manutenção dos absurdos emolumentos hoje vigentes em muitos estados, como em São Paulo, poderia comprometer o sucesso de um programa de elevado caráter social, como o anunciado pelo Governo Federal.


Da mesma forma, não seria razoável permitir, que em estados diferentes, a mesma situação (política habitacional) pudesse ter tratamento diferenciado, de forma a se justificar a instituição de uma política nacional, como determinado pelo invocado dispositivo legal.


Quando a Constituição Federal possibilitou a criação de normas gerais pela lei federal, para disciplinar fixação de emolumentos pelo Estado, não impôs qualquer amarra ou limite para tal disciplina. Por certo, o espírito do dispositivo constitucional foi a criação de um sistema nacional uniforme, instituído pela União, deixando para cada estado, a disciplina específica da cobrança de tais encargos, desde que não se afastem das normas gerais criadas pelo Legislador Federal.


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Segundo tal exegese, a União somente não pode criar regras particulares para estados diferentes. Todavia, inexiste qualquer restrição para a imposição de limites ao poder das Assembléias Legislativas, como determinar quais as hipóteses de incidência e isenção dos emolumentos, além da previsão de cobrança de valores diferenciados para atender interesses sociais.


Por outro lado, o artigo 21, inciso XX, da Constituição atribuiu competência exclusiva da União para legislar em matéria de diretrizes visando o desenvolvimento urbano e habitação. Assim, quando cria um relevante plano nacional de habitação, pode e deve a União estabelecer normas genéricas que impeçam os Estados de criar óbices, mediante a cobrança de emolumentos cartorários excessivos.


Não bastasse o referido dispositivo constitucional aqui já invocado, não se pode perder de vistas, que o artigo 24 da Constituição da República, da mesma forma, instituiu competência concorrente para que a União, Estados legislarem em matéria de custas judiciais.


Da mesma forma, a nova lei federal também encontra guarida no preceito fundamental previsto no artigo 5º, inciso LXXVII da mesma Constituição, que garante a gratuidade “na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”. Aqui, merece ser observado que o dispositivo também não menciona qualquer restrição à lei, para o fim da consecução da garantia idealizada.


Não se pode perder de vista, da mesma forma, que a Lei Federal nº 1060/50, que disciplina a assistência judiciária aos necessitados e cuja constitucionalidade jamais foi questionada, também já possibilitava a extensão da isenção às custas extrajudiciais, na forma da jurisprudência que vem se consolidando. Nesse sentido:


“1. A gratuidade da justiça estende-se aos atos extrajudiciais relacionados à efetividade do processo judicial em curso, mesmo em se tratando de registro imobiliário.


2. A isenção contida no art. 3º, II, da Lei n. 1.060/50 estende-se aos valores devidos pela extração de certidões de registro de imóveis, necessárias ao exercício do direito de ação.”[5]


Outras leis, com o mesmo escopo, também já instituíram benefício de gratuidade para atos notariais ou registrais, como o artigo 6º da lei 6.969 de 10 de Dezembro de 1981, que concede o benefício ao autor da ação de usucapião especial; o Estatuto da Cidade (lei 10.257 de 12 de Julho de 2001) que no artigo 12, § 2º, concede isenção para os beneficiários de usucapião especial urbano e a Lei nº 9785, de 29 de janeiro de 1.999, também concede isenção para o registro da imissão provisória de posse, cessão e promessa de cessão, de imóveis localizados em loteamentos populares, destinados às classes mais pobres e sobre elas também não pesa qualquer mácula de inconstitucionalidade.


Registre-se, ainda, que a própria Lei Federal que regulamenta a fixação e cobrança de emolumentos da atividade notarial e registral (10.169/2001), prevê expressamente, em seu artigo 8º, que os Estados e o Distrito Federal, no âmbito de sua competência, estabelecerão forma de compensação aos registradores civis das pessoas naturais pelos atos gratuitos, por eles praticados, conforme estabelecido em lei federa, em reforço da tese relativa à possibilidade de concessão de  isenções totais ou parciais pela União.


Finalmente, merece lembrança que o Plenário do E. Supremo Tribunal Federal, julgando matéria idêntica, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, deixou assentado:


“A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público. II – Não ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os “reconhecidamente pobres” do pagamento dos emolumentos devidos pela expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira certidão respectiva. III – Precedentes. IV – Ação julgada procedente.”[6]


Referido entendimento do foi reiterado pelo Pretório Excelso quando do julgamento da ADI nº 1800-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe-112 publicado em 27-09-2007.


4.Conclusão


Portanto, é forçoso concluir que a União pode e deve elaborar normas gerais para disciplinar a cobrança de emolumentos de atividades notariais ou registrais e que inexiste qualquer eiva de inconstitucionalidade nos artigos 42 e 43 da Lei nº 11977/09, que concedeu isenção ou redução no valor de emolumentos para os contribuintes nela mencionados.


 


Referências bibliográficas:

CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada – Lei 8.935/94. São

Paulo: Editora Saraiva. 4º edição. 2002.

DRESCHER, Adelar José. Emolumentos Notariais e Registrais. http://www.fd.uc.pt/cenor/textos/dradelar.pdf. Consulta em 28.11.09.

IRIB, Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, São Paulo, Boletim número 123, de agosto de1987;

LOUREIRO, Waldemar. Registro da Propriedade Imóvel, Rio de Janeiro, Editora Forense, 6ª

edição, 1968.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista de Direito Imobiliário, número 47, São Paulo, Julho- Dezembro de 1999.

 

Notas:
[1] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público

[2] STF, ADI 1378-MC / ES – , Relator  Min. Celso de Melo, Julgamento: 30/11/1995. 

[3] CGJSP, Parecer nº 196/09 exarado no processo nº CG 2009/32257, aprovado pelo Desembargador Corregedor Geral Ruy Pereira Camilo, em 18.06.2009.

[4] § 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro

[5] STJ, RMS nº 26493-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 23.09.2008.

[6] STF, ADC nº 05-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, DJe 117 de 05.10.2007, RT 97/868. 


Informações Sobre o Autor

Sebastião Sérgio da Silveira

Promotor de Justiça no Estado de São Paul, Doutor em Direito pela PUC-SP, Pós-Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Professor e Coordenador dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da UNAERP.


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