Resumo: O presente artigo tem como objectivo a identificação e o estudo dos aspectos considerados mais relevantes das Comissões Parlamentares de Inquérito no contexto do ordenamento jurídico Moçambicano, permitindo compreender quais são as normas jurídicas vigentes aplicáveis. Inseridas no Parlamento, entende-se aqui que as Comissões Parlamentares de Inquérito constituem um instrumento fundamental para o exercício da função fiscalizadora das acções do Governo e da Administração Pública em geral, função atribuída com exclusividade ao Poder Legislativo. Procura-se identificar os requisitos para instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito e, igualmente procura-se conhecer quais são os instrumentos colocados à sua disposição para o cumprimento de sua missão assim como os limites que são impostos à sua actuação, tendo em conta que não há poderes ilimitados no Estado Democrático de Direito.
Palavras-Chave: Poder Legislativo – Comissões Parlamentares de Inquérito – Representação Proporcional – Poderes Investigatórios.
Résumé: Le article suivent a come objectif l’identification et l’étude des aspects considérés plus importants des Commissions Parlementaires d’Enquête dans le contexte de l’ordre juridique mozambicain, en permettant comprendre quels sont les normes juridiques applicables en vigueur.Introduit dans le parlement, on comprendre que les Commissions Parlementaires d’Enquête constituent un instrument fondamental pour l’exercice de la fonction du contrôle des actes do Gouvernement et de l’Administration Public en général, fonction attribut en particulier au Pouvoir Législatif. On cherche identifier les conditions pour l’instauration des Commissions Parlementaires d’Enquête et, on cherche aussi savoir quels sont les instruments mis à leur disposition pour l’exécution de la mission, ainsi que les limites imposés à leur actuation, tenant en conte qu’il n’y a pas des pouvoirs illimités dans l’État Démocratique du Droit.
Mots-Clés : Pouvoir Législatif – Commissions Parlementaires d’Enquête – Pouvoirs d’Enquête – Limites – Représentation Proportionnelle.
Sumário : Atribuições do Poder Legislativo-. 1.2.A função Fiscalizadora da Assembleia da República. 1.3.Conceito das Comissões Parlamentares de Inquérito. 1.4.Origens Históricas das Comissões Parlamentares de Inquérito no Mundo. 1.5.A Evolução Constitucional e Infraconstitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito em Moçambique. CAPITULO II. 2.1.Requisitos para Instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito. 2.2.Duração. 2.3.Objecto. 2.3.1.O facto determinado e a competência do parlamento. 2.3.2.O facto determinado e os negócios privados. 2.3.3.Matéria pendente em tribunal. 2.4.Criação e Iniciativa. 2.5.Composição das Comissões Parlamentares de Inquérito. 2.6.Presença de membros estranhos na Composição. 2.7.Substituições. CAPITULO III – 3.1.Os Poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito. 3.2.Limites dos Poderes de Investigação Próprios de Autoridades Judiciais. 3.2.1.Da possibilidade de ordenar Prisão. 3.2.2.Da possibilidade de busca e apreensão. 3.2.3.Da possibilidade de quebra de sigilo de dados. CAPITULO IV – 4.Funcionamento. 4.1.Publicidade e Dever de Sigilo. 4.2.Extinção da CPI. 4.3.Relatório Final.Conclusão. Bibliografia. aDoutrina. bLegislação.
1. Introdução
O Estado realiza seus fins através de três funções em que se divide a sua actividade: legislativa, administrativa e jurisdicional. É certo porém, que nenhum dos Poderes estatais exerce de modo exclusivo a função que nominalmente lhe corresponde, mas sim têm nela sua competência principal ou predominante. Desse modo, além de suas atribuições típicas, desempenham eles, igualmente, funções secundárias ou não-típicas.
O Poder Legislativo pátrio desde suas origens a sua actuação é caracterizado pelas funções de tríplice natureza: a legislativa, a representativa e a fiscalizadora.
Um dos importantes instrumentos de fiscalização de que o Poder Legislativo goza, a para das perguntas e interpelações ao Governos, são as Comissões Parlamentares de Inquérito.
É por isso que elas são consideradas como sendo uma projecção orgânica do Poder Legislativo, com o propósito de exercer a sua função fiscalizadora de facto determinado relacionado a actos de improbidade. Esse facto, há-de ser sempre de interesse público. Assim, a competência das Comissões parlamentares de inquérito há-de estar balizada pela competência da Assembleia da República, não podendo, portanto, imiscuir-se em assuntos da vida privada nem em negócios jurídicos de natureza privada.
Inquestionável que um dos grandes males da administração pública é a corrupção e o desvio de dinheiro público, impondo-se maior controlo por parte da sociedade e do Poder Legislativo, demostrando-se a importância de um mecanismo como os inquéritos parlamentar.
Para cumprir com esta missão, ordenada pelo povo através do sufrágio universal, o parlamentar, membro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), sai da sua roupagem política e encara os procedimentos técnicos de uma investigação. Deve portar-se com imparcialidade que a missão exige.
A fiscalização da gestão pública é uma das actividades de maior relevância dos parlamentos, havendo mecanismos para que se controlem os gastos públicos, para que se evitem desperdícios e, especialmente ilegalidades no tratamento da coisa pública.
Porém, cabe esclarecer que uma CPI não é um tribunal, não julga e nem condena. Ela prossegue à averiguação dos factos com relevância nacional e informa ao parlamento. No entanto, havendo matéria que indicie a prática de actos criminais, o Presidente da Assembleia da República remete as provas e os documentos obtidos pela CPI à Procuradoria-Geral da República, para que, sendo esta titular da acção penal, promova, em sede própria, a responsabilização dos infractores.
Com o presente trabalho de diploma, pretende-se através do recurso à doutrina quer parlamentar, constitucional, sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI´s) e à Jurisprudência proceder-se a uma análise do Regime Jurídico das Comissões Parlamentares de Inquérito no Direito Moçambicano. Tal análise, não visa esgotar os temas relacionados com as Comissões Parlamentares de Inquérito, porquanto tal seria impossível num estudo desta índole. Pretende-se estabelecer o conceito das CPI´s, demostrar quais são os requisitos para a sua instauração identificar os seus poderes e limites, e identificar o modo de funcionamento.
Com efeito, os capítulos estão organizados da seguinte forma: o primeiro faz o enquadramento das Comissões Parlamentares de Inquérito no âmbito dos poderes do Estado, aborda o Conceito das CPI´s, e a sua Evolução Histórica Mundial e em Moçambique. O Segundo apresenta os requisitos para instauração de uma CPI (Iniciativa, Duração e Objecto), a composição de uma CPI e o regime das substituições. O terceiro traz de forma sintetizada os Poderes das CPI´s e os seus respectivos limites. O quarto e o último, apresenta o modo de funcionamento das CPI´s, a forma de extinção e o relatório final.
1.1. As Atribuições do Poder Legislativo
Os Estados contemporâneos são, dentre outros aspectos caracterizados pela separação e interdependência de Poderes, designadamente, o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judicial.
Cada um desses Poderes dispõe de um vasto leque de competências constitucionalmente instituídos que lhes proporciona o cumprimento de sua missão e que funciona como elemento de constrangimento para que um Poder não se julgue no direito de exercer competências que pertencem aos demais.
Todavia, é de se notar que, essa separação clássica de Poderes encontra-se quase que superada actualmente. Cada um dos três órgãos ‘ainda que minoritariamente’ reúne competências excepcionais que são próprias dos demais. Assim, o Poder Legislativo também administra; o Poder Executivo também legisla; e o Poder Judicial também legisla e administra. É o que ensina (BASTOS, 2002, p. 563):
“O esquema inicial rígido, pelo qual uma dada função corresponderia a um único respectivo órgão, foi substituído por outro onde cada poder, de certa forma, exercita as três funções jurídicas do Estado: uma em carácter prevalente e outras duas a título excepcional ou em carácter meramente subsidiário daquela. Assim, constata-se os órgãos estatais não exercem simplesmente as funções próprias, mas desempenham também funções denominadas atípicas, quer dizer, próprias de outros órgãos. É que todo poder (entendido como órgão) tende a uma relativa independência no âmbito estatal e é compreensível que pretenda exercer na própria esfera as três mencionadas funções em sentido material.”
As competências e funções de um determinado órgão dependem fundamentalmente da forma de governo constitucionalmente adoptado.
Segundo (CANOTILHO J. J., 2002, p. 634), o Poder Legislativo, ou seja, a Assembleia da Republica exerce as seguintes funções: função de electiva e função de criação de determinados órgãos; função de controlo e de fiscalização; função legislativa; função autorizante e função de representação.
Não é possível desenvolver aqui, uma análise aprofundada dos vários modos de sistematização das funções do Poder Legislativo ou da Assembleia da República. Assim, iremos neste trabalho abordar aspectos que tenham uma ligação nítida com o objecto do nosso estudo, que é o regime jurídico das comissões parlamentares de inquérito, que é a função controladora ou fiscalizadora.
1.2. A função Fiscalizadora da Assembleia da República
Como se viu acima, as funções da Assembleia da República não se esgotam em fazer leis, a qual constitui competência típica, porém não a mais importante. A ela cabe também a função controladora ou fiscalizadora. Se a Constituição prevê regras do processo legislativo, para que a Assembleia da República elabore normas jurídicas, de outro lado, determina que a ele compete a fiscalização do Poder Executivo.
Importa referir que a fiscalização ou controlo a ser promovida pelo Poder Legislativo não se limita ao exercício da fiscalização do Poder Executivo exclusivamente. Ao Poder Legislativo, no exercício da sua função fiscalizadora, é conferida a prerrogativa de acompanhar as actividades do Estado administrador como um todo, não se limitando apenas ao administrador maior que é o Executivo que dispõe de competências típica de gestão da máquina pública. Ocorre porem, que como nos referimos anteriormente, o Poder Judicial quanto o Poder Legislativo, também exercem funções de administração e que, por essa mesma razão estão sujeitos ao exercício do poder fiscalizatório do Poder Legislativo. O fundamento disso encontra-se no princípio de que o poder encontra o seu fundamento no povo que exerce directamente ou mediante seus representantes, em particular os que compõem a Assembleia da República.
Muitos são os actos através dos quais a Assembleia da República exerce a função fiscalizadora, nomeadamente, através de perguntas e interpelações; inquéritos; petições e monções de censura. Dentre esse leque de actos encontram-se as Comissões Parlamentares de Inquéritos, dos mais eficientes. Sua utilidade é decorrência dos poderes conferidos pelo Regimento da Assembleia da República[1]. E que serão considerados adiante. De facto, a elas é possibilitado valer-se dos poderes de investigação próprios de autoridades judiciais, alem daquelas prerrogativas já titularizadas pelo Poder Legislativo, conferindo-lhes considerável desenvoltura para apurar actividades consideradas irregulares ou suspeitas, danosas ao interesse público, conforme ensina (MATEUS, 2006, p. 43).
1.3. Conceito das Comissões[2] Parlamentares de Inquérito
Comissão Parlamentar é um grupo constituído por parlamentares em número fixado pelo regimento interno do Senado ou da Câmara dos Deputados, observando-se a representação proporcional dos partidos, para estudar e dar parecer sobre assuntos a serem submetidos a apreciação do Plenário, segundo o ensinamento dado por (DINIZ, 1998)”.
Desta noção radicam essencialmente três elementos a ter em consideração, desde logo, a) posição do sujeito que há-de compor a CPI – deve ser necessariamente um parlamentar, excluindo-se deste modo, a inclusão de membros estranhos ao parlamento para a composição da CPI; b) regra de representatividade – a representatividade deve respeitar a regra da proporcionalidade, ou seja, cada bancada parlamentar deve indicar o número de membros a compor a CPI, de acordo com o número de deputados que elegeu para o Parlamento; e c) o último aspecto é relativo ao número dos deputados – este há-de ser sempre fixado pelo regimento, não resultando, desse modo, da vontade de interesses político-partidárias. A Comissão Parlamentar de Inquérito ser temporária – quando criada para durar por um certo período de tempo, ou quando a sua duração esteja dependente da relaição para que foi criada e, pode ser permanente – criada sem nenhum prazo de duração, oara funcionar pelo igual período da legislatura.
(CANOTILHO & MOREIRA, 1985), nas suas anotações à Constituição da República Portuguesa referem que as comissões são juntamente com o plenário, órgãos da estrutura parlamentar da Assembleia da República. Embora órgãos subsidiários ou ancilários, tem um importante papel parlamentar. (…) em certo sentido, isso não faz da Assembleia da República um conjunto de comissões parlamentares do que propriamente uma assembleia de deputados. Através das comissões – cuja institucionalização constitucional testemunha o crescimento da especialização do trabalho parlamentar – dá-se uma manifesta complexização ou pluralização da organização parlamentar (…). A Assembleia da República não é só o Plenário. O Plenário é um dos órgãos da Assembleia da República, composto, para o nosso caso, por 250 deputados eleitos por voto universal. Com efeito, existem outros órgãos através dos quais a Assembleia da República desempenha as suas funções – são dentre eles, as Comissões de Trabalho – que podem ser permanentes ou temporários, bancadas, grupos e ligas parlamentares. Portanto, as Comissões Parlamentares de Inquérito são, juntamente com o Plenário, órgãos da estrutura parlamentar da Assembleia.
Segundo (PAIM, 2008, p. 21)[3], as comissões parlamentares de inquérito são comissões do Poder Legislativo constituídas com vista a apurar factos de interesse público, visando fornecer, se for o caso, subsídios para os parlamentares promoverem a reparação de irregularidades, ou então encaminhar às autoridades competentes elementos voltados à responsabilização penal, administrativa, ou civil.
Ao comentar os inquéritos parlamentares, (MIRANDA, 2000, pp. 62-63), refere que:
“Os inquéritos inserem-se na actividade informativa ou cognoscitiva do Parlamento, e na sua função geral de vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e de apreciar os actos do Governo e da Administração” [art. 162.º, alínea a) da Constituição, art. 255.º do Regimento e art. 1.º, n. 1 da Lei 5/93].
(BULLOS, 2001, p. 340) ensina que as CPI´s são uma projecção orgânica do Poder Legislativo, com o propósito de exercer a função fiscalizadora de facto determinado, relacionado a actos de improbidade. Esse fato, por usa vez, não se resume a situações de interesse de outro membro da CPI, mas de interesse público.
A definição do instituto em apreço como instrumento caracterizado de controlo parlamentar não é porém consensual na doutrina, para alguns autores, o inquérito releva antes de uma actividade meramente cognoscitiva do Parlamento[4], ou quando muito, a sua actividade inspectiva, por envolver o exercício de poderes coercitivos . ao contrário dos restantes meios de informação ao dispor daquele órgão, que não incluem a obrigação jurídica de colaboração por parte de terceiros.
“O inquérito parlamentar seria assim um instrumento polivalente ou plurifuncional, suscetível de utilização na fase preparatória de um procedimento legislativo, de direcção política ou de fiscalização, podendo servir não só para a preparação de actos jurídicos com eficácia obrigatória mas também de quaisquer actos políticos do parlamento”, entende (PIÇARRA, 2004, p. 19).
Partindo da definição do inquérito parlamentar como instrumento plurifuncional de aquisição de informação, (PIÇARRA, 2004, p. 20) ensina que tradicionalmente distinguiam-se entre (1) inquérito legislativo, destinado a recolher informações com vista à preparação de legislação; (2) o inquérito político, visando a investigação de alegados abusos, irregularidades ou disfunções na esfera de actuação do Governo e da Administração Publica, em ligação com o apuramento de responsabilidades políticas; (3) o inquérito ao comportamento alegadamente ilegal ou irregular dos próprios deputados (também denominado inquérito colegial ou pessoal), tendo em vista a preservação do prestígio e reputação do Parlamento; (4) o inquérito eleitoral, versando sobre o processo de eleição e qualificação dos membros do Parlamento, com vista a determinar a sua validade ou invalidade, e (5) o inquérito judiciário, preparatório da acusação e do julgamento dos crimes de responsabilidade pelas próprias câmaras.
Desta “tradicional classificação”, ressalta que a cada uma das funções parlamentares corresponde um inquérito, com uma particular fisionomia. Todavia, nem sempre é nítida a distinção entre os diversos tipos de inquérito com base na função parlamentar a que se insere, e muito especialmente entre inquérito legislativo e político.
Das duas definições de inquérito parlamentar acima avançadas – inquérito parlamentar como um instrumento da função de controlo político e inquérito parlamentar ao serviço de qualquer das funções do parlamento- resultam certos elementos essências em comum. O primeiro é a relevância que ambas atribuem à componente cognoscitiva, na realidade, a aquisição de informação condição imprescindível para o exercício tanto do controlo, como de qualquer outra função parlamentar. O segundo elemento comum a ambas as definições é a dependência em que colocam o inquérito relativamente às funções do Parlamento. Isto significa que nenhuma das definições supras encara o instituto como consubstanciando ele próprio à extensão dessa dependência funcional: se relativamente a uma só função parlamentar- a de controlo político – ou se relativamente a todas elas.
O inquérito Parlamentar à nível moçambicano, tendencialmente coincide com o inquérito político, isto é, aquele cujo objectivo é a detecção e a exposição de erros, irregularidades, má administração e abusos no âmbito do Estado e dos seu órgãos – e não apenas o Governo e da Administração Pública – ou mesmo em esferas não estaduais, desde que de algum modo relacionadas com o Estado, como advoga (PEREIRA, 2005, p. 40) ao afirmar que: “Inquest committees are created by the plenary to investigate the legality and functioning of public intitutions within the framework of national interest” [5].
1.4. Origens Históricas das Comissões Parlamentares de Inquérito no Mundo
Segundo ensina (CARAJELESCOV, 2004, p. 5), a doutrina identifica a origem remota das comissões parlamentares no século XIV, na Inglaterra, durante os reinados de Eduardo II e Eduardo III, especialmente durante o reinado deste último (1327-77)[6], Entretanto, sua actuação prática pioneira data do século XVII, mais precisamente do ano 1689[7], com o fim de investigar a conduta do Coronel Loundy na guerra contra a Irlanda.
Vale a pena referir que a doutrina converge em situar na Inglaterra o berço das Comissões Parlamentares de Inquérito, apesar de existir controvérsia quanto ao momento em que teriam surgido. (CARAJELESCOV, 2004) assim como outros autores afirmam que a primeira comissão foi a que o Parlamento Britânico instituiu, em 1689, para investigar circunstâncias da guerra contra a Irlanda, como acima nos referenciamos. Outros há, porém, que entendem que a comissão pioneira foi instituída ainda antes, em 1571, embora os trabalhos inquisitivos do legislador tenham ganhado maior vulto depois de 1688, quando o Parlamento assumiu a posição de supremacia na Inglaterra (CARON, 2014, p. 15).
Na França, de acordo com os ensinamentos de (BULLOS, 2001), as comissões parlamentares de inquérito surgiram em 1830, mas de forma precária e desregrada, pois, não havia nenhum diploma legal que as regulamentasse. Em razão da ausência da disciplina, os poderes de investigação começaram a ser exercidos sem qualquer parâmetro, produzindo uma nítida visão de completo desequilíbrio, servindo, por vezes, como fonte para medidas arbitrárias, ou, inversamente, deparando-se com a carência de apoio legislativo para a conclusão dos seus trabalhos. Um cenário que, na época, segundo aquele autor, revelou uma absoluta ineficácia do principal instrumento de fiscalização do poder legislativo.
De acordo com os ensinamentos de (BULLOS, 2001), com a criação da Lei 23 de Março de 1914, a presença do instituto das comissões parlamentares de inquérito intensificou-se, passando a ser instrumentalizada de forma ordenada, sendo que, através delas, quase todos os actos de investigação podiam ser realizados, desde que tivessem relação com o modo de funcionamento dos serviços públicos.
“As primeiras comissões de inquérito francesas não podem ser entendidas à luz de como hoje as concebemos. Embora pautadas, muitas vezes, nos parâmetros da legalidade, serviam muito mais de mecanismo útil ao trabalho legislativo, de modo genérico, do que para apurar fato determinado. Nesse ponto, distinguem-se do modelo inglês, que, como vimos, era bastante exigente quanto à certeza dos acontecimentos susceptíveis de ensejar” CPI’s (BULLOS, 2001, p. 157).
Nos Estados Unidos da América, de acordo com (CARAJELESCOV, 2007), o poder de inquérito parlamentar sempre foi muito valorizado. Não obstante, o referido mecanismo de investigação não restou consubstanciado na Constituição americana, aprovada em 17 de Setembro de 1787. Essa peculiaridade é, indubitavelmente, curiosa, principalmente tratando-se do país, por excelência, das comissões parlamentares de inquérito.
Após a ratificação do Texto Constitucional americano em 1792, a Câmara dos Deputados instituiu uma comissão para investigar os motivos da derrota do General Arthur St. Clair num combate contra os Índios. Desde então, a expansão das denominadas investigatiing committees não parou, abarcando o rol significativo de casos de relevância nacional.
Entretanto, e segundo (BULLOS, 2001), na medida em que as investigações parlamentares americanas aconteciam, os abusos e incoerências emergiam, convertendo-as em visado objecto para efectivação de promoção pessoa ou campo fértil para discursos demagógicos e hipócritas, desvirtuando a essência do instituto, que é interesse público.
Como se pode descurar, certos constrangimentos encontrados na ordem prática das Comissões Parlamentares de Inquérito, são de certa forma comuns a, provavelmente todas as nações:
“[…] existe um traço comum, uma anomalia quase generalizada, facilmente perceptível nos estudos de direito comparado das CPI’s, a exemplo do modelo estadunidense: as comissões de inquérito, arvorando-se em guardiãs da ordem constitucional, convertem-se em púlpitos, de onde os sequiosos em realizar propagandas políticas em proveito próprio saem em busca de dissidentes ou pretensos traidores da ortodoxa nacional, para admoesta-los nos holofotes da opinião alheia, com todos os requintes de publicidade e maledicência, com todo o apoio maciço dos meios de comunicação, que desinformados sobre a ratio essendi de uma CPI divulgam fatos incertos, vagos, abstractos, sem supedâneo sólido para serem disseminadas” (BULLOS, 2001)
Em Portugal – a Carta Constitucional de 1826, inseriu o Poder Moderar no cenário da organização política, que, à época, era exercido pelo rei. Essa atribuição de “moderar” pertencia a um dos 4 (quatro) poderes de Estado, previstos na referida Constituição emanada pelo punho do imperador Dom Pedro IV. O poder Moderador se sobrepunha aos poderes legislativo, judicial e executivo, cabendo ao seu detentor a força coactiva sobre os demais. (CARAJELESCOV, 2007).
O artigo 39 da Constituição de 4 de Abril de 1838, estatuía ter cada uma das Câmaras “ o direito de proceder, por meio de comissões de inquérito, ao exame de qualquer objecto da sua competência” (VARGAS, et al., 2008, p. 223). Entretanto, os mesmos autores, referem que o artigo 95 da Constituição de 11 de Baril de 1933, na sua versão revista de 1971[8], fazia referência à possibilidade de constituição de “comissões eventuais de inquérito” não viabilizando contudo, de forma expressa, a formação de comissões de inquérito.
Após 1974, o n.°1 do artigo 181, da Constituição de 2 de Abril de 1976 passou a consagrar a credencial constitucional para a constituição de comissões parlamentares de inquérito[9], tendo sido neste quadro publicada a Lei n.°43/77, de 18 de Junho, que regulava em doze artigos, a constituição, poderes e modo de funcionamento das comissões parlamentares de inquérito. Esta lei foi revogada pela Lei n.º 5/93, de 1 de Março, posteriormente alterada pela Lei n.º 126/97, 10 de Dezembro, e pela Lei n.º 15/2007, de 3 de Abril, consubstanciando conjuntamente, com os artigos 254 a 258 do Regimento da Assembleia da República, o regime actualmente em vigor.
1.5. A Evolução Constitucional e Infraconstitucional das Comissões Parlamentares de Inquérito em Moçambique
Ultrapassada a fase de identificação do surgimento das comissões parlamentares de inquérito, o presente trabalho, pela sua natureza, requer, ainda que em pequenas linhas, um resumo histórico da evolução do inquérito parlamentar em Moçambique.
A Primeira Constituição de Moçambique, a Constituição de 1975, outorgada pelo Presidente Samora Moisés Machel, não consagrou, o instituto das comissões parlamentares de inquérito. Nesse período, período da República Popular, Moçambique era orientada pela linha politica definida pela FRELIMO, conforme o preceituado no artigo 3 da Constituição de 20 de Junho de 1975. A FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique, é que detinha o poder de traçar a orientação básica do país e de definir e supervisionar a acção dos órgãos estatais, a fim de assegurar a conformidade da Politica do Estado com os interesses do povo[10].
Alias, na verdade, a Constituição da Republica Popular de Moçambique, aprovada a 20 de Junho de 1975, não só não consagrava o instituto das comissões parlamentares de inquérito, como também não abria a possibilidade de criação das comissões de trabalho da Assembleia Popular, as quais tem, naturalmente, natureza diversa das CPI’s.
Foi com a aprovação da Lei n.°11/78, de 15 de Agosto, Lei que altera a Constituição da República Popular de Moçambique, que se consagrou a possibilidade de criação de comissões da Assembleia Popular. As competências da Assembleia Popular estava consagrada nos termos do artigo 44, da Lei n.º 11/78, de 15 de Agosto, o qual consagrava, nos termos da alínea m) que, Compete, nomeadamente à Assembleia Popular, “Criar Comissões da Assembleia Popular”. No entanto, não se pode aqui afirmar que a Constituição da República Popular abria espaço para a criação de CPI´s, pois ela tão-somente se referia a possibilidade de se criar comissões da Assembleia Popular, no âmbito da competência da Assembleia Popular.
Adiante, nos termos da alínea d), do artigo 45 da Constituição da República Popular de Moçambique, aprovada pela Lei n.º 11/78, de 15 de Agosto, às Comissões da Assembleia Popular pertencia a iniciativa de lei. Desde logo, entende-se aqui, que as Comissões previstas por aquela constituição não tinham a natureza das comissões de inquérito.
Em 1986, a Constituição da República Popular de Moçambique sofreu mais uma alteração, através da Lei n.º 4/86, de 25 de Junho, a qual, nas mesmas condições, preconizava a possibilidade de criação de Comissões da Assembleia Popular.
A disciplina das comissões da Assembleia Popular constante na Constituição da República Popular de 1975, com as devidas alterações, foi transportada ipsi verbis para a Constituição da República Popular de Moçambique, de 1990. Estas duas Constituições, tanto a de 1975, como de 1990, eram omissas quanto à possibilidade de criação das comissões parlamentares de inquérito. Necessário se torna que se esclareça que a possibilidade de criação de comissões da Assembleia Popular, contida naqueles dois dispositivos, refere-se àquilo que hodiernamente se designa de comissões de trabalho da Assembleia da República, com natureza, modo de funcionamento e competências completamente diversas com as das comissões parlamentares de inquérito.
Pela Lei n.º 4/77, de 23 de Dezembro, foi aprovado o Regulamento Interno da Assembleia Popular. As comissões de trabalho da Assembleia Popular encontravam-se previstas nos termos do artigo 24 e seguintes. Nos termos do n.º do artigo 24 da mesma lei, compete à Assembleia Popular criar comissões de trabalho para a realização das suas tarefas, designadamente para a discussão de projectos de Lei e de Resolução e controlo da sua aplicação.
Assim, e nos termos das demais disposições da Lei n.°4/77, de 23 de Dezembro, a constituição da Comissão Nacional de Inquérito, pelo Bureau Político do Comité Central do Partido Frelimo, Comissão Permanente da Assembleia Popular e pelo Conselho de Ministro, com o objectivo de proceder a um rigoroso inquérito às causas que determinaram a queda da aeronave que transportava Sua Excelência o Presidente do Partido Frelimo, Presidente da República Popular de Moçambique, Marechal Samora Moisés Machel, e altos dirigentes e quadros do Partido e do Estado[11], não teve o seu fundamento Constitucional e nem legal.
Em 1991 foi aprovada a Resolução nº 7/91, de 12 de Dezembro, que aprova o Regimento Interno da Assembleia da República. Nos termos da alínea c), do n° 3 do artigo 5, competia à Assembleia da República criar Comissões da Assembleia da República e regulamentar o seu funcionamento[12]. Porém, nos termos do artigo 36, da mesma Resolução, abre-se a possibilidade de a Comissão Permanente propor à Assembleia da República a criação de Comissões, as quais, poderiam ser de caracter permanente ou temporário[13]. As Comissões de caracter permanente, nos termos do n° 2 do artigo 36, da Resolução supra, são sempre especializadas sendo elas criadas pelo tempo da legislatura. As Comissões temporárias, ainda nos termos da mesma disposição, não podem ter a duração de mais de um ano, mas caso se justifique, a continuidade das mesmas o seu mandato terá de ser prorrogado pela Assembleia da Republica.
Esta Resolução foi revogada em 1995, pela Lei n° 1/95, de 8 de Maio, que aprova o Regimento da Assembleia da Republica. De acordo com o preceituado no n° 1, do artigo 53, da mesma lei, as comissões de inquérito podem ser criadas por Resolução pelo Plenário, para atender a questões específicas[14].
A lei define, nos termos do n° 2, do artigo 53, o conteúdo que a Resolução deveria conter, designadamente, a definição da competência, composição, área de actuação, duração e conceder as prerrogativas estabelecidas nos artigos 41 e 42, sempre com as necessárias adaptações[15]. Portanto, o regime especial das Comissões Parlamentares de Inquérito, nos termos da Lei supra citada, estava consagrado nos termos do artigo 53 à 58.
Em 1998, foi criada, através da resolução n.º 11/98, de 19 de Novembro, a comissão parlamentar de inquérito para averiguação da alegada usurpação de terras na Província de Inhambane. A Comissão tinha duração de 90 (noventa) dias, no entanto, o mandato da comissão foi prorrogado a pedido desta, por um período de 30 dias, a contar da data da publicação da resolução, em 1999, através da Resolução n.º 6/99, de 14 de Abril, aprovada pela Comissão Permanente da Assembleia da República.
Em 2000, através da Resolução n.º 18/2000, de 6 de Dezembro, foi criada a Comissão de Inquérito para averiguar e consequente colheita de dados reais sobre o que efectivamente aconteceu aquando das manifestações em várias partes do país, pela Renamo-UE, onde surgiram mortos, feridos e detidos, tendo-se gerado graves perturbações sociais que culminaram com violações da lei e ordem públicas. E, posteriormente, mortes de cidadãos detidos na Cadeia Distrital de Montepuez, e eventualmente noutros pontos do país[16].
Comentando sobre esta Comissão de Inquérito em especial, (PEREIRA, 2005, p. 41) refere que:
“This inquest committee comprised 15 MPs and received budget to carry out its duties. However, to date, no-one from the committee has formally presented any findings. Two draft papers from interviews with the various stakeholders involved in the case have been written, but because an inquest committee´s proceedings have to be secret, the committee reported its results to the plenary for debate and deliberation in a closed-door session.”
Pela Lei n.º 6/2001, de 30 de Abril, foi aprovado o Regimento da Assembleia da República e, consequentemente revogada a Lei n.º 1/95, de 8 de Maio. Pode-se dizer que a Lei n.º 6/2001, de 30 de Abril, não trouxe nenhuma reforma em relação ao regime jurídico das comissões de inquérito, tendo trazido de forma integral a disciplina contida nos termos da Lei n.º1/95, de 8 de Maio. Não há relato de que durante o período de vigência desta lei, tenha sido criado alguma comissão de inquérito em Moçambique.
Esta lei foi revista em 2007, pela Lei n.º17/2007, de 18 de Julho. Uma questão a salientar é relativa a designação que esta lei trás. Ela abandona a simples designação de comissão de inquérito, e adopta a designação comissão parlamentar de inquérito, embora utilize os termos de forma indistinta, sendo que em outros articulados designa por comissão de inquérito[17].
Quanto à disciplina que deu-se às comissões de inquérito (ou comissões parlamentares de inquérito), no âmbito desta lei de revisão, diga-se o mesmo que se disse relativamente à Lei n.º 6/2001, de 30 de Abril. De igual forma se diga o que disse no âmbito da análise da Lei n.º 6/2001, de 30 de Abril, no que concerne à constituição de comissões de inquérito durante o período de vigência da mesma lei[18].
Actualmente, as Comissões Parlamentares de Inquérito encontra a sua previsão a nível constitucional, nos termos do artigo 195, alínea g), que atribui competência à Comissão Permanente da Assembleia da República para criar comissões de inquérito de carácter urgente, no intervalo das sessões plenárias da Assembleia da República[19], e artigo 197, n.º 1, alínea g), que atribui poderes à Bancada[20] Parlamentar[21] [22] de requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito.
No plano infraconstitucionais, a matéria em exame encontra-se regulamentada no Regimento da Assembleia da República, aprovado pela Lei n.°13/2014, de 17 de Junho, que altera e republica a Lei n.º 17/2013, de 12 de Agosto.
Durante o período da vigência deste actual Regimento, foi aprovada a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito, através da Resolução n.º 16/2016, de 1 de Agosto, para averiguar a situação da Dívida Pública[23]. No entanto, vários foram os requerimentos para a constituição de comissões parlamenteares de inquérito para averiguação de diversas situações específicas de interesse nacional, a título meramente exemplificativo:
“a) Requerimento para constituição de uma comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar a Dívida Pública de Moçambique[24];
b) Projecto de Criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a empresa EMATUM[25];
c) Projecto de Criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para averiguar a Situação dos Refugiados Moçambicanos na República do Malawi”[26].
Sobre a constante reprovação dos requerimentos para instauração das CPI´s, para averiguar sobre factos de interesse nacional, (BIBIANE & FAEL, 2016, p. 1), escreverem que:
“Tem sido observado a nível da Assembleia da República (AR) que todas as propostas apresentadas pelas bancadas da oposição para a criação de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) têm sido submetidas à votação e consequente e recorrentemente são chumbadas pela bancada maioritária, prevalecendo a ditadura do voto que acaba inviabilizando o controlo da minoria sobre a maioria.
Esta situação é bastante melindrosa, se atenderemos que muitos assuntos de interesse público acabam não sendo esclarecidos, sobrando zonas de penumbra.
(…) A criação de CPIs devia ser de cariz obrigatório e sem necessidade de votação quando se trate da necessidade de esclarecimento de matérias de interesse público ou nacional e que se repercutem directamente na vida dos cidadãos e que não põe em causa os seus legítimos direitos e interesses, como é a questão da dívida pública, a título meramente exemplificativo.”
2.1. Requisitos para Instauração das Comissões Parlamentares de Inquérito
Para se instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito, deve observar-se certos requisitos, desde logo, deve haver interesse público, requerimento de pelo menos dez por cento dos deputados, solicitação da Comissão Permanente, de uma Comissão de Trabalho, de uma Bancada Parlamentar ou de Governo.
Os requisitos estabelecidos paras as Comissões Parlamentares de Inquérito constituem verdadeiros limites à sua actuação, sendo os seus poderes amplos mas não irrestritos. Em primeiro lugar, há requisitos de forma (requerimento de pelo menos dez por cento dos deputados, solicitação da Comissão Permanente, de uma Comissão de Trabalho, de uma Bancada Parlamentar ou de Governo), de tempo (duração – prazo certo de funcionamento) e de substância (respeito da legalidade e do interesse nacional).
Assim, o Presidente da Assembleia da República deve analisar os requisitos para instauração da comissão parlamentar de inquérito, sem entrar no mérito, devendo, indeferir liminarmente o requerimento que não preencha os requisitos exigidos por lei, porquanto, trata-se de requisitos de observância obrigatória.
2.2. Duração
Como comissão temporária que é, a Comissão Parlamentar de Inquérito, a quando da instauração desta deve-se estabelecer um prazo certo para o cumprimento das suas actividades e apresentação do relatório. Não se pode permitir que ditas comissões temporárias acabem por ser perpetuar no tempo, assumindo um carácter permanente. O regimento da Assembleia da República impõe que o funcionamento se dê por um determinado período de duração[27], só não especifica que prazo ou período é esse, portanto, a especificação deste prazo deixa-se ao cargo do autor do requerimento.
Pese embora se exija a indicação do período de duração da Comissão Parlamentar de Inquérito, nada impede que haja prorrogações sucessivas, porém dentro da mesma legislatura que a tiver instituído. Entende-se que as disposições do n.º 2 do artigo 69 do Regimento da Assembleia da República, que preconiza que “ as Comissões de Trabalho, Gabinetes Parlamentares e Grupos Nacionais são estabelecidas pelo Regimento e funcionam pelo período da legislatura”[28] aplicam-se para o caso em estudo. Observe-se que as sucessivas prorrogações, são indispensáveis para o êxito da investigação, desde que estas ocorram dentro do presente mandato legislativo.
Nada impede, porém, que havendo interesse político, a nova legislatura crie uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar os mesmo factos que eram objecto de investigação pela comissão extinta e criada na legislatura passada. A lógica deste limite intransponível funda-se na razão de que os deputados membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, são eleitos para uma legislatura, que tem duração de cinco anos.
Como salienta (SILVA, 2011, p. 9) a finalidade de se estabelecer um prazo certo, é não permitir que a Comissão Parlamentar de Inquérito, utilize-se deste expediente, para perseguir opositores pelo tempo que abusivamente quiserem, utilizando-se de poderes próprios das autoridades judiciais.
Outrossim, essa exigência é necessária para que a Comissão Parlamentar de Inquérito não se prolongue no tempo e prejudique a colheita de provas e apuração de factos, além de prostergar a conclusão do relatório final. “Evitam-se, assim, chantagens políticas, ameaças veladas, pressões psicológicas no sentido de se prolongar infinitamente a Comissão Parlamentar de Inquérito, expondo, ainda mais, os nomes das pessoas e entidades perante a opinião pública”, tal como advoga (BULOS, 2001, p. 224).
Nos termos do consignado no n.º 1 do artigo 94 do Regimento da Assembleia da República, “ O Plenário cria por resolução, comissões ad hoc e comissões de inquérito destinadas a atender questões específicas”. O n.º 2 do mesmo artigo, preconiza que “A resolução define a composição, competência, área de actuação, duração e (…)”. Como se pode depreender e como acima referenciado, o Regimento da Assembleia da República qual deva ser o prazo de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito, cabendo ao Plenário fixa-lo na resolução que cria a Comissão.
Esse prazo, é passível de prorrogação (ou de várias prorrogações sucessivas), desde que se mostre respeitada a exigência legal de que jamais se ultrapasse a legislatura , isto é, a Comissão Parlamentar de Inquérito criada numa legislatura não pode ultrapassa-la.
A título de exemplo, a Comissão Parlamentar de Inquérito criada pela Resolução n.º 16/2016, de 1 de Agosto, aprovada pela Assembleia da República a 27 de Julho de 2016 para averiguar a situação da Dívida Pública, foi-lhe concedida prazo para realização das suas actividades até 30 de Novembro de 2016[29].
Quanto a outras comissões criadas antes da entrada em vigor do actual Regimento da Assembleia da República. É de se ter a título também meramente exemplificativo a Comissão parlamentar de Inquérito, criada pela Resolução n.º 11/98, de 19 de Novembro, para averiguação da alegada usurpação de terras na Província de Inhambane, a qual tinha para a realização das suas actividades e apresentar o respectivo relatório o prazo de 90 dias, a partir de um de Janeiro de 1999[30]. Esta Resolução preconizava ainda a possibilidade de prorrogação do referido prazo pela Comissão Permanente, por mais 30 dias, mediante proposta da Comissão[31].
Foi nesses termos que através da Resolução n.º 6/99, de 14 de Abril, foi prorrogado o mandato da Comissão Parlamentar de sobre conflitos de terras na Província de Inhambane, por mais 30 dias a contar da data da publicação da referida resolução.
2.3. Objecto
Pese embora o Regimento da Assembleia da República, não estabeleça os elementos essenciais ou indispensáveis que o requerimento para instauração de uma comissão parlamentar de inquérito deve conter, da hermenêutica feita ao número 2, do artigo 94 do mesmo diploma legal resulta que o requerente deve determinar o objecto da comissão parlamentar.
A doutrina alemã alude a este respeito à exigência da determinabilidade (Bestimmtheitsgebot) – pois um requerimento ou proposta que não indique os fundamentos e delimite o seu âmbito deve ser liminarmente rejeitada pelo Presidente da Assembleia da República (cfr. art. 251.º do Reg. da AR).
Nos termos consignados no n.º 1, do artigo 95 do RAR, “as comissões de inquérito são cridas por deliberação do Plenário para averiguar a respeito da legalidade e do interesse nacional, no funcionamento das instituições”.
Estabelecer um conceito genérico de “ interesse público” para efeitos de inquérito é tarefa repleta de dificuldades. Não se escapa, assim, à regra da ambiguidade e da imprecisão implícita na vastidão do conceito. O único dado concreto é que o objecto terá que consistir em factos cuja averiguação caibam dentro dos limites do poder de fiscalização da Assembleia da República. Defende-se, também, que, no tocante ao objecto dos Inquéritos Parlamentares, estes podem também averiguar activamente determinados factos ou acontecimentos políticos ou socias que constituam assunto de interesse geral e cujo apuramento ou esclarecimento se imponham por essa mesma razão (irregularidades de vária ordem, escândalos financeiros, responsabilidades por desastres ou catástrofes, casos graves de criminalidade ou de certos tipos desta, etc. pelo já exposto, afigura-se que não está vedado à Assembleia investigar em termos, mormente sociológicos, as razoes de aumento de criminalidade ou de certos tipos desta, etc., com a referida função informativa. Mas já estará totalmente vedado debruçar-se sobre estas matérias no escopo de averiguar da prática de crimes.
Em notas relativas aos inquéritos parlamentares, (CANOTILHO, 2003, p. 637), refere que o objectivo das comissões parlamentares de inquérito tem de pautar-se pela existência de um interesse público, não podendo incidir sobre interesses ou assuntos privados, a não ser que estes tenham uma ligação inextrincável com os interesses públicos.
Conforme salienta (CAMPOS, 1961, p. 86), o poder de investigar não é genérico ou indefinido, mas eminentemente específico, ou há de ter um conteúdo concreto, susceptível de ser antecipadamente avaliado na sua extensão, compreensão e alcance pelas pessoas convocadas a colaborar com as comissões de inquéritos.
Não pode, por tanto, ser indicando com objecto de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito, um facto genérico, com “ corrupção no poder executivo” ou “ os desvios de conduta dos membros do poder judicial”. Esta exigência protege os indivíduos atingidos pela investigação, haja vista que eles não estão obrigados a prestar à Comissão nenhuma informação sobre assunto não conexo com o facto apontado como motivador da decisão.
A necessidade de criação de comissões de inquérito com objecto concreto e específico não impede o apuramento de factos conexos ao principal, ou ainda, de outros factos, inicialmente desconhecidos, que surgirem durante a investigação, bastando, para que isso ocorra, que haja um aditamento ao objecto inicial da comissão parlamentar de inquérito, respeitando-se, no entanto, a necessária renovação de oportunidade de defesa.
A comissão parlamentar de inquérito deve ser criada a partir de um facto determinado, devendo ser demostrados os elementos temporais, subjectivos, territoriais e circunstâncias do facto a ser investigados. O facto determinado é a garantia de que não se perca de vista o foco das investigações.
Como o conceito de facto determinado ainda guarda um certo grau de subjectividade quanto à sua interpretação, (SCHIER, 2005, p. 124) aponta cinco características objectivas quanto ao conceito de facto determinado que devem ser observadas na actuação das CPI´s. A partir dessas características, o facto determinado
“a) deve guardar relação com a competência do parlamento;
b) não deve interferir na competência originária de outros poderes;
c) não poderá incidir sobre o sítio competencial reservado aos demais entes federativos, em obediência ao princípio federativo;
d) não poderá ser muito amplo;
e) não poderá invadir os negócios jurídicos estritamente privados
f) que não guardem relação com o interesse público”
A limitação dos factos é necessária também em função da necessidade de se permitir o exercício do direito de defesa. A instauração de uma CPI deve ter como base factos concretos que permitem os investigados prepararem as suas defesas, seus contraditórios
A exigência de que a Comissão Parlamentar de Inquérito tenha por objecto facto determinado, tem, por escopo garantir a eficiência dos trabalhos da própria comissão e a preservação dos direitos fundamentais. Dessa forma, ficam impedidas de devassas generalizadas. Se fossem admitidas investigações livres e indefinidas, haveria o risco de se produzir um quadro de insegurança e perigo para as liberdades fundamentais. Somente a delimitação do objecto a ser investigado pode garantir o exercício, pelo eventual investigado, do direito à ampla defesa e ao contraditório.
Questão que poderá ser importante levantar é a que se prende com os limites dos inquéritos, quanto aos temas e entidades que no seu âmbito podem ser abrangidos. (CANOTILHO & MOREIRA, 1993) consideram poder ser objecto de inquérito “qualquer departamento governamental, ou qualquer organismo ou serviço o Estado, bem como qualquer acto dos respectivos titulares ou agentes”.
Daqui decorre evidentemente, que, podendo os inquéritos ter como objecto quaisquer factos ou questões de relevância pública, no quadro das competências do Parlamento, não poderão, contudo, abranger questões que se integrem em esfera estritamente privada, que tenham que ver com matérias excluídas do elenco de competências da Assembleia ou que consubstanciem competências exclusivas de outros órgãos de soberania[32].
Pese embora o acima exposto, e conforme sublinha (MIRANDA, 2000, pp. 34-35) não deixa de se considerar submetida ao controlo parlamentar, e como tal objecto de inquérito a Administração Pública sob formas jurídico-privadas ou sociedades de capital maioritariamente públicos), sob pena de fraude aos princípios constitucionais.
A comissão parlamentar de inquérito não deve, portanto, servir para perseguições políticas, pessoais, ou destinar-se à concretização de “ajustes de contas” políticos, por parte de maiorias actuais contra protagonistas de governo ou administrações anteriores. Tal constituiria um sério golpe na credibilidade dos inquéritos. Não pode igualmente, a CPI ser utilizada de forma desvirtuada pela minoria, como instrumento para inviabilizar as políticas articuladas pela maioria governista.
2.2.1. O facto determinado e a competência do parlamento
Não são factos determinados susceptíveis de investigação parlamentar aqueles relacionados a litígios judiciais, nem matérias cujo estudo e solução ultrapassem a competência constitucional do parlamento.
É geralmente reconhecido que o objecto das comissões parlamentares de inquérito, desde que apresente contornos definidos, pode estender-se a qualquer assunto ou matéria de interesse público da competência do parlamento que a institui, isso porque as comissões parlamentares de inquérito não são mandatárias da Assembleia que a constituiu. São a própria Assembleia, no exercício das funções que lhes compete, elas representam esta na sua totalidade.
Para (FILHO, 1954, pp. 71-72), são investigáveis todos factos que possam ser objecto de legislação, de deliberação, de controlo, de fiscalização, por parte do Poder Legislativo. Não são factos investigáveis pelo legislativo aqueles que sejam criminosos, salvo quando estejam sujeitos à sua competência jurisdicional.
Em Portugal, para o conceito de interesse público relevante, são necessárias, portanto, duas ideias centrais: a) a que os factos apurados tenham suficiente importância no contexto de intervenção do Parlamento e do debate político do país e b) que tenha utilidade, no tempo em que a comissão funcionar, sem que isso signifique que factos tenham de ser actuais ou ocorridos na gestão do actual governo, podendo alcançar factos pretéritos, desde que tenha repercussão no presente, (MIRANDA, 2000).
Foi com este fito que para esclarecer o âmbito de competência do Parlamento, o Tribunal Constitucional Português delimitou precisamente o objecto dos inquéritos parlamentares, ao estabelecer que:
“As comissões parlamentares de inquérito podem ter como objecto quaisquer factos ou questões de interesse público, isto é, quaisquer matérias, desde que devidamente determinadas e delimitadas que caibam nas competências da Assembleia da República. Não podem aquelas ter por objecto questões que tenham a ver com interesses estritamente privados ou incidir sobre matérias que extravasem a competência da Assembleia da República ou se incluam na competência exclusiva de outros órgãos constitucionais.”[33]
2.2.2. O facto determinado e os negócios privados
Dúvidas não restam de que o objecto das comissões parlamentares de inquérito só poderá ser a investigação de facto que tenha relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, económica e social do País. Portanto, só lida com factos de interesse público, mesmo porque factos de interesse meramente privado estão afastados de atribuição das Comissões Parlamentares de Inquérito, cujo objectivo fulcral, principal ou fundamental é a elaboração legislativa. Dessa forma, em princípio, tais comissões parlamentares de inquérito não possuem legitimidade para investigar a vida e os negócios dos cidadãos comuns, dos particulares. No entanto, os negócios privados passam a ser susceptíveis de investigação por comissão parlamentar de inquérito, desde que esteja em jogo interesse público relevante inserido no rol de competências da Assembleia da República.
Em seu trabalho de especialização, (AGUIAR, 2008, p. 73) ensina que “uma empresa particular que mantém contrato com qualquer órgão da esfera pública está sujeita a investigação, desde que o objecto investigado tenha referência ao contrato aludido”.[34]
De igual modo, se os negócios são tratados entre dois particulares, sem a participação estatal na relação jurídica, parece que aí a situação é diversa, pois o campo estrito da autonomia privada encontra-se protegido contra as incursões do poder público. Se, nesta sede, pode não se justificar a interferência estatal, protegendo-se de forma quase absoluta o private affair, isso se compreende em vista de, em tese, não existir nenhum interesse público concreto e determinado em se desvelar o conteúdo da relação jurídica entre dois particulares[35].
Pode-se concluir, portanto, que o facto determinado é um caso concreto, relevante para a sociedade, identificável, objectivo, preciso, não necessariamente antijurídico, que fundamente o requerimento de instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Há-de se constituir um verdadeiro abuso, instaurar-se uma comissão parlamentar de inquérito com o objectivo de investigar factos genericamente enunciados, vagos e indefinidos.
2.2.3. Matéria pendente em tribunal
De acordo com o plasmado no nº 2, do artigo 96, do RAR: “os factos que constituam matéria de processo pendente em tribunal não podem ser objecto de inquérito, até ao trânsito em julgado da respectiva decisão.
A relação entre o inquérito parlamentar e o procedimento criminal merece uma análise mais detalhada pelas questões que envolve. No fundo reconduzem-se à questão de como é entendida a separação de poderes entre o legislativo e judiciário, em termos de não interferência ou usurpação de poderes. “O problema em análise é equacionável nos seguintes termos: pode o parlamento criar uma CPI para investigar factos sobre os quais um tribunal já se pronunciou ou irá pronunciar-se. E se no decurso de um inquérito parlamentar uma CPI descobrir factos que implicam a abertura de um processo criminal?”[36]
A não admissão do inquérito paralelo radica de vários tipos de considerandos: um baseia-se no princípio de separação de poderes, ou seja, que um inquérito, visando os mesmos factos que já são objecto de inquérito judicial constitui uma interferência do poder legislativo no poder judicial; outro de ordem prática. Argumenta-se que, mesmo que o segredo de justiça não existisse, a multiplicação de competências, a duplicação de diligências, a inquirição das mesma pessoas por inquiridor diferentes, a consulta por autoridades diferentes dos mesmos documentos, cuja eventual extensão ocuparia muito tempo, levaria a atrasos e incoerências indesejáveis. Outro, ainda o de que o Parlamento ao ser utilizado como um fórum de pré-julgamento, utilizando poderes judiciais, como inquirições, e ao chegar a uma descoberta de factos, cria risco de os tribunais, juízes e júris serem injustamente influenciados. Acresce ainda que o inquérito parlamentar sobre os mesmos factos constantes de processo corre o risco de prejudicar este último.
É este o espírito inciso no Regimento da Assembleia da República ao proibir a existência de inquéritos paralelos. Com efeito, dispõe-se nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 96 do RAR, que:
“Quando, após o início do inquérito, os factos sobre os quais este incide sejam matéria de processo em tribunal, a autoridade judicial informa, de imediato, o Presidente da Assembleia da República, devendo suspender o inquérito”
“Os factos que constituíam matéria de processo pendente em tribunal não podem ser objecto de inquérito, até ao trânsito em julgado da respectiva decisão”.
2.3.1.1. Caso julgado
Questão que se levanta é a possibilidade de um inquérito parlamentar incidir sobre matéria que já foi objecto de decisão judicial.
Não existe no nosso ordenamento jurídico nenhuma regra que possibilite ou não a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para averiguar um facto ou uma situação que foi objecto de um processo judicial com decisão transitada em julgado.
Entende-se que dever haver impossibilidade para que tal ocorra, porquanto, estar-se-ia perante uma violação do princípio da reserva da função jurisdicional aos tribunais, inserto no artigo 212, n.ºs 1 e 2, da Constituição. É que, não obstante a profunda e radical diversidade entre os objectivos prosseguidos num e noutro caso, verificar-se-ia a coincidência ou sobreposição de objectos entre a comissão parlamentar de inquérito e o processo judicial findo.
É que estando em causa a indagação de factos susceptíveis de importar responsabilidade criminal, a circunstância de o inquérito parlamentar assumir natureza e ter uma finalidade e um alcance diversos dos do processo criminal não impede que a sua reabertura vá pôr em perigo aqueles bens jurídicos. Para além de que, investigar factos, que um tribunal julgou por sentença (ou despacho) com transito em julgado, importa sempre, em maior ou menor medida, um «julgamento» da decisão judicial – e, nesse ponto (mas só nele), é a separação de poderes que é afrontada.
Por isso é que, transitada em julgado a decisão judicial (sentença penal, condenatória ou absolutória, ou despacho de não pronúncia), o inquérito parlamentar só deve poder ser reaberto nos mesmos casos em que é possível a revisão da sentença penal ou despacho de não pronúncia.
Ora, a abertura de um inquérito parlamentar em matéria sobre que incidiu decisão judicial transitada em julgado, perturba os princípios estruturantes do Estado de direito como os da certeza e segurança do direito e da estabilidade do caso julgado.
2.4. Criação e Iniciativa
Estabelece a nossa Constituição da República no seu artigo 197, n.º 1 al. g), que a bancada parlamentar pode “requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito”. Nos termos do artigo 195, al. g) da Constituição da República de Moçambique, à Comissão Permanente da Assembleia da República compete “criar comissões de inquérito de caracter urgente, no intervalo das sessões plenárias da Assembleia da República”.
O regimento da Assembleia da República atribui ao Deputado poder de requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito, nos termos do artigo 10, n.º 2, al. b).
A criação das comissões parlamentares de inquérito é mediante a proposta de, pelo menos dez por cento dos deputados, por solicitação da Comissão Permanente, de uma Comissão de Trabalho, de uma Bancada Parlamentar ou do Governo, nos termos do consignado no n.º 2 do artigo 95 RAR.
O número de assinaturas no requerimento de instauração de uma comissão parlamentar de inquérito é fácil de ser materialmente obtido, para que a minoria tenha possibilidade de fiscalizar e investigar a maioria, sendo, no entanto, aconselhável que seja sempre ultrapassado esse quórum mínimo que é de dez por cento, para a sua instauração, para caso de alguns membros vierem a desistir de manter suas assinaturas a comissão deixe de existir.
Existem duas teses sobre este requisito para instauração de comissão parlamentar de inquérito:
a) A primeira posição é a de que: é necessário a apreciação do Plenário para valer-se a vontade da maioria: o alcance da expressão não é claro requerimento de dez por cento dos deputados, uma vez que o requerimento citado deve ser objecto de aprovação do Plenário da Assembleia da República, em obediência à maioria.
“ É exactamente a criação das CPIs e a necessidade da sua votação no plenário que geram situação questionável a todos os níveis, com as minorias a não terem possibilidade de exercer o controlo sobre as maiorias” – (BIBIANE & FAEL, 2016, p. 1).
Alguns debates surgem nesta sequência, de mesmo que o requerimento tenha sido assinado por dez por cento dos deputados, o mesmo tenha de ser submetido a aprovação plenária para se instaurar uma comissão parlamentar de inquérito.
(BIBIANE & FAEL, 2016, p. 4) entendem que bastaria o requerimento de dez por cento dos deputados para que se criasse, quase que de forma automática, referindo que
“É que a investigação de matérias de interesse público não pode ficar refém da vontade das maiorias parlamentares, pois isso pode colocar em causa bens, direitos e interesses relevantes. No caso moçambicano, infelizmente, a ditadura de voto continua a ser a via seguida para que as matérias de interesse público ou nacional sejam inviabilizadas de ser esclarecidas, devido à regra que faz depender a criação das CPIs à vontade da maioria.”
Recomendam estes autores que “não se podem criar nestes casos estas comissões com recurso à votação e em detrimento de assuntos que merecem atenção especial por parte da AR, atendendo que os mesmos são importantes para continuidade das suas actividades.
Tratando da mesma questão, embora no regime jurídico Português, (CANOTILHO & MOREIRA, 1993, pp. 719-720) referem que
“As comissões parlamentares de inquérito são necessariamente constituídas sempre que tal seja requerido por um certo número de deputados. Trata-se, assim, de um verdadeiro poder potestativo, que torna a constituição das comissões de inquérito independente do controlo da maioria parlamentar e dá aos deputados dos partidos de oposição o poder de desencadear um número mínimo de inquéritos parlamentares. Não se afigura, por isso, compatível com o regime constitucional sujeitar o requerimento de propostas de inquérito a deliberação parlamentar.”
Há que realçar que existe em Portugal dois modelos de criação das Comissões Parlamentares de Inquérito, sendo um o que já acima referiu-se e o outro que é o geral, através da deliberação do Plenário, sob proposta de qualquer deputado.
Nos termos anteriormente referidos, no concernente ao regime jurídico pátrio, o Parlamentar enquanto tal considerado singularmente, a Bancada Parlamentar, as Comissões de Trabalho e a Comissão Permanente e o Governo têm o podere de requerer a criação de uma comissão parlamentar de inquérito. No entanto, esse poder consiste apenas no poder de iniciativa da respectiva resolução parlamentar, visto que tal poder pertence ao Plenário da Assembleia da República.
Entende-se que para se criar uma comissão parlamentar de inquérito suficiente seria o requerimento de dez por cento dos deputados – em sendo cumpridos os demais requisitos, designadamente, de interesse público ou nacional, o facto determinado e o prazo certo ou seja a duração da mesma, não ficando refém da maioria para cria-la.
b) Outra posição é a de que basta o cumprimento do requisito relativo a dez por cento dos deputados, e obviamente dos demais, como a indicação do objecto, a comissão parlamentar de inquérito será automaticamente criada, para funcionar por prazo certo.
O que deve ficar subjacente, é que o requisito que deve ser observado é de dez por cento dos deputados, do deputado singularmente considerado, e da bancada parlamentar, da Comissão Permanente, das Comissões de Trabalho ou do Governo, independentemente da apreciação pelo Plenário ou não.
O Regimento da Assembleia da República é peremptório ao estatuir que “ O Plenário cria, por resolução, comissões ad hoc e comissões de inquérito destinadas a atender a questões específicas”[37].
Da análise da disposição regimental supra, não resta nenhuma margem de dúvida de que a Comissão Parlamentar de inquérito simplesmente só pode ser criada mediante deliberação do Plenário da Assembleia da República, o que afasta desde logo a ideia de criação automática desta.
2.5. Composição das Comissões Parlamentares de Inquérito
Basicamente há dois critérios de composição das Comissões Parlamentares de Inquérito: o da proporcionalidade em que os Grupos Parlamentares são representados nas Comissões de acordo com o número de assentos que, respectivamente detenham e o da representação Igualitárias em que cada Grupo Parlamentar é representado por um único dos seus membros independentemente de lugares de que disponha no parlamento.
No nosso ordenamento jurídico, o Regimento da Assembleia da República não prevê os números in concreto dos Deputados que irão compor a Comissão Parlamentar de Inquérito.
No entanto, em termos gerais, ou seja, para as Comissões de Trabalho, o Regimento da Assembleia da República estabelece que “… são constituídas por um mínimo de cinco e máximo de dezassete Deputados eleitos para a duração da legislatura, observando-se o princípio da representatividade parlamentar”.[38] Segue-se deste modo a regra da proporcionalidade.[39]
O princípio da representação proporcional a que se faz referência, atribui a exigência da representação de todos os partidos e grupos ideológicos que compõem o Parlamento. No que diz respeito à composição das comissões de inquérito, cada partido deverá ter em cada comissão um número proporcional[40].
Como salienta (PEREIRA, 2008) no seu trabalho de especialização, a representação proporcional está fundamentada no sistema eleitoral proporcional. A escolha do sistema eleitoral é uma das mais importantes decisões para qualquer democracia. O sistema eleitoral define e estrutura as regras do jogo político, a forma determinante da eleição, como a campanha eleitoral é disputada, o papel dos partidos políticos, e, o mais importante, quem governa. A representação proporcional possibilita a representação das Minorias nos parlamentos.
Na composição dos órgãos colegiais da Assembleia da República, é observada a repartição proporcional de vagas, para respeitar o princípio da proporcionalidade partidária que tenta espelhar a proporção de votos obtida pelos partidos políticos no resultado das eleições.
(FRAGA, 1997, p. 330) lecciona que “normalmente segue-se a regra da proporcionalidade, ou seja, a distribuição dos membros das CPI´s reflecte o peso político que cada grupo ou coligação parlamentar detém. Pretende-se, com esta regra, assegurar-se os direitos das minorias.
Mas nem por isso, essa distribuição assegura o seu escopo indagatório e fiscalizador. Para que a CPI cumpra a sua função torna-se necessário que se verifique igualdade de direitos entre a maioria que a compõe e a oposição.
No nosso ordenamento jurídico, o modelo adoptado é o da composição segundo a regra da proporcionalidade. Com isto, pretende-se que as CPI´s reflictam a composição da Assembleia da República, seja como que, uma mini-assembleia.
Esta composição está na base das críticas que são feitas por conduzirem à sua ineficácia. É que sendo as deliberações tomadas por maioria, a maioria parlamentar pode, facilmente, bloquear o funcionamento da CPI. De facto está na mão da maioria autorizar ou não a realização de diligências e a recolha de informações tendo em vista o apuramento dos factos; a maioria pode pura e simplesmente recusar que seja ouvida determinada testemunha, que sejam solicitados determinados documentos, ou seja feita certa diligência, como uma peritagem ou uma acareação. Este poder de vetar as diligências propostas permite à maioria controlar ferreamente o próprio conteúdo da actividade dos inquéritos, impedindo que eles desenvolvam as investigações necessárias.
Importa salientar que não existe um número mínimo e ou máximo fixo de composição dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito. As Comissões Parlamentares de Inquérito, hão-de ser composto pelo número de membros fixado pelo acto da sua criação.
É o próprio Parlamento que fixa o número de membros no momento da constituição da Comissão.
Os membros são livremente escolhidos/indicados pelos respectivo grupos parlamentares com a única limitação de que assiste a todo parlamentar o direito e a obrigação de pertencer pelo menos uma Comissão. Conforme salienta (FERREIRA, 1999, p. 51), formalmente, o único poder dos grupos parlamentares é o de escolher e indicar os deputados que nelas (nas CPI´s) tomarão assento.
2.6. Presença de membros estranhos na Composição
A nossa legislação, ainda que paca na disciplina dos inquéritos parlamentares, apenas prevê que façam parte das Comissões Parlamentares de Inquéritos Deputados. Outras legislações permitem, como a Italiana, que façam parte pessoas estranhas ao Parlamento sem direito de voto.
A nível do regimento, o que se prevê é a contratação de especialistas para eventualmente auxiliar nos trabalhos da CPI, em questões meramente técnicas, [41]. Naturalmente, estas pessoas são estranhas ao Parlamento, mas não fazem parte da composição da CPI.
2.7. Substituições
O n.º 3 do artigo 94 do RAR, estatui sobre as substituições nas Comissões Parlamentares de Inquérito e ad hoc;
“ Nas Comissões ad hoc e de inquérito, não são admitidas substituições, salvo nos caso de doença prolongada justificada ou impedimento definitivo”.
Ao contrário do que sucede nas outras comissões, os deputados que integram as CPI´s não podem ser substituídos por decisão do respectivo grupo parlamentar, o que confere uma responsabilidade individual pelos actos e declarações que nelas produzirem, que nos outros casos não existe ou acaba subsumida na representação do grupo parlamentar.
O termo impedimento definitivo [42] [43] referido no n.º 3 do artigo 94 do RAR, como sendo um dos casos em que se admite a substituição, é vago e impreciso. Não se trata de se saber o que cabe dentro do conceito mas sobretudo, o que não cabe dentro dele.
Os deputados podem pedir escusa, a qualquer momento, de integrarem uma Comissão Parlamentar de Inquérito para qual tenham sido indicados. Mas não basta uma simples escusa; esta há-de ser fundamentada. Entendemos que o fundamento deverá ser atendível para que possa proceder, deve ser ou de doença prolongada justificada ou impedimento definitivo.
Todos os deputados que integrarem uma Comissão Parlamentar de Inquérito devem, em nosso entender, apresentarem até ao início dos respectivos trabalhos uma declaração de inexistência de conflitos de interesses. Esta declaração deverá ser escrita, expressa obrigatória e pública e deve abranger todas as entidades privadas que façam parte do objecto do inquérito parlamentar. a sanção para falsas declarações deve ser, entre outras, de índole criminal, a perda imediata do mandato.
É essencial para a transparência das Comissões Parlamentares de Inquérito e das respectivas conclusões a certeza de que nenhum deputado está por qualquer vínculo ligado às entidades visadas no inquérito.
Como assevera (FERREIRA, 1999, p. 76), do ponto de vista ético seria inqualificável descobrir-se que um qualquer deputado tinha votado as conclusões de um inquérito parlamentar que ilibam, por exemplo, determinada instituição bancária sendo funcionário desse banco.
3.1. Os Poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito
Os poderes das comissões parlamentares de inquérito encontram a sua previsão a nível infraconstitucional, no Regimento da Assembleia da República, aprovado pela Lei n.º 17/2013, de 12 Agosto, alterada e republicada pela Lei n.º17/2014, 17 de Junho, nos termos do artigo 96, sem prejuízo das competências e prerrogativas previstas no mesmo dispositivo legal, conforme o estatuído nos termos do n.º 2 do artigo 94, e artigos 73 e 74, estes últimos por remissão daquele.
Conforme ressalta Paulo Brossard citado por Gustavo Paim, “sempre se considerou que no poder de criar comissões de inquérito estão contidos todos os necessários ao regular o funcionamento delas, segundo a regra de quem quer os fins confere os meios necessários à sua prossecução”[44].
O próprio parlamento deve possuir meios hábeis para o cumprimento das suas deliberações, aplicando-se a imperatividade e a autotutela dos actos administrativos. Portanto, os poderes conferidos às Comissões de Inquérito devem permitir que o Poder Legislativo faça cumprir suas deliberações, devendo recorrer ao Poder Judiciário subsidiariamente, onde houver reserva jurisdicional[45].
“Artigo 96
1. As comissões de inquérito gozam dos poderes de investigação próprios de autoridades judiciárias”.
A questão a que se coloca é a de se saber a que autoridades judicias o legislador quis se referir. Tem-se entendido que os poderes que as Comissões Parlamentares de Inquérito são os do juiz criminal na fase da instrução.
O sentido da expressão poderes de investigação próprios de autoridades judiciárias, é o de criar para a comissão parlamentar de inquérito o direito – ou, antes, o poder- de atribuir às suas determinações o carácter de imperatividade. Suas intimações, requisições outros actos pertinentes à investigação devem ser cumpridos e, em casos de violação, ensejam o accionamento de meios coercitivos. Tais medidas, porém, não são auto executáveis pela comissão. Como qualquer acto de intervenção na esfera individual resguardada constitucionalmente, deverá ser precedida de determinação judicial.
O Tribunal Constitucional de Portugal[46] explicou o conteúdo jurídico da expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais” ao afirmar que as comissões parlamentares de inquérito
“detêm poderes idênticos, aos reconhecidos aos órgãos de jurisdição penal na fase instrutória e que, no âmbito dos poderes de investigação, cabe perfeitamente a recolha de informações e de outros elementos de prova sobre os factos ou comportamentos com relevância jurídico-penal ou em relação aos quais tenha sido instaurado ou venha a ser instaurado procedimento criminal”.
Conforme (PAIM, 2008, p. 32) citando Alexandre Moraes, os poderes de investigação próprios de autoridades judiciais são aqueles que os Magistrados possuem durante a instrução processual penal, relacionados à dilação probatória, em busca da famigerada ‘verdade material’[47].
(LAMY, 2009, p. 70) na sua publicação na revista Brasileira de Direito Constitucional ensina que Autoridades judiciais são os juízes. Os juízes possuem poder de investigação inerente às competências de processar e julgar”.
Não se trata de um poder investigatório geral, mas de um poder de investigação de factos que apresentem um nexo lógico com objecto concrecto de investigação que justificou a criação da CPI.
Não obstante, releva ponderar que a atribuição investigatória recebida pelas comissões parlamentares de inquérito deverá ser exercida nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que o ordenamento jurídico impõe aos Juízes, especialmente quanto ao dever de fundamentar as suas decisões.
De acordo com (LAMY, 2009, p. 71), “se as comissões podem investigar como os juízes, devem submeter-se às mesmas limitações destes: requisitos formais, necessidade e adequação de quaisquer medidas ou deliberações. Devem afastar-se das Comissões se houver qualquer impedimento ou suspensão, tratar com urbanidade a todos os investigados ou convocados”.
Partilhando o mesmo entendimento, (PAIM, 2008) em seu estudo monográfico, refere que “as CPI´s, terão, em regra, os mesmos poderes instrutórios que os magistrados possuem durante a instrução processual penal, mas deverão ser exercidos dentro dos mesmos limites impostos ao Poder Judiciário[48], seja em relação aos direitos fundamentais, à necessária fundamentação e publicidade, bem como à necessidade de resguardo de informações sigilosas, impedindo que as investigações sejam realizadas com a finalidade de perseguição política, ou de aumentar o prestígio dos investigadores, em detrimento dos investigados, humilhando-os e devassando, desnecessária e arbitrariamente, suas vidas privadas e intimidade[49].
As comissões parlamentares de inquérito, apesar da previsão regimental, não detêm os mesmos poderes de investigação judicial dos magistrados porque os parlamentares não podem restringir os direitos fundamentais. Uma comissão parlamentar de inquérito não pode, por exemplo, decretar a prisão preventiva do indiciado, determinar uma busca e apreensão domiciliar ou autorizar uma interceptação telefónica. Trata-se de poderes que são, por Constituição reservados para os magistrados.
No nosso ordenamento jurídico, as comissões parlamentares de inquérito tem:
a) O direito de convocar membros do Governo, representantes de órgãos estatais, pessoas individuais ou colectivas, para o cumprimento da sua missão – qualquer um que for convocado, tem a obrigação de comparecer perante a comissão ou justificar a sua ausência nos termos da lei processual penal[50]. A falta de justificativa legal pelo não comparecimento constitui crime de desobediência e a recusa de depoimento constitui um crime de desobediência qualificada, para efeitos do Código Penal[51] (conforme artigo 94, conjugado com al. a) n.º 1 e n° 4 do artigo 74, todos do RAR).
Importa referir que a convocação para comissão de qualquer cidadão deve ter um nexo com os factos relativos ao inquérito.
Nos termos da lei processual penal, aplicável ao regime das comissões parlamentares de inquérito, por força das disposições do n.º 1 do artigo 96 do RAR, ninguém poderá recusar-se a depor, ressalvando-se os casos exceptuados por lei[52]. São então, esses motivos para recusa de depoimento no âmbito do inquérito parlamentar, por aplicação das disposições da lei processual penal: a condição de Ministro de qualquer culto[53], legalmente permitidos, os Advogados[54], Procuradores[55], Notários, Médicos[56] ou Parteiras sobre os factos que lhes tenham sido confiados ou de que tenham conhecimento, no exercício das suas funções ou profissão; a condição de Servidor público e qualquer pessoa que, em razão da sua actividade profissional, tenha acesso à informação classificada como sigilosa[57]/[58], no que concerne a factos que possam constituir segredo de Estado, secretos, restritos e confidenciais[59], a alegacão de que das respostas possa resultar a responsabilização penal ou que se refere a factos desonrosos para depoente, seus descendentes ou ascendentes, irmãos, afins nos mesmos graus, marido e mulher[60].
Embora não previsto na lei processual penal, poderão se recusar a depor, também, o companheiro e companheira, uma vez que a nossa Lei da Família equiparou, no n°.1 do artigo 202, a União de facto a uma entidade familiar[61]. Assim, o companheiro ou companheira tem o mesmo direito que o cônjuge tem de não depor.
O artigo 230 do CPP define que as testemunhas e declarantes serão sempre inquiridas individualmente uma das outras, de maneira que uma não saiba nem ouça os depoimentos das outras. Importante acrescentar que a comissão parlamentar de inquérito ainda pode fazer a acareação entre as testemunhas ou declarantes, ou outras pessoas, nos termos do artigo 239 do CPP.
Nos termos do §1° do artigo 96 do CPP, consagra-se que as testemunhas tomarão sempre perante o Juiz o compromisso de, sob sua honra dizer a verdade. Ademais, nos termos do §3, do mesmo artigo, o Juiz poderá sempre advertir aas pessoas que prestem compromisso de honra da pena em que incorrem se a ela faltarem. Assim, a testemunha ou declarante que fizer afirmação falsa, negar ou calar a verdade perante a comissão parlamentar de inquérito estará a incorrer no crime de falso testemunho, punido nos termos do artigo 588 do Código Penal. (GONÇALVES, 1978, p. 334) ensina que a recusa a prestar juramento equivale à recusa a depor. Assim, equiparando-se a falta de juramento à recusa a depor, aplicar-se-ão as disposições do artigo 242 do CPP. No entanto, deve-se considerar a susceptibilidade de aplicação destas disposições que a testemunha tenha o dever de depor, o declarante de prestar declarações[62].
Por outro lado, pode-se levantar uma certa polêmica os § 2 e 3 do artigo 96 do CPP: se a testemunha ou declarante que não prestou compromisso de pela sua honra dizer a verdade, poderá ser sujeito activo do crime de falso testemunho.
(FRAGOSO, 1981, p. 509) sustenta que não comete crime a testemunha não compromissada. Contrariamente, (HUNGRIA, 1958, p. 490), (NORONHA, 1978, p. 482) e (TOURINHO FILHO, 1990, p. 282) afirmam que a testemunha não compromissada (informante) pode cometer crime de falso testemunho.
As testemunhas devem sempre dizer a verdade e sob juramento. Aquela que for encontrada a testemunhar em falso em processo judicial come o crime de perjúrio nos termos do art.442, do Código de Processo Penal, conforme ensina (SOUSA, 2015, p. 654)[63]. De facto, só haverá crime de falso testemunho e passível de sancionamento penal, tendo havido antes prestação de juramento de dizer só a verdade.
b) Recorrer a contratação de especialistas – al. d) n.º 1 do artigo 74 do RAR – a contratação de especialistas tem como fim a coadjuvação da comissão no exercício da sua investigação.
A contratação de especialista é um acto que, entende-se que tem um regime próprio. Tratando-se de um acto administrativo que no fundo cai na esfera da Assembleia da República, não se quem tem legitimidade e sob que pressupostos para a contratação de um especialista. Será um acto deliberado e livre da comissão, ou é necessária a anuência da Presidente da Assembleia da República? Nos termos do disposto na al. e), n.º 2 do artigo 47, competente à Presidente da Assembleia da República, velar pela gestão do património e do pessoal da Assembleia da República e exercer a acção disciplinar sobre este. Deste modo, subtende-se que a contratação de especialistas para a coadjuvação da comissão parlamentar de inquérito também esteja na esfera desta competência.
c) Acesso a documentos[64] confidenciais, mediante requerimento, devendo os deputados observar rigorosamente, as condições estipuladas na lei ou na autorização de acesso, sendo obrigados a guardar sigilo, sob pena de incorrer em sanções criminais e civis e outras previstas na lei[65] – a al. c) do n.º 1 do artigo 74 do RAR autoriza expressamente às comissões parlamentares de inquérito a requisição de documentos.
A função da prevalência do interesse público sobre o interesse privado é exactamente de legitimar a intervenção do Estado nas relações privadas, para que prevaleça a vontade da colectividade e garanta a sobrevivência da própria individualidade dos cidadãos. Havendo algum elo entre os documentos privados e o interesse público, indubitavelmente nada impedirá a sua requisição perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
As comissões parlamentares de inquérito, não podem, por exemplo, requisitar livros comerciais e escrituração mercantil das sociedades comerciais, desde que não haja qualquer facto relacionado ao poder público que dê ensejo à investigação, como por exemplo, a existência de um vínculo legal ou contratual.
No entanto, outros cultores de Direito entendem que o princípio da legalidade e da autonomia da vontade obstam que as comissões parlamentares de inquérito intrometam-se em assuntos reservados exclusivamente ao âmbito privado, uma vez que não há nenhuma previsão legal permitindo tal proeza.
Importa referir que os poderes de investigação atribuídos a uma comissão parlamentar de inquérito, só podem ser exercidos pelos seus membros mediante a prévia e expressa autorização da comissão por decisão maioritária. Sem essa autorização, o exercício de qualquer poder, ainda que seja exercido pelo presidente ou pelo relator da CPI, é arbitrário.
3.2. Limites dos Poderes de Investigação Próprios de Autoridades Judiciais
Assim como os Juízes, as comissões parlamentares de inquérito não detêm poderes instrutórios ilimitados, pelo que devem respeito aos direitos e garantias fundamentais consagrados na nossa ordem constitucional.
Como afirma (CANOTILHO J. J., p. 295), se diante de uma investigação que possa ser (ou já é) objecto de processo criminal, devem as comissões parlamentares de inquérito, ademais, respeito aos princípios e formalidades de processo penal.
“As comissões parlamentares de inquérito devem cingir-se à esfera de competências do parlamento, sem invadir atribuições de outros Poderes, não podendo legitimamente imiscuir-se em factos da vida privada nem se investir na função de polícia ou de investigador criminal.”[66]
Os poderes das comissões parlamentares de inquérito têm um limite naqueles direitos fundamentais que dos cidadãos que, mesmo em investigação criminal, não podem ser afectados senão por decisão do Juiz.[67]
O entendimento de (CANOTILHO J. J., 1991, p. 752) é de que as comissões parlamentares de inquérito não podem incidir sobre a esfera privada do cidadão, valendo a protecção dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrada perante os inquéritos parlamentares.
Os poderes da Comissão Parlamentar de Inquérito, por não serem absolutos, sofrem as restrições impostas pela Constituição da República, sendo limitados pelos direitos fundamentais dos cidadãos, que somente poderão ser afectados nas hipóteses e forma que a própria constituição estabelece.
O delineamento dos poderes e limites de uma comissão parlamentar de inquérito tem o objectivo de evitar o despotismo dos parlamentares e assegurar o Estado do Democrático de Direito. Os direitos fundamentais dos cidadãos constituem limite intransponível às comissões de inquérito:
“No desempenho das suas funções, não poderão deixar considerar que a integridade moral e física dos cidadãos é inviolável, que a todos os cidadãos é reconhecido o direito ao bom nome, à intimidade da vida privada e familiar, que em suas conclusões não poderá constar algo que possa ofender a integridade moral das pessoas, nomeadamente a imputação de crimes, tendo em vista que todo o investigado se presume inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação”[68].
Alias, o controlo jurisdicional dos actos dos demais poderes é traço característico do Estado do Direito, tendo em vista imperar o regime da legalidade.
Assim, não pode o judiciário deixar de prestar jurisdição para assegurar direitos previstos na Constituição, que sejam violados ou ameaçados de violação de acto de autoridade praticado com ilegalidade ou abuso de poder, até mesmo para preservar o princípio constitucional da separação de poderes. O poder de investigação do Parlamento é limitado pela Separação de Poderes. O Parlamento não pode usurpar as funções atribuídas aos outros poderes, designadamente o Judicial (os tribunais).
Assim, em nenhuma hipótese admite-se que a Comissão Parlamentar de Inquérito usurpe os poderes do Judicial, ou com ele crie uma situação de se rivalizar.
Como visto, os actos de intervenção na esfera individual, com protecção constitucional, tomados por comissão parlamentar de inquérito, deverão ser precedidos de determinação judicial.
Confira-se, a propósito, a lição de (CAMPOS, p. 372) citando Anschütz, Gerhard: Des Verfassungdes Deutschen Reichs. 1933, p. 222-23:
“Os meios para assegurar, de modo coercitivo, a produção de informações, a detenção, a busca e apreensão e outras medidas de caráter formalmente judiciário só podem ser utilizados mediante a intervenção da autoridade judiciária competente.
A busca e apreensão é um instituto especificamente de direito processual. A investigação parlamentar não é uma investigação de natureza criminal”.[69]
3.2.1. Da possibilidade de ordenar Prisão
A ordem regimental concedeu às Comissões parlamentares de inquérito os poderes próprios de investigação semelhantes aos atribuídos às autoridades judiciais. Esses poderes, de investigação não se confundem com os poderes jurisdicionais[70] em sentido material. Não cabe pois, à comissão parlamentar de inquérito dizer o Direito aplicável aos casos concretos, em qualquer hipótese, praticar actos materiais coercivos ou determinar providências cautelares.[71]/[72]. Isto significa que elas não produzem decisões de conhecimento – sejam condenatórias, constitutivas, de simples apreciação – nem de execução. Mas, tais comissões podem ter legítimos fundamentos para pretender que sejam tomadas medidas cautelares como a de prisão preventiva, a indisponibilidade de bens, arresto, proibir ou restringir a assistência jurídica dos investigados, ou até mesmo a proibição de alguém ausentar-se do país. Neste caso, deverão apresenta-los à autoridade competente, com o requerimento adequado.
Todavia, as pretensões das Comissões Parlamentares de Inquérito de obter medidas restritivas de direitos deverão ser precedidas de decisões tomadas com observância dos requisitos formais e materiais próprios. Assim, terão de ser objecto de deliberação adequada, respeitados os procedimentos e o quórum previstos no RAR. Ademais, deverão acatar princípios constitucionais como o da publicidade (previsto nos termos do n.º 2 do artigo 65 da CRM).
Ademais, e como já se referiu acima, uma comissão parlamentar de inquérito não parece achar-se investida da extraordinária competência para impor, por acto próprio, a privação da liberdade individual[73], ressalvando-se a hipótese de flagrante delito[74], pois que qualquer pessoa do povo poderá efectuar a prisão dos infractores[75] (esta normalmente, é por falso testemunho).
A nossa Jurisprudência Constitucional configura claramente esta limitação, ao firmar que :
“(…) declarar inconstitucionais as normas constantes do corpo e § único, nºs 1º, 2º e 3º, do artigo 293º do Código de Processo Penal, conforme a redacção introduzida pela Lei nº 2/93, de 24 de Junho, na parte em que essas disposições se referem a várias autoridades administrativas como autoridades de polícia de investigação criminal, atribuindo‐lhes competência para ordenar prisão preventiva fora dos casos de flagrante delito, por violação da regra da exclusividade da competência da autoridade judicial, plasmada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 64, nºs 2 e 4, e 212, nºs 1 e 2, ambos da Constituição, e ainda por transgressão do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 134, também da Constituição;
declarar inconstitucional a norma constante do corpo e nº 1º do § único do 293º do Código de Processo Penal, na parte em que atribui ao Ministério Público a competência para ordenar prisão preventiva fora 32 Acórdão nº 04/CC/2013, de 17 de Setembro dos casos de flagrante delito, bem como da alínea f) do nº 1 do artigo 43 da Lei nº 22/2007, de 1 de Agosto, Lei Orgânica do Ministério Público, com a nova redacção introduzida pela Lei nº 14/2012, de 8 de Fevereiro, por violação da regra da exclusividade de competência da autoridade judicial, plasmada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 64, nºs 2 e 4, e 212, nºs 1 e 2, ambos da Constituição;”[76]
No nosso sistema de Direito constitucional positivo, os casos de privação da liberdade individual somente podem derivar de uma situação de flagrante delito ou de ordem judicial provinda de uma autoridade judicial competente[77]. A liberdade é um bem jurídico constitucionalmente protegido. Por via disso, só poderá ser ela restringida ou vulnerável nas hipóteses previstas de modo explícito na Constituição assim como na lei.
Como se pode depreender, a possibilidade de uma Comissão Parlamentar de Inquérito decretar uma medida restritiva de direitos e liberdades individuais, já mereceu atenção da nossa jurisprudência constitucional, pese embora não se tratando, no caso in concreto das Comissões Parlamentares de Inquérito.
Em jeito de conclusão, pode-se dizer que as Comissões Parlamentares de Inquérito não têm poderes jurisdicionais. Não podem, por isso, tomar deliberações restritivas de direitos, seja de caracter permanente ou temporário. Por tal razão, não têm competência para decretar prisão, – acto privativo da autoridade judicial, como já se viu, salvo em casos de flagrante delito, nos termos também acima expostos – nem tão pouco para medidas cautelares constritivas de direitos, como a indisponibilidade de bens. Podem, no entanto, requerer tais providências à autoridade competente – autoridade judicial, mediante a apresentação de forma articulada a pretensão e seus fundamentos.
3.2.2. Da possibilidade de busca e apreensão
De igual forma, tal como se referiu quanto à possibilidade de ordenar a prisão fora de flagrante delito, a Comissão parlamentar de inquérito, quanto ao que a busca e apreensão diz respeito não poderia, por seus próprios meios, efectuar a busca e apreensão de papéis ou outros objectos. Deverá, para tanto, requerer tal providência a uma autoridade judicial.
A nossa constituição consagra a proibição da inviolabilidade do domicílio e da correspondência no seu artigo 68 e, estabelece que:
1. O domicílio e a correspondência ou outro meio de comunicação privada são invioláveis, salvo nos casos especialmente previstos na lei.
2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas especialmente previstas na lei.
3. Ninguém deve entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.
O legislador Constituinte concede uma protecção especial ao domicílio profissional do Advogado, nos termos do n.º2 do artigo 63 da CRM.
Como se pode depreender, a inviolabilidade do domicílio (no sentido mais amplo, abrangendo até mesmo quarto do hotel ocupado ou estabelecimento profissional privado) está constitucionalmente protegida com expressa reserva de jurisdição.
Incide pois, sobre a actuação das Comissões Parlamentares de inquérito a chamada cláusula de reserva de jurisdição. Esta há-de consistir na expressa previsão Constitucional de competência exclusiva dos órgãos do poder judicial para a prática de determinados actos. Assim, por exemplo, o caso sob análise (artigos 63/2 e 68 ambos da CRM), que excepciona a invasão do domicilio durante o dia obviamente, mediante uma determinação judicial e, no caso de tratar-se do domicílio profissional do Advogado, a nossa Constituição exige a presença do Juiz que autorizou as buscas e apreensões, o Advogado e de um representante da ordem dos Advogados, quando esteja em causa a práctica de facto ilícito punível com prisão superior a dois anos e cujos indícios imputem ao Advogado a sua prática. Nestas e demais hipóteses, a Comissão Parlamentar de inquérito carece de competência constitucional para a práctica desses actos, devendo para tal, solicitar a uma autoridade competente.
(CANOTILHO J. J., 2003, p. 669) equipara a reserva de jurisdição ao monopólio da primeira palavra, monopólio do Juiz, quando, em certos casos litígios, compete ao Juiz não só a ultima e decisiva palavra mas também a primeira palavra referente a definição do Direito aplicável a certas relações jurídicas.
Como afirmado por (BARROSO, 1992, p. 173), “ultrapassaria com exagero os limites da razoabilidade a suposição de uma comissão parlamentar de inquérito – instância política, sujeita a paixões e excessos – pudesse livremente dispor da privacidade das pessoas, invadindo domicílios e escritórios, e apreendendo o que lhe aprouvesse”.
Também favoráveis à reserva de jurisdição para as buscas e apreensões são Uadi Lammêgo Bulos e Odívio Rocha Barros, respectivamente in verbis:
“Pela reserva constitucional de jurisdição as comissões parlamentares de inquérito estão proibidas, ex própria autoritate, de determinar buscas e apreensão domiciliar de objectos e documentos, pois a casa é asilo inviolável do indivíduo (…)[78]
(…) não tem a Comissão Parlamentar de Inquérito competência ou atribuição, para autorizar buscas e apreensões domiciliares. Trata-se de competência reservada, de forma exclusiva, ao Poder Judiciário”.[79]
Em sentido oposto, encontram-se (MIRANDA, 1953, p. 267). Este pondera que “ As buscas e apreensões são pertinentes quando há razões fundadas para se terem como indispensáveis. Realizam-se por intermédio da autoridade policial, ou por mandado da comissão de inquérito[80]. Já para (BARBOSA, 1988, p. 112):
“Comissão parlamentar de inquérito pode efectuar, ou pela sua secretaria ou pela polícia da Câmara que a constituiu, ou ainda, mediante requisição à autoridade policial do Executivo, quaisquer medidas cautelares, entre as quais buscas e apreensões, que a seu juízo, se fizerem necessários.”[81]
O que se percebe é que a busca e apreensão têm como objecto primordial evitar o desaparecimento das provas do crime (conforme se alcança do consignado no artigo 203 do CPP). No entanto, as comissões parlamentares de inquérito não têm por finalidade apurar crimes in abstrato. Logo, não cabe a busca e apreensão de papéis ou outros objectos tanto de órgãos públicos como de pessoas naturais ou jurídicas, em qualquer lugar, e em especial a busca domiciliar, dependendo, em qualquer hipótese (ressalvando-se sempre o caso de flagrante delito, de prestação de socorro, desastre) de autorização judicial para cujo requerimento e fundamentos deverá demostrar a pertinência e da necessidade, e o nexo lógico.
3.2.3. Da possibilidade de quebra de sigilo de dados
A questão que se coloca também relativamente a este item é relativa a possibilidade de a Comissão Parlamentar de Inquérito realizar directamente a quebra do sigilo de dados.
Tal como já se referiu no item anterior, os poderes de investigação devem respeitar a intimidade, a vida privada, a imagem, os direitos e garantias fundamentais. Por isso, sempre se recomendou seguir os parâmetros das normas processuais penais, para assegurar este respeito.
Com efeito, estabelece o n.º 1 do artigo 68 da Constituição da República, estabelece que “o domicílio e a correspondência ou outro meio de comunicação privada são invioláveis, salvo nos casos especialmente previstos na lei”
Nos termos do consignado no artigo 25 da Lei do Direito à informação, (Lei n.º 34/ 2014, de 31 de Dezembro),
“As informações relativas à reserva da intimidade na vida privada de uma pessoa física identificada ou identificável na posse de autoridades não podem ser divulgadas, senão em virtude de uma decisão judicial”.
A ruptura de dados pessoas somente pode ocorrer mediante exercício do poder jurisdicional. Estamos diante de matéria reservada, exclusivamente ao Poder Judicial, a quem cabe dizer, na feliz expressão de Canotilho, a primeira e a última palavra.
No que diz respeito, por exemplo[82], às comunicações telefónicas (como ensina (BARROSO, 2008, p. 18), não se confunde a interceptação telefónica – isto é, a efectiva captação de conversa alheia – e os registos existentes na companhia telefónica acerca de ligações que tenham sido feitas. Ouvir a conversa de alguém é diferente de verificar que chamadas partiram de um determinado telefone ou foram por ele recebido. Nada obstante serem coisas diversas, ambas as hipóteses estão compreendidas na inviolabilidade das comunicações telefónicas. De facto, saber quem se ligou pode ser tão evasivo da privacidade quanto saber o que foi falado.
A interceptação telefónica versa sobre algo que está ocorrendo, ou seja, é o terceiro que grava a conversa entre duas pessoas que desconhecem o facto. A interceptação sem autorização constitui um crime punido nos termos da lei penal[83]. A gravação das conversas telefónicas implica o registo do diálogo de duas pessoas, porém, uma delas tem ciência da gravação.
As comunicações telefónicas não significam, apenas conversas havidas por telefone, mas tudo o que com elas, comunicações telefónicas se relaciona. Em certos casos poderá interessar muito mais ao indivíduo o sigilo dos mencionados dados do que a própria conversa.
Nestes casos, assim como nos outros acima referenciados, como de busca e apreensão, prisão fora dos casos de flagrante delito, haverá sempre necessidade de uma autorização de uma autoridade competente, a autoridade judicial para que se possa proceder a quebra desse direito constitucionalmente consagrado. Importa referir que aceita-se a quebra do sigilo. No entanto, isso não significa que as informações deixem de estar resguardadas pelo sigilo. Ou seja, levanta-se o véu apenas para os membros da comissão. Aos demais parlamentares não se franqueia o acesso aos dados que continuam sigilosos, muito menos para os demais cidadãos.
Com a transmissão das informações pertinentes aos dados reservados, como refere o artigo 25 da Lei do Direito à Informação, transfere-se para a Comissão Parlamentar de Inquérito a nota de confidencialidade relativa aos registos sigilosos. Isso significa, portanto, constitui comportamento altamente censurável, a transgressão pelos membros da Comissão, do dever jurídico de respeito e de preservação do sigilo concernente aos dados a ela transmitidos.
Relativamente a possibilidade de quebra de sigilo bancário, ou das operações financeiras não parece as Comissões Parlamentares de Inquérito estejam investidas de tais poderes, porquanto, nos termos das disposições do artigo 23 da Lei do Direito à Informação:
“1. É proibida a divulgação, a revelação ou utilização de informação sobre factos ou elementos respeitantes à vida de instituições de crédito e sociedades financeiras ou às relações destas com os seus clientes, cujo conhecimento advenha exclusivamente do exercício de funções ou da prestação de serviços. (…)
2. Os factos ou elementos das relações do cliente com as instituições de crédito e sociedades financeiras podem ser reveladas, mediante autorização expressa do cliente.”
Como se pode notar, relativamente a esta norma proibitiva estabelece-se uma excepção que é da revelação dos factos ou operações financeiras mediante a expressa autorização do cliente, ou seja, se o cliente se opuser á revelação da informação, a Comissão Parlamentar de Inquérito, não pode de per si quebrar o sigilo bancário.
A Lei nº 15/99, de 1 de Novembro, Lei que regula o estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das Sociedades Financeiras, alterado pela lei n.º 9/2004, de 21 de Julho, alargou o âmbito da excepção, incluindo de forma expressa a possibilidade de quebra de sigilo bancário por uma ordem judicial, assinado por um Juiz de Direito. Assim, havendo necessidade de quebra de sigilo bancário, as Comissões Parlamentares de inquérito terão, aqui, igualmente que recorrer a uma ordem de um órgão de autoridade competente para o efeito. No entanto, nos termos do consignado no artigo 20 da Lei n.º 14/2014, de 12 de Agosto, pese embora as instituições financeiras e não financeiras devam prestar colaboração às autoridades judiciais, fornecendo informações sobre operações realizadas pelos seus clientes ou apresentando documentos relacionados, com as respectivas operações, bens, depósitos ou quaisquer outros valores à sua guarda, o pedido de colaboração destas autoridades judiciais deve fundar-se num processo-crime em curso, devidamente individualizados suficientemente concretizado. Deste modo, não constituindo objecto das Comissões parlamentares de inquérito os processos-crime, estas não poderão se socorrer do poder jurisdicional para requerer a quebra do sigilo bancário.
Igualmente, o acesso a arquivos, ficheiros e registos informáticos ou de bancos de dados para o conhecimento de dados pessoais relativos a terceiros, nem a transferência de dados pessoais de um para o outro ficheiro informático pertencente a distintos serviços ou instituições é proibida nos termos consignados no n.º 3 do artigo 71 da Constituição da República, ressalvando-se os casos especialmente previstos na lei ou por uma decisão judicial. O acesso aos dados pessoais constantes de registos informáticos parece que está igualmente limitado ao domínio de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, estando abarcado pela já mencionada reserva de jurisdição.
4. Funcionamento
4.1. Publicidade e Dever de Sigilo
Uma questão que se reveste da maior importância diz respeito ao carácter público ou secreto das reuniões da Comissão Parlamentar de Inquérito. Uma e outra das soluções têm tido os seus adeptos e têm sido adoptados por diferentes parlamentos consoante ganhe maior peso ou argumento a favor de uma ou outra das soluções, surgindo, amiúde soluções eclécticas, ou correctoras de carácter casuístico. Assim, em países onde prevalece a regra do segredo, em determinadas situações, a Comissão pode permitir a publicidade; «mutatis mutandis», nos países onde impere a regra da publicidade, a Comissão, pode decidir, em casos concretos, obstar a essa publicidade[84].
«Para justificar o princípio de que as suas reuniões deveriam ser públicas, ressalta o desejo de que os trabalhos parlamentares sejam acompanhados pela opinião pública para que esta conheça a par e passo, toda a actividade da Assembleia da República. Nele se inclui a pretensão de uma maior transparência dos processos parlamentares e uma mais cuidada informação dos motivos e processos que fundamentam as deliberações consequentes da actividade parlamentar». Por outro lado, a publicidade «permite o controlo e eventual apoio da opinião pública. Os trabalhos desenrolam-se à luz do dia, o que está conforme o exercício de democracia parlamentar que não deve cair no confidencialismo. A publicidade, caso encontre eco na opinião pública, constitui uma forma de pressão sobre o Executivo.
Contra a publicidade alinham-se, também, vários argumentos.
A publicidade pode inegavelmente tornar-se um instrumento de luta política. Os partidos mais poderosos podem ser tentados a abusar da situação. Pode, também, ser intimidatória, mesmo perigosa, para as testemunhas, desde que as pessoas inquiridas não gozem de garantias.
(FERREIRA, 1999, p. 59), refere que os que defendem o secretismo defendem que só com reuniões à porta fechada se pode garantir a racionalização dos argumentos, o esbatamento das diferenças partidárias em prol da seriedade e da isenção da investigação e a prevalência da preocupação em aprofundar a documentação e os depoimentos, em detrimento da obsessão em aproveitar holofotes da comunicação social para publicar documentos. Prejudicando ate a eficácia do inquérito.
No ordenamento jurídico pátrio, o modelo adoptado é de secretismo. Ou seja, todos trabalhos realizados pela Comissão, devem ser mantidos secretos até á data do depósito do relatório final ao Plenário da Assembleia da República. Tal conclusão resulta da disposição do artigo 98 do Regimento da Assembleia da República[85].
Assim, o membro da Comissão, assim como aquele que a qualquer título assistam ou participem dos trabalhos da Comissão, têm sempre o dever de guardar segredo, sob pena de ser civil ou criminalmente incorrer em sanções[86].
4.2. Extinção da CPI
As comissões parlamentares de inquérito, criadas com objectivo determinado de averiguar determinados factos, terminam naturalmente, o seu mandato, com a prossecução do objectivo para que foram criadas. É essa solução uniforme nos ordenamentos jurídicos.
Questão que se discute na doutrina – é a de se saber se o mandato de uma Comissão Parlamentar de inquérito termina automaticamente com o final da legislatura ou com a dissolução antecipada do Parlamento. A opinião prevalente e com a qual perfilhamos, responde afirmativamente, partindo da constatação de que não se vislumbra como um órgão do parlamento que perdeu a sua legitimidade eleitoral possa continuar em exercício, por outro lado, os seus membros deixariam de gozar da imunidade parlamentar.
(DESANDRE, 1988, p. 17) refere-se-lhe como a teoria da «tábua rasa». Escreve: “Em virtude da teoria designada por «tábua rasa», há uma verdadeira ruptura e a nova Assembleia é livre de agir como bem entenda”.
Como anotou-se quando se falou do requisito relativo à indicação expressa do período de duração de uma CPI, esta extingue-se igualmente pelo fim da respectiva legislatura. “Sendo o inquérito de natureza política, caberá à nova Assembleia decidir ou não pela realização de novo inquérito” (FRAGA, 1997, p. 424).
A questão que se levanta, aqui, é se a nova comissão pode utilizar os elementos recolhidos pela anterior comissão. Legislações como francesa entendem que não, dada a regra do segredo dos trabalhos da comissão. Entre nós, pensamos não haver disposição legal que se oponha a esse aproveitamento.
4.3. Relatório Final
Findo o trabalho da comissão parlamentar de inquérito, suas averiguações e conclusões são materializadas em um relatório final de caracter propositivo que, por tudo já exposto, evidentemente não tem natureza jurídica de sentença, nem se reveste das características das deliberações submetidas aos estatutos do direito administrativo. Como ensina (CARAJELESCOV, 2004, p. 41), “suas conclusões podem ser havidas como decisões tão somente do ponto de vista da lógica. São decisões ou conclusões destinadas a servirem, de fundamento às resoluções da Câmara que as constituem”.[87]
Findo o prazo, se a Comissão não tiver aprovado um relatório conclusivo das investigações efectuadas, o respectivo presidente enviará ao Presidente da Assembleia da República uma informação, relatando as diligencias efectuadas e a razão da inconclusividade dos trabalhos.
Sobre a elaboração do relatório, este pode ser directamente afectado pela maioria. Sendo resultado de uma obra colectiva contêm essencialmente, os factos pretendidos pela maioria e as análises do relatório que ela aceita. O parecer dos membros da oposição pode ser eliminado. As conclusões do relatório serão aquelas que a maioria pretenda. Ou seja, a oposição pode ser totalmente ignorada.
O artigo 99 do RAR, no seu n.º 1, apenas refere que: “Terminado o inquérito, a comissão reporta ao Plenário os resultados para debate e deliberação à porta fechada”.
Resulta que a produção do relatório e conclusões do inquérito não estão adstritas a nenhuma espécie de exigências técnicas, o que permite à maioria impor um relatório de conteúdo exclusivamente político-panfletário, de acordo e a medida dos seus próprios interesses.
Não existe no ordenamento jurídico pátrio nenhuma disposição legal que torne obrigatória a inclusão no relatório o sentido de voto de cada membro da comissão, assim como as declarações de escrita. Não permite igualmente a elaboração de múltiplos relatórios, dependendo das conclusões de cada membro de cada grupo parlamentar, e ou até da maioria e da minoria.
O relatório é debatido à porta fechada e é objecto de votação pelo Plenário da Assembleia da República. Simplesmente a deliberação do Plenário é tornada pública e transmitida às entidades respectivas no que for da sua competência, após a deliberação do Plenário [88]. Tendo presente a função dos inquéritos parlamentares – que é a do controlo dos actos do governo, será a este executivo transmitida a declaração do plenário, por forma a adoptar medidas saneadoras.
O Regimento da Assembleia da República indica que as conclusões de comissão parlamentar de inquérito que se deparar com a prática de crime são transmitidas ao Procurador-Geral da República, para que, sendo titular da acção penal, promova a responsabilidade criminal dos infractores.[89]
Conclusão
Tendo em vista as considerações normativas, doutrinárias, jurisprudências e a própria reflexão sobre cada uma dessas abordagens do fenómeno das Comissões Parlamentares de Inquérito, oportuno se faz a tentativa de sintetizar algumas conclusões daquilo que foi abordado.
São ainda escassos os escritos sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito no contexto do ordenamento jurídico Moçambicano, o que de certa forma tornou a tarefa de elaboração do presente trabalho de diploma um quanto que laboriosa, para além de que a disciplina normativa das Comissões Parlamentares de Inquérito está de certa forma dispersa, o que impôs o recurso à uma cuidada hermenêutica jurídica de diversas normas jurídicas que com elas se ligam.
O conjunto de normas jurídicas que disciplina, desde o requerimento para instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito até a sua extinção, é matéria muito delicada e que por isso mesmo, necessita de uma incorporação Constitucional, por modo a não deixar o instituto vulnerável a paixões políticas e susceptível de ser usado para satisfazer interesses político-partidárias e pessoais.
O regime jurídico actual das Comissões Parlamentares de Inquérito apresenta-se como que insuficiente, clamando por uma profunda e urgente reforma, de modo a adequa-lo às actuais exigências. Assim, apresentamos, desde já, alguns contributos, como resultado de conhecimentos obtidos na fase da elaboração do presente trabalho de diploma.
1º defendemos a necessidade de se estabelecer um regime jurídico próprio das Comissões Parlamentes de Inquérito, que discipline, de forma clara, entre os vários aspectos, os requisitos para instauração, o objecto das CPI´s e em geral, o seu modo de funcionamento;
2º defendemos que a instauração de uma CPI não deva ser objecto de votação pelo Plenário, porquanto, o actual modelo faz como que factos de interesse nacional sejam dependentes do sentido do voto maioritário, limita-se o controlo da maioria pelas minorias. Deve haver possibilidade de instauração de uma CPI, de forma automática, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legalmente estabelecidos.
3º defendemos que, se os inquéritos parlamentares inserem-se na actividade informativa ou cognoscitiva do Parlamento e na sua função de fiscalizar essencialmente os actos do Governo e da Administração Pública, a legitimidade para requerer a instauração de uma CPI, deve simplesmente limitar-se aos membros do Parlamento, grupos parlamentares e órgãos funcionais da Assembleia, e não se estendendo ao Governo e demais entes públicos.
4º defendemos a ideia de que uma CPI que tem por objecto apreciar actos do Governo não deve ser presidida por nenhum deputado do mesmo partido que formou esse Governo. A verdade é que por muito sérios que sejam do ponto de vista pessoal, esses deputados terão naturalmente tendência, nem que seja no subconsciente, para “puxar a brasa à sardinha” comprometendo-se e comprometendo a seriedade de funcionamento das CPI´s.
5º defendemos que todos os deputados que integrarem uma CPI apresentem até ao início dos respectivos trabalhos uma declaração de inexistência de conflitos de interesses. Esta declaração deverá ser escrita, expressa, obrigatória e pública e deve abranger todas as entidades privadas que façam parte do objecto do inquérito parlamentar. A sanção para as falsas declarações deve ser, entre outras a de índole criminal, a perda do mandato parlamentar.
6º defendemos que as CPI´s passem a ter uma composição paritária, no sentido de que todos partidos com representação parlamentar devem indicar o mesmo número de deputados. Só esta regra impedirá que ao longo dos trabalhos das CPI´s os partidos maioritários possam condicionar, pela razão da proporcionalidade, as decisões dos inquéritos parlamentares. Outrossim, os deputados devem ser indicados pelos grupos parlamentares que representam, mas uma vez iniciados os trabalhos da CPI, os grupos já não devem ter nenhum poder, direito e nem prerrogativa sobre os deputados que os representa na CPI. Ademais, as regras de substituições devem ser clarificadas, ou seja, a lei deve definir em que situação se verifica, por exemplo um impedimento definitivo.
7º defendemos que as reuniões e trabalhos das CPI´s devem ser públicas, por forma a dar maior transparência da vida pública, de escrutínio da vida política pela opinião pública e de garantia de maior empenhamento dos deputados, eles próprios sujeitos à vista e à crítica dos cidadãos. É que, a partir do momento que as reuniões das CPI´s passarem a ser públicas, passará a ser mais fácil à opinião pública “fiscalizar” as próprias CPI´s, tornando-se, assim, inevitável a comparação entre o que se passou durante as diligências com os relatórios e as conclusões tiranas a final.
8º efendemos a necessidade de se consagrar a possibilidade de inclusão no relatório das CPI´s do voto vencido e da respectiva declaração do sentido, por forma a que se faça conhecer as razões pelas quais determinado(s) membro(s) da CPI votou contra as conclusões contidas no relatório.
9º efendemos a necessidade de se definir em sede própria os poderes das CPI´s. é verdade que a lei actual faz coincidir tais poderes aos das autoridades judiciárias e faz remissão para as prerrogativas das comissões de trabalho. Mas, em todo caso, parece-nos aconselhável, em matéria tão delicada quanto o é, definir em termos concretos quais os poderes das CPI´s e em que termos podem ser exercidos.
Informações Sobre o Autor
Joaquim António Balaze
Advogado Estagiário na Rodrigo Rocha. Advogados; Técnico Legislativo Estagiário na Assembleia da República