O seqüestro

Resultaram em delírio jornalístico o
seqüestro da filha do apresentador-mor e, depois, o repeteco
visando o próprio “homem show”. Episódios repletos de
emoções, duas mortes, um policial ferido gravemente, o chefe do seqüestro
baleado no traseiro, a moça é luterana, o empresário-ator se diz judeu, a
polícia voeja em torno como bando de gafanhotos,  o Governador por perto,
o Secretário da Segurança deitando falação, um enterro duplo, o “âncora” de
televisão expelindo críticas contra os mocinhos, o povo odiando e admirando o
homem-aranha (ou moço-aranha, pois ele só tem vinte e dois anos).

Fez façanhas o líder do seqüestro.
Desceu  nove andares escorando as costas e os pés nos vãos do prédio, num
arremedo de escalador de montanhas  (é do ramo, com certeza). Matou policiais experientes. No fim, salvou a pele
agasalhando-se no colo da vítima. Esta, de seu lado, manteve o sorriso famoso,
deu banho no matador, recuperou quase todo o dinheiro  (faltou algum, pois
o  seqüestrador, afinal, precisava compor-se), ganhou vários pontos na
mídia e rezou pelos policiais mortos.

O jovem exterminador não teve a virtude
da originalidade. Há livro  policial parecido (Não digo o nome para não
fazer propaganda de americano). Sobram algumas certezas: dois defuntos, um
investigador hospitalizado, parte da quadrilha presa e uma cicatriz no glúteo
do tresloucado. Um assassino inteligente. Preservou a pele. Preso alhures após
o extermínio, aconteceria o usual: morreria enquanto resistindo à prisão.

Certa vez, na  Argentina, explicava a algumas balconistas um desfecho complicado
extraído de um filme de Kirk Douglas. Havia muitos
personagens no enredo. Terminei a história indagando se haviam entendido tudo.
Uma delas, testa franzida, indagou: “- Adonde se coloca la bala?”

Pois é. Consta que o matador tirou o
projétil com as próprias mãos, como quem extrai o sumo de um furúnculo plantado
nas ilhargas. A bala, estranho amuleto, deve estar lá.
Ou então foi remetida à perícia. Um  pedaço de chumbo vagabundo, sem poder
algum de penetração ou  impulsionado por combustível velho. Pode ser, também, que o detetive tivesse pensado num filho
enquanto apertava o gatilho. Burrice terrível. Precisa, agora, mostrar suas
boas e más ações em outro departamento, se houver. Restou o executor. Um animal
selvagem, sim, tatuado no traseiro e apto a enfrentar anos e anos de castigo
exemplar, se não encontrar um estilete na prisão. Melhor que estar na rua.
Projéteis mais eficazes, carregados com pólvora estrangeira, fariam o serviço
com brevidade. Uma pirambeira qualquer recolheria o cadáver, o lixo servindo de
sudário. Encerre-se assim o  episódio. Fica intacto o baú.


Informações Sobre o Autor

Paulo Sérgio Leite Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.


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