Resumo: O presente estudo propõe-se a analisar de maneira crítica o sistema recursal pátrio, bem como os dispositivos do novo código de processo civil, traçando paralelos com o sistema do common law e a teoria dos precedentes judiciais. Sem esgotar o tema, utilizando os métodos dedutivo e dialético, a pesquisa tomou algumas premissas da prática jurídica, aliadas ao ensinamento doutrinário, trazendo a lume alguns dispositivos da nova lei adjetiva civil, que inovam na ordem jurídica brasileira, necessitando de compreensão e a correta distinção dos institutos: jurisprudência, enunciados de súmula e precedentes.
Palavras-chave Precedentes. Jurisprudência. Código.
Abstract: This study aims to examine critically the appeal system parental rights and the provisions of the new Code of Civil Procedure, drawing parallels with the common law system and the theory of judicial precedents. Without exhausting the subject, using the deductive and dialectical methods, the research took some assumptions of legal practice, combined with the doctrinal teaching, bringing to light some provisions of the new civil adjective law, that innovate in the Brazilian legal system, requiring understanding and the correct distinction of institutions: law, statements of precedent and precedent.
Keywords: Precedents. Jurisprudence. Code.
Sumário: Introdução. 1. Duplo grau de jurisdição. 2. Teoria dos precedentes. 3. Precedentes no novo CPC. Conclusão. Referências.
Introdução
Questão polêmica envolve a tutela recursal e o afogamento do Poder Judiciário face aos inúmeros recursos diariamente interpostos. Algumas propostas parecem inteligentes saídas a tal controvérsia, mas é preciso elucidar, preliminarmente, o cerne da discussão.
Além dos inúmeros recursos, a multiplicidade de decisões díspares causou certo “desconforto” jurídico, para não dizer, insegurança e desigualdade. A interpretação judicial, influenciada pelas nuances constitucionalistas trouxeram inúmeras interpretações, principalmente nos casos envolvendo direitos fundamentais.
Neste ponto, vale dizer que o direito de recorrer precisou ser gradualmente moldado ao longo dos anos, necessitando ser racionalizado, a fim de se obter uma resposta mais eficaz e célere da tutela jurisdicional.
O presente estudo propõe-se a elucidar os institutos em vigor no atual código de processo civil, bem como traçar paralelo com outros que virão através da entrada em vigor do novo código em 2016 (Lei 31.105/2015), dentre eles, a uniformização da jurisprudência e a obrigatoriedade de se seguir os enunciados de súmulas e precedentes dos Tribunais Superiores.
1 Duplo grau de jurisdição
O direito de recorrer está intimamente ligado ao princípio do duplo grau de jurisdição.
Para Tereza Arruda Alvim e José Miguel Medina o princípio do duplo grau de jurisdição nada mais é que um reconhecimento da falha humana, tornando possível a correção de erros que juízes de primeiro grau possam cometer. Neste ponto, existe a presunção geral de que os juízes de segundo grau estão mais habilitados e capazes de realizar “a boa justiça”. (MEDINA e WAMBIER, 2011).
Opiniões contrárias fundamentam que não é razoável a presunção de que os membros dos tribunais de segunda instância possuem maior capacidade de proferir decisões. Dentre os autores que rechaçam tal idéia cita-se Marinoni e Ada Pelegrini. Assim, o que se destaca de suas teses é a existência de um duplo grau de jurisdição não obrigatório, serviente antes ao Estado que as partes que compõe a relação jurídica processual.
A discussão sobre a obrigatoriedade ou não do duplo grau de jurisdição e a sua condição de garantia constitucional ou simples e tão somente de princípio norteador do sistema recursal é salutar para a compreensão da extensão do direito de recorrer. Deste modo, amparado por extensa construção doutrinária e jurisprudencial, bem como pela organização do próprio Poder Judiciário, o direito de recorrer torna-se matéria complexa e, portanto, suscetível a inúmeros questionamentos.
Seguindo a doutrina de Terreza Wambier e José Miguel Medina (2011), existem três fundamentos que justificam a existência dos recursos no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: o inconformismo das partes quanto à decisão proferida contrariamente ao seu interesse; o interesse do próprio Estado em que a decisão seja proferida corretamente; a necessidade de uniformização da inteligência do direito federal.
Assim, conforme se dá ênfase a um ou outro fundamento, a compreensão sobre o duplo grau de jurisdição toma rumos diferentes. Se olharmos o recurso sob o ponto de vista do interesse estatal em ter uma decisão proferida “corretamente” e da necessidade de uniformização da legislação federal, teremos por conclusão que o princípio do duplo grau de jurisdição sofre mitigações necessárias, pois serve a um ideal maior, além daquele desejado pelas partes que compõem o litígio.
Neste ponto, parece o legislador infraconstitucional estar em consonância com tal entendimento, pois estabeleceu verdadeiras exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição em dispositivos do Código de Processo Civil. Alterações substanciais no que tange aos recursos Extraordinário e Especial foram impressas pela Emenda Constitucional 45/2004 e pela Lei 11.672/2006, respectivamente. Na verdade, as alterações acrescentaram nova forma ao cabimento de tais espécies recursais, parecendo dar maior prestígio à razoável duração do processo em detrimento do duplo grau de jurisdição. Além disso, a Emenda Constitucional nº 45 trouxe ao ordenamento jurídico a Súmula Vinculante, com o intuito de privilegiar os precedentes oriundos das decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal.
No que tange à lei 11.672/2006, importante mudança ocorreu no sistema recursal, com o acréscimo do parágrafo primeiro ao art. 518 do Código de Processo Civil, com a seguinte redação: “O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.
Conforme explica Costa Machado, muitas críticas foram dirigidas a tal dispositivo, que, indubitavelmente, torna as súmulas do STF e STJ verdadeiros impedimentos ao conhecimento dos recursos. (MACHADO, 2013). Para o autor, o exercício do direito de recorrer pela parte vencida na demanda pode sofrer óbice intransponível. No entanto, a leitura do dispositivo deve ser feita de acordo com o fim social a que toda lei deve perseguir, com vistas à interpretação sistemática.
Assim, aos que consideram o princípio do duplo grau de jurisdição verdadeira garantia fundamental, poder-se-ia dizer que o volume dos recursos atualmente interpostos causa verdadeiro conflito com outra garantia fundamental: a razoável duração do processo.
No entanto, aos que não consideram o princípio do duplo grau de jurisdição garantia fundamental, tendo-o como não obrigatório, a razoável duração do processo é preponderante. Neste sentido, a teoria dos precedentes judiciais serve bem ao propósito de um sistema recursal mais célere, sem, contudo, excluir as figuras recursais já positivadas ou dificultar a interposição de recursos, sob pena de ferir o acesso à Justiça.
É o que se propõe o novo código de processo civil, através de inúmeros dispositivos que tratam da obrigatoriedade de seguir as decisões dos tribunais superiores, seus enunciados de súmula, bem como acórdãos e decisões do próprio tribunal, impondo a unificação interna dos entendimentos. É o que se verá em tópico a seguir.
2 Teoria dos precedentes judiciais
Em inúmeras passagens a lei 31.105/2015 (novo código de processo civil) faz menção a precedentes, jurisprudências, casos repetitivos, dentre outras figuras.
É inegável que há, nos últimos anos, valorização do que se conveio chamar de “jurisprudência” como fonte do direito. Alguns doutrinadores ousam dizer que este movimento é verdadeira aproximação ao sistema Common Law. (RAMOS, 2013). No entanto, autores como JURACI LOPES FILHOS (2014) explicam que é errôneo afirmar a haver aproximação ao sistema norte-americano do Common Law.
A explicação está no entendimento e extensão do “stare decisis”, que naquele sistema impõe-se como vinculante o precedente judicial, sem previsão normativa expressa. É da cultura jurídica daquele país, algo inato, arraigado ao exercício da jurisdição. Arremata dizendo que não é algo imposto pelo Legislativo, mas o respeito aos precedentes pretéritos por prudência.
Dito isto, importante esclarecer o significado e alcance da expressão stare decisis. Sendo uma das facetas do Common Law, o stare decisis consiste na vinculação da decisão de um órgão judicial a outras decisões proferidas no futuro. Em outras palavras, o precedente torna-se obrigatório. Esta vinculação pode ser horizontal (dentro da própria Corte) ou vertical.
Esclarecido este elemento essencial do Common Law, concluímos que seja talvez exagero dizer que no Brasil existe a aproximação com aquele sistema, visto que inexiste o stare decisis, ou, ele é diferente no Brasil.
E bem verdade que aqui existem as súmulas vinculantes, que são preceitos normativos extraídos de ementas de acórdãos do Supremo Tribunal Federal, que, até certo ponto, vinculam as instâncias inferiores e a próprio Corte Suprema. Juraci Lopes Filho (2014, p.125) de forma didática, faz a correta distinção entre precedente, jurisprudência e Súmula, explicando que seu alcance é totalmente distinto, sendo institutos peculiares:
“Precedente não equivale a súmula ou a jurisprudência, e os três não devem ser utilizados/aplicados da mesma forma. Pode-se adiantar que precedente é um julgamento que passa a ser referência em julgamentos posteriores. Jurisprudência é um conjunto de decisões sobre o mesmo assunto. E súmula constitui um ato administrativo de tribunal pelo qual exprime o resumo do entendimento contido em uma jurisprudência dominante. Eis a primeira distinção importante: precedente e jurisprudência são fruto de atividade jurisdicional, enquanto súmula decorre de uma atividade administrativa”.
Do exposto, as súmulas representam um entendimento arraigado de jurisprudência dominante. Em contrapartida, a jurisprudência, muitas vezes, por não ser pacífica e estável, só ganha relevância quando estável, sendo passível a interposição de incidente de uniformização.
“A jurisprudência não é algo que se ingresse de rompante da ordem jurídica. Mais se assemelha, como bem indica Kelsen, a um costume, a uma sedimentação de pronunciamento no mesmo sentido, a algo que demanda necessariamente tempo de maturação. Súmulas são diferentes – possuem uma data de ingresso no sistema jurídico (LOPES FILHO, 2014. p. 126)”.
Esclarecimento importante, no entanto, fazem os doutrinadores pátrios, no que tange ao silogismo com que os operadores do direito aplicam os pronunciamentos judiciais. Assim, as ementas das súmulas são aplicadas indistintamente, bem como a jurisprudência, sem haver a exata correlação entre os casos paradigmas e paragoados.
Quanto aos precedentes, que exigem maior acuidade na percepção hermenêutica do caso padrão e do caso futuro, existe teoria mais complexa, universal, sendo aplicada da mesma forma seja qual sistema jurídico adote o país. (DERZI e BUSTAMANTE, 2014).
Dentro da teoria dos precedentes judiciais, destacamos um instituto que merece análise minuciosa: a ratio decidendi.
De antemão, Luis Guilherme Marinoni explica que “a ratio decidendi não tem correspondente no processo civil adotado no Brasil, pois não se confunde com a fundamentação e o dispositivo”. A ratio decidendi é a razão de decidir, os motivos que levaram aquele magistrado a decidir daquela forma, razões exteriorizadas através da motivação constante do relatório. Neste aspecto, é a razão de decidir que vincula a decisão posterior ao precedente, devendo o caso posterior guardar identidade com o anterior, a ponto de a razão de decidir ser a mesma. Ainda, frise-se que a ratio decidendi não está ligada às decisões favoráveis à parte vencida. (MARINONI, 2014).
Quanto à aplicação deste instituto, discorre Luis Guilherme Marinoni (2014, p. 251)
“Ao se olhar para as razões da decisão é preciso identificar a cultura e o modo de viver da época e do lugar do caso que deu origem ao precedente, Isso porque, como é sabido, a linguagem, os conceitos jurídicos, a cultura e os valores podem variar conforme as épocas e os lugares. Contudo, como este enquadramento, ainda que dependente das razões do precedente, requer racionalidade jurídica, aquele sempre dependerá, em maior ou menor medida, da justificativa apresentada na decisão que aplicou o precedente. Na decisão do novo caso há que se justificar os critérios que levaram à assimilação dos fatos ou ao enquadramento destes em uma mesma categoria. Em outras palavras, deve haver razão para assimilar fatos, procedendo-se ao seu enquadramento em uma mesma categoria.”
Segundo TUCCI (2010), é a tese ou princípio jurídico que motiva o provimento decisório, em outras palavras, é a razão de decidir. O que se vincula é a gênese interpretativa dos princípios que norteiam o sistema, hoje fortemente influenciada pelo neoconstitucionalismo.[1] É uma questão de opção hermenêutica, nas palavras de FREDIE DIDDIER JÚNIOR (2013).
Assim, a ratio decibendi, juntamente com a análise das circunstâncias fáticas (obter dictum) compõe o distinguishing (análise da similitude dos casos/ método de confronto entre o caso supostamente análogo e o paradigma), tendo papel fundamental na teoria do stare decisis.
Mas há de haver também a identidade de objeto das demandas para perfeito encaixe, qual precedente utilizar, para estabelecer-se o vínculo, como garantia de isonomia de tratamento jurisdicional. (PORTO, 2010, p.10).
Necessário ressaltar que esta teorização, ainda que universal, serve mais aos preceitos do Common Law, visto que, no Brasil, a tradição de precedentes judiciais tem natureza interpretativa e não vinculante, ou seja, os pronunciamentos servem de guisa balizadora dos julgados posteriores, principalmente nas questões de direito discutidas em grau recursal.
Conforme explica Costa Machado, muitas críticas foram dirigidas a tal dispositivo, que, indubitavelmente, torna as súmulas do STF e STJ verdadeiros impedimentos ao conhecimento dos recursos. (MACHADO, 2012). Para o autor, o exercício do direito de recorrer pela parte vencida na demanda pode sofrer óbice intransponível. No entanto, a leitura do dispositivo deve ser feita de acordo com o fim social a que toda lei deve perseguir, com vistas à interpretação sistemática.
Embora a lei seja fonte primária do Direito, é inegável que o Poder Judiciário é o órgão responsável pela produção da norma jurídica, ou seja, a produção intelectual do conteúdo da lei, a delimitação de seu alcance e forma de aplicação. Neste sentido, é do Poder Judiciário que emana a norma aplicável ao caso concreto, norteada pelo texto de lei, mas única e específica a cada caso posto diante dos magistrados. Para o autor, em ensaio sobre as funções do Recurso especial interposto perante o STJ, é este o órgão responsável pela interpretação das leis federais, cujas decisões deveriam vincular as demais instâncias. Assim, as Cortes Superiores não têm a função de revisar as decisões dos juízos inferiores, mas de pacificar e unificar a jurisprudência, emanando verdadeiras normas norteadoras das demais decisões. Marinoni elucida que, além de unificar as decisões, a força vinculante dos precedentes é suscetível de dar segurança jurídica e estabilidade ao Direito. Tal tese é uma aproximação ao sistema do Common Law.
Sobre o Common Law e suas inúmeras facetas, explica Flávia Bezerra (2009):
“No stare decisis, só a ratio decidendi é vinculante. E, a partir daí, a todos os casos que se enquadrem em situações semelhantes, deve ser utilizada a mesma ratio decidendi, que funciona como uma norma geral para os casos concretos, dotada de binding effect ou efeito vinculante”.
Deste modo, no sistema do Common Law, o que é vinculante não é propriamente a decisão, mas a razão de decidir, que cria verdadeira norma geral a ser seguida a cada caso concreto.
Sobre o precedente judicial, explica Didier Júnior que “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Assim, cabe ao juiz extrair a norma aplicável ao caso concreto, vinculando os demais juízos, horizontal e verticalmente.
Mesmo assim, a despeito do que pretendem autores como Marinoni, o sistema recursal brasileiro, embora contenha elementos do Common Law, está muito longe de sê-lo, inclusive as Cortes Superiores estão longe de serem Cortes de precedentes. Ainda no Brasil vige a cultura de “recorrer até as últimas instâncias”, que, na prática, significa postergar o processo ao máximo.
Conforme explica Letícia Paschoal da Costa (2013).
“são vários os doutrinadores que ressaltam ser o excessivo número de recursos dispostos em nosso ordenamento, bem como a mentalidade dos operadores do direito pelo “sempre recorrer”, a causa precípua do atolamento do Poder Judiciário e da não efetividade do corolário da razoável duração do processo.”
Assim, aos que consideram o princípio do duplo grau de jurisdição verdadeira garantia fundamental, poder-se-ia dizer que o volume dos recursos atualmente interpostos causa verdadeiro conflito com outra garantia fundamental: a razoável duração do processo.
No entanto, aos que não consideram o princípio do duplo grau de jurisdição garantia fundamental, tendo-o como não obrigatório, a razoável duração do processo é preponderante. Neste sentido, a teoria dos precedentes judiciais serve bem ao propósito de um sistema recursal mais célere, sem, contudo, excluir as figuras recursais já positivadas ou dificultar a interposição de recursos, sob pena de ferir o acesso à Justiça.
O que propõe a teoria dos precedentes judiciais é a elaboração de normas jurídicas exaradas pelo Poder Judiciário, que, na sua repetição, vinculariam magistrados no que tange à razão de decidir em determinados casos análogos. Para autores como Vinicius Stefaneli Ramos (2013), é a única forma de desafogar o sistema jurídico brasileiro. Assim discorre o autor:
“Observa-se, atualmente no sistema judiciário brasileiro, uma crise instalada em função do excessivo número de demandas e recursos para os tribunais superiores. Não obstante a isso e ainda pior, observa-se também que, no plano jurisprudencial, estamos diante de uma loteria, ou seja, a sorte dos jurisdicionados está relacionada com o juiz ou tribunal que irá julgar o caso, pois diante de uma mesma regra jurídica ou princípio existem diversas interpretações diferentes. […]
Tendo os precedentes efeitos normativos (como ocorre no common law), há a obrigação de aplicá-los aos casos semelhantes em julgamento, garantindo assim, a previsibilidade do direito, sua estabilidade e principalmente o tratamento isonômico aos jurisdicionados conforme mandamento constitucional.”
Feitas tais distinções, o Novo Código de Processo Civil (Lei 31.105/2015), ao longo de suas disposições, traz diversos elementos da ‘cultura’ de precedentes. Importante especificar com maior acuidade os dispositivos, principalmente no que tange à fundamentação.
3 Precedentes no novo CPC
É notável a preocupação com a fundamentação das decisões baseadas em precedentes, principalmente para que os julgados não sejam feitos de acordo com as ementas dos acórdãos, mas com a demonstração de que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.
O art. 489, parágrafo 1º, inciso V preleciona que o magistrado deve fundamentar a decisão identificando seus elementos determinantes, não apenas se limitando a invocar precedente ou enunciado de súmula: “Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: […] V- se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Diante deste dispositivo, e outros que invocam a “tese jurídica” em si, a exemplo do art. 927, parágrafo 2º, o Novo Código de Processo Civil[2] parece, ainda que de forma tímida, importar o instituto da ratio decidendi.
O novo código, ainda, inova em alguns dispositivos ao adotar o instituto da ponderação, elemento essencial da doutrina de Robert Alexy para solução dos conflitos oriundos da colisão entre princípios (art. 489, parágrafo 2º).
Sobre a obrigatoriedade dos precedentes, discorre o caput art. 927: “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.
Ainda, no novo codex, há institutos como o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976), sendo que, em diversas passagens, faz-se menção a precedentes julgados em “casos repetitivos”.
De forma bastante sucinta, é possível descrever que o novo código parece importar alguns elementos do common law, não sendo possível, contudo afirmar a existência de verdadeira aproximação. Demonstra indiscutível preocupação com a unificação da jurisprudência, e a obrigatoriedade de se seguir as decisões e enunciados de súmulas do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional. (artigos 926 e 927).
Conclusão
Embora exista inegável valorização do Poder Judiciário e da produção de normas jurídicas no caso concreto, a aplicação do sistema de precedentes de acordo como pretende o Novo Código de Processo Civil terá longo caminho a percorrer, principalmente quanto à sua eficácia vinculante.
A tradição do civil law, tão arraigada em nosso sistema jurídico recebe influências do common law, mas a nossa maneira de enxergar as decisões judiciais não nos aproximam daquele sistema, visto que o respeito aos pronunciamentos das Cortes Superiores precisou ser positivado na nova lei adjetiva civil, já que não é inato à nossa cultura jurídica.
O presente trabalho não visa esgotar a matéria, pelo contrário, apenas deixar como contribuição o estudo sobre um tema atualíssimo, que é a segurança jurídica, igualdade e estabilidade das decisões judiciais. Conforme estruturado o sistema recursal brasileiro, é possível crer em um duplo grau de jurisdição que atenda aos anseios sociais: a busca pela verdadeira justiça no caso concreto, através da unificação de entendimentos.
Como se viu, o novo código tenta, antes de estabelecer os institutos da teoria dos precedentes, prever uma ordem de motivação racional das decisões, debatendo pontos relevante no interior dos acórdãos, evitando a aplicação equivocada de enunciados de súmulas.
Muito embora não se possa ter uma resposta de como os dispositivos expostos irão ser aplicados na prática, já que a nova lei ainda não entrou em vigor, o tema deve ser debatido, em busca da verdadeira eficácia na observância dos precedentes.
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR. Advogada da Prefeitura Municipal de Fernandes Pinheiro-PR
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