Resumo: O trabalho tem como objetivo traçar linhas principais no tortuoso caminho de proteção do sócio minoritário na sociedade limitada, tendo em vista a inexistência de instrumentos legislativos aptos para tanto no contexto nacional. O tema em questão também aborda com afinco a contextualização histórica da sociedade limitada, além de legislações problemáticas que lhe dizem respeito e das cláusulas no contrato social, bem como das clamadas cláusulas de unanimidade.
Palavras-chave: Sócio minoritário. Sociedade limitada. Contrato social. Abuso.
Abstract: The paper aims to trace the main lines in the tortuous path of protecting the minority partner in the limited liability company, in view of the lack of suitable legal instruments to both the national context. The theme in question also addresses the hard historical context of limited partnership, and problematic laws concerning him and the clauses in the social contract and the clauses unanimously.
Keywords: Minority partner. Company limited. Social contract. Abuse.
Sumário: Introdução. I. Contextualização histórica. II. Aspectos iniciais. III. O ingresso na sociedade. IV. Cláusula da unanimidade. V. Exclusão por justa causa. VI. Fiscalização dos atos de gestão. VII. Destinação dos resultados sociais. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O tema abordado “O sócio minoritário na sociedade limitada” inicia-se com uma breve contextualização histórica, a fim de que se compreenda a origem da sociedade limitada e os motivos de seu desenvolvimento: do pioneirismo alemão até o Código Civil Brasileiro de 2002. Trata-se ainda, da problemática das legislações aplicáveis às sociedades limitadas no Brasil e a influência destes sistemas na aferição de maiorias e minorias.
Posteriormente passa-se a análise de uma das principais fontes de poder do minoritário, a sua possibilidade de não ingressar na sociedade, detendo o poder de negociação acerca das cláusulas no contrato social.
O desenvolvimento trabalhará questões relativas às clamadas cláusulas de unanimidade; problemáticas envolvendo a expulsão do minoritário por justa causa; a fiscalização da gestão do empreendimento e a destinação dos resultados. Com isso, pretende-se chegar a alguns pontos de convergência a fim de que o sócio com menor capital investido possa se proteger contra abusos da maioria.
I. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
As sociedades limitadas, foco central da pesquisa em desenvolvimento, tiveram como principal objetivo a facilitação da constituição de empreendimentos de pequeno e médio porte, protegendo a figura dos sócios no que tange seus patrimônios particulares.
Note-se que as sociedades anônimas já ofereciam a referida limitação da responsabilidade, contudo, parecem aplicar-se a empreendimentos de maior vulto, o que forçou a criação de um novo modelo. A bem da verdade, as sociedades limitadas surgiram como uma alternativa para aqueles que desejavam iniciar um empreendimento cientes da sua perda máxima, nos casos de insucesso.
A Alemanha, em meados de 1892, foi pioneira na criação das sociedades limitadas, desenvolvendo um sistema que permitia ao empreendedor se desvencilhar da alta complexidade relativa às sociedades anônimas, sem abrir mão da limitação da responsabilidade.
“O pioneirismo alemão foi contestado por muitos autores, que afirmavam ter surgido o modelo da responsabilidade limitada na Inglaterra através das sociedades conhecidas por limited by garante e limited by shares. O modelo foi secundado pela francesa société à responsabilité limitée. A confusão surgiu devido à utilização dos termos limited e limitée, contudo, todos os modelos representam formas aperfeiçoadas de sociedades anônimas, o que reafirma o vanguardismo alemão quanto à criação das sociedades limitadas” (REQUIÃO, 2006, p. 476-477).
No Brasil, segundo explica Daniel Monteiro do Patrocínio:
“O Decreto n. 3.708 de 1919 instituiu e regulamentou as sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Neste modelo, uma vez integralizado o capital social, os bens dos sócios não poderiam ser alcançados, sua responsabilidade estava adstrita ao valor das quotas por ele subscritas. Esta foi a regulamentação vigente no Brasil por mais de oito décadas, recebendo eventuais aplicações supletivas do Código Comercial e da Lei das Sociedades por Ações” (PATROCÍNIO, 2008, p. 2-3).
Vale ressaltar que a nomenclatura utilizada pelo Decreto nº 3.708/1919 guardava como fonte de inspiração a legislação portuguesa do ano de 1901. A designação de sociedade por quotas de responsabilidade limitada sofreu críticas de importantes juristas, como Otto Gil, que, segundo Rubens Requião (2006, p. 476), “justificava seu posicionamento no fato de que a responsabilidade limitada era dos sócios e não da sociedade, visto que esta responderia ilimitadamente por todas as obrigações que houvesse assumido”.
Com o advento do Código Civil de 2002, as sociedades por quotas de responsabilidade limitada deixaram de ser reguladas pelo Decreto nº 3708 de 1919, passando a se chamar somente sociedades limitadas. A matéria encontra-se disciplinada pelo Diploma Civil entre os artigos 1052 a 1087.
Nos dispositivos supracitados é possível encontrar a regulamentação acerca das quotas e administração, conselho fiscal, alterações no capital social, dissolução da sociedade e resolução da sociedade em relação aos sócios minoritários.
II. ASPECTOS INICIAS
O risco é fator inerente às atividades negociais, especialmente se o empreendimento se inicia muito mais por necessidade do que por aptidão dos sócios. O sucesso não é uma certeza e por esta razão, empreendedores procuram se precaver na busca de uma atividade superavitária.
Note-se que os riscos representam não apenas aqueles relativos ao empreendimento em si, estes se somam a fatores externos de suma relevância. O Brasil, por exemplo, traduz uma realidade bastante temerária o que tange o princípio da autonomia patrimonial, guardando uma jurisprudência oscilante, não bastasse, o fator tributário altamente relevante para o desenvolvimento do empreendimento. Estes e outros pormenores encarecem a atividade negocial.
As sociedades limitadas surgem como um caminho alternativo na busca por mais segurança patrimonial para os pequenos e médios empresários, permitindo que estes estabelecessem um limite para as suas perdas.
Nesta medida, parece bastante claro, que os interesses societários não devam se confundir com os interesses dos sócios. Contudo, esta não é tarefa fácil, visto que, a pessoa jurídica criada com fins negociais, nada mais é do que um reflexo daqueles que a constituíram: pessoas naturais unidas pelo desenvolvimento de uma atividade econômica.
Nem sempre os interesses individuais convergirão, especialmente quando se tratar de repartição de dinheiro. Neste sentido, leciona Fábio Ulhoa Coelho:
“No tratamento de assuntos como a avaliação de bens ofertados a título de integralização de capital, remuneração pelos trabalhos de direção da empresa, fiscalização e prestação de contas (que estão relacionados, em certo sentido, à repartição dos sucessos da ação conjunta), os interesses dos partícipes do esforço combinado não são mais os mesmos; ao contrário, contrapõem-se uns aos outros” (COELHO, 2011, p. 386).
É preciso que se faça uma análise para melhor compreensão. Sociedades empresárias não se constituem de princípios democráticos, na medida em que seus sócios desfrutam dos sucessos e insucessos, na proporção do capital integralizado. Destarte, a decisão não parte da maioria dos sócios, mas da maioria patrimonial, daqueles que, por terem efetuado maiores investimentos, incorrem em maiores riscos no empreendimento.
Veja-se, que estes conflitos mostram-se mais frequentes nas sociedades limitadas, até mesmo por seu caráter mais intimista, levando em conta um vínculo de proximidade entre os sócios, que se relacionam frequentemente. Diferentemente do que ocorre nas sociedades por ações, por exemplo.
Diante do caráter antidemocrático revelado nas sociedades limitadas, muitas vezes a falta de interesses convergentes poderá prejudicar substancialmente a participação do sócio minoritário.
Como já ressaltado, na sociedade limitada, as relações existentes entre os sócios são próximas, de maneira geral, contudo, caberá a cada um a participação na proporção de suas contribuições. Tal regramento tem origem no artigo 486, do Código Comercial, com plena aplicação às sociedades empresárias, o que acaba gerando uma interferência desproporcional do majoritário, que terá em suas mãos a possibilidade de decidir unilateralmente na esfera dos demais.
Nesta medida, caberá uma análise aprofundada de inúmeras intempéries possíveis para o sócio minoritário e de que forma este poderá se precaver de eventuais alterações contratuais que possam o colocar em posição de extrema desvantagem frente aos demais sócios, já que a legislação brasileira não traz instrumentos suficientes à tutela do minoritário.
III. O INGRESSO NA SOCIEDADE
Diante do breve introito acerca da inexistência de proteções legislativas ao sócio minoritário frente às deliberações do majoritário é imprescindível que se mencione um fator de suma importância e o único poder do minoritário: parafraseando Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 391), “o único trunfo que um sócio tem para preservar seus interesses é a possibilidade de não se tornar sócio”.
A verdade é que o sócio majoritário, quando ainda não integralizado o capital da empresa, precisa contar com a contribuição do minoritário para o desenvolvimento da atividade negocial. Desta feita, caberá ao pretendente a sócio minoritário impor suas condições neste período de tratativas, não formalizando cláusulas que no futuro se voltarão contra seus próprios direitos na estrutura societária.
Questões como alterações de contrato social; distribuição de lucros; exclusão por justa causa; acesso às informações gerenciais; entre outras, deverão ser negociadas a priori, quando o majoritário ainda se encontrar sob a necessidade da subscrição e integralização do capital. Aliás, o montante relativo ao capital social é indispensável a constituição das maiorias e minorias societárias e a sua participação nas deliberações. Como á mencionado, as maiorias sociais não se refletem pela quantidade de sócios, mas pelo investimento realizado por cada um.
Cumpre observar, que essa noção de minorias e maiorias também ficará adstrita ao regime legal adotado pela sociedade limitada. Ou seja, em casos omitidos pelo Código Civil, aplicar-se-ão as regras da sociedade simples, sendo que, havendo estipulação diversa no contrato social, poderão ser aplicadas as normas das Sociedades Anônimas.
Dentro deste contexto, Pereira Calças (2003, p. 38) “justifica esta possibilidade na inspiração evidente que o legislador buscou no Código Civil Italiano, que prevê claramente a disciplina das sociedades simples às limitas, com aplicação subsidiária das normas que regem as sociedades por ações”.
Daí se extrai que as normas das sociedades anônimas só poderão ser aplicadas se assim estiver estabelecido no contrato social. A lei das Sociedades Anônimas também não será aplicada naquilo que os sócios não puderem contratar. Portanto, a aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas deve obedecer três principais requisitos: a matéria não poderá estar regulada pelo Código Civil, no que tange as limitadas; o contrato social deverá ser omisso quanto ao tema, elegendo a aplicação da sociedade anônima; o tema deve estar inserido no campo deliberatório dos contratantes.
Assim, conclui-se que o tema da legislação aplicável tem suma importância na medida em que este será indispensável para a definição das minorias na sociedade limitada.
IV. CLÁUSULA DA UNANIMIDADE
Como já salientado, o minoritário não possui muitos instrumentos aptos a lhe proteger, devendo utilizar-se de um momento crucial, que é a sua entrada na sociedade, impondo cláusulas no contrato social ou em acordo de quotistas capazes de limitar os poderes do majoritário.
Tem-se que uma das principais, senão a principal ferramenta que dispõe o sócio minoritário é a imposição de cláusula de unanimidade, isso significa que o contrato social só poderá ser alterado por votação unânime dos sócios, implicando dizer que desentendimentos deverão ser levados ao Poder Judiciário.
Observe que o Código Civil regula as alterações do contrato social de acordo com seu objeto em um evidente intuito de valorização do sócio minoritário quanto às deliberações.
O artigo 1061 estabelece que, a designação de administradores que não sejam sócios dependerá de aprovação unânime dos sócios enquanto não houver integralização do capital e após de 2/3, no mínimo. Já o artigo 1063, parágrafo primeiro, do Código Civil disciplina a destituição de sócio administrador, impondo para tanto a aprovação mínima de 2/3, salvo disposição em contrário.
Todas as demais alterações de cláusulas serão reguladas pela regra expressa no artigo 1076, inciso I, ou seja, a alteração do contrato social dependerá da aprovação de 3/4 do capital social. Assim, é de suma importância que o sócio minoritário imponha a cláusula de unanimidade caso não pretenda sofrer prejuízos.
Rubens Requião (2006, p. 495) apresenta posição divergente, em que pese não cuidar exclusivamente da proteção do minoritário quando trata do assunto. O autor afirma que “a necessidade de unanimidade poderia ferir os princípios preservativos da empresa, na medida em que na hipótese de divergência não haveria alternativa senão a dissolução desta, o que, por sua vez, princípios preservativos da empresa”.
Importante ressaltar que, havendo alterações substanciais, sempre será guardado ao sócio o direito de se retirar do empreendimento, conforme leciona o artigo 1077[1], do Código Civil. inclusive, esta retirada também poderá se dar com a alienação da participação societária a outro sócio ou terceiro.
Explica Pereira Calças (2003, p. 127) que, “a alienação de suas quotas societárias para outro sócio ou para terceiro é feita sem a participação da sociedade, a qual não participa das negociações”.
“Já no que tange o reembolso das quotas este deve ser averiguado com maior atenção, especialmente se não há nenhuma tratativa a respeito no contrato social. Isso porque nem sempre o valor patrimonial e a base para definição do quantum asseguram o correto retorno financeiro” (COELHO, 2011, p. 392).
O ideal seria o afastamento de cláusulas que não determinem a apuração do quantum do patrimônio social do dissidente de forma harmônica, real e justa, devendo ser analisada inclusive a proibição do enriquecimento sem causa tanto em benefício do sócio que se retira, quanto da sociedade.
V. EXCLUSÃO POR JUSTA CAUSA
A exclusão extrajudicial do sócio minoritário é tema de frequentes questionamentos, presente no artigo 1085, do Código Civil, que assim leciona:
“Artigo 1.085: Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa”.
Observe-se que o artigo supratranscrito frisa a necessidade de previsão contratual neste sentido, ou seja, para que mais da metade do capital social possa alterar o contrato excluindo o minoritário, a hipótese deverá necessariamente constar do contrato social.
Alias, é na previsão contratual que reside o único instrumento disponível ao sócio minoritário, mais uma vez retornando à extrema necessidade de que negocie sua entrada no empreendimento da forma mais diligente possível, condicionando-a, por exemplo, à omissão de qualquer menção acerca de expulsão por justa causa no contrato social.
Assim, caso efetivamente exista uma hipótese de grave risco à sociedade, havendo desentendimento entre maioria e minoria, o debate será levado para a análise do Pode Judiciário. Não havendo a referida omissão, caberá ao corpo societário a observância plena dos seguintes requisitos: deliberação da maioria do capital social; imputação de prática de ato de inegável gravidade ao sócio que se pretende excluir; previsão contratual de exclusão por justa causa; reunião ou assembleia convocada para esta finalidade; ciência do acusado para que exerça seu direito de defesa.
Inclusive, quanto ao direito de defesa, leciona Pereira Calças (2003, p. 105) “que deverá constar da própria convocação o ato de inegável gravidade capaz de colocar em risco a continuidade da sociedade, a fim de que seja propiciado ao minoritário o amplo direito de defesa”.
Conforme explica Waldo Fazzio Júnior, fato é que:
“Cabe aos sócios, independentemente de previsão contratual, o dever de lealdade, colaborando para o desenvolvimento da atividade e se abstendo de praticar atos que a prejudiquem. Alguns exemplos mencionados pela doutrina são: violação de estipulação do contrato social; descumprimento de obrigação social; insolvabilidade; ausência para lugar desconhecido; cometimento de crime; má conduta comprometedora da atividade empresarial; provocação de discórdia no meio societário; inimizade capital com qualquer dos sócios” (FAZZIO JÚNIOR, 2007, p. 259).
Enleve-se que a prática de ato gravoso deve, acima de tudo, colocar em risco a continuidade regular da atividade empresarial, ou seja, que afete diretamente o desenvolvimento do empreendimento. Daí Modesto Carvalhosa (1998, p. 131) entende que “deve-se considerar como de inegável gravidade com relação à sociedade, em primeiro lugar, todo ato de sócio que viole a lei”, ou ainda atos que gerem a “quebra da affectio societatis, porque põe em risco o desenvolvimento do escopo comum que é o desenvolvimento das atividades sociais”.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2003, p. 131), “o sócio poderá ser expulso por quatro diferentes razões: pelo descumprimento dos deveres de sócio; quando tiver suas quotas liquidadas a pedido do credor; entrando em processo falimentar; sendo declarado incapaz. Na primeira hipótese, a expulsão terá caráter sancionatório”.
A partir do estudo do artigo 1085 do Código Civil, extrai-se que a expulsão, por diferentes razões, incorre na hipótese de dissolução parcial, que visa, a princípio, suprir eventuais confrontos existentes entre os sócios, preservando a atividade empresarial.
Em outras palavras, é possível concluir que ocorrendo a dissolução parcial da empresa há que se falar em proteger a estabilidade da mesma diante da eventual volubilidade dentre os interesses particulares dos sócios. Sendo assim, preservação da empresa é consentida, rompendo vínculo apenas com aquele sócio que, por determinadas razões se desligou da sociedade (FAZZIO JÚNIOR, 2003).
Seguindo o mesmo raciocínio, encontra-se no trabalho de Idevan César Rauen Lopes (2009, p. 70) a conclusão de que a dissolução parcial seria “um meio de defesa para a empresa, utilizado para garantir o desenvolvimento da atividade social, assegurando uma estabilidade […].”
Mister salientar que, a hipótese de exclusão pode alcançar, inclusive, sócio majoritários, quando estes se desajustam aos demais, comprometendo a atividade normal da empresa, com propósitos hostis ou egoísticos.[2]
Observe-se que o artigo 1085 parece bastante claro quando a necessidade de previsão contratual para que se viabilize a exclusão por justa causa extrajudicialmente. A jurisprudência[3] e doutrina, contudo, são oscilantes, quanto a necessidade de previsão contratual, prevalecendo o entendimento legal.
Consta do entendimento de Fábio Konder Comparato (1978, p. 141), “a previsão expressa de possibilidade de exclusão por justa causa no contrato social teria importante significado, na medida em que afastaria a apreciação do Judiciário, sobrecarregando-o”.
Impõe frisar que, mesmo que excluído extrajudicialmente, sempre caberá ao minoritário a possibilidade de buscar a via judicial a fim de anular a deliberação e postulando a sua reintegração no quadro societário[4]. Destarte, a apreciação do Judiciário dificilmente seria afastada.
Ademais, cumpre frisar conclusão de Priscila Correa da Fonseca (2002, p. 56):
“Não parece temerário afirmar que não se pode eleger a maioria como único e todo poderoso juiz da conveniência e da oportunidade das deliberações tomadas pelos sócios, especialmente quando se tem em vista que, muitas vezes, a regularidade aparente de tais decisões encobre o fim contrário aos interesses da sociedade.”
Por fim, aprovada a expulsão, esta deverá ser levada à registro na Junta Comercial. De todo modo, o sócio excluído permanecerá no direito de receber o reembolso de suas quotas ou saldo determinado através de um balanço patrimonial.
VI. FISCALIZAÇÃO DOS ATOS DE GESTÃO
Um ponto fundamental para coibir abusos da maioria é o acesso às informações administrativas, ou seja, a fiscalização da gestão. O revogado Decreto nº 3.708/1919 abria plena liberdade contratual para os sócios no que tange a fiscalização dos atos de gestão.
Já o Código Comercial, em seu artigo 290 previa que, no silêncio do contrato social, poderiam os sócios, a qualquer tempo, examinar os livros, documentos, escrituração e correspondência. Como ressalva, estava permitido o estabelecimento de períodos para a referida consulta.
Diante deste panorama, fácil concluir que não raro os contratos sociais detinham cláusulas restritivas do exame da documentação.
O atual Código Civil prevê em seu artigo 1021, “salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade”.
O acesso às informações gerenciais é indispensável ao bom andamento do negócio, caso contrário, o minoritário terá poucos instrumentos capazes de lhe assegurar detalhes acerca da administração, ficando a mercê das informações apresentadas pelo majoritário, bem como no período pré-fixado em contrato.
Neste sentido, leciona Ulhoa Coelho:
“Ocorre, contudo, que esse conjunto de informações (suficiente para o exame das condições gerais do desenvolvimento do negócio) nem sempre basta ao efetivo controle da economicidade e regularidade dos atos praticados na gerência da sociedade. O sócio minoritário, portanto, deve assegurar, por via contratual, que lhe seja enviada, todo mês, cópia do extrato bancário das contas de depósito em nome da sociedade, dos contratos (acima de determinado valor) firmados em nome dela e de outros documentos importantes” (COELHO, 2011, p. 393).
A partir destes dados, poderá o minoritário contribuir para uma gestão mais eficiente da empresa.
VII. DESTINAÇÃO DOS RESULTADOS SOCIAIS
A distribuição de resultados na sociedade limitada é matéria tratada, preferencialmente no contrato social. A importância desta negociação tem fundamento porque, não apresentando o contrato social cláusula que discipline a matéria e tendo sido determinada a regência supletiva da Lei das Sociedades Anônimas, ter-se-á a aplicação do artigo 220 esta última, ou seja, metade do lucro líquido será destinada aos sócios.
O problema para os sócios minoritários surge no caso de não aplicação supletiva da Lei do Anonimato, contendo o contrato uma cláusula de conteúdo genérico indicado que a destinação dos resultados será deliberada pelos sócios, é muito provável que a minoria reste lesada, prevalecendo o interesse do majoritário.
Veja-se que no Código Civil não há qualquer disciplina acerca da destinação dos resultados, o que leva a crer que, não havendo disposição contratual acerca da aplicação supletiva da Lei das S.A, a limitada será regida pela sociedade simples, ficando o sócio minoritário à mercê, por exemplo, de uma deliberação que pretenda reinvestir na sociedade todo o lucro, não repassando nenhum dividendo aos sócios.
“Para que o sócio minoritário se veja protegido, é imprescindível que negocie, em sua entrada para a sociedade, uma porcentagem mínima de distribuição dos lucros de cada exercício ou a aplicação supletiva da Lei das Sociedades Anônimas” (COELHO, 2003, p. 74).
Ainda, acerca de dividendos a que fazem jus os sócios, é importante fazer menção ao pro labore, valor remuneratório ao trabalho de direção da empresa, segundo disposição expressa do contrato social. Ou seja, seu pagamento deverá ser efetuado aos empreendedores que se dedicam à gestão da atividade, não se confundindo, portanto com os lucros, devidos a todos os sócios.
Os valores repassados a título de pro labore são contabilizados como despesa da sociedade, o que significa dizer que quanto maior o pro labore, menores os lucros. Supondo que um sócio majoritário também receba pro labore, poderá, mediante deliberação, aumentar excessivamente seus ganhos em detrimento dos sucessos da empresa e dos sócios minoritários.
Abusos da maioria societária neste sentido poderão gerar a responsabilização civil por parte da minoria diretamente atacada. Cabe a esta cuidar destes fatores em cláusulas específicas do contrato social, delimitando os critérios para a remuneração da gerência.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, pode-se concluir que é indispensável ao sócio minoritário que se proteja antes da assinatura do contrato social. Em que pese a exigência de quórum qualificado para algumas deliberação na sociedade limitada, este se mostra insuficiente, cabendo aos interessados transacionarem cláusulas capazes de satisfazer ambas as partes.
Como desenvolvido no início, o grande instrumento para o sócio minoritário é a sua possibilidade de não integrar o corpo societário. Ou seja, enquanto a maioria do capital social precisar do investimento do sócio minoritário para tornar real a atividade, este deve estipular regras que a legislação deixou de prever.
O ponto primordial se encontra no acerto de cláusula de unanimidade, quando o sócio minoritário não mais ficará refém das deliberações da maioria para alteração do contrato social. Isso significa dizer que, havendo desentendimento entre os sócios no que tange a alteração do contrato social, este só poderá ser resolvido pelo Poder Judiciário.
Um segundo ponto importante é a negociação clara de omissões contratuais a respeito da expulsão do sócio minoritário, como prevê o artigo 1085, do Código Civil. Somente tal supressão poderá resguardar o minoritário em sua posição.
Outros aspectos relevantes dizem respeito ao acesso às informações da gerência, com o mais amplo acesso a estes dados. Tal possibilidade deve constar do contrato social para a segurança do sócio minoritário, com exigências bem delineadas e específicas, inclusive afastando a proibição de acesso em períodos predeterminados.
Por fim, deliberações relativas aos lucros e pro labore devem constar claramente do contrato. Isso porque, não havendo menção expressa a fim de que se proteja o minoritário, este poderá recair na possibilidade de não receber dividendos ao fim do exercício por deliberação da maioria, ou até mesmo ver seus lucros prejudicados por aumentos abusivos no pro labore.
Neste último aspecto, a legislação aplicável tem fundamental importância, na medida em que a Lei das Sociedades Anônimas regulamenta uma previsão mínima de distribuição de lucros.
Daí se conclui que, na busca da proteção de seus interesses, deverá o sócio minoritário precaver-se ao máximo, não permitindo que seu entusiasmo ou otimismo diminua sua cautela, verificando as consequências de cada uma das cláusulas do contrato social a que está aderindo.
Informações Sobre o Autor
Danielle Portugal de Biazi
Advogada graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduada em Direito Contratual pela Escola Paulista de Direito – EPD. Mestranda em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.