O surgimento dos primeiros órgãos da Justiça do Trabalho no mundo

A jurisdição do trabalho surgiu em ocasiões diferentes em cada país, embora seja unânime o reconhecimento de que os primeiros organismos especializados na solução dos conflitos entre patrões e empregados surgiram na França, denominados Conseils de Prud’hommes, em 1806.


A experiência bem sucedida na França inspirou outros países da Europa a instituírem organismos independentes do Poder Judiciário para a apreciação das causas trabalhistas, através dos quais passaram a buscar precipuamente a conciliação, muito mais do que a autoritária imposição de uma solução pelo Estado.


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Assim, destaca-se que na Itália surgiram, em 1893, os Probiviri, substituídos em 1928 pela Magistratura do Trabalho; na Inglaterra surgiram, em 1919, os Tribunais Industriais; na Alemanha, em 1926, surgiu a Lei de Tribunais do Trabalho, precedidos de Tribunais Industriais; na Espanha surgiram, em 1908, os Tribunais Industriais para acidentes do trabalho; em 1926, os Comitês Paritários para conciliação e regulamentação do trabalho; em 1931, o Jurados Mistos e, em 1940, a Magistratura do Trabalho; e, finalmente, em Portugal, em 1931, surgiram os Tribunais de Árbitros Avindores, posteriormente substituídos pelos Tribunais do Trabalho.


A criação e instalação da Justiça do Trabalho no Brasil: breve retrospecto


– A Constituição Federal de 1934 e a primeira previsão sobre a Justiça do Trabalho


O texto constitucional de 1934, incluiu a Justiça do Trabalho no capítulo “Da Ordem Econômica e Social”, atribuindo-lhe a competência para resolver os conflitos entre empregadores e empregados, de acordo com a redação do seu artigo 122, caput, como forma de regulamentar as Juntas de Conciliação e Julgamento, instituídas pelo Decreto Legislativo n. 22.132 de 1932, e que já proferiam decisões suscetíveis de execução, entretanto, na Justiça Comum.


A iniciativa da proposição sobre a criação e instalação da Justiça do Trabalho na Carta Magna de 1934, coube ao Deputado Abelardo Marinho, que ao apresentá-la, contou com a adesão de um número significativamente expressivo de parlamentares.


Esta iniciativa, foi confirmada por Waldemar Falcão, também Deputado à época, e que posteriormente viria a ocupar o cargo de Ministro do Trabalho, participando ativamente dos principais atos concernentes à instituição, regulamentação e instalação da Justiça do Trabalho.


A integração da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário suscitou acirrados debates, sobretudo no que diz respeito ao poder normativo à ela conferido.


À época pode-se registrar os pronunciamentos dissidentes de Oliveira Viana, ferrenho defensor da legitimidade do poder normativo da Justiça do Trabalho, e de Waldemar Ferreira, opositor inconteste de tal poder normativo, por considerá-lo, função anômala do Poder Judiciário, tendo em vista a violação de um dos princípios basilares que informam a Constituição Federal, qual seja, o princípio da separação dos poderes.


Para mais validar o posicionamento do eminente professor da Universidade de São Paulo (USP), Waldemar Ferreira, destaca-se parte essencial de uma de suas valiosas lições: “Como, por outro lado, ainda pelo dispositivo do art. 3º, § 1º, da Constituição, é vedado aos poderes constitucionais delegar as suas atribuições – é evidente que o Poder Legislativo não pode delegar à Justiça do Trabalho a sua privativa competência de legislar, estabelecendo, no julgamento dos dissídios, normas gerais reguladoras das condições do trabalho.” 1


– A Constituição Federal de 1937 e a criação da Justiça do Trabalho


A Constituição Federal de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, também consagrou a instituição da Magistratura do Trabalho em seu artigo 139.


À época, o Ministro do trabalho, Indústria e Comércio, Waldemar Falcão, formou uma comissão com vistas a elaborar anteprojetos que redundaram no Decreto-Lei n. 1237 de 1939, que instituiu a Justiça do Trabalho; no Decreto-Lei n. 1346, também de 1939, que reorganizou o Conselho Nacional do Trabalho; e ainda nos regulamentos da Justiça do Trabalho e do Conselho Nacional do Trabalho, Decretos n. 6596 e 6597, de 1940, respectivamente.


Somente à guisa de complementação, pode-se ressaltar os nomes dos participantes da comissão elaboradora dos Decretos suprareferidos, quais sejam: Francisco José Oliveira Viana; Luiz Augusto de Rêgo Monteiro; Geraldo Augusto Faria Baptista; Deodato Maia e Helvécio Xavier Lopes.


Para a instalação dos órgãos da Justiça do Trabalho outra comissão foi designada, sob a orientação do então Presidente do Conselho Nacional do Trabalho, Francisco Barbosa de Rezende que em conjunto com Faria Baptista, realizou um trabalho tão eficiente, que, a 1º de maio de 1941, o Presidente da República, reconhecia a instalação da Justiça do Trabalho, que começou a funcionar já no dia seguinte, em seus oito Conselhos Regionais e trinta e seis Juntas.


Embora a Justiça do Trabalho tivesse reconhecida a sua autonomia, aparecia, não obstante, vinculada ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.


– As Constituições Federais de 1946, 1967, 1969 e 1988, e a integração da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário


Não obstante os esforços de toda a sociedade em 1946, em prol da recondução do Brasil ao regime democrático, não se verificou qualquer mudança quanto ao poder normativo atribuído à Justiça do Trabalho, que passou a integrar o Poder Judiciário, consagrado expressamente no artigo 123, § 2º, da Constituição Federal de 1946.


A Constituição Federal de 1967 manteve o poder normativo da Justiça do Trabalho, expressamente consignado no artigo 142, § 1º, bem como, sua composição paritária prevista no artigo 141.


A preservação do poder normativo da Justiça do Trabalho, também se operou na Emenda Constitucional n. 1 de 1969 que transmutou-se em Constituição Federal de 1969.


Finalmente, a Lei Magna de 1988, considerada a mais democrática das Constituições, por seus incontestáveis avanços, no que concerne aos direitos fundamentais e sociais do homem, conserva o anacronismo quanto à regulação das relações de trabalho, ao continuar reconhecendo a legitimidade do poder normativo da Justiça do Trabalho (art. 114, § 2º, CF), criando evidentes incompatibilidades em um Estado que se pretende democrático, justificando o modelo estatal intervencionista nas relações de trabalho, desestimulando a forma autocompositiva dos conflitos coletivos do trabalho e contribuindo para manter a ação sindical no país em níveis que se aproximam da insignificância.


Os desdobramentos que compõem a cadeia de incoerências, acima elencados, decorrentes da manutenção do poder normativo da Justiça do Trabalho na Carta Magna de 1988, são apontados por Arnaldo Sussekind, que mesmo posicionado-se favoravelmente à prestação jurisdicional realizada pelos Tribunais do Trabalho, expressa entendimento inequívoco de que face às transformações econômicas e sociais verificadas no cenário do país e do mundo, faz-se mister a modificação do atual sistema legal, conforme pode-se depreender de sua lição:


É inquestionável que, no Brasil, o sistema legal vigente facilita, de forma inconveniente, a instauração do processo judicial de dissídio coletivo, apesar das limitações em boa hora estabelecidas na Instrução Normativa n.4, de 1993, do Tribunal Superior do Trabalho, certo é que o art. 114 da Constituição e a legislação por esta recepcionada não fomentam a auto-composição dos conflitos coletivos do trabalho. Demais disto, os precedentes adotados pelos tribunais do trabalho representam sério obstáculo ao êxito da negociação coletiva, porquanto as partes tendem a não ceder nos pontos em que os ‘precedentes’ as favorecem.2


Sabe-se que a jurisdição trabalhista deve servir tipicamente para conflitos individuais e que, por óbvio, os conflitos coletivos econômicos devem ser resolvidos diretamente pelas partes, sem intervenção jurisdicional. Entretanto, como já exposto nos tópicos anteriores, pode-se verificar que no Brasil, há uma longa tradição de julgamentos pela jurisdição trabalhista de conflitos coletivos econômicos através dos dissídios coletivos.


Esta prática iniciou-se, como também já anteriormente narrado, antes mesmo da integração da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, por meio dos Conselhos Regionais do Trabalho e do Conselho Nacional do Trabalho, órgãos que precederam a Justiça do Trabalho.


Em 1946, os Conselhos Regionais do Trabalho e o Conselho Nacional do Trabalho transformaram-se em Tribunais. A Constituição Federal de 1946, em seu artigo 123, § 2º, declarou que as decisões nos dissídios coletivos poderiam criar normas e condições de trabalho – desde que lei prévia autorizasse –; no entanto, isto nunca se verificou, já que os Tribunais atuaram amplamente, ou seja, nunca se restringiram a tal previsão.


Como também já declinado, contrariamente a toda expectativa de um regime democrático, a Constituição Federal de 1988, não só manteve a Justiça do Trabalho com competência normativa para julgar dissídios coletivos, como ainda a ampliou, autorizando os Tribunais do Trabalho a estabelecer normas e condições de trabalho, observadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho, independentemente de lei que defina as matérias suscetíveis de serem objetos de sentença normativa.


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Diante da “facilidade” de se levar as questões conflitivas das relações entre empregadores e empregados, à esfera judicial, a Justiça do Trabalho enfrenta o desafio de sua própria banalização como conseqüência do crescente número de processos submetidos à sua apreciação, o que, por sua vez, gera outro desafio que pode se traduzir na tão propalada falta de celeridade da jurisdição laboral.


A utilização indiscriminada desta forma heterocompositiva de solução de conflito coletivo do trabalho, e suas conseqüências perniciosas, já haviam merecido a atenção do Ministro José Ajuricaba da Costa e Silva, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, em 1995, quando apresentou um estudo, no qual revelava profunda preocupação com o número despropositado de processos distribuídos à Justiça do Trabalho, nas décadas compreendidas entre os anos 60 aos anos 80, conforme dados que seguem:


a) na década de 60: 3.333.214 ações;


b) na década de 70: 4.827.884 ações;


c) na década de 80: 8.911.179 ações.


Para poder demonstrar com clareza a vulgarização do acesso à Justiça do Trabalho, para composição dos conflitos coletivos do Trabalho, nos anos 90, o eminente Ministro, valeu-se do ano de 1995, informando que somente no primeiro semestre, as então Juntas de Conciliação e Julgamento, já haviam recebido 869.365 processos, indicando, portanto, que no correspondente exercício a expectativa era de que cerca de 1.700.000 processos seriam distribuídos aos órgãos da Magistratura do Trabalho. Isto, sem dúvida, aponta o grande absurdo destes números, especialmente se comparados ao número de ações trabalhistas em países que adotam precipuamente a autocomposição dos conflitos coletivos do trabalho, primando pela negociação coletiva como meio de resolução dos conflitos, por excelência. Assim, para traçar um paralelo com a realidade brasileira, tal como acima exposta, traz-se ao conhecimento dados estatísticos do sistema adotado pela Grã-Bretanha – exercício de 1991 a 1992 – que privilegia a forma autocompositiva para resolução dos conflitos coletivos do trabalho:


a) foram ajuizadas 67.448 ações nas Industrial Tribunals, que são os órgãos de primeira instância que funcionam na Inglaterra, País de Gales e Escócia;


b) os Employment Appeals Tribunals, órgãos de Segunda instância, receberam 845 recursos;


c) a câmara civil de Apelação, que é a derradeira instância para os casos trabalhistas, recebeu 14 recursos.


Os dados acima comprovam efetivamente o fato de que a busca indiscriminada da via jurisdicional para a resolução dos conflitos coletivos do trabalho, além de provocar a banalização da Justiça do Trabalho, ainda serve perfeitamente ao propósito de suplantar a ação sindical no equacionamento das questões trabalhistas que envolvem as categorias econômicas e profissionais, gerando uma série de profundos debates quanto à legitimidade e eficiência no que concerne à competência normativa atribuída à Justiça do Trabalho.


 


NOTAS

1 FERREIRA, Waldemar, apud Arnaldo Sussekind. A Justiça do Trabalho 55 Anos depois.  Revista LTr, São Paulo, v. 60, n. 7, p. 876, jul/1996.


2 SUSSEKIND, Arnaldo. A Justiça do Trabalho 55 anos depois. Revista LTr. São Paulo, v. 60, n. 7, p.882, julho/1996.


Informações Sobre o Autor

Adriane Lemos Steinke

Acadêmica do 10º período da Faculdade de Direito de Curitiba/PR


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