Resumo: O presente artigo almeja demonstrar a necessidade de regulação do teletrabalho no Brasil, de modo a proporcionar a efetivação constitucional do direito social ao trabalho em compasso com a realização constitucional dos demais direitos de solidariedade. Assim, destaca-se a origem do teletrabalho, fruto da globalização, do capitalismo na pós-modernidade, sem descuidar de salientar as consequências do trabalho flexível em um contexto de crise econômica, bem como possíveis excessos nesse tipo de flexibilização, como a ausência do controle de jornada, o aumento de metas e o direito à “desconexão”. Por fim, pretende-se identificar a necessidade de regulação desse instituto, como forma de proteção do trabalho e da efetivação dos demais direitos sociais, especialmente no contexto de crise econômica.
Palavras-chave: teletrabalho – direitos sociais – reforma trabalhista – crise econômica.
Abtract: This article aims to demonstrate the need for regulation of telework in Brazil, in order to provide the constitutional realization of the social right to work in tandem with the constitutional realization of other rights of solidarity. Thus, the origin of teleworking, the fruit of globalization, of capitalism in postmodernity is highlighted, without neglecting to emphasize the consequences of flexible working in a context of economic crisis, as well as possible excesses in this type of flexibilization, such as the absence of Control of the day, the increase of goals and the right to "disconnection". Finally, it is intended to identify the need for regulation of this institute, as a form of labor protection and the effectiveness of other social rights, especially in the context of economic crisis.
Keywords: telecommuting – social rights – labor reform – economic crisis
Sumário: Introdução. 1.Sobre o Surgimento e o Futuro do Teletrabalho. 2. Breves Considerações sobre o Cenário Político da Reforma Trabalhista. 3. O Direito Social ao Trabalho no Contexto dos Direitos Humanos. 4. O Teletrabalho na Pós-Modernidade e o Desenvolvimento de Capacidades. Conclusão. Referências.
Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil consagrou o trabalho como direito social e instituiu, dentre seus fundamentos, o valor social do trabalho.
O direito social ao trabalho, inserido no contexto dos demais direitos prestacionais do Estado, resulta de lutas sociais na Europa e Américas, constituindo importantes marcos: a Constituição mexicana de 1917 (regulou o direito ao trabalho e à previdência social), a Constituição alemã de Weimar de 1919 e o Tratado de Versailles, que criou a Organização Internacional do Trabalho, de modo a reconhecer direitos dos trabalhadores.
A efetivação do direito social ao trabalho instituído pelo Estado Social, welfare state, modernamente, tem sido abalada por polêmicas propostas de flexibilização do regramento trabalhista em geral, erigido como garantia social no Brasil sob os auspícios do Estado Novo de Vargas.
O presente artigo tem por escopo identificar a proposta do teletrabalho e o respectivo tratamento dado a esse instituto no Brasil, modalidade esta, fruto da queda das fronteiras mundiais, do capitalismo na pós-modernidade, da internacionalização das relações de trabalho, mediante a descentralização produtiva das empresas, calcada nas novas tecnologias, que originam empresas e sociedade em rede.
O teletrabalho deve ser observado em razão das mutações produzidas pela tecnologia ao mundo do trabalho, propiciando novos modelos a exemplo do “trabalho flexível”, fruto evolutivo da pós-modernidade cultural, a transformação do capitalismo, movido pela maximização do lucro, competição empresarial e, consequentemente (in)desejadas propostas de flexibilização e informalização do trabalho.
Com efeito, a regulação do teletrabalho também deve ser conjugada como proposta constitucional de harmonização aos demais direitos sociais, que compreendem o indivíduo em sua plenitude: laboral, familiar e social. De outro lado, não se pode deixar de enfatizar a existência de estudos doutrinários que alertam acerca dos aspectos positivos e negativos do teletrabalho, principalmente a despeito da falta de regulamentação no Brasil, o que pode gerar distorções a exemplo da expressão “escravidão digital”, hiperconexão ou do derradeiro “fim do emprego”[1].
Portanto, considerando o atual contexto reformista brasileiro, busca-se apontar a necessidade de regulação do teletrabalho no Brasil, sem desconsiderar os limites já existentes em países latinos como Chile, Argentina e Colômbia, bem como em países europeus a exemplo de Portugal, Espanha e da responsabilização social das empresas plantada a partir da elaboração do ‘Livro Verde’ no espaço comunitário europeu. Desse modo, se torna interessante a crítica no sentido de aferir se o teletrabalho no Brasil poderá caminhar na linha do desenvolvimento social, com a expansão de liberdades e capacidades[2].
1. Sobre o Surgimento e o Futuro do Teletrabalho
Estudos sociais e econômicos apontam que o teletrabalho, ou trabalho flexível surgiu como advento das novas tecnologias, em especial a internet, meios que introduziram profunda modificação no cenário produtivo contemporâneo, não necessitando mais a presença física do trabalhador na unidade produtiva. A globalização e a nova estrutura geopolítica do capitalismo também impulsionaram novas formas de otimização da produção de acordo com seus imperativos.
Assim, ao passo em que o teletrabalho proporciona benefícios pessoais, aumento do convívio familiar, redução de fluxo no trânsito e melhoria ao meio ambiente, também são conhecidas muitas desvantagens a exemplo do incremento abusivo das metas, ausência de limitação da jornada de trabalho, perda da socialização entre os trabalhadores da empresa e a hiperconexão.
Nesse cenário brasileiro, no qual ecoam diversas propostas de flexibilização e informalização do Direito do Trabalho, é pertinente a regulamentação desse meio pós-moderno de prestação laboral, a fim de coaduná-lo ao escopo constitucional da solidariedade e satisfação dos direitos sociais. Assim pois, é imperioso raciocinar até que ponto essa nova proposta de relação de trabalho flexível contempla a modernidade em seu desenho ou, veladamente, encobre a mitigação de direitos sociais trabalhistas historicamente conquistados.
2. Breves Considerações sobre o Cenário Político da Reforma Trabalhista
Nesse compasso, é importante o cenário social, econômico e político brasileiro da atualidade, no qual estão em pauta diversas propostas de flexibilização do trabalho, sob o argumento do aumento no índice de emprego, competitividade empresarial e crescimento da economia.
Acrescente-se a esse cenário de detração em conquistas no âmbito do trabalho, recentes decisões do Supremo Tribunal Federal que modificaram direitos históricos, como a prescrição trintenária do FGTS, contratação de Organizações Sociais (OS) pela Administração Pública em detrimento do concurso público, plano de demissão voluntária com quitação geral (modificando a “irrenunciabilidade” que caracterizava os direitos trabalhistas), prevalência do “negociado sobre o legislado”, dentre outras decisões da Corte Suprema brasileira. Recentemente, na Câmara dos Deputados, foi instalada a comissão e indicado o relator ao projeto de lei do governo que trata da reforma trabalhista[3]. Dentre as propostas reformistas, o deputado relator antecipou que pretende incluir a regulamentação do teletrabalho[4].
Dentro desse contexto, faz-se necessário situar o teletrabalho no Brasil, com amparo no direito comparado, a exemplo da Espanha, no qual, o artigo 13.3. do Estatuto dos Trabalhadores (E.T.) dispõe que os trabalhadores à distância “terão os mesmos direitos que os que prestam seus serviços no centro de trabalho da empresa”.
Na atualidade brasileira, fragilmente, o artigo 6º da C.L.T., redação dada pela Lei 12.551, de 15/12/2011, apenas dispõe que: “não se distingue entre trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.
Urge, portanto, uma reflexão acerca dos fundamentos detratadores de garantia sociais, especialmente os que tendem à precarização do trabalho, sendo prudente o viés do direito comparado no cenário trabalhista mundial, como forma de substancializar a regulação do teletrabalho no Brasil.
Nesse escopo, abalizados juristas subscrevem que o trabalho informal, despido de garantias sociais historicamente conquistadas, não constitui incremento do emprego, não proporciona crescimento econômico, limitando-se em afrontar direitos constitucionais de solidariedade.
Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2017), analisando o impacto econômico de uma das propostas contidas no Projeto de Lei nº 6.787/2016, especificamente a prevalência do “negociado sobre o legislado” alerta que se trata de: “medida nitidamente contraditória perante os objetivos almejados, pois a flexibilização prejudicial de direitos trabalhistas, ao reduzir o nível salarial em termos globais, desaquece o mercado de consumo e, consequentemente, desacelera a produção, aprofundando a crise econômica”.
3. O Direito Social ao Trabalho no Contexto dos Direitos Humanos
Os direitos humanos, na esfera internacional, ganham especial proteção após as atrocidades cometidas pelo nazismo durante a Segunda Grande Guerra. O Direito Internacional deixa de ser apenas o Direito da Paz e da Guerra e evolui para um Direito de Cooperação e de Solidariedade (PIOVESAN, 2014).
Os direitos sociais, dentro do contexto dos direitos humanos, não constituem uma luta linear da humanidade, mas uma história marcada por avanços e retrocessos. O caráter histórico desses direitos vem inaugurado, na contemporaneidade, pela Declaração Universal do Direitos do Homem e do Cidadão de 1948 e pela Declaração de Viena de 1993. Tal esfera de proteção é definida pelo ideal de universalização e internacionalização desses direitos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão prevê, para a realização maior da dignidade humana, o direito ao desenvolvimento, no qual se vislumbra a necessária promoção da justiça social, a ampliação do espaço democrático e da cooperação internacional.
Flávia Piovesan, na obra “Temas de Direitos Humanos”, relata a essencialidade da promoção da justiça social:
“A justiça social é um componente central à concepção do direito ao desenvolvimento. A realização do direito ao desenvolvimento, inspirado no valor da solidariedade, há de prover igual oportunidade a todos no acesso a recursos básicos, educação, saúde, alimentação, moradia, trabalho e distribuição de renda”.
Entretanto, a efetivação dos direitos sociais vem abalada pelo contexto da crise econômica mundial, que denota a ausência de uma distribuição mais equitativa de recursos, que proporcione bem-estar social e econômico mundial. Nesse sentido, o Direito pode resultar em um importante instrumento político-jurídico de promoção da justiça social em nível local e global.
Urge maior transparência nos atos do Poder Público e, consequentemente, na aplicação dos recursos na esfera dos direitos fundamentais sociais, pelo menos no que garanta um “mínimo existencial”, uma vez que não existem direitos absolutamente imunes de restrição (SARLET, 2015).
Destarte, o Direito como meio de propulsão dos direitos sociais e de cidadania é bem retratado na seguinte lição de Ingo W. Sarlet:
“Além disso, é perceptível que a proteção jurídico-constitucional dos direitos sociais, inclusive e em especial na sua condição de direitos a prestações, tem sido um fato relevante tanto como pauta permanente de reinvindicações na esfera das políticas públicas quanto como poderoso instrumento para, na ausência ou insuficiência daquelas, ou mesmo pela falta de cumprimento das próprias políticas públicas, propiciar o designado “empoderamento” do cidadão individual e coletivamente considerado para uma ação concreta, ainda que nem sempre idealmente efetiva e, muitas vezes mais simbólica. Isso, como atende a evolução recente, projeta-se nas relações entre os próprios Estados na esfera supranacional. Nessa perspectiva, o fato de os direitos sociais serem considerados autênticos direitos humanos e fundamentais e, como tais, levados a sério também na sua condição de direitos subjetivos, tem também servido para imprimir à noção de cidadania um novo contorno e conteúdo, potencialmente mais inclusivo e solidário, o que por si só já justificaria todo o esforço em prol dos direitos sociais e nos serve de alento para seguirmos aderindo ao bom combate às objeções manifestamente infundadas que lhes seguem sendo direcionadas.”.
Leciona Guilherme Peña de Moraes (2016) que “os direitos sociais são direitos fundamentais próprios do homem-social, porque dizem respeito a um complexo de relações sociais, econômicas ou culturais que o indivíduo desenvolve para realização da vida em todas as suas potencialidades (…)”.
Destarte, no contexto dos direitos sociais catalogados na Constituição brasileira, o breve estudo aqui delineado tem por escopo ressaltar as profundas mutações sofridas na seara do trabalho, bem como as circunstâncias fáticas e sociais que perpassam questões trabalhistas no Brasil.
4. O Teletrabalho na Pós-Modernidade e o Desenvolvimento de Capacidades
No atual cenário da pós-modernidade, de relações comerciais mais fluídas e diversificadas, surge essa nova espécie de trabalho, conhecida por diferentes denominações: teletrabalho, trabalho flexível, networking (trabalho em rede), remote working (trabalho à distância) e home working (trabalho em casa).
Jane Gombar (2014) explica com clareza a metamorfose ocorrida no mundo do trabalho, proporcionada pelo advento de novas tecnologias da informação e impulsionada pela “crise experimentada pelo capital, das quais a reestruturação produtiva da acumulação flexível é uma resposta, tem acarretado, como consequência, profundas mutações no interior do trabalho”.
A mudança nas relações de trabalho, na era pós-industrial, é igualmente sentida na perda da própria identidade social dos trabalhadores, uma vez que o emprego sempre foi compreendido como uma das formas de caraterizar o ser humano (ROCHA, 2001).
É Jane Gombar quem elucida a dimensão dessa revolução nas relações de trabalho:
“Entretanto, a efetividade do emprego como modalidade segura e estável de relação entre trabalhador e empresa, característica do modelo fordista e a possibilidade de qualificação do homem através de sua identidade laboral, com os novos sistemas de produção, na sociedade pós-moderna, altera-se profundamente. Surge um novo tipo de trabalhador, o trabalhador flexível, autônomo, informal, criador do seu próprio trabalho, sem garantia de direitos e benefícios outrora incontestáveis. Essas mutações criaram uma classe trabalhadora muito diferenciada, entre qualificados-desqualificados, mercado formal-mercado informal e desempregados”.
Essa nova espécie de relação laboral, incrementada pelas novas tecnologias, se compreende, inclusive, com o advento do se concebe atualmente como capitalismo cognitivo, no qual o trabalho pode se desenvolver fora do ambiente físico, mediante fatores imateriais e consequências sociais, consoante se depreende da lição de Antônio Negri e Andre Fumagalli (2008):
“La prestazione lavorativa si modifica sia quantitativamente che qualitativamente. Riguardo le condizioni materiali di lavoro (l'aspetto quantitativo), si assiste ad un aumento degli orari di lavoro e, spesso ad un cumulo di mansioni lavorative, al venir meno della separazione tra tempo di lavoro e tempo di vita, ad una maggior individualizzazione dei rapporto di lavoro. Inoltre la prestazione lavorativa acquista sempre più elementi di immaterialità: l’attività relazionale, di comunicazione e cerebrale diventano sempre più compresenti e importanti. Tali attività richiedono formazione, competenze e attenzione: la separazione tra mente e braccia, tipica della prestazione taylorista, si riduce sino a sviluppare un connubio di routines e di intensa partecipazione attiva al ciclo produttivo. Alla divisione tradizionale del lavoro per mansioni si aggiunge dei saperi e delle competenze, aumentando il grado di assoggettamento del/la lavoratore/trice ai tempi del processo produttivo. Tale assoggettamento non è più imposto in modo disciplinare da un comando diretto, il più delle volte viene introiettato e sviluppato tramite forme di condizionamento e di controllo sociale”.
O momento contemporâneo de difusão da tecnologia da informação, como ferramenta a ser aplicada e processo a ser desenvolvido, é destacado por Manuel Castells como “no mínimo, um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII” e, nesse sentido, acerca do momento histórico, continua lecionando:
“A tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para as Revoluções Industriais sucessivas, do motor a vapor à eletricidade, aos combustíveis fósseis e até mesmo à energia nuclear, visto que a geração e distribuição de energia foi o elemento principal na base da sociedade indústria”.
Nesse quadro de pós-modernidade, Zygmunt Bauman (2007) chega a afirmar que os atores sociais constantemente estão expostos a condições que “mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas (…) em que num piscar de olhos os ativos se transformam em passivos, e as capacidades em incapacidades”.
Os acontecimentos em tempo real, tais como proporcionados pelas novas tecnologias da informação, a transformação do próprio capitalismo e da globalização, produziram, portanto, novos conceitos nas relações de trabalho, introduzindo o trabalho flexível, teletrabalho ou trabalho à distância.
O teletrabalho, consoante prega o sociólogo Domenico De Masi, pode constituir-se em importante instrumento não só para a realização profissional, mas para a integração e harmonização deste para com os demais direitos de cidadania.
Nesse contexto, verifica-se que as origens do teletrabalho foram pensadas como forma de dar ênfase à responsabilidade social das empresas, pensando o trabalho dentro de um contexto mais contemporâneo, realizável com menor impacto ao meio ambiente urbano, menor gasto de energia, combustíveis e utilizando-se das novas tecnologias.
Essa nova forma de pensar o trabalho vem bem traduzida por Márcia Rodrigues Bertoldi:
“Não é nova informação o sistema capitalista ter-se desenvolvido ocasionando efeitos deletérios sobre os direitos sociais, econômicos, entre outros e sobretudo ao direito a um meio ambiente equilibrado, ao edifício do capital: os recursos naturais. Daí a pertinência das discussões em torno a um desenvolvimento que permita as sustentabilidades econômica, sociocultural e ambiental, capaz de compreender a interligação entre estes processos – e não somente eles – que ocorrem no mundo e, ademais, apto a permitir que as sociedades participem e se apropriem de forma mais ou menos equânime dos bens e serviços gerados a partir dos recursos naturais-capitais.
Há pressa na difusão de práticas diferenciadas, que possibilitem o exercício da cidadania e o compartilhamento da responsabilidade pelos efeitos negativos das atividades humanas sobre o meio ambiente. Nesse cenário, no qual os modelos estatuídos não dão conta das justiças social, ambiental e econômica, ganha relevo os valores e práticas englobadas nos princípios que constituem o urgente paradigma, o desenvolvimento sustentável. Um desenvolvimento sustentável em nível local, já que no global é, por enquanto, apenas fabulação”.
Essa é a proposta do Livro Verde, firmado em Bruxelas em 18/07/2001, ao considerar a responsabilidade social das empresas como um investimento e não como um encargo. Ao tratar da gestão de recursos humanos qualificados, o Livro Verde defende que as empresas se organizem de modo a proporcionar ao trabalhador maior integração entre vida profissional, familiar e tempos livres. Eis a principiologia adotada:
“28. Um dos maiores desafios que actualmente se coloca às empresas reside em atrair trabalhadores qualificados. Neste contexto, entre as medidas pertinentes poder-se-ão incluir a aprendizagem ao longo da vida, a responsabilização dos trabalhadores, uma melhor informação dentro da empresa, um melhor equilíbrio entre vida profissional, familiar e tempos livres, uma maior diversidade de recursos humanos, a igualdade em termos de remuneração e de perspectivas de carreira para as mulheres, a instituição de regimes de participação nos lucros e no capital da empresa e uma preocupação relativamente à empregabilidade e à segurança dos postos de trabalho”.
Entretanto, no que concerne ao espaço democrático brasileiro, são atuais os ideais reformistas, mitigadores de direitos sociais duramente conquistados, tal como a plenitude do emprego. Desse modo, o debate acerca da regulação do teletrabalho deve ser enfrentado como forma de investigar se a experiência brasileira caminha no sentido da precarização dessa forma laboral ou, se vem conduzindo-a nos trilhos da pós-modernidade, mantendo e aprimorando direitos sociais conquistados.
Maurício Godinho Delgado esclarece que a expressão flexibilização ampliada também engloba a ideia de desregulamentação. Segundo esse autor, a flexibilização trabalhista consiste na possibilidade de negociação, atenuando a força imperativa das normas laborais, em face de convenção coletiva de trabalho (CCT) ou acordo coletivo de trabalho (ACT), sem afrontar, entretanto, os limites da ordem jurídica. A desregulamentação, por sua vez, pretende afastar a proteção do Direito do Trabalho.
Na seguinte lição, DELGADO (2016)[5] contextualiza o momento histórico no qual surgem as propostas de flexibilização e desregulamentação trabalhista:
“As fórmulas de flexibilização e de desregulamentação trabalhistas, na verdade, ostentam importante correspondência com período histórico de crise do Direito do Trabalho, deflagrado no Ocidente a partir do final dos anos de 1970, em meio à estruturação de nova hegemonia político-cultural, de matriz liberalista, que iria perdurar por algumas décadas. Sob o impulso do argumento motor de que o Direito do Trabalho clássico criava obstáculos desnecessários e inconvenientes à livre gestão das relações econômicas e sociais, prejudicando a produtividade e a concorrência empresariais, despontaram diversificados veios discursivos e fórmulas interpretativas e normativas dirigidas à busca de maior aproximação dos processos e mecanismos de gestão da força de trabalho às necessidades econômicas do sistema capitalista. O resultado alcançado, entretanto, apontou essencialmente para a maior concentração de renda e a maior precarização das condições de trabalho nas economias e sociedades que absorveram tais orientações político-ideológicas”.
Nesta linha, merece fomento o debate no sentido de compreender se a precarização das relações de trabalho realmente é capaz de conferir maior crescimento econômico. Em contrapartida, a pesquisa tem por finalidade verificar em que condições o teletrabalho no Brasil vem sendo desenvolvido e, desse modo, indicar a possibilidade de regulação desse novel instituto, no contexto de sua realização constitucional. De acordo com Amartya Sen, se fosse possível traduzir seu pensamento em uma frase, seria interessante questionar: “como a justiça pode ser promovida?”
Amartya Sen defende a ampliação das possibilidades de escolha como forma de promover o desenvolvimento, preocupando-se com uma série de contingências capazes de afetar a vida das pessoas e, via de consequência, o desenvolvimento social, a exemplo de “diversidades no ambiente físico”, “variações no clima social” e “diferenças de perspectivas relacionais” (SEN, 2016, p. 289-290).
O direito social ao trabalho, no cenário brasileiro, deve ser compreendido sob o viés das respectivas circunstâncias sociais e políticas, respeitando as oportunidades reais que afetam as liberdades, tal como vislumbra Amartya Sen. Esse autor, na obra “Desenvolvimento como Liberdade” (SEN, 2016, p. 43), assim refere:
“Políticas que restringem oportunidades de mercado podem ter o efeito de restringir a expansão de liberdades substantivas que teriam sido geradas pelo sistema de mercado, principalmente por meio da prosperidade econômica geral. Não se está negando aqui que os mercados às vezes podem ser contraproducentes (como salientou o próprio Adam Smith ao defender a necessidade de controle do mercado financeiro), e há fortes argumentos em favor da regulação em alguns casos. Em geral, porém, os efeitos positivos do sistema de mercado são hoje muito mais amplamente reconhecidos do que foram até mesmo poucas décadas atrás”.
Conclusão
O trabalho flexível certamente há de ser concebido como um instrumento propulsor da pós-modernidade, que venha ao encontro da realização constitucional da dignidade da pessoa humana e da satisfação dos direitos de segunda geração.
De outra senda, a satisfação dos direitos sociais contidos na Constituição brasileira, mediante a oportunização de relações de trabalho consentâneas com a organização de uma sociedade em rede, deve ser contemplada, inclusive sob o alerta proposto em diversos estudos que desencobrem prejuízos resultantes aos direitos dos trabalhadores.
Destarte, as simples considerações aqui realizadas visam lançar um olhar acerca das circunstâncias fáticas e sociais nas quais o teletrabalhador brasileiro vem desenvolvendo essa parcela pós-moderna de trabalho flexível, objetivo que demandaria ampliação da pesquisa.
A finalidade maior do estudo proposto, é ressaltar que a satisfação do direito social ao trabalho na atual quadra pós-moderna, também depende da regulação jurídica do teletrabalho, inclusive, como forma de impulsionar os demais direitos sociais.
Por fim, calha o pensamento de Amartya Sen, bem expressado na lição de CONSANI, Cristina e XAVIER, Yanko Marcius de Alencar:
“(…) uma sociedade apenas pode ser considerada desenvolvida quando promove uma série de liberdades, as quais, por sua vez, demandam a concretização de uma gama de direitos, tais como ter acesso à alimentação, saúde, educação, uma renda mínima, entre outros que garantam aos indivíduos a possibilidade de fazer escolhas. Esses direitos são interdependentes e devem ser realizados concomitantemente. Sua concretização, entretanto, passa necessariamente pelo enfrentamento da questão da concentração de poder político e econômico, o que exige uma postura ativa do Estado e do Direito”.
Especialista em Direito Processual Civil. Aluna Especial do Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande. Advogada Pública
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