Resumo: Este trabalho abordou reflexões sobre expansão de lavouras de cana-de-açúcar no Brasil e no estado de Goiás e a legislação aplicável ao trabalhador canavieiro. Tendo em vista as reincidências de casos de libertação de trabalhadores da cana que foram submetidos à trabalhos forçados ou análogos à trabalho escravo. Com o crescimento da população a produção de alimentos cresceu para suprir a demanda populacional. Dentro deste contexto a cultura da cana de açúcar expandiu vertiginosamente por todo o país com intuito de não só suprir as necessidades nacionais. Neste processo produtivo da cana de açúcar afloram as relações trabalhistas advindas da empresa canavieira com seus empregados cortadores de cana. Do ponto de vista da sustentabilidade, aquela relação de trabalho, a legislação atual referente ao trabalhador rural canavieiro e a realidade social do setor canavieiro são, neste estudo, abordadas. Nesta composição analisa-se a eficácia da aplicabilidade da convenção coletiva do setor canavieiro, através do estudo descritivo da expansão canavieira e a relação de trabalho com os cortadores de cana.
Palavras-chave: Indústria canavieira. Trabalhador rural canavieiro. Legislação, Desenvolvimento sustentável.
Abstract: This work approached itself reflections about sustainability, development of the cane in Brazil and in the State of Goiás and the applicable legislation to the sugar cane worker. Having in mind the workers liberation cases relapses of the cane that were submitted to the works forced or analogous to the work slave. With population growth to food production to meet increased population demands. In this context the culture of the sugar-cane expanded dizzily for the whole country with intention of not only providing the national necessities. In this productive process of the sugar-cane there emerge the labor relations resulted from the sugar cane enterprise with his cutting employees of cane. From the point of view of the sustainable, that relation of work, the current legislation referring to a rural sugar cane worker and the social reality of the sugar cane healthy sector, in this study, boarded. In this composition analyzes-itself the efficacy of the applicability of the collective convention of the sugar cane sector, through the descriptive study of the sugar cane expansion and the relation of work with the cutters of cane.
Keywords: Sugar cane industry. sugar cane rural worker. Legislation. Sustainable development.
INTRODUÇÃO
O rápido crescimento da população mundial, a expansão da agroindústria e a indústria de agrotóxico motivaram, na década de 1960, um modelo de agricultura que tinha como sugestão a sua modernização (Revolução verde) sustentada nas técnicas da produção de forma universal, ou seja, a produção foi maximizada com o rendimento dos cultivos sem considerar os diversos ambientes produtivos. Sendo que este modelo resiste, na maioria das propriedades rurais, até a atualidade (BECKER, 1994).
Como conseqüência da ampliação da agricultura desencadeou-se a destruição e exaustão da biodiversidade, resultante do uso insensato dos recursos físicos e biológicos. Diante da eminente destruição do ambiente em que vivemos a sociedade tem sido questionada sobre sua relação com a biodiversidade e suas perspectivas de sobrevivência.
Tomando como referência este cenário, a partir da década de 1970, deu-se início a uma série de encontros internacionais para se discutir o futuro da humanidade, tomando-se como enfoque central um modelo de desenvolvimento que melhor se adapte ao ser humano e ao ambiente (BRAUN, 2005).
Dentre todas as atividades econômicas, a agricultura é a maior responsável pelo uso do solo em termos globais. Sendo que no Brasil, o desenvolvimento econômico alicerçou-se também, dentre outros cultivos, na produção de cana-de-açúcar.
Atualmente, a mão de obra utilizada na produção de cana-de-açúcar é basicamente assalariada, e a produção da cana é destinada à fabricação de açúcar, álcool e à produção de energia a partir do bagaço, tanto para o consumo interno brasileiro, como também para a exportação (DIEESE/2007).
Buscar respostas para o problema da indicação ou não de sustentabilidade nas Convenções Coletivas do setor canavieiro do Estado de Goiás, constituíndo assim na grande busca deste trabalho, que tem como objetivo contribuir para a formação da consciência sobre a necessidade de se mudar o tratamento dispensado aos cortadores de cana.
1 SITUAÇÃO DO TRABALHADOR CANAVIEIRO.
O corte da cana é realizado ao ar livre, sob o sol, com o trabalhador equipado com uma vestimenta composta de botas com biqueira de ferro, calças de brim, perneiras de couro até o joelho contendo três barras de ferro frontais, camisa de manga comprida, chapéu, lenço no rosto e pescoço, óculos e luvas de raspa de couro. Portando toda essa vestimenta, os equipamentos (um facão, ou podão de metal com lâmina de meio metro de comprimento, mais uma lima) e a realização do trabalho sob o sol levam a um elevado dispêndio de energia, o que por si só são elementos deletérios à saúde. Mas, deve-se acrescer a esses elementos físicos o fato de serem remunerados por produção, num método em que o trabalhador só sabe o resultado do seu trabalho depois de realizado.
Vale ressaltar que o pagamento por produção na cana diferencia-se de outras formas de pagamento por produção porque na cana os trabalhadores não sabem previamente o valor do que produzem. Na maior parte dos pagamentos por produção, os trabalhadores trabalham por ‘peça’ produzida, e estas têm o seu valor fixado antes da realização do trabalho. O valor da cana cortada só é conhecido pelos trabalhadores depois que o trabalho é realizado, e ainda depende de uma conversão de valores que é realizada à revelia dos trabalhadores.
2 CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO PARA O SETOR CANAVIEIRO GOIANO.
A Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT estabelece a definição de convenção nos seguintes moldes:
“Acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho
§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho”. (art. 611, caput, CLT).
As negociações estabelecidas por entidades sindicais, quer a dos empregados, quer a dos respectivos empregadores, resultam na convenção coletiva. Apesar de que as convenções coletivas são de origem privada criam regras abstratas e impessoais, dirigidos a normatizar situações futuras. A convenção corresponde à noção de lei em sentido material. (DELGADO, 2008).
Para Martins (1994) a convenção é onde serão estipuladas condições de trabalho que serão aplicadas aos contratos individuais de trabalho, tendo, portanto efeito normativo entre as partes.
Vale ressaltar que o acordo coletivo de trabalho, quando for constituído dentro das normas formais vincula as partes acordantes da mesma forma que um contrato vincula as partes contratantes. Entretanto, os acordos coletivos podem sobrepor às leis trabalhistas nos que beneficiar as partes (DELGADO, 2008).
Conforme estabelecido na própria convenção coletiva de trabalho do setor canavieiro goiano, com vigência no período de 21/05/2008 a 20/05/2009, a convenção é a formalização das negociações trabalhistas firmados entre, de um lado, os Sindicatos rurais, a Federação da agricultura do Estado de Goiás e Distrito Federal – (FAEG/DF), o Sindicato da Indústria de Fabricação de Álcool do Estado de Goiás – (SIFAEG), e o Sindicato de Fabricação de Açúcar do Estado de Goiás (SIFAÇÚCAR), e de outro lado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Federação dos trabalhadores na agricultura do Estado de Goiás – (FETAEG).
No entendimento do Pietrafesa (1995), as convenções coletivas se traduzem no instrumento que garante equilíbrio nas relações trabalhistas, oferecendo vantagens para todos envolvidos. Para os canavieiros, os ganhos são no sentido de que as convenções coletivas vinculam as necessidades mínimas do trabalhador. Além disso, os trabalhadores ganham maior espaço para uma organização sindical mais estruturada. Para os usineiros o instrumento é uma garantia de cumprimento das leis trabalhistas.
Entretanto, nem sempre existiu esta possibilidade de negociações trabalhistas ao longo de nossa história, pois no Estado de Goiás, dentre outros Estados Brasileiros eram corriqueiras a instaurações de lides para solucionar questões trabalhistas devido as grandes perdas que os trabalhadores sofrem. Entre outras práticas, os cortadores de cana sofrem rebaixamento da diária, a redução da base salarial convencionada, a elevação da tarefa convencionada por meio da classificação irregular da cana, erros ou fraudes na medição e na conversão e a falta de pagamento das verbas salariais (DIEESE, 2007).
Tendo em vista os fatos acima relatados, Martins (1994) salienta que a aplicação das convenções coletivas pode ser vista como de eficácia limitada, aplicável unicamente aos convenentes e, portanto aos associados do sindicato; pode-se ver as convenções também como de eficácia geral se observada em relação a toda categoria, que é o modelo vigente no Brasil.
As cláusulas das normas coletivas são aplicáveis no âmbito das categorias covenientes, sendo observadas em relação a todos os seus membros, sócios ou não dos sindicatos (MARTINS, 1994).
No corte da cana, os trabalhadores são remunerados por metro de cana cortada, mas somente o valor da tonelada de cana cortada fica previamente fixado. Todavia para que o trabalhador conheça o valor do metro de cana cortada existe a necessidade de se converter o valor da tonelada para o valor do metro. (CONVENÇÃO, 2008). Ainda assim, o valor mínimo estabelecido para o piso salarial dos cortadores de cana na convenção de 2008 é de R$ 526,00 (quinhentos e vinte e seis reais) (cláusula terceira da convenção 2008).
Já o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal do Brasil (CF/88) promulgada em 1988, dispõe sobre as necessidades primárias garantidas a todos os cidadãos brasileiros e para tanto o salário mínimo deverá ser capaz de atender as suas necessidades básicas e às de sua família. Em tais necessidades incluem-se as despesas com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. (CF/88).
Em outras palavras, a Carta magna determina que o salário mínimo deve ser capaz de proporcionar a condição básica para que todo e qualquer ser humano possa viver com dignidade e possa ter, também, uma perspectiva de crescimento pessoal, cultural e profissional, elevando assim seu padrão de vida e de sua família (JULPIANO, 2002).
No mês de Maio de 2008, o salário mínimo foi fixado, pelo governo brasileiro, no valor de R$ 415,00 (quatrocentos e quinze reais), valor este, inferior ao valor mínimo estabelecido para o piso salarial dos cortadores de cana que é no valor de R$ 526,00 (quinhentos e vinte e seis reais). Apesar de que o valor mínimo do piso salarial dos cortadores de cana ser aproximadamente 21% (vinte e um por cento) maior do que o salário mínimo vigente no primeiro semestre de 2009, ele ainda não consegue suprir as necessidades básicas do trabalhador e de sua família, pois as leis trabalhistas, acordos e convenções coletivas de trabalho são comumente descumpridas causando perdas significativas ao trabalhador (DIEESE, 2007).
Não obstante ao acima delineado, ressaltamos que o desenvolvimento sustentável requer o uso racional dos recursos disponíveis hoje, de modo a garantir o retorno econômico e social de sua aplicação no dia de amanhã.
Seguindo este raciocínio frisamos que a Constituição Federal de 1998 demonstra no seu artigo 225, capítulo VI, do meio ambiente, a preocupação do legislador brasileiro com a preservação do meio ambiente visando não só a economia do presente como do futuro, quando se estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (CF/88).
Vale salientar, ainda, que a qualidade de vida dos indivíduos, neste caso o cortador de cana, é primordial para o desenvolvimento local. Assim, se deve levar em conta que a inserção daquelas pessoas na sociedade, com melhor condição de vida desencadeia outras melhorias no conjunto social, pois assim ele terá dinheiro para gastar com as necessidades mínimas para a sobrevivência do homem, consequentemente terá que recolher tributos, os quais retornarão para a sociedade em forma de um conjunto de infra-estrutura urbana, física e social, e bem-estar da comunidade.
Tendo o cortador de cana uma melhor qualidade de vida, a sua capacidade de inserção social aumenta, sendo reflexo da sustentabilidade de uma economia em desenvolvimento, seja ela local, regional ou internacional.
Caso aflore o desequilíbrio entre as classes sociais, no caso o cortador de cana e a sociedade local, serão comprometidas as melhorias duradouras na qualidade de vida da sociedade em geral. Assim, sem justiça social não há ambiente propício para criarmos uma sociedade sustentável.
Para Soto (2002) o Brasil tem despertado para o fato de que o modelo adotado neste país não é sustentável, pois o impacto ambiental provocado por agricultura excessiva destrói o solo, as florestas, contamina o ar, rios e mares, além de provocar problemas à saúde por intoxicação dos trabalhadores agrícolas devido ao uso de agrotóxicos.
A agricultura familiar tem despontado como um forte modelo de sustentabilidade, onde se reduz a destruição de recursos naturais e o meio ambiente. Todavia a agricultura familiar tem sua fundamentação divergente da lógica capitalista predominante em nosso país, restando assim necessitando de se realizar pesquisas no intuito de comparar os diferentes setores, com o apoio governamental (SOTO, 2002).
2.1 DOS DIREITOS PERTINENTES AO CORTADOR DE CANA NAS CONVENÇÕES COLETIVAS DE 2006 A 2008
Os trabalhadores rurais, cortadores de cana, do Estado de Goiás constituíram o Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquele Estado onde celebram anualmente convenções coletivas, com o intuito de resguardar direitos daquela classe de trabalhadores e dos patronos.
Desta forma passamos a expor as diferenças entre as três últimas Convenções Coletivas de Trabalho para o Setor Canavieiro do Estado de Goiás (2006, 2007 e 2008).
A convenção de 2008 não trouxe grandes mudanças em relação às convenções dos anos de 2006 e 2007, entretanto a disposição das cláusulas foi invertida no intuito de demonstrar que a referida convenção foi modificada, embora seu conteúdo não contenha grandes inovações.
Na convenção em vigor (2008), o piso salarial e a diária apresentaram acréscimos sem grande expressão, apesar de se manter acima do valor do salário mínimo vigente à época.
Salientamos que a cláusula vigésima nona da atual Convenção Coletiva (2008), a qual se refere à aplicação de agrotóxicos sofreu modificação em favor do empregador se comparada com as Convenções Coletivas do Setor Canavieiro do Estado de Goiás de 2006 e 2007.
Na Convenção Coletiva de 2006, estabelecia-se a necessidade de exames periódicos mensais (§ 1º da Cláusula Décima nona), já na convenção de 2007 estabelecia-se a necessidade do empregado passar por exames periódicos trimestralmente (§ 1º da Cláusula Décima nona). Sendo que na Convenção Coletiva de 2008, estabelece-se também a necessidade do empregado passar por exames periódicos trimestralmente (§ 1º da Cláusula Vigésima Nona).
Entretanto, a Convenção Coletiva de 2008 determina que, no tópico referente à aplicação de agrotóxico (§ 3º da Cláusula Vigésima nona), em caso de inaptidão para a aplicação do defensivo agrícola, atestado por médico, o trabalhador será remanejado para outra função, sendo que o trabalhador deveria ser encaminhado para um tratamento médico.
O Decreto nº. 4.074/2.002 regulamenta a Lei nº. 7.802/1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.
No inciso II do art. 2º do referido Decreto n.º 4.074/2002 determina de quem é o dever de estabelecer formas de minimizar os riscos apresentados por agrotóxicos, como segue:
“Art. 2º Cabe aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde e do Meio Ambiente, no âmbito de suas respectivas áreas de competências: […]
II – estabelecer diretrizes e exigências objetivando minimizar os riscos apresentados por agrotóxicos, seus componentes e afins;
[…]” (DECRETO N.º 4.074/2002)
Todavia o uso de agrotóxicos não registrados vindos do Paraguai, Uruguai e Argentina são comuns nas agriculturas brasileiras, pois o valor de compra dos referidos produtos são ínfimos se comparado com o produto legalizado em nosso país. Entretanto a diferença do uso do agrotóxico legal com o ilegal são os danos com a saúde, meio ambiente e com a vida do homem, pois não se conhece totalmente as extensões dos danos provocados por eles (ANDAV, 2007).
Esta prática incorre na tipificação dos crimes que seguem:
a) Contrabando ou descaminho, previsto no art. 334 do Código Penal Brasileiro;
b) Crime de Sonegação Fiscal previsto no Código Tributário Nacional;
c) Crime Ambiental previsto no Art. 56 da lei 9605/98 (Lei dos Crimes Ambientais);
d) Crime Previsto no art. 15 da Lei 7.802/89 (Lei dos Agrotóxicos) que determina que aquele que comercializa, transporta ou usa agrotóxicos não registrados no País e em desacordo com a citada Lei, pratica crime.
Devemos notar que tanto os trabalhadores que diluem ou preparam as ‘caldas’ (agrotóxicos), como aqueles que aplicam os agrotóxicos e os que entram nas lavouras após sua aplicação, estão sujeitos, em graus diferenciados, a desenvolver quadros de intoxicação.
A contaminação ambiental coloca em risco de intoxicação outros grupos populacionais, além da exposição ocupacional. Em especial, destacamos as famílias dos agricultores, a população circunvizinha a uma unidade produtiva e a população em geral, que se alimenta do que é produzido no campo.
Segundo Bezerra e Veiga (2000) os agrotóxicos são absorvidos pelo corpo humano pelas vias respiratória e dérmica, e em menor quantidade, pela via oral. Uma vez no organismo, poderão causar quadros de intoxicação aguda ou crônica.
O diagnóstico de intoxicações agudas é fácil de ser detectado por um profissional da saúde. Entretanto, os sinais e sintomas clínicos, muitas vezes graves e irreversíveis, que caracterizam as intoxicações crônicas não são facilmente detectados (BEZERRA e VEIGA 2000).
A notificação e investigação de eventos por contaminação por agrotóxicos no Brasil são ainda muito precárias. Os fatores que influem para a ausência de registro de pessoas infectadas por agrotóxicos são as dificuldades de acesso dos trabalhadores rurais aos centros de saúde, diagnósticos incorretos, escassez de laboratórios de toxicologia.
A planilha abaixo demonstra a evolução das convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro goiano relativamente à aplicação dos agrotóxicos, nos anos de 2006, 2007 e 2008:
É cediço que os agrotóxicos podem causar danos à saúde de diferentes grupos de pessoas como a dos trabalhadores, vizinhos, consumidores de produtos agrícolas, consumidores de água e pescados de mananciais hídricos contaminados (ADISSI, 2001).
Tendo em vista a crescente conscientização do homem sobre o risco na utilização de agrotóxicos em plantações, o mercado tem exigido produtos sadios e livres dos referidos agrotóxicos, forçando desta forma, os produtores se adequarem à demanda do mercado emergente, buscando se adequar a padrões de manejo ecologicamente corretos. (PINHEIRO, 2004).
Podemos inferir, também, da Convenção Coletiva de trabalho para o setor canavieiro goiano (2008), que em seu texto foram reproduzidas as normas positivas hierarquicamente superiores à convenção acima mencionada. Vale salientar que as normas positivas acima referidas já faziam parte do ordenamento jurídico, em legislação esparsas, como segue comparado:
As Convenções coletivas de trabalho para o setor canavieiro goiano, nos últimos três anos, reuniram alguns direitos do trabalhador rural, todavia os pontos mais relevantes estão elencados no quadro, constante no anexo 2.
Dentre outros ganhos para o trabalhador rural canavieiro, foi a inserção na convenção coletiva de uma cláusula distinta, onde foi assegurada condição especial para trabalhador ou trabalhadora estudante, pois a maioria dos trabalhadores durante anos eram analfabetos, tendo em vista a existência de inúmeros empecilhos para que os trabalhadores tivessem acesso ao ensino.
A referida cláusula segue abaixo demonstrada nos três últimos anos das convenções.
2.2 Da equiparação do direito de pleitear verbas trabalhistas entre os trabalhadores rurais e urbanos.
Conceito de trabalhador rural é “Trabalhador rural é a pessoa física que presta serviços a tomador rural, realizando tais serviços em imóvel rural ou prédio rústico” (DELGADO, 2008, p. 386).
Segundo Delgado (2008), a Lei n.º 5.889/73 normatiza o trabalho rural, como o trabalho noturno, respeitando a sobre remuneração constitucional (art. 7º, Lei n.º 5.889/73; art 7º, IX, CF/88). Regula ainda a flexibilização do intervalo intrajornada,observados os usos e costumes da região (art. 5º, Lei n.º 5.889/73).
A Constituição Federal de 1988 estabelece a imprescritividade de parcelas durante o período contratual rurícola, sendo que a referida definição não é discriminatória aos trabalhadores rurais, segundo Delgado, 2008.
Entretanto, antes da Emenda Constitucional – EC n.º 28 (alínea “b” do art. 7º inciso XXIX, CF/88) da Constituição Federal, estabelecia-se prazo prescricional de até dois anos após a extinção do contrato do trabalho, sem fluência de prescrição no curso de trabalho. Ou seja, enquanto a prescrição urbana estendia-se a um período máximo de cinco anos dentro do contrato de trabalho, a prescrição rural não corria no desenvolver do contrato de trabalho.
Atualmente, após a Emenda Constitucional – EC n.º 28 foram unificados os prazos prescricionais dos seguimentos urbanos e campestres, segundo Delgado, 2008.
2.3 Da legislação atual que acoberta os direitos do cortador de cana.
Na legislação brasileira vigente encontramos 05 (cinco) modalidades distintas de relação de emprego, como seguem especificadas.
Neste trabalho nos ateremos à lei que rege o trabalho rural, a qual é objeto deste estudo.
O Decreto-Lei n.º 5.452, de 01 de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), no art. 443 caput estabelece as modalidades de trabalho que podem ser tanto de prazo determinado como de prazo indeterminado esta previsto no artigo 443 da Consolidação das Leis do Trabalho, como segue:
“Art. 443 – O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.
§ 1º – Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.
§ 2º – O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
c) de contrato de experiência.”
O trabalhador cortador de cana poderá ser contratado pelas usinas por prazo indeterminado, o qual existe data de início e não tem data prevista para seu término. Ou ainda, o cortador de cana poderá ser contratado por contrato por prazo determinado, ou seja, contrato com data de inicio e término, todavia não podendo este ultrapassar o prazo total de 2 (dois) anos.
Vale ressaltar que a validade do contrato de trabalho por prazo determinado só se configura quando existir uma das situações indicadas no § 2º do artigo acima mencionado. Na alínea “a” menciona a serviço de natureza transitória que justifique a predeterminação do tempo de trabalho.
No caso das usinas, elas necessitam de trabalhadores cortadores de cana somente nas safras, configura-se assim a necessidade de utilização de mão de obra em caráter transitório.
O contrato de trabalho padrão fixado na CLT é a relação jurídica na qual uma pessoa física obriga-se, por tempo indeterminado, a realizar trabalho de maneira subordinada, pessoal, onerosa e não-eventual.
Entretanto, o produtor rural pessoa física, poderá contratar o trabalhador rural por prazo determinado, a qual é regida por lei específica.
A Lei nº. 5.889/73, que rege o trabalho rural foi modificada, em edição, extra pela Medida Provisória nº. 410, publicada no DOU de 28.12.2007, a qual posteriormente foi convertida na Lei 11.718, de 20 de junho de 2008 e publicada no Diário Oficial da União de 23 de junho de 08.
Conforme a Lei 11.718/2008, só o produtor rural pessoa física, proprietário ou não, que explore diretamente atividade agroeconômica, poderá realizar contratação de trabalhador rural por pequeno prazo para o exercício de atividades de natureza temporária.
Esse contrato por pequeno prazo poderá ter duração de até 2 (dois) meses dentro do período de 01 (um) ano. O contrato de trabalhador rural por pequeno prazo que superar dois meses dentro do período de um ano será convertido em contrato de trabalho por prazo indeterminado.
Sem dúvida trata-se de um avanço importante, propiciando ao empregador uma nova modalidade de contratação, daquelas já conhecidas, como: contrato de experiência, contrato de safra, contrato por prazo determinado e contrato por prazo indeterminado.
A inclusão do trabalhador rural na Previdência Social, admitido sob esta nova figura contratual, será feito mediante a Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), com alíquota de 8% sobre o valor da remuneração; cabendo à Previdência Social instituir mecanismo que possibilite a identificação do segurado. A não inclusão do trabalhador na GFIP pressupõe que sua contratação não se deu na forma entabulada pela referida Lei.
Não haverá necessidade de registro desta contratação na Carteira de trabalho e previdência social (CTPS) do trabalhador rural ou em Livro/Ficha de Registro de Empregados, mas será obrigatória a adoção de contrato escrito para fins de exibição à fiscalização trabalhista.
A referida Lei assegura a este trabalhador rural os demais direitos trabalhistas, porém não os especifica, tampouco esclarece de que forma será ele ressarcido.
Para ter acesso aos benefícios da aposentadoria e pensões rurais, o trabalhador rural que presta serviço em caráter eventual será enquadrado na Previdência Social como segurado contribuinte individual. Observa-se que a contribuição previdenciária devida pelo trabalhador, sempre sob a alíquota de 8%, será deduzida pelo tomador dos seus serviços e recolhida ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no prazo normal, assim como ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que será recolhido na forma da Lei n.º 8.036, de 11 de maio de 1990.
O prazo final para que os trabalhadores rurais empregados requeiram a aposentadoria por idade, recebendo o equivalente a um salário mínimo, foi estendido até 31 de dezembro de 2010.
É importante esclarecer que a concessão de aposentadoria por idade do empregado rural depois de 2010, para efeito de carência, será contada da seguinte forma: de 2011 a 2015, cada mês será multiplicado por três e, de 2016 a 2020, cada mês de emprego será multiplicado por dois, sempre dentro do limite de 12 meses. Esse processo só será aplicável para a concessão de aposentadoria no valor de um salário mínimo.
Na página seguinte pode ser encontrado o organograma da Lei 11.718/2008
2.4 O DESCUMPRIMENTO DAS LEGISLAÇÕES PERTINENTES AO COTARDOR DE CANA
A partir da revisão da literatura sobre o tema relação de trabalho e expansão do setor canavieiro, pode-se perceber algumas denuncias de não cumprimento das convenções. No estado de Goiás, também se percebe uma quantidade expressiva de denuncias sobre trabalho forçado e análogo a trabalho escravo, conforme a imprensa local e nacional tem divulgado (ver anexo, fotocópias de noticias da Folha Online).
O trabalho escravo ou forçado não é um problema recente, pois nos remete ao princípio das civilizações humanas, o qual perdura até os dias de hoje em uma versão contemporânea. O conceito de trabalho forçado é estabelecido pela Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1930 como “Todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.”[1]
Apesar de que na referida convenção n.º 29 não estar definido o que seja trabalho escravo, a escravidão é uma forma de trabalho forçado. O trabalho escravo se configura pelo trabalho degradante aliado ao cerceamento da liberdade.
O artigo 2º da Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998 estabelece que todos os membros da OIT tem o compromisso de respeitar, promover e tornar realidade, de boa fé e em conformidade com a Constituição da Organização, os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções, dentre os quais a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, cujo o Brasil faz parte integrante.
Neste seguimento de trabalhos forçados ou trabalho escravo, segundo Julettel (2008) e pesquisadores da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) divulgaram que existem muitos fatores de risco no corte manual da cana. O principal risco deste trabalho é a sobrecarga na atividade cardiorrespiratória do trabalhador.
O trabalhador cortador de cana executa um ciclo de atividades repetitivas, no qual ele precisa de 5,6 segundos para abraçar um feixe com cinco a dez varas de cana, puxar ou balançar, flexionar a coluna, cortar o feixe rente ao solo, jogar a cana em montes e progredir, isto em média levando a sobrecarga da atividade cardiorrespiratória do trabalhador.
É cediço que o cortador de cana executa seu labor, também, durante o dia e segundo a Norma Regulamentadora (NR) n.º 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, toda atividade laboral pesada realizada em lugares com temperatura ambiente entre 26 e 28 graus Celsius precisa de pausas de 30 minutos para cada 30 minutos de trabalho. Segundo os pesquisadores da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), a média de temperatura máxima de 27,40 graus Celsius foi registrada no mês de maio em um canavial do Estado de São Paulo e naquele Estado a referida Norma Regulamentadora não é cumprida por falta de fiscalização (JULETTEL, 2008).
Corroborando com o entendimento de que a convenção coletiva dos trabalhadores do setor canavieiro não é aplicada, a jornalista Christiane Peres divulgou uma matéria na internet onde foi relatado que 244 trabalhadores cortadores de cana foram encontrados em condições degradantes em uma Usina no sul do Estado de Goiás, onde não foram oferecidos alojamentos adequados, além dos trabalhadores estarem exercendo o labor utilizando equipamentos inadequados de proteção individual (PELES, 2008).
No mesmo sentido, a Folha Online publicou no dia 29/04/2009 matéria sobre o Setor canavieiro, o qual liderou em 2008, as denúncias de trabalho escravo. O referido setor respondeu naquele ano por 36% (trinta e seis por cento) das denúncias envolvendo situações de trabalho degradante.
Na região norte do Brasil ocorreram 46,8% (quarenta e seis ponto oito por cento) das ocorrências de trabalho escravo, no Centro-Oeste do país foram registradas 18,9% (dezoito ponto nove por cento) e no Nordeste foram constatados 17,9% (dezessete vírgula nove por cento). Dos percentuais encontrados o Estado de Goiás manteve a liderança pelo segundo ano consecutivo, com 867 (oitocentos e sessenta e sete) pessoas libertadas, somente em seis ocorrências (FOLHA ONLINE, 2009).
A Folha Online publicou em 17/03/2009, uma reportagem de Eduardo Scolese, onde ele relata que algumas usinas de açúcar e álcool instaladas no estado de Goiás foram multadas por manterem seus empregados em situação degradante ao oferecerem alojamentos precários, jornadas extenuantes, transporte irregular e falta de equipamentos de proteção. Apesar de que as usinas terem sido multadas, elas receberam R$ 1.100.000.000,00 (um bilhão e cem milhões reais) em financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (FOLHA ONLINE, 2009).
Em 01/07/2008, a Folha Online publicou matéria contendo a informação de que 250 trabalhadores foram resgatados por Fiscais do Ministério do Trabalho de uma usina de cana no interior de Goiás, em condições consideradas degradantes, pois viviam em alojamentos precários e tinha descontado de seus salários, por um “gato” (aliciador de mão-de-obra), o dinheiro destinado à alimentação (FOLHA ONLINE, 2008).
Também em 08/03/2008, a Folha Online veiculou notícia de foram encontrados nos Estados de Goiás e Mato grosso mais de 1.500 trabalhadores, contratados por empresa do ramo de biocombustíveis, em condições degradantes por estarem usando moradias precárias e passando fome, pois o “gato” (aliciador de mão-de-obra) não fornecia alimentos suficiente para saciar suas necessidades (FOLHA ONLINE, 2008).
Diante dos dados acima apresentados inferi-se que as Leis Trabalhistas, bem como as Convenções coletivas do setor canavieiro não tem amparado o cortador de cana, pois os casos de trabalhos forçados ou similares à escravidão têm ocorrido rotineiramente.
Infere-se do acima delineado que, ainda que o cortador de cana manual tenha os direitos constantes na Convenção Coletiva de seu setor, este trabalhador rural cortador de cana, exerce atividades com sobre carga, as quais se assemelham à trabalho forçado ou similar a trabalho escravo, pois as Normas Positivas extra Convenção Coletiva não são aplicadas por inexistir fiscalização dos órgãos competentes.
Desta forma, a Convenção coletiva do setor canavieiro não pode garantir a sustentabilidade daquele setor, pois não abrange todas as necessidades primárias do trabalhador.
Nota:
Informações Sobre o Autor
Adriana Lourenço Camargo
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1995) e mestrado em Ecologia e Produção Sustentável pela Universidade Católica de Goiás (2009). Atualmente é advogada e professora no curso de Direito da Universidade Federal de Goiás – UFG