Palavras-chaves: Trabalho, ressocialização, preso.
1 – Introdução
Sabe-se que o trabalho do preso na execução penal, assim como o seu papel na ressocialização do homem sentenciado, apresenta algumas questões polêmicas, tais como enquanto direito, enquanto obrigação e perda dos dias remidos. Essa polêmica já tem sido motivo de pesquisa para muitos estudiosos, mas faz-se necessário, ainda, muitos estudos e análises a respeito do assunto.
2- Teorias da pena
No Direito Penal, a pena é o instrumento que sanciona o descumprimento da lei. Há uma série de princípios e garantias que direcionam a elaboração e aplicação dessa pena dentro de um Estado de direito e democrático.
Com relação à teoria da pena vemos que existem as Teorias Absolutas, Teorias Relativas e as Teorias Mistas, também denominadas de União ou, ainda, eclética.
As Teorias Absolutas são denominadas “retribucionistas” ou, ainda, “retributiva”, pois a retribuição significa que a pena deve ser aplicada proporcionalmente ao delito praticado pelo indivíduo.
Segundo Kant e Hegel[1], a pena encontra em si mesma a sua justificação, mas Kant ainda diz que o mal deve ser retribuído com o mal. Para essa Teoria, ao delito apenas cabe a finalidade de castigar, ou seja, puni-se porque cometeu crime.
De acordo com as teorias Relativas, a pena possui um fim útil, o de prevenção do delito. Assim, a noção de pena não só é colocada como retribuição, mas também com sentido de prevenção.
Zaffaroni[2] postula que as Teorias Relativas desenvolvem-se em oposição às Absolutas, pois tem objetivos ulteriores. Essas teorias se subdividem em teorias relativas de prevenção geral e de prevenção especial. Na prevenção geral a pena surti efeito sobre os membros da sociedade que não delinqüiram, pois os afastam através da ameaça penal estatuída pela lei, enquanto que a prevenção especial age sobre o infrator determinado, tenta-se, através da pena, prevenir futuros delitos que o mesmo possa vir a cometer.
Zaffaroni nos coloca que dentro da prevenção geral cabe citar a antiga teoria da intimidação, a antiga teoria da “coação psicológica” sustentada por Feuerbach, sendo a pena uma ameaça psicológica capaz de afastar do delito todos os possíveis autores.
Toron[3] subdivide em sua obra a teoria de prevenção geral e especial em negativa e positiva. Dessa forma, na prevenção geral negativa a pena serve de exemplo para os outros cidadãos, no sentido de dissuadi-los de práticas criminosas, enquanto que a prevenção geral positiva faz recordar e ter, constantemente, presente a efetiva vigência das normas como contraposição ao delito.
No entanto, com relação à prevenção especial positiva, a pena age no sentido de evitar que o autor de um delito volte a delinqüir, tornando a pena como função de advertência ou ressocializadora, bem como a prevenção especial negativa seria a intimidação do sujeito delinqüente.
Quanto às Teorias Mistas, as quais seriam a junção das duas primeiras teorias, possuem natureza retributiva e de prevenção, objetivando, dessa forma, os fins de reeducação do criminoso e de intimidação geral, resultando em útil e justa.
Na prática, essa teoria de união é verificada quando, no art. 59 da CP, o magistrado, ao fixar a pena, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Dentro das Teorias Mistas temos a teoria da união aditiva, onde o Juiz deve primeiramente buscar a fixação de uma pena justa, proporcional à culpabilidade do agente do delito e , somente depois, atentar para as exigências da prevenção, aplicando a pena útil ao mesmo, bem como temos, também, a teoria dialética da união, na qual a culpabilidade é aceita apenas como limite na individualização da pena, ou seja, não fundamenta a pena, apenas limita sua aplicação.
Logo, podemos concluir que “diferem estas teorias pelo fato de que a aditiva não permite a imposição de pena em patamar inferior à adequada culpabilidade do autor, uma vez que a culpabilidade funciona apenas como fundamento da pena justa, enquanto a dialética, ao fundamentar a sanção em sua necessidade, permite que se fixe a pena abaixo do mínimo legal, coisa que o nosso direito positivo não admite”.[4]
3 – Execução da pena
Com relação à finalidade e individualização da pena, devemos dizer que a execução penal é uma importante fase, haja vista ela ser uma continuação de todo o processo penal. No entanto, há entendimento no sentido de ser a execução penal autônoma. Neste sentido pensa Fernandes Scarence[5], pois para ele forma-se uma nova relação jurídica, onde os sujeitos processuais agem com objetivos diversos do processo de conhecimento (MP quer o cumprimento da pena, o Juiz quer a que a pena seja cumprida nos termos da lei dando a maior individualização possível, o condenado quer que seja observado seus direitos – benefícios legais).
Conforme falamos das teorias da pena, a Teoria Mista é aquela que tem o condão de retributição, cuja finalidade está no âmbito da prevenção, bem como na educação e correção do indivíduo. Portanto, fica claro o que o legislador pretendia quando inseriu na LEP que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Assim, percebe-se que está inserido na lei uma finalidade educativa para que possa ressocializar o condenado, reinserir o mesmo na sociedade.
Embora a finalidade da execução penal seja tudo isto, nós dependemos da comunidade para tanto, pois quando o indivíduo infrator é colocado novamente na sociedade ele passa por uma situação constrangedora, a qual não deveria ocorrer, ou seja, a rejeição e a descriminação da sociedade.
Como salienta Laertes de Macedo Torrens[6], o objetivo principal seria o de trazer o homem infrator, após o cumprimento da pena, devidamente reeducado ou ressocializado. Albergaria[7] e Mirabete[8] questionam a ressocialização, pelo fato de não poder ser alcançada dentro de um ambiente penitenciário.
Quanto à individualização, conforme consta no art. 5º da LEP, os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização na execução penal, sendo que está assegurado constitucionalmente ( art. 5º, XLVI, 1º parte).
A individualização da pena, como também traz Carmen Silva de Morais Barros[9], é feita em três momentos: o da individualização legislativa (onde são as penas abstratamente previstas), judicial (Juiz fixa pena – art. 59 do CP, observando o princípio da legalidade e da culpabilidade) e executória (observar o princípio da dignidade da pessoa humana, pois não pode a pena violar esse direito fundamental).
Dessa forma, podemos verificar que deve haver cautela para fixação da pena, pois nem todos os presos são iguais. É preciso que trace um perfil do indivíduo para que possa ser aplicada a pena proporcionalmente, observando o princípio da proporcionalidade, haja vista a pena estar de acordo com a realidade do condenado e, também, assegurando o respeito à dignidade da pessoa humana.
4– Disposições gerais acerca do trabalho do preso
É assegurada constitucionalmente a liberdade de trabalhar, de ter uma profissão (art. 5º XIII), o que nos faz pensar e refletir um pouco, pois a LEP em seu artigo 39, V, tráz o trabalho como um dever do preso.
O trabalho do preso não gera algo que possa dificultar a pena nem vir a prejudicar o condenado, na verdade ele serve de mecanismo de reinserção do condenado à sociedade, preparando-o para uma profissão, vindo a contribuir para a formação da personalidade do mesmo e, além do mais, do ponto de vista econômico, permite ao recluso dispor de algum dinheiro.
A CF, em seu art. 5º, XLVII, estabelece que não haverá pena de trabalhos forçados, porém a LEP prevê a obrigatoriedade do trabalho enquanto pena. Então a expressão “direito ao trabalho” contrapõe-se à expressão”dever de trabalhar”.
A obrigatoriedade está vinculada ao condenado no sentido de um dever de prestação pessoal do mesmo, não configurando um trabalho forçado, pois não caracteriza um trabalho danoso, penoso, que possa trazer algum malefício, haja vista, como vimos, este último estar vedado pela nossa Magna Carta. Ao contrario disso, o trabalho só tem a trazer benefícios, pois é através dele que se adquire dignidade não caindo no ócio e, assim, não trabalhando sua mente para atividades de cunho reprováveis (ex. fuga). Por isso é que se faz necessário observar as aptidões e capacidade dos presos.
Também cabe lembrarmos que é dever do Estado dar trabalho ao apenado e, por isso que no art. 41, II, dispõe que é direito à atribuição do trabalho e sua remuneração, bem como a obrigatoriedade do trabalho vincula-se ao dever da prestação pessoal do condenado.
O não cumprimento do trabalho trará algumas conseqüências para aquele que descumprir a norma, assim, com o art. 48 da Lei de Execução Penal, vemos que existem sanções disciplinares, onde o descumprimento dessa norma implica em falta grave e esta tráz algumas conseqüências, como por exemplo, a tão discutida perda dos dias remidos.
Já em relação ao preso provisório, este não está obrigado ao trabalho, sendo um direito do mesmo de cunho facultativo, já que está privado da possibilidade de exercê-lo, cabendo à administração oferecê-lo.
A Lei de Execução Penal além de prever a obrigação de trabalhar para o condenado, leva em conta suas aptidões e capacidade, sendo elas intelectuais, físicas, mentais e profissionais, para que não atrapalhe a vida daquele que está cumprindo, já que o trabalho deve ajudar e não atrapalhar, tendo como finalidade sua ressocialização, e isto se verifica através de exames ( art. 8º da LEP).
Com relação à mão-de-obra dos condenados, poderá ser aproveitada para os melhoramentos que possam vir a ser feitos no estabelecimento penitenciário (ex. reforma).
5– Jornada de trabalho
Quanto à jornada de trabalho deve ser igual ou próxima daquela exercida em trabalho livre, assim, não será inferior a seis, nem superior a oito horas (com descanso nos domingos e feriados), conforme estabelece o artigo 33 da Lei de Execução Penal. No entanto, é possível que seja estabelecido outro dia da semana para o descanso, mas isso somente em casos de serviços de manutenção e conservação do estabelecimento penal, pois alguns serviços requerem horários especiais, como por exemplo, enfermagem, limpeza, etc.
O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (28, § 2º LEP), pois o mesmo sequer tem a liberdade de escolha.
Devemos lembrar que o trabalho do preso deve ser remunerado, cujo valor não será inferior à ¾ (três quartos) do salário mínimo. Contudo, essa remuneração deve atender à reparação do dano do crime, assistência à família, entre outros objetivos previstos na LEP.
6– Organização e suas funções
Está previsto, em nossa Lei de Execução Penal, que o trabalho do preso poderá ser gerenciado por fundação ou empresa pública, com autonomia administrativa e terá por objeto a formação profissional do condenado. Todavia o parágrafo único do artigo 34 da referida lei diz que, nessa hipótese, incumbirá a entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada, porém, poderá ser transferida a execução direta às empresas privadas e isso se verifica quando o dispositivo diz que “em sua atividade de promover e supervisionar o trabalho “.
Cabe ao Estado adquirir a produção, conforme art 35, caso ela não seja comercializada com particulares. Entretanto, com relação à concorrência pública, mencionada no mesmo dispositivo, vem no sentido de evitar tumulto na hora da venda de bens e produtos, pois o maior interesse é o de profissionalização do indivíduo e não econômico, sendo que todas as importâncias arrecadadas com a venda reverterão em favor da fundação ou empresa pública e, em sua falta, do estabelecimento penal.
7– Trabalho externo e seus requisitos
A LEP reza que o trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviços ou obras públicas realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra fuga e em favor da disciplina (vide artigo 36 da Lei nº 7210/84). Contudo, Paulo Lúcio Nogueira coloca que ”parece inadequado ao próprio regime fechado e ao próprio tipo de condenado, cujo trabalho deve estar restrito ao estabelecimento e não externamente”.[10] Assim, existem várias decisões, aquelas que sustentam que o legislador foi infeliz, como diz Nogueira, e aquelas que sustentam não haver problema algum, desde que tomadas as devidas cautelas.
Quanto aos requisitos para a prestação do trabalho externo, traz o art. 37 da LEP que “a prestação de trabalho externo a ser autorizada pela direção do estabelecimento dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de um sexto da pena”. A jurisprudência tem se manifestado, também, no sentido de precisar fazer uma seleção dos presos que estejam em regime fechado ou semi-aberto, para evitar problemas, como por exemplo, a fuga. Tanto é assim que é feito o exame criminológico.
Também, para o alcance do benefício do trabalho externo, é mister que o apenado que esteja em regime semi-aberto tenha cumprido 1/6 (um sexto) da pena que lhe foi imposta, e isto está previsto no já mencionado artigo 37 da Lei de Execução Penal.
O trabalho externo será revogado (artigo 37, parágrafo único) quando o preso vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave (art. 50) ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos no artigo 37 da LEP. A revogação é função da administração, pois é ela competente para autorizar o trabalho externo. Porém, quando concedida irregularmente será cassada pelo Juiz da execução no procedimento judicial.
8- Remição
O instituto da remição está previsto no art. 126 da Lei de Execução Penal, o qual visa encurtar o prazo do cumprimento das penas privativas de liberdade através do trabalho. Esse sistema, além de estimular os reclusos para corrigir-se, prepara-o para a sua reincorporação à sociedade, proporcionando-lhe meios para reabilitar-se.
A contagem de tempo para fins de remição será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho ( art. 126 da LEP), devendo ser excluído os dias de descanso obrigatório, pois somente poderá ser computados os dias realmente trabalhados.
Com relação à questão dos dias de trabalho há divergência doutrinária, pois alguns doutrinadores e juristas, colocam que devem ser os dias trabalhados descontados do total da pena, outros que dizem ser eles somados ao período já efetivamente cumprido. Porém, ainda hoje, adotam-se o entendimento do desconto do total da pena, não sendo este o mais benéfico.
Quanto à retroatividade do instituto em questão, existem divergências, já que existem autores como Daniel Prado da Silveira[11], que sustentam ela ser irretroativa. Segundo ele, antes da Lei de Execução Penal não havia previsão legal desse instituto. Já para aqueles que sustentam a retroatividade da remição, eles se agarram no art. 2º, p. ú do CP, trata da lei penal no tempo, o qual diz que a lei retroagirá quando de qualquer forma favorecer o agente.
Quanto à perda dos dias remidos, encontra-se elencado no art. 127 da LEP que “o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar”. Esse dispositivo é muito discutido, pois há quem diga ser ele inconstitucional, pois fere o art. 5º, XXXVI da CF, o qual reza sobre o direito adquirido.
Para os que sustentam que o art. 127 não fere o preceito constitucional prevalece o argumento de que a remição está sujeita à cláusula rebus sic stantibus (estando as coisas assim).
Todavia, tem prevalecido nos tribunais que “praticado a falta grave antes de decretada a remição, esta é indeferida quanto ao tempo anterior à prática da infração. Estando o tempo remido, decreta-se sua perda. Decorre disso que, enquanto não apurada, em processo disciplinar, falta cometida pelo apenado, não pode ele fazer jus à remição”.[12]
9- Conclusão
Partimos do princípio de que o trabalho do preso na execução penal é um tema interessante, isto em virtude de suas questões polêmicas, como por exemplo, a perda dos dias remidos.
Pode-se concluir que, com relação às teorias da pena, a mais ponderada é a teoria mista, pois ela adota um meio termo, imprimindo à sanção penal finalidade retributiva e de prevenção. Assim, a pena tem sua finalidade calcada na ressocialização e reeducação do condenado. No entanto, percebemos, através desse projeto, que um dos fatores mais importantes para a reinserção social do indivíduo é o trabalho, haja vista um homem que conhece um ofício, tem mais possibilidades de possuir uma vida digna ao sair da prisão.
O trabalho é de suma importância para o indivíduo, não sendo diferente em uma penitenciária, tanto é assim que foi criado o instituto da remição, o qual reza que para cada três dias trabalhados terá um remido. Todavia, com relação a está questão surgem várias discussões quanto a perda dos dias remidos, argumentando-se direito adquirido previsto constitucionalmente ( art. 5º, XXXVI, CF).
Entretanto, não é apenas a discussão acerca da remição que gira em torno do trabalho do preso, várias outras também, por exemplo, a questão dos requisitos para que seja autorizado o trabalho externo, já que existem posicionamentos divergentes quanto ao cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena.
Assim, “o trabalho do preso na execução penal” é um tema que possui questões interessantes e de posicionamentos diversos, os quais deixaremos para apresentar em um próximo trabalho.
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Vanessa Afonso Chaves