O tráfico de pessoas e a correlação com a proteção internacional do princípio da dignidade da pessoa humana

Resumo: O presente estudo almeja focar a ocorrência do tráfico de pessoas que vem se tornando uma constante hodiernamente. Chamados pelos noticiários veiculados na imprensa, a população fica estarrecida com os requintes de crueldade com que se revestem os atos praticados pelos traficantes, que camuflam o ilícito através de promessas de promoção social e oportunidade de emprego no exterior para os jovens e no caso das crianças, estas são arrancadas do seio familiar, muitas vezes mediante extorsão dos pais, que vivem em situação de miserabilidade extrema, são estes os aspectos sociais. Com isso, em fazendo uma sumária abordagem acerca da posição legal adotada pelo Brasil, signatário que é, de diversos Tratados, em sede de direito internacional, os quais versam sobre o tema, conclui que se torna necessária a busca pela efetivação dos desígnios traçados pelos Direitos Humanos, que estão a salvaguardar o princípio da dignidade humana.  

Palavras-chave: Tráfico de Pessoas. Direitos Humanos. Direito Internacional. Dignidade Humana.

Abstract: The present study aims to focus on the occurrence of human trafficking that has become a constant in our times. Called news conveyed by the press, the public is horrified with the refinements of cruelty which involve acts committed by traffickers, that camouflage the illicit through promises of advancement and employment opportunities abroad for young people and for children these are plucked from the family environment, often by extortion of parents, who live in extreme destitution, these are the social aspects. With this approach in making a summary about the legal position adopted by Brazil, which is a signatory of various treaties, in the seat of international law, which deal with the subject, concludes that the quest for the realization of designs it becomes necessary traced by human rights, which are to safeguard the principle of human dignity.

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 Keywords: Human Trafficking. Human Rights . International Law. Human dignity.

 Sumário. 1. Introdução. 2. Tráfico de pessoas – considerações pontuais. 3. A dignidade humana e sua proteção na seara do direito internacional. 4. Conclusões. Referências.Dicionário

1.Introdução

O presente trabalho tem como objetivo propor uma reflexão a respeito da proteção legal, que dispõe acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, eis que revestido de amparo sob aspectos multifacetários, inclusive na órbita do direito internacional, quando contemplado o respeito ao ser humano, sob o espeque de direitos humanos.

O tráfico de pessoas denota atitude de audaciosa torpeza, ao ser praticada por estrangeiros, que invariavelmente são auxiliados por nacionais, que detêm conhecimento de rotinas e de aspectos que demonstram vulnerabilidade do Brasil, no que pertine à segurança, para entrada e saída de seus cidadãos. Imbuídos no intuito de melhor condição de vida, a promessa destinada à facilitação da obtenção de riquezas no exterior torna-se fator decisivo preponderante à aceitação, entretanto ao se encontrarem em países estrangeiros, estes brasileiros deparam-se com uma realidade muito diversa da prometida, pois para não pagar com suas próprias vidas tem de se submeter à prostituição.

De igual sentir, muitas crianças são vítimas de sequestro, para que quadrilhas procedam a entrega destas a famílias estrangeiras, constituindo-se um verdadeiro comércio; uma ilícita atividade mercantil, à qual o Brasil não pode se opor, sobretudo porque detém o dever de proteger os seus jurisdicionados, que nestas circunstâncias encontram-se à mercê do desrespeito à sua dignidade humana.      

2- Tráfico de pessoas – considerações pontuais

O tráfico de pessoas é um ranço presente na gama de crimes que sucumbe o sistema jurídico brasileiro, maior gravame circunda-o quando extravazadas as divisas do País.

As causas que induzem os infratores são as mais diversificadas, desde o intuito de apoderamento de incapazes (burlando os preceitos legais, afetos ao instituto da adoção) até a de exploração da prostituição, a que são coagidos estes brasileiros, a se submeterem, seja mediante ameaça de lesão a si próprios, ou aos seus entes.

Uma linha divisória há que ser apontada, para aquela primeira hipótese aventada: é certo que, exceto a usurpação do direito de os “adotados” manterem contato com sua família biológica, grandiosas são as chances de obterem condições de existência melhores, sob a seara financeira, caracterizando-se um método que abrevia o procedimento voltado à regularização da adoção por adotantes estrangeiros, muitas vezes, prejudicando ainda, “pais interessados”, constantes na lista de espera, há muito tempo (até mesmo em período superior ao aguardado pelos beneficiados), infere-se daí, a implementação de violação à legislação brasileira, mormente ao art. 50, §3º. da Lei 12.010/2009, “in verbis”:

§ 3o “A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.”

 Já, no segundo eixo da citada linha divisória, assenta-se a extensa gama de outros crimes tergiversados e facultados pelo tráfico, destinados à exploração sexual, sendo o caso da coação, quer seja física ou moral, como previsto no art. 22 do Código Penal , o mesmo ocorrendo com o  estabelecido no art. 231 do referido diploma legal, que dispõe, nos seguintes termos: “Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.”

Por fim, enquadrando-se talvez, como sendo o mais grave, desditosamente o estupro (consignado no art. 213 do código penal) é igualmente, bastante comum a sua ocorrência. Além destes, há que se ressalvar que nalgumas circunstâncias, tais crimes são cometidos ainda, contra menores de idade, onde, pó consectário lógico,  outros crimes far-se-iam presentes.

Logo, infere-se haver infringência expressa à legislação pátria, sobretudo a Penal, tanto que foram relacionados anteriormente, alguns dos dispositivos legais de maior notoriedade, entretanto, é de se ver que é a dignidade humana que está sendo violada, sendo esta a vertente abordada no item subsequente. 

 3- A dignidade humana e sua proteção na seara do direito internacional

 A dignidade humana, ampla, irrestrita e incondicionadamente assegurada a todo jurisdicionado brasileiro, nato ou naturalizado (art. 12 da Constituição Federal) compõe o art. 1º., inciso III da Constituição Federal. Este princípio (SARLET, p. 97-98):

[…] “além de constituir o valor unificador de todos os direitos fundamentais, que, na verdade, são uma concretização daquele princípio, também cumpre função legitimatória do reconhecimento de direitos fundamentais implícitos, decorrentes ou previstos em tratados internacionais” […]

Pois bem. É inolvidável que aludido princípio constitucional, nominado como sendo o alicerce dos demais princípios, é visceralmente violado a todo momento, dada a humilhação, desrespeito e desonra a que são submetidas as pessoas, vítimas de exploração sexual  e de sequestro, enfim, dos crimes praticados com o intuito de realização de promoção de prostituição.

Aliás, é de se salientar que, com a concepção moderna do conceito de direitos fundamentrais, o direito à vida, salvaguardado no art. 5º. da Carta Magna, ostenta atualmente, nuance diversificada, posto que concebe, nas entrelinhas, o direito à existência digna, subsumindo o significado de que, ao Estado brasileiro compete, além da concessão de meios necessários à proteção da vida humana de seus jurisdicionados, também a outorga de todos os mecanismos que se demonstram hábeis à fruição de uma existência saudável, sem traumas e medos.

Não se pode olvidar da preocupação com este cenário, que está a transcender a esfera nacional, retratando contumaz luta cravada por vários Países, instrumentalizada através de Tratados Internacionais, eis que é de salientar-se que a dignidade da pessoa humana constitui-se objetivo traçado por todas as constituições democráticas, de todo o mundo moderno.

Nos termos do que se concebe como sendo a novel conceituação de dignidade humana, fincados na transformação do que se depreende como sendo as dimensões dos Direitos Fundamentais, mormente na 1ª. dimensão, em que se assentou a autonomia, a independência e esta invasão de privacidade, interferência na vontade daqueles que são enganados, protraídos, seja porque forçados a prostituírem-se, seja porque impedidos de conviverem com sua família e com estes manter qualquer espécie de contato, não restam dúvidas de que têm sua dignidade violada.

Assola-se desta maneira, um profundo sentimento de invasão de privacidade, violação à intimidade, presente assim a afronta a vários outros direitos fundamentais, todos eles, sem dúvida alguma, enraizados na dignidade humana, que irradia aqueloutros.

Este é o cenário de salvaguarda nacional, mas é de se ressalvar que, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/04, os Tratados que já integravam o nosso ordenamento, permaneceram com o status de norma infraconstitucional e, aqueles que viessem a ser inseridos, após aquela data, deveriam observar aqueles requisitos do § 3º. do art. 5º., para que pudessem ser equiparados à emenda constitucional, para demonstrar a situação atual do nosso ordenamento, quanto à matéria:

[…] “após a vigência da Emenda nº 45, é possível a coexistência de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos com força de norma constitucional, tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos hierarquicamente equiparados à legislação ordinária e os demais tratados e convenções internacionais sempre com natureza infraconstitucional.”

É possível afirmar que, após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, há dois patamares de tratados internacionais, cujos preceitos integram o nosso ordenamento, sendo eles: um, equiparado à lei ordinária, por ser anterior à entrada em vigor da mencionada emenda e; o outro, equiparado à emenda, se observadas as exigências para tanto. Diante disso, enfatiza-se que diversos tratados internacionais sobre direitos humanos, que já haviam sido ratificados pelo Brasil, em data anterior à entrada em vigor desta Emenda, permanecem intactos, apesar de terem o status de norma infraconstitucional.

Nestes, incluem-se o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, de 1998, além dos pertencentes ao sistema interamericano de direitos humanos.

Por tudo isso, as normas protetivas da dignidade humana, ou aquelas que se utilizava, por meio de interpretação extensiva, para fundamentar a sua proteção, permaneceram vigentes na ordem interna brasileira, já que inseridas através de tratados.

Eis a salvaguarda internacional da dignidade humana. Logo, os direitos fundamentais são os direitos, destinados ao ser humano, reconhecidos e positivados por cada Estado; enquanto, direitos humanos transcende a órbita do direito interno de cada Estado, por serem reconhecidos universalmente, através de documentos de direito internacional.

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Dessa maneira, pode-se dizer que os direitos fundamentais são aqueles consagrados constitucionalmente, enquanto os direitos humanos são consagrados na esfera de abrangência internacional. Saliente-se que, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, a qual acresceu, dentre outros, o § 3º ao Art. 5º da Constituição Federal, que estatui:

Art. 5º: […].

§ 3º – “Os Tratados e Convenções Internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Assim, pode-se afirmar veementemente que, de forma genérica a Constituição Federal previu a proteção dos direitos humanos.

Em suma, o que se pretende chamar a atenção é para o fato de que, seria simplista demais atribuir aos direitos humanos o sinônimo de direitos consagrados internacionalmente; pois não obstante inexista previsão específica na Constituição Federal, acerca de sua proteção, é inolvidável que a contar da Emenda nº 45/04, há reconhecimento genérico, no âmbito constitucional, ao instituto dos direitos humanos, como verificado.

Pode-se então dizer, que os direitos fundamentais encontram guarida protetiva, elencada no rol dos direitos e garantias da Constituição Federal, ressalve-se que não se refere tão-somente à epígrafe do Título II, mas a todos aqueles dispositivos que têm como cerne a salvaguarda dos direitos das pessoas e logo estão regulados na órbita interna.

Já, os direitos humanos integram o ordenamento internacional e, no caso do Brasil, há ainda previsão genérica, no âmbito constitucional.

 4- Conclusões

 A dignidade da pessoa humana é princípio que se encontra consagrado na Constituição Federal, sendo inconteste que sua aplicação transcende as fronteiras nacionais, dado o respeito à novel significância de direitos humanos, que se torna viável pela interpretação atribuída aos tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário e que adentram no País, segundo os preceitos traçados pelo art. 5º., parágrafo 3º. da Constituição Federal, isto tudo com o anseio de proteger as vítimas de tráfico internacional, que engloba uma gama de crimes, que estão a assolar o nosso País, infortúnio para o qual não se pode “fechar os olhos”.

Referências
 ABBAGNANO, Nicola. 1ª. ed. coord. e ver. Alfredo Bosi. rev. e trad. dos novos textos Ivone Castilho Benedetti, 4ª. ed. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
 ALARCÓN, Pietro Lora. Processo, Igualdade e Justiça. Revista Brasileira de Direito Constitucional. São Paulo: Método, nº. 2:165-198, 2003.
CASTRO, Wellington Cláudio Pinho de. Regime jurídico dos tratados e convenções internacionais após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/04. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7405>. Acesso em: 20 set. 2013.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. Vol. II, São Paulo: Saraiva, 1998.
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana – Princípio Constitucional Fundamental. Curitiba: Juruá, 2003.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006
______. Temas de Direitos Humanos, 2ª. ed. rev.  ampl. e atual., São Paulo: Max Limonad, 2003.
QUEIROZ, Cristina. O princípio da não reversibilidade dos direitos fundamentais sociais: princípios dogmáticos e prática jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 115-116.
RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Prefácio de Fábio Konder Comparato. São Paulo: Renovar, 2005, p. 42.
 SARLET, Ingo Wolfgang. Trad. Pedro Scherer de Mello Aleixo; Rita Dostal Zanini. Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 13-4.

Informações Sobre o Autor

Telma Aparecida Rostelato

Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru-SP. Especialista em Direito Constitucional, pela ESDC – Escola Superior de Direito Constitucional. Professora das disciplinas de Direito do Consumidor e Constitucional da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva-SP. Procuradora Jurídica Municipal


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