O transexual como vítima do feminicídio

Resumo: Faz-se breve análise sobre o recente advento do feminicídio previsto do artigo 121, §2º, inciso VI, do Código Penal, incluído pela Lei nº 13.104 de 09 de março de 2015, para, posteriormente, adentrar em polêmica questão doutrinária no qual discute-se a possibilidade de se reconhecer o transexual como vítima do feminicídio, sem a pretensão de esgotar o assunto, especialmente diante da ausência de jurisprudência sobre o assunto por se tratar de inovação recente na atual ordem jurídica brasileira.

Palavras-Chave: Direito Penal. Feminicídio. Homicídio qualificado. Transexual.

Abstract: It should be brief analysis of the recent advent of schedule femicide Article 121, Paragraph 2, Item VI of the Criminal Code, including by Law No. 13104 of March 9, 2015, to subsequently enter into polemics doctrinal issue in which discusses himself to the possibility of recognizing the transsexual as a victim of femicide, with no claim to exhaust the subject, especially in the absence of case law on the subject because it is a recent innovation in the current Brazilian law.

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Keywords: Criminal Law. Femicide. degree murder. Transexual.

Sumário: Introdução. 1. A possibilidade de figurar pessoa transexual como vítima do feminicídio. Conclusão. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 13.104, de 09 de março de 2015, incluiu o inciso VI no §2º do artigo 121 do Código Penal para prever o crime de feminicídio. Não se trata pura e simplesmente de matar mulher (femicídio), mas sim matar mulher em razão da condição do sexo feminino, ou seja, trata-se de espécie de violência de gênero.

Vale destacar as alterações introduzidas pela Lei 13.104/15 pertinentes ao feminicídio, in verbis:

Homicídio qualificado

§ 2o Se o homicídio é cometido:[…]

Feminicídio

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:[…]

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.[…]

Aumento de pena[…]

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima”.

Com a nova lei, o feminicídio passou a configurar a sexta modalidade de homicídio qualificado, além de também passar a pertencer no rol dos crimes hediondos. Para a incidência da qualificadora, basta que exista homicídio contra mulher, cujo contexto aponte que a motivação do agente (homem ou mulher) foi a condição de sexo feminino da vítima, seja pelo sentimento de posse, submissão, etc.

Para explicar no que consistem as razões de condição de sexo feminino, o §2º-A apresenta duas hipótese: I – violência doméstica e familiar; e, II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Em relação ao inciso I do §2º-A, cediço que o conceito de violência doméstica já possui previsão legal no artigo 5º da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha):

“Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”.

Já o inciso II do §2º-A, no qual menciona o menosprezo e a discriminação à condição de mulher, possui conteúdo normativo, cabendo ao Magistrado entender, após análise do caso concreto, se houve ou não a motivação por parte do agente homicida a diminuição da condição feminina.

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Vale acrescentar que, antes da Lei 13.104/2015, esta modalidade de crime já possuía o status de qualificadora no homicídio, entretanto pela torpeza (art. 121, §2º, inciso I, do CP). A alteração foi simplesmente topográfica, tendo apenas objetivo simbólico, como sinal de alerta para se reprimir com maior ênfase a violência contra a mulher, especialmente no caso do homicídio, em razão da condição do sexo feminino.

1. A POSSIBILIDADE DE FIGURAR PESSOA TRANSEXUAL COMO VÍTIMA DO FEMINICÍDIO

Com o advento da Lei 13/104/15 nasceu questão polêmica quanto ao sujeito passivo do crime de feminicídio: a (im)possibilidade de figurar pessoa transexual como vítima do feminicídio.

Antes de nos posicionarmos à respeito da referida celeuma, bem como antes de apresentarmos as correstes que discutem o tema, importante esclarecer e definir a figura do transexual.

Primordialmente, não se pode confundir o transexual com o homossexual, bissexual, travesti ou mesmo com o intersexual. O transexual é o indivíduo que possui identidade de gênero diversa do sexo físico, ou seja, há uma dicotomia físico-psíquica. Em outras palavras, o transexual, apesar de ter nascido fisicamente com um determinado sexo, possui psicologicamente sexo diverso, manifestando a vontade de viver como sendo do sexo oposto. A manifestação da vontade de viver como sendo do sexo oposto ao físico é comumente exteriorizado através da cirurgia de mudança de sexo, apresentando-se como um instrumento eficaz para a conformação do estado psíquico e físico do transexual.

Apresentando definição do transexualismo, Genival Veloso de França esclarece que:

“Trata-se, pois, de uma inversão psicossocial, uma aversão e uma negação ao sexo de origem, o que leva esses indivíduos a protestarem e insistirem numa forma de cura por meio da cirurgia de reversão genital, assumindo, assim, a identidade do seu desejado gênero”.

Ultrapassada tal premissa, para responder a indagação inaugural do presente tópico deve-se levar em consideração três critérios apresentados pela doutrina para a definição de ‘mulher’ quando da aplicação da qualificadora do feminicídio:

a) Critério psicológico: apesar da vítima ter nascido homem, não aceita essa condição psicologicamente, se identificando, portanto, como mulher.

b) Critério biológico: a vítima é geneticamente mulher.

c) Critério jurídico: basta ser a vítima reconhecida como mulher juridicamente, com o seu registro civil alterado para o sexo feminino através de decisão judicial, bem como já possua características físicas do sexo feminino (cirurgia de mudança de sexo), pratica comumente levada a efeito por transexuais.

Pra responder sobre a possibilidade ou não do transexual como vítima do feminicídio, duas posições discutem o assunto.

Fruto de uma doutrina conservadora, uma primeira corrente defende que o transexual não pode figurar como vítima do feminicídio, uma vez que, apesar de passar por cirurgia de mudança de sexo tendo seu órgão genital alterado em conformidade com sua identidade de gênero psíquico, geneticamente não é mulher. Ou seja, leva-se em consideração apenas o critério biológico para a configuração do feminicídio.

Em sentido contrário, uma corrente considerada moderna entende ser perfeitamente possível que um transexual seja vítima de feminicídio, desde que altere o sexo de forma permanente (cirurgia de mudança de sexo irreversível). De acordo com esta correte, o transexual deve ser tratado conforme sua atual realidade morfológica, coadunando-se, inclusive, com o atual entendimento jurisprudencial no qual admite a alteração do registro civil. Diversamente da corrente anterior, leva-se em consideração os critérios biológico e jurídico.

Ademais, compartilhando de raciocínio similar, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já aplicou a Lei Maria da Penha também para transexuais:

“Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados, já que a união estável também se encontra sob o manto protetivo da lei. Admite-se que o sujeito ativo seja tanto homem quanto mulher, bastando a existência de relação familiar ou de afetividade, não importando o gênero do agressor, já que a norma visa tão somente à repressão e prevenção da violência doméstica contra a mulher. Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Ademais, não só as esposas, companheiras, namoradas ou amantes estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica como sujeitos passivos. Também as filhas e netas do agressor como sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com ele podem integrar o polo passivo da ação delituosa”.

Compartilhamos do entendimento desta segunda corrente. Em relação ao transexual, que após cirurgia de mudança de sexo, bem como após provimento jurisdicional obtém formalmente o direito de ser identificado civilmente como sendo do sexo feminino, haverá indiscutivelmente a incidência da lei penal considerando-o mulher, aplicando o critério jurídico para a incidência do feminicídio no caso de vítima transexual.

O mesmo raciocínio não se estende ao travesti diante da impossibilidade de ser identificado como mulher.

CONCLUSÃO

Portanto, para os efeitos penais da qualificadora em estudo, entendemos ser perfeitamente possível figurar o transexual como vítima do feminicídio, desde que alterado suas características mediante cirurgia de mudança de sexo e alterado formalmente sua identidade civil como sendo do sexo feminino.

 

Referências
FRANÇA, Genival Veloso de. Fundamentos de Medicina Legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
TJ/MG. HC nº 1.0000.09.513119-9/000, j. 24/02/2010, rel. Des. Júlio Cezar Gutierrez.

Informações Sobre o Autor

Diego Luiz Victório Pureza

Advogado. Pós-Graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera Uniderp – LFG. Pós-Graduando em Docência do Ensino Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp – LFG. Pós-Graduando em Corrupção: Controle e Repressão a Desvios de Recursos Públicos pela Universidade Estácio de Sá. Bacharel em Direito pela Universidade Anhanguera Educacional de Jacareí. Professor de Direito Penal e Legislação Penal Extravagante. Membro da Comissão OAB vai à escola da 36 Subseção da OAB/SP


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