O Uso Medicinal da Maconha Como Causa de Exclusão da Culpabilidade

Naiara Saith[1]

Prof. Fabrício da Mata Corrêa[2]

RESUMO

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Propõe-se no presente estudo, expor sobre as propriedades terapêuticas da maconha e seu potencial para auxiliar no tratamento de inúmeras enfermidades. Questiona-se a falta de regulamentação sobre o uso medicinal da substancia que, apesar de ter sido inserida pela Anvisa na lista das plantas de uso medicinal, seu uso continua sendo tipificado no artigo 28 da lei de drogas como crime. O objetivo é demonstrar a necessidade de o legislador disciplinar sobre o uso medicinal da maconha para que o paciente que usa a substancia para tratamento não seja punido como se mero usuário recreativo fosse. Para tanto, o levantamento de pesquisa foi procedido através de análise de artigos extraídos de base de dados como google, google acadêmico e scielo, além de pesquisa bibliográfica em livros e visa alcançar todo o público que busca conhecimento e informação sobre o uso medicinal da maconha e sua regulamentação. A elaboração do artigo foi realizada no município de Guarapari-ES e ao mesmo não foi despendido qualquer valor econômico. Por fim, sugere-se o projeto de lei que normatize a exclusão da culpabilidade do uso medicinal da maconha.

Palavras-chave: Direito Penal. Maconha. Uso medicinal. Exclusão da culpabilidade.

 

1 INTRODUÇÃO

Em contraposição à cultura negativa que é atribuída ao uso da cannabis sativa, foi elaborado o presente artigo com o objetivo de apresentar seus inúmeros aspectos positivos relacionados ao âmbito da saúde. O tema restringe-se somente ao uso medicinal da maconha, logo, não se busca problematizar seu uso recreativo e nem mesmo a liberação do uso de substancias psicotrópicas no Brasil. Portanto, é possível verificar que após a inclusão da cannabis sativa na lista de plantas de uso medicinal no Brasil, foi afirmada a sua capacidade de auxilio no tratamento de diversas enfermidades e acaba por estimular a necessidade de, o legislador se atentar para essa forma de consumo da substancia que ainda encontra-se tipificada como crime no artigo 28 da lei de drogas.

Muito embora seja reconhecida a capacidade terapêutica da maconha, a legislação encontra-se omissa e desproporcional á realidade, considerando que não há nenhuma distinção no ordenamento jurídico entre o uso medicinal e recreativo, imputando-se ao primeiro a mesma penalidade do segundo.

O presente estudo é relevante na medida em que, caso seja apreciada a proposta apresentada, inúmeras famílias que precisam fazer o tratamento a base da maconha e seus derivados, tenham acesso á substancia sem ter que se submeter às dificuldades burocráticas inerentes ao poder público de saúde para adquirir o produto, de modo a trazer segurança jurídica aos indivíduos, sempre priorizando a saúde.

Ademais, sobre o tema apresentado, existem inúmeros processos no país ainda sem solução, onde pacientes buscam autorização judicial para portar ou até mesmo cultivar maconha em sua residência, ante a dificuldade burocrática e econômica para adquirir o produto do exterior.

Para solucionar a questão, pretende-se através do presente artigo, apresentar uma solução para o fim de regulamentar o uso terapêutico da maconha através da elaboração de projeto de lei para o fim de incluir no artigo 1º do artigo 28 da lei nº 11.343/2006, a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa para o uso medicinal.

 

2 O QUE É DROGA

A Organização Mundial da Saúde (OMS) atribui a palavra droga como sendo toda substancia natural ou sintética que, ao ser ingerida pelo individuo, pode modificar uma ou mais de suas funções (LIMA, 2013).

Diante do conceito narrado é possível vislumbrar que a interpretação da palavra droga pode ser muito ampla, pois o termo “qualquer substancia” pode referir-se desde a uma porção relevante de fitoterápico a certa quantidade de analgésico, considerando que seu uso pode ao mesmo tempo causar alterações psicoativas no indivíduo, como também pode curar doenças.

Hodiernamente, pode-se afirmar que drogas são aquelas substancias previstas na portaria 344 da Agencia Nacional de Vigilância Sanitária. Ademais, as regras pertinentes a proibição e uso da substancia estão disciplinadas no artigo 2º da lei nº 11.343/2006, para tanto, expõe o texto legal:

Art. 2o  Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.

 

 

A cannabis sativa antes estava proscrita no Brasil, ou seja, seu uso era proibido em qualquer circunstância, porém, em maio do ano de 2017, a agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) implementou a substancia na lista das denominações Brasileiras através da portaria nº 344/98, como sendo uma sustância utilizada na indústria farmacêutica, na categoria de planta medicinal (BRASIL, 1998).

É importante ressaltar que esta implementação somente formaliza a cannabis sativa como substancia possível de posterior registro de medicamentos, permanecendo os mesmos critérios e proibições quanto o seu uso, estabelecidos pela convenção de Viena de 1971 sobre substancias psicotrópicas (BRASIL, 1977).

Muito embora a cannabis tenha sido inserida na lista de ativos farmacêuticos no Brasil, muita discussão gira em torno de sua utilização, considerando a omissão que ainda permeia o porte ilegal de drogas para uso pessoal previsto no artigo 28 da lei 11.343/2006 e a pratica do uso medicinal, supondo que este estaria inserido naquele, ou seja, não há distinção hoje em nosso ordenamento jurídico que discipline quanto o uso da maconha para fins medicinais.

Deste modo é possível concluir que a Anvisa que é uma agencia reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, ao dispor sobre a cannabis sativa como sendo planta medicinal no rol das Denominações Comuns Brasileiras, afirma os benefícios de seu uso clinico.

 

2.1 A lei 11.343/2006

A lei 11.343/2006, mais conhecida como Lei de Drogas, em seu artigo 1º prevê genericamente o conceito de drogas como “aquelas substancias ou produtos capazes de causar dependência, sendo todos aqueles especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo poder executivo da União” (BRASIL, 2006), como no caso em comento, pela portaria 344 da Anvisa.

O legislador em sua máxima eficiência e amplitude, atentou-se para que os crimes e a especificações legais concernentes as drogas e seu procedimento fossem individualizados das demais temáticas de direito penal, porém, é possível vislumbrar que a lei 11.343/2006 em alguns casos não tem seu conteúdo primário exposto, é o que acontece, por exemplo ao ser mencionado o termo “droga” que tem seu conceito indefinido nesta lei.

É possível verificar, portanto, que a lei de drogas requer um complemento de outras normas jurídicas, ou regulamentos e portarias para regulamentar matéria que foge de sua alçada. Desta feita, é possível afirmar que se trata de uma norma penal em branco (ROSA, 2007).

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Portanto, no caso especifico da lei nº 11.343/2006, o complemento do conceito da substancia está disposto na portaria nº 344 de 12 de maio de 1998  que foi expedida pela Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. Deste modo, percebe-se que a norma primária não é satisfatória, requerendo um complemento.

Sobre as normas penais em branco, preceitua Nucci (2017, p. 174) “são normas penais em branco aquelas cujo conceito primário é indeterminado quanto a seu conteúdo, porém determinável, além de terem o preceito sancionador determinado”.

Observa-se que a lei de drogas, apesar de disciplinar quanto as mais diversas condutas e restrições pertinentes as drogas, deixa o leitor leigo sem entendimento do que pode ser considerado droga. Portanto, é extremamente necessária essa complementação da portaria que discipline quanto à características das substancias por ela consideradas como psicotrópicas, caso contrário, não haveria como distinguir, por exemplo, a cocaína de medicamento de controle especial.

O artigo 28 da lei de drogas prevê o uso de drogas para uso pessoal, logo, o Supremo Tribunal Federal passou a discutir sua constitucionalidade através do RE 635.659 e na ocasião, o relator da demanda votou pela inconstitucionalidade do artigo e outros dois ministros votaram pela descriminalização, porem somente no tocante a maconha (STF, 2011).

A defesa da inconstitucionalidade do artigo remete a ideia do Direito Penal como utima ratio, ou seja, a intervenção mínima do direito penal na particularidade do indivíduo, para tanto, a interferência somente deve ser procedida mediante lesão concreta ou real, grave ao bem jurídico tutelado.

No entanto, o principal argumento para a descriminalização do porte ilegal de droga para consumo próprio é o de que a conduta não deve ultrapassar a pessoa do agente, logo não há lesão a direito de terceiro, considerando que o consumo de substancias psicotrópicas quando limitado a intimidade do agente, não tem poder de atingir a saúde pública no geral, respaldado pelo princípio constitucional da lesividade.

 

3 DOS CRIMES: PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO E TRÁFICO DE DROGAS

Os delitos de tráfico e porte de drogas para consumo estão previstos na lei 11.343/2006, porém se faz necessário esclarecer a diferença entre cada conduta delitiva que leva o agente a preencher as elementares de ambos tipos penais.

Muito embora tais delitos estejam elencados na lei 11.343/06, grande é a diferença da conduta do traficante e o simples usuário, ainda, legalmente as consequências imputadas a conduta do tráfico são bem mais severas.

O tráfico de drogas vem tipificado no caput do artigo 33 da lei 11.343/06 e estabelece quais condutas típicas individualizam o crime, portanto, será considerada típica a conduta daquele que:

Art. 33. importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (BRASIL, 2017).

Indubitavelmente, após análise ao artigo 33, verifica-se que o delito de tráfico de drogas possui diversos verbos que originam a mesma conduta, por isso podemos dizer que se trata de um tipo penal de ação múltipla, quer dizer que um único crime surge de diversas condutas, não sendo necessário a consumação de mais de uma destas para que haja a tipificação do delito (PESSOA, 2017).

Por outro lado, o porte de droga para consumo tem sua redação no caput do artigo 28 da lei 11.343/06 e tipifica a conduta delitiva de quem: “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” (BRASIL, 2017).

É possível vislumbrar que em seu texto, o artigo 28 remete aos mesmos verbos descritos no delito do tráfico de drogas, logo, muda seu sentido quando o legislador atribui estas condutas ao consumo pessoal, tornando sua pena, mais uma medida disciplinar que propriamente punitiva.

Neste sentido, seria errado comparar o mero usuário a um criminoso ou a um traficante, desta feita, seria desproporcional aplicar a este a pena privativa de liberdade.

Ademais, preceitua o parágrafo segundo do artigo 48 de lei drogas que aquele que for apanhado portando drogas para consumo será encaminhado ao juízo competente, ou na falta deste, assumirá o compromissivo de comparecer, onde será feito o respectivo termo circunstanciado. Por sua vez, não será realizada a prisão em flagrante (BRASIL, 2017).

Em simples leitura do parágrafo segundo o artigo 48 é possível constatar que, embora incida uma penalidade para o portador de drogas, ainda que mais branda, este não deverá ser mantido preso. Portanto, diante da ausência de pena privativa de liberdade é possível constatar o mínimo risco que tal conduta enseja para a sociedade, por outro lado, sobre o agente recairá a configuração de maus antecedentes o que, em caso de reincidência contribui de forma negativa para o cálculo da pena.

O traficante é punido com pena de 5 a 15 anos, logo, o mero usuário recebe uma pena alternativa que consiste em advertência, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de cumprir medidas educativas. Porém, uma questão que levanta questionamento sobre o comento é maneira de distinguir o traficante do usuário e sobre o assunto, o parágrafo segundo do artigo 28 recorre a critérios subjetivos que acaba sendo analisado pelo próprio magistrado de acordo com as condutas e circunstancias de cada caso.

No entanto, é possível vislumbrar que o legislador, apesar de manter a repressão quanto o tráfico, atenuou o uso pessoal, considerando que tal prática maleficia ou beneficia somente o usuário. Por sua vez, em sua redação, o artigo 1º da lei de introdução ao código penal estabelece que é crime toda infração penal a qual a lei determina pena de reclusão ou detenção, alternativamente ou cumulativamente com pena de multa e nos mesmos termos, a contravenção penal, porém, com pena de prisão simples ou multa, ou ainda, ambas (BRASIL, 1941).

No entanto, é possível constatar que as condutas de porte de droga para consumo próprio e tráfico de drogas são legalmente tipificadas em lei, coexistindo a legislação especial que as regulamente, porém, em análise ao artigo 1º da lei de introdução ao código penal, é possível vislumbrar que o delito de tráfico preenche as elementares deste artigo, haja vista a cominação da pena de reclusão que incide ao crime, porém, no que concerne ao delito de porte ilegal para consumo, não há em seu artigo, quaisquer das penalidades tipificadas no artigo 1º da lei de introdução ao código penal.

Verifica-se, ainda que nem ao menos a pena de multa foi aplicada ao delito de porte de drogas, abrindo, portanto, margem para a discussão da legalidade do artigo 28 da lei de drogas.

De forma a fomentar ainda mais a discussão quanto a natureza do artigo 28, observa-se que as penas aplicadas são unicamente alternativas, o que reporta veemente o objetivo exclusivamente pedagógico de punição.

 

4 AS PROPRIEDADES MEDICINAIS DA MACONHA

Indubitavelmente é necessário destacar que a maconha, muito antes de ser uma substancia socialmente vista como prejudicial à saúde, é uma planta composta de diversos componentes potencialmente terapêuticos e capazes de auxiliar no tratamento de diversas enfermidades.

Muito embora as propriedades terapêuticas da maconha já tenham sido atestadas, até um momento recente a substancia era proscrita no Brasil, o que inviabilizava e dificultava a realização de pesquisas e estudos. Logo, há pouco tempo, a cannabis passou a compor o rol das substancias passiveis de estudos, o que pode-se considerar grande avanço para a medicina, e para a própria sociedade, em especial os pacientes que precisam fazer seu uso como tratamento.

Hodiernamente, o estudo sobre a cannabis sativa tem apresentado relatos promissores no que consiste ao tratamento para a epilepsia principalmente em crianças em adolescentes, para tanto, o uso da substancia ainda é uma medida alternativa e somente pode ser prescrita ao paciente em caso de frustação dos meios convencionais.

Muito embora há muitos anos a maconha já venha sendo utilizada para tratamentos de determinadas morbidades e em muitos países já se encontre produtos à base desta substancia no comércio, no Brasil ainda está em andamento os estudos que permeiam a viabilização acessível da mesma a todos.

Deste modo, analisando o contexto geral do andamento e evolução dos estudos da cannabis, é possível vislumbrar que em um futuro não muito distante seja possível, o acesso clinico a maconha com mais facilidade, tornando o tratamento possível á aqueles que não possuem recursos para adquirir o produto do exterior nas condições burocráticas que encontramos no momento.

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É preciso destacar que em determinadas situações de desespero, os próprios pacientes ou pessoas de sua família acabam recorrendo a bocas de fumo, ou a traficantes por não conseguir a liberação para fazer uso da substancia, o que, por sua vez, fomenta a criminalidade e violência, já que o fornecimento não é oficialmente oferecido pela rede pública ou privada de saúde e o preço ainda é um obstáculo para aqueles hipossuficientes economicamente.

Portanto, embora tenham várias evidencias cientificas inerentes aos benefícios que a maconha traz como fonte medicinal, seu estudo farmacológico é necessário para que se possa afirmar quanto as mais diversas questões como por exemplo os tipos de doenças para o qual deve ser prescrita e as possíveis reações colaterais.

Sobre o uso do cannabidiol para o tratamento de epilepsia, foi relatado seu uso pela primeira vez no dia quatro de fevereiro de 1843 pelo médico Irlandês William Brook ‘O Shaughnessy que teria feito uso da substancia em uma menina de quarenta dias que sofrera crises convulsivas intensas, para tanto, foi feito uso de uma pequena quantidade e notou-se que a criança não apresentou nenhuma convulsão por quatro dias seguidos, porém, no quinto dia as crises teriam voltado e por mais que não se saibam por exato o tempo de duração do tratamento, há relatos de que a menina cresceu em perfeito estado de saúde, levando ao entendimento que as crises haviam cessado (MALCHER, 2014 Apud CONTIJO, 2016).

A cannabis sativa produz uma composição orgânica chamada cannabidiol (nome cientifico da maconha) que pode ser psicoativo ou não, no entanto, esse composto possui grande quantidade de substancia terapêutica que, por sua vez tem sido alvo de grandes pesquisas que buscam desvendar outras inúmeras vantagens para a medicina.

Os principais canabinóides contidos na cannabis são o Tetrahidrocanabinol (THC) e o cannabidiol (CBD), logo, ambos tem efeitos diferentes quando entram em contato com o organismo, enquanto o THC causa estado de exaltação, o CBD atua coibindo o senso de humor, como forma de minimizar alguns efeitos colaterais em determinados tratamentos e principalmente em pacientes que sofrem com crises de epilepsia (BARRETO, 2002).

Portanto, mesmo diante de várias hipóteses de atuação positiva da maconha no organismo, comprovadamente a substancia tem sido eficiente no auxílio de vários tratamentos, principalmente na seguintes enfermidades: minimização dos efeitos colaterais causados pela quimioterapia, espasmo muscular, movimentos desordenados, epilepsia, esclerose múltipla, asma, cólicas menstruais e glaucoma (GONÇALVES; SCHLICHTING, 2014).

Ainda, a maconha ajuda no tratamento para depressão, principalmente em pacientes portadores de câncer e Aids, minimizando as dores e incômodos advindos dos medicamentos, bem como estimulando o apetite que fica prejudicado na maioria dos casos em que o paciente é portador das doenças em comento (GONÇALVES; SCHLICHTING, 2014).

Deste modo, mesmo após a intensificação dos estudos referentes as propriedades terapêuticas da maconha, alguns de seus componentes ainda não foram estudados, coexistindo a possibilidade de encontrar novos resultados potenciais desta substancia que auxilie no tratamento de outras doenças.

Considerando tantos benefícios que o uso medicinal da maconha vem trazendo a vida de inúmeros enfermos, tanto aqueles que necessitam fazer seu uso como última alternativa, como é o exemplo dos casos de crianças e adolescentes que sofrem com crises convulsivas intensas, como também para portadores de câncer e Aids e até mesmo em casos de dores frequentes no sistema locomotor, é preciso trazer a questão do proibicionismo em confronto com o senso de justiça.

O artigo 5º da Carta Magna dispõe sobre a igualdade de todos perante a lei, sem qualquer distinção de qualquer natureza, garantindo a Brasileiros e estrangeiros a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, a segurança e a propriedade (BRASIL, 1988).

Deste modo, vislumbra-se uma contradição, considerando que a Constituição Federal garante a todos o direito à vida e em contrapartida, o artigo 28 da lei 11.343/06 proíbe o porte de drogas para consumo, sem fazer qualquer distinção quanto o uso medicinal, ferindo desta forma, o direito daqueles que precisam fazer uso clinico, ou até mesmo cultivar a planta para seu uso medicinal.

Ressaltando que no tema apresentado, o uso medicinal da maconha é restrito a um diagnósticos médico e distingue-se do porte ilegal de drogas para consumo, logo, na própria legislação não há nenhuma diferenciação entre as duas condutas, arriscando-se portanto, o paciente necessitado de tratamento a submeter-se as medidas punitivas do portador ilegal.

 

5 EXCLUDENTES DA CULPABILIDADE: LEGAL E SUPRALEGAL

 

5.1 Crime

Sobre o conceito de crime, preceitua o artigo 1º da lei de introdução ao código penal que “Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativamente ou cumulativamente (BRASIL, 1941).

Ademais, a doutrina entende que crime não se limita a um conceito único, mas em seus aspectos materiais e formais.

Sobre o conceito material de crime, entende Nucci (2014, p.275):

Em verdade, é a sociedade a criadora inaugural do crime, qualificativo que reserva as condutas ilícitas mais gravosas e merecedoras de maior rigor punitivo. Após, cabe ao legislador transformar esse intento em figura típica, criando a lei que permitirá a aplicação do anseio social aos casos concretos.

Neste sentido, é possível vislumbrar que, sob a ótica de pensamento de Nucci, para algo ser considerado crime passível de punição, se faz necessária a reprovabilidade da sociedade do ato ou de reiterados atos. Nesta esteira de pensamento, sob a égide social trazida a questão do uso medicinal da maconha, não é razoável punir alguém por fazer uso ou até mesmo o plantio de uma substancia potencialmente necessária para o tratamento do paciente ou de alguém de sua família, considerando que o direito a saúde deve ser protegido com primazia.

No entanto, sob o aspecto formal de crime é considerada primordialmente a conduta prevista em lei. Há uma previsão legal incriminadora, para tanto, aquele que preencher os elementos desta conduta, pratica crime.

Deste modo, segundo o conceito formal, é crime a prática de uma conduta proibida por lei penal, passível de punição (NUCCI, 2017).

O artigo 28 da lei de drogas dispõe sobre o crime de posse de drogas para consumo próprio, logo, se o agente for apanhado praticando a conduta tipificada em seu texto, será punido com as penas de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento à programa de curso educativo (MASSON, 2017).

Sobre o crime descrito, existem grandes discussões pertinentes a sua constitucionalidade. Para tanto o que traz essa dúvida é o fato de não haver pena de reclusão ou detenção prevista que possa justificar a conduta como criminosa, ou penas de prisão simples ou multa que são elementos das contravenções penais. Para tanto, observa-se o artigo 1º da lei de introdução ao código Penal:

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão de detenção, quer isoladamente quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que alei comina, isoladamente penal de prisão simples ou de multa, ou ambas. Alternativa ou cumulativamente (BRASIL, 1941).

Desta forma, considerando o conceito de crime que expõe o artigo 1º da lei de introdução ao código penal, o artigo 28 da lei de drogas não preencheria seus requisitos, não merecendo, portanto ser considerado crime.

Acerca de sua natureza jurídica, são quatro teorias que permeiam o artigo em comento, sendo primeiramente a teoria de que o artigo 28 trata-se de uma infração sui generis, ou ainda, contravenção penal, crime ou infração inominada, e ainda a possibilidade de ser uma infração administrativa. No entanto, prevalece o posicionamento de que o artigo 28 da lei de drogas é considerado crime (RODRIGUES, 2015).

Muito embora, ainda prevaleça esse entendimento atualmente está em andamento o Recurso Extraordinário 635.659 do STF que discute a constitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas.

5.1.1 Elementos do crime

Atualmente adota-se a posição tripartida de crime e em consonância com esta posição, crime é um fato típico, ilícito e culpável, logo se não restarem comprovados qualquer destes componentes será prejudicada a configuração do crime.

A tipicidade refere-se a adequação da conduta ao tipo penal. É o objeto de ligação entre os fatos e o direito, buscando na situação, requisitos que   preencham as elementares do crime. No entanto, é como dizer que faro típico é o que determina que o fato é previsto no ordenamento jurídico como crime (NUCCI, 2017).

A ilicitude ou antijuricidade é o elemento que define que a conduta praticada pelo agente é ilegal, ou seja, é contrária ao ordenamento jurídico e ao que é licito. Para isso, o ato praticado pelo individuo de ir contra a lei, não bastando ser uma conduta meramente passível de imoralidade.

Sobre a ilicitude em seus aspectos materiais e formais, preceitua Reale apud Grecco (2014, p.316) “[…] no seu entender, um fato seria formalmente antijurídico enquanto contrário a uma proibição legal, e materialmente antijurídico por implicar na lesão ou perigo a um bem jurídico […]”. Seria como dizer que sob o aspecto formal, considera-se a antijuricidade pelo seu descumprimento legal e sob o aspecto material, pelas consequências negativas desta conduta para outrem e a sociedade.

A culpabilidade no entanto refere-se a reprovabilidade da conduta praticada pelo agente, ou seja, é a atribuição do juízo de vontade que o levou a praticar um ato comprovadamente típico e ilícito. No entanto, a culpabilidade divide-se em três elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa.

5.2 CULPABILIDADE

Sobre os elementos da culpabilidade, entende Greco (2014) que para que a responsabilidade recaia sobre o autor de um fato, este deve ser imputável e sua conduta deve ser consciente de potencial ilicitude, bem como deve ser possível e exigível que este houvesse atuado de outra maneira.

5.2.1 Causas legais de exclusão da culpabilidade

A imputabilidade disposta no artigo 26 do código penal refere-se a capacidade de compreensão sobre a reprovação do fato, ou seja, este deve ter discernimento de que o ato que pretende praticar viola uma norma. Somente pode-se considerar culpável, a conduta daquele que possui plenas condições psicológicas para entender o que é o certo e o errado. Para tanto, “o inimputável não comete crime, mas pode ser sancionado penalmente, aplicando-se lhe medida de segurança que se baseia no juízo de periculosidade, diverso, portanto, da culpabilidade” (NUCCI, 2008, p.288 apud SOUZA, 2010).

O código penal traz as seguintes hipóteses de inimputabilidade:

A doença mental ou desenvolvimento mental retardado, o que impede o agente de distinguir o certo do errado, atingindo sua capacidade de discernimento. Sendo, portanto o agente plenamente incapaz por conta de um retardo mental ou ainda que essa incapacidade não seja completa, mas impeça o agente de distinguir a ilicitude do ato.

A menoridade, tendo em vista que o artigo 27 do código penal atribui que os menores de 18 anos de idades são considerados inimputáveis penalmente, acreditando para tanto que este não teria sua plena capacidade de discernimento. Ademais, a inimputabilidade cessa assim que o agente completa a maioridade, neste sentido:

Uma vez completados 18 anos, o agente torna-se imputável, podendo-se atribuir-lhe uma sansão de natureza penal. Assim, no primeiro minuto de data de seu aniversário, independentemente da hora em que nasceu, o agente adquire a maioridade penal com todas as implicações dela decorrentes (GRECO, 2014, p. 397).

Embriaguez completa proveniente de caso fortuito, logo, a embriaguez deve ser total, ou seja, de modo a alterar o estado psicológico do agente, alterando sua capacidade de discernimento, ainda, o motivo da embriaguez deve ser estranho a vontade do indivíduo, como por exemplo em casos em que o agente ignora a natureza do produto e o ingere sem saber que este lhe causará alteração comportamental ou ainda, nos casos em que não se tenha a possibilidade de o agente prever que a quantidade por ele ingerida seja capaz de embriagar um indivíduo.

Para que reste configurada a culpabilidade do agente, se faz necessário que este tenha conhecimento ou a possibilidade de conhecimento de que seu ato infringe uma norma legal.

Sobre o tema, Greco (2014) traz duas hipóteses de consciência, quais sejam, a consciência real e a consciência potencial sobre a ilicitude. Para tanto, na consciência real, o agente deve saber que a conduta por ele praticada infringe as normas legais, já na consciência potencial, presume-se que tenha uma possibilidade de, o agente saber da ilicitude da conduta.

O erro de proibição previsto no artigo 21, caput do código penal afasta a culpabilidade do agente por não possuir potencial consciência da ilicitude, logo, o erro de proibição pode se vulgarmente chamado de ignorância ou falsa interpretação da lei (MASSON, 2017).

O melhor exemplo para expor quanto o erro de proibição é o caso em que o cidadão vem da Holanda para o Brasil, lembrando que este país tornou a maconha legal e pode ser livremente usada e comercializada. Portanto, esse indivíduo é apanhado carregando consigo grande quantidade de maconha, Nos termos da situação narrada, a conduta do agente poderia ser tipificada no artigo 28 da lei de drogas, ou ainda, no artigo 33, caput desta mesma lei. Porém, por mais que este tivesse a intenção de consumir aquela substancia, o mesmo não tinha conhecimento de que a conduta por ele praticada configuraria crime no Brasil, considerando que em seu país, a mesma situação não seria crime.

Portanto, muito embora o conhecimento da lei seja presumido, o conhecimento da ilicitude de determinadas condutas se dá com o convívio social, deste modo, o legislador se atentou para essa possibilidade através do instituto do erro de proibição. Sobre o erro de proibição, disciplina Masson apud Bitencourt (2017, p.544) “Há duas situações diversas: desconhecimento da lei (inaceitável) e desconhecimento do caráter ilícito do fato, capaz de afastar a culpabilidade, isentando o agente de pena”.

Para trabalhar a exigibilidade de conduta diversa, primeiramente é necessário analisar se no momento da ação ou omissão, o agente tinha a possibilidade de agir de forma diversa daquela, considerando o homem médio e suas particularidades.

Neste sentido, é preciso analisar as circunstâncias em que se encontra o agente e se a conduta contrária ao direito por este praticada ou omitida era razoável a qualquer outro que se encontrasse na mesma condição.

O código penal traz duas causas legais de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, que são a coação irresistível e a obediência hierárquica.

Acerca da coação moral irresistível o código penal disciplina em seu artigo 22 que quando a conduta é cometida sob coação irresistível só será punido o autor da coação, estando o coagido isento de pena.

O instituto trata de situações em que o autor que pretende cometer determinado crime, use de ameaça para o fim de coagir o indivíduo a praticar a conduta ilícita em seu lugar. Logo, o coagido acaba realizando o ato criminoso exclusivamente por medo (MASSON, 2017).

Portanto, a lei não poderia exigir que o agente se comporte de maneira diferente estando em situação de ameaça e coação, correndo riscos de sofrer as consequências de sua desobediência.

No entanto, para que seja configurada a coação moral irresistível é preciso que sejam preenchidos os requisitos inerentes a esta, quais sejam, a existência de ameaça ou dano injusto e atual onde não seja razoável recair ao coagido, a impossibilidade de evitar o perigo nas condições em que este se encontra, que a ameaça ou coação seja direta ao coagido ou, ainda á aqueles estreitamente ligados a ele, a existência de um coator, coato e uma vítima e a impossibilidade de resistência do coagido, levando em consideração as características de um homem médio (NUCCI, 2017).

Um exemplo de coação moral irresistível é a seguinte situação: um bancário tem seu filho sequestrado sob ameaça de morte, em troca da vida de seus filho, os sequestradores exigem que o bancário abra o cofre do banco para que dele subtraiam todo dinheiro. Muito embora a conduta por ele praticada seja criminosa, a coação a este imputada afasta a culpabilidade do delito, pois naquela situação não seria possível exigir comportamento diverso de qualquer pessoa (NUCCI, 2017)

No que consiste a obediência hierárquica, o agente também pratica determinada conduta ilícita, sob coação diretamente ligada por determinada relação de hierarquia.

São requisitos para que se configure causa de inexigibilidade de conduta diversa por obediência hierárquica determinada ordem de legalidade duvidosa, uma ordem advinda de autoridade competente, que se tenha um superior, um subordinado e uma vítima, a existência de relação de hierarquia entre o superior e o subordinado e a existência de cumprimento de ordem pelo subordinado (NUCCI, 2017).

Um exemplo em que resta afastada a exigibilidade de conduta diversa por obediência hierárquica é a situação em que determinado empregado realiza determinado trajeto em cavalo bravo a mando de seu empregador sob condição de perder seu emprego e acaba por atingir determinado indivíduo e lhe causando lesões em virtude da agressividade do animal (NUCCI, 2017).

Neste caso, não restava outra alternativa ao empregado que não a de realizar o trajeto com o animal, mesmo sabendo das condições agressivas daquele, caso contrário ficaria desempregado, portanto, não lhe era exigível outra conduta naquela situação.

5.3 Causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa

Após narrar as diversas situações respaldadas por causas legalmente tipificadas de inexigibilidade de conduta diversa, adentra-se nas causas supra legais, onde encontramos situações pertinentes ao uso medicinal da maconha.

Para iniciar o tema, Masson (2017) traz em sua obra uma pequena história que conta que uma empresa mineradora havia estabelecido para com seus funcionários que toda vez que a esposa de um deles desse à luz, este poderia faltar no trabalho sem o respectivo desconto salarial. Pensando no caso de, os partos acontecerem em dias de final de semana, os operários requererem a parteira que caso o parto ocorresse no domingo, esta declarasse no respectivo registro civil o dia da segunda, para que pudessem faltar no emprego, caso assim não fizesse, não mais a procurariam. Amedrontada e temendo não ter mais trabalho do qual provém seu sustento, assim fez a parteira, mesmo que contra sua vontade, esta procedeu diversos registros de nascimento falsos. Descoberta, a parteira foi absolvida por inexigibilidade de conduta diversa.

Verifica-se na história narrada que a parteira tinha conhecimento da ilicitude de seu ato, logo, os empregados da mineradora não eram seus superiores hierárquicos e nem lhe proferiram uma grave ameaça, no entanto, na situação, só haviam duas opções: ou a parteira atenderia o pedido dos empregados ou acabaria por não conseguir trabalho e por consequência poderia vir a passar necessidades.

Outrossim, o caso descrito aponta uma situação diversa daquelas previstas, quais sejam a coação moral irresistível e a obediência hierárquica, porém, encontra amparo legal por estar constatada a inexigibilidade de conduta diversa.

Sobre o tema em comento, preceitua Greco (2014, p. 417) “causas supralegais de exclusão da culpabilidade são aquelas que, embora não estejam previstas expressamente em algum texto legal, são aplicadas em virtude dos princípios informadores do ordenamento jurídico”.

As causas supralegais de exclusão de culpabilidade se respaldam na exigibilidade de conduta diversa que deve aplicar-se nos casos em que o agente não poderá ser punido por uma conduta em que não poderiam exigir-lhe outro comportamento naquele momento.

Deste modo, verifica-se que o direito prevê a exigibilidade de que o indivíduo mantenha sua conduta conforme seus preceitos, logo, quando não for possível que este cumpra com as normas em razão de uma situação extremamente injusta e perigosa, deve-se considerar a situação como uma exclusão supralegal de culpabilidade.

No tocante ao uso medicinal da maconha observa-se que, atualmente, o agente que carregar consigo ou cultivar a cannabis ainda que para uso medicinal comete o crime disposto no artigo 28 da lei 11.343/2006, pois leva-se em conta primeiramente a capacidade psicotrópica desta substancia, rechaçando-se sua capacidade terapêutica e necessidade de uso por pacientes clínicos.

Não obstante, a maconha é legalmente vista somente como uma droga, disciplinada pela lei 11.3434/2006. Logo, sua capacidade medicinal vem mudando esse conceito e abrindo margem ao uso terapêutico, antes não reconhecido de forma alguma, mas que já vem sendo estudado.

No entanto, é preciso estabelecer essa diferença que consiste no uso medicinal da maconha que tem sido utilizado no tratamento de inúmeras enfermidades como convulsões, câncer, aids, esclerose múltipla, glaucoma, entre tantas outras, sempre procedido através de prescrição médica, e o uso recreativo desta substancia que consiste no uso deliberado pelo usuário, o qual pode a apresentar reações como taquicardias, delírios, alteração psíquica, dentre outros. No entanto, não discute-se na presente obra, a descriminalização da maconha recreativa, mas sim, uma de modo a não penalizar o uso medicinal como se porte ilegal fosse (PARENTONI, 2016).

Desta feita, a evolução dos estudos sobre a cannabis e a necessidade da população, principalmente daqueles que necessitam do medicamento a base da maconha muda essa esfera do proibicionismo total e torna necessário que o legislador reformador além de distinguir o uso medicinal de mero consumo pessoal, ainda reconheça a causa de exclusão supralegal da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, considerando que o uso medicinal da maconha, embora não previsto em lei, impõe ao paciente a escolha entre uma conduta considerada criminosa sem vítimas e a sua vida que é um direito fundamental, uma cláusula pétrea estabelecida em nossa carta Magna. Não destarte, na mesma situação encontra-se a família do paciente que precisa fazer uso da maconha.

Sobre o tema em comento, é possível observar que a aplicação real pelos próprios tribunais, como é o caso da menina Júlia que teve o habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça do DF para plantar a cannabis em sua residência.

Ocorre que Júlia é acometida de uma enfermidade denominada síndrome de Silver Russel e em razão da doença desenvolve inúmeras convulsões ao dia, logo, a frequência das crises convulsivas diminuíram quando Júlia iniciou o tratamento com a substancia, portanto, restou constatado que a maconha ocasionou melhoras significativas em seu tratamento, resultado não experimentado por nenhum outro medicamento (WITTE, 2017).

Entretanto, é procedido um extrato caseiro da cannabis, o qual é ingerido diariamente por Júlia. Ademais, em situação de crise, a ingestão é feita por um vaporizador com a planta em sua natureza original (WITTE, 2017).

Para conseguir liberação judicial para plantar a cannabis em sua residência, a advogada da família de Júlia demandou ação judicial, requerendo um habeas corpus preventivo, temendo uma responsabilização criminal e possível apreensão das substancias (WITTE, 2017).

No entanto, o argumento utilizado pela advogada da família de Júlia foi justamente o da inexigibilidade de conduta diversa, alegando que não poderia esperar outra conduta da família que não aquela, considerando que o bem primordial tutelado seria a saúde da menina (WITTE, 2017).

Primeiramente o pedido foi denegado sob argumento de que o medicamento a base da cannabis são permitidos para importação, logo, seria esta a alternativa a ser adotada pela família como meio de adquirir o medicamento. Porém, a família da jovem recorreu ao Tribunal de Justiça do DF alegando que os custos para obtenção do medicamento eram muito altos e havia restrições burocráticas que impediam um tratamento imediato, logo o pedido de Habeas corpus foi deferido (WITTE, 2017).

Contudo, o caso apresentado contribui diretamente para o reconhecimento da inexigibilidade de conduta diversa nos casos em que se faz necessário o uso da maconha para fins de tratamento de enfermidade. Simplesmente não se pode exigir de uma família que deixe de utilizar uma substancia unicamente capaz de curar uma criança pelo fato de, o uso desta configurar um crime onde nem ao menos deixa vítimas.

Por fim, verifica-se que, de forma a atender as necessidades puramente relacionadas a saúde, já existe entendimento favorável à exclusão da culpabilidade no uso medicinal da maconha, desta forma é imprescindível que o legislador reformador amplie a legislação para o fim de reconhecer a exclusão da culpabilidade, nos casos de uso medicinal da maconha.

6 A APLICABILIDADE DO USO MEDICINAL

Após expor veemente sobre as propriedades medicinais da maconha, explanou-se principalmente quanto a necessidade de alguns pacientes fazer seu uso como última alternativa de tratamento, como é o caso do portador de epilepsia resistente a tratamentos convencionais.

Ainda, foi exposto quanto as diversas descobertas positivas quanto o uso clinico da maconha, como em tratamentos para esclerose múltipla, glaucoma, depressão, ainda, para o fim de minimizar os efeitos causados em tratamentos para câncer e Aids, como a perda do apetite.

No entanto, restou constatado o potencial clinico desta substancia e a distinção entre seu uso medicinal que é um avanço para a saúde como um todo e o uso recreativo, que é aquele procedido muitas vezes de forma desenfreada e que pode causar danos à saúde do agente, pois não há controle da quantidade ingerida e dos riscos provocados pela dependência, agindo no organismo de modo a alterar o estado psíquico daquele que faz uso desenfreado.

Ademais, muito embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária já tenha inserido a cannabis sativa na lista das substâncias disponíveis pra pesquisas, seu uso, ainda que medicinal continua sendo proibido no Brasil e é tipificado como criminoso, nos termos do artigo 28 da lei de drogas.

Muito embora, o Brasil ainda seja contrário ao uso da maconha, muitos países já legalizaram seu consumo medicinal e o recreativo. No entanto, no Brasil, apesar da proibição para uso, é possível importar o cannabidiol, porém, não é esta a solução para aqueles que precisam fazer uso da medicação.

Sabe-se da situação de precariedade em que se encontra o país, até mesmo quanto as necessidades básicas como a saúde. Atualmente, o governo não tem estabelecido o fornecimento de medicamento básicos, como aqueles de uso continuo que devem ser utilizados diariamente por portadores de doenças como, pressão alta, diabetes, problemas cardíacos e respiratórios.

No entanto, é nítido que a população brasileira encontra-se desamparada pelo poder público e sem o mínimo de auxílio para resguardar seu direito fundamental à saúde. Ademais, considerando que o governo Brasileiro tem sido incapaz de garantir ao cidadãos até mesmo os medicamentos de preço ínfimo, como aqueles básicos que obrigatoriamente deveriam abastecer as farmácias municipais, pode-se considerar a dificuldade daqueles que precisam fazer uso do cannabidiol, que tem valor significativamente alto e buscam amparo através do sistema único de saúde.

A grande dificuldade encontrada pelos pacientes é a burocracia que permeia a importação do cannabidiol e o alto custo, considerando que grande massa da população brasileira vive em estado de pobreza. Verifica-se que não há como ter seus anseios atendidos de forma plena e satisfatória através do serviço de saúde gratuito.

Deste modo, vislumbra-se que não há como o SUS solucionar este problema de forma satisfativa sem ter que recorrer a importação do produto nas condições precárias em que o sistema econômico se encontra.

Por outro lado, o artigo 28 da lei 11.343/2006 que disciplina quanto o porte ilegal de drogas para consumo. Verifica-se portanto, que muito embora já tenha sido reconhecida a capacidade medicinal da maconha, a legislação ainda encontra-se omissiva em relação ao seu uso. Atualmente não é possível distinguir o mero usuário do paciente que faz uso medicinal da maconha. Ainda, caso seja apanhado, ambos responderão pelo mesmo crime, aquele tipificado no artigo 28.

Nesta esteira é possível vislumbrar a incapacidade do estado de garantir um direito fundamental sem confrontar com a legislação, que acaba por impedir a plena eficácia de uma garantia constitucional (BARRETO; OBREGON, 2017).

O sentido do proibicionismo muda totalmente quando sai da esfera de punição ao usuário “perigoso” e passa a ser uma fonte de cura a enfermidades relevantes. Neste caso se faz necessário que a legislação se adeque a realidade e através de lei, traga segurança á aquele que necessita fazer uso da cannabis sativa.

Deste modo, é razoável afirmar que a lei 11.343/06 que regulamenta toda ação ou omissão inerente as drogas no Brasil, se opõe a garantia fundamental ao direito a vida. Logo, a oposição mencionada se caracteriza pela omissão do legislador de não apreciar em seu texto legal, o uso medicinal da maconha. Para tanto, a falta de distinção entre o uso medicinal por paciente e o porte ilegal acarreta na punição do primeiro como se portador ilegal fosse.

Imperioso ressaltar que, muito embora ainda não esteja superada a relação inerente ao uso da maconha puramente psicotrópico e vicioso que pode causar tantos efeitos negativos a sociedade como um todo e a saúde pública, é preciso destacar os diversos benefícios de seu uso prescrito como tratamento de tantas enfermidades, destacando, ainda, que o presente artigo não busca a solução através da legalização generalizada, mas busca alcançar aquele portador ou quem cultivar a substancia para fins medicinais para que não seja punido como se portador ilegal fosse.

Por outro lado, ao analisar o caso concreto é preciso verificar se a culpabilidade do agente pode ser excluída caso reste constatado que este agiu respaldado por excludente supralegal de inexigibilidade de conduta diversa.

Ademais, como mencionado no caso em tela, considerando a conduta daquele que necessita fazer uso da maconha e seus derivados para o fim medicinal, não há como exigir do paciente ou de sua família, atitude diversa daquela perpetrada para o fim de reestabelecer sua saúde ou a saúde de pessoas com quem possua estreito laço afetivo.

Por fim, diante de todo mencionado, verifica-se a necessidade de o legislador reformador distinguir na legislação atual, o usuário medicinal da maconha do usuário recreativo, aplicando ao primeiro, a exclusão da culpabilidade.

Frente a todas considerações feitas, evidencia-se como uma solução proporcional para o caso, qual seja a elaboração de projeto de lei para o fim de incluir no parágrafo 1º do artigo 28 da lei de drogas, a exclusão da culpabilidade do agente que for apanhado portando maconha exclusivamente para uso medicinal.

Ressalta-se que o presente artigo restringe somente ao uso medicinal, deste modo não busca fazer apologia ao uso recreativo, ademais, não alcança nenhuma outra substancia que não a maconha e seus derivados.

Isto posto, conclui-se que, atualmente não existe no ordenamento jurídico, qualquer respaldo legal passível de aplicação para o problema abordado, qual seja o uso medicinal da maconha. No entanto, quando surge na prática a necessidade de regulamentar determinada situação inerente a este uso, busca-se a aplicação supralegal de exclusão da culpabilidade, pois mesmo que diante da situação fática não se possa exigir do indivíduo um comportamento diverso, que não preservar a sua saúde, não há a coação moral irresistível e nem a obediência hierárquica que compõe a inexigibilidade de conduta diversa, logo, não resta tipificada a exclusão.

Deste modo, não restam dúvidas quanto a necessidade de regulamentação da matéria proposta, considerando também, a precariedade em que se encontra a rede pública da saúde no Brasil, o que torna inviável a importação da medicação a base de maconha do exterior, além do sistema extremamente burocrático e demorado e o alto custo do produto.

Indubitavelmente, com a elaboração e posterior aprovação do projeto de lei que passe a incluir a exclusão da culpabilidade para o uso medicinal da maconha no parágrafo 1º do artigo 28 da lei 11.343/2006, passará a reconhecer o que era uma causa supralegal para uma causa legal de exclusão de culpabilidade, regulamentando o uso medicinal e trazendo mais clareza a legislação quanto a distinção do uso terapêutico e o uso recreativo.

No entanto, caso haja a possibilidade de não vigorar a proposta apresentada, por todos os motivos expostos no presente artigo, se faz necessária a concretização do entendimento pela aplicabilidade da exclusão supralegal da culpabilidade de modo a alcançar todos os casos pertinentes ao uso medicinal da maconha.

Portanto, vale ressaltar que a regulamentação do uso medicinal da maconha tem por objetivo beneficiar inúmeras famílias brasileiras que necessitam fazer uso da substancia para auxiliar no tratamento de diversas enfermidades. Logo, a proposta apresentada importa em grande progresso para o sistema Brasileiro como todo, baseando-se principalmente no senso de justiça e a proporcionalidade entre a legalidade e as necessidades dos cidadãos.

Finalmente, após analisar os inúmeros benefícios terapêuticos proporcionados pela cannabis sativa, além de sua relevante importância no tratamentos de tantas enfermidades, conclui-se que para resguardar o direito à vida assegurado pela constituição federal, é preciso atribuir ao paciente, segurança jurídica e dignidade. Desta forma, no tocante ao uso medicinal da maconha, se faz necessária a sua regulamentação primordialmente, através de projeto de lei que torne o uso legalmente passível de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, ou, ainda se assim não for possível, que seja firmado o entendimento pela exclusão supralegal da culpabilidade do uso clinico da maconha.

7 METODOLOGIA

Para confeccionar o artigo cientifico apresentado, foi empregado tempo e dedicação para o fim de apresentar os motivos que justifiquem a exclusão da culpabilidade do uso medicinal da maconha. Para tanto, foi procedido um extenso trabalho de pesquisa teórica, com finalidade exploratória, valendo-se de matérias pertinentes à matéria proposta, como livros, bases de dados de internet como google, scielo e google acadêmico.

Ainda, a pesquisa realizada foi descritiva explicativa, pois visou expor as principais considerações que permeiam tanto o uso medicinal da maconha quando a necessidade de aplicabilidade no nosso ordenamento jurídico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se através do artigo apresentado, explanar de forma objetiva sobre as particularidades da cannabis sativa, também conhecida por maconha. No entanto, foram apresentados os inúmeros benefícios que permeiam sua utilização como meio de tratamento, altamente eficaz no auxílio para a cura de inúmeras enfermidades, como a epilepsia, esclerose, glaucoma, ainda, para minimizar as reações causadas nos tratamentos de câncer e aids.

No entanto, foram expostos os motivos que atualmente levam diversas famílias brasileiras ao judiciário para o fim de tentar obter autorização para portar ou até mesmo cultivar a maconha, devido à grande dificuldade de adquirir o medicamento a base da substancia, que por sua vez não é comercializado no País e precisa passar por um extenso procedimento burocrático para ser importando.

Em análise a legislação, restou constatado que apesar de não existir no ordenamento jurídico brasileiro qualquer menção ao uso medicinal da maconha, caso ocorra a prática, a mesma será tipificada no artigo 28 da lei de drogas que disciplina quando ao porte ilegal de drogas para consumo próprio, logo, o paciente será punido como usuário recreativo.

De modo a solucionar a problemática apresentada, foi apresentada a proposta que visa distinguir no ordenamento jurídico, o usuário medicinal do usuário recreativo, de modo a determinar que ao primeiro incida a exclusão da culpabilidade, considerando a inexigibilidade de conduta diversa do paciente ou sua família que acompanha diretamente o tratamento à base da cannabis.

Por fim, ante a eminente necessidade de regulamentação do uso medicinal da maconha, considerando sua inclusão no rol de sustâncias medicinais da Anvisa, ressalta-se que caso não seja recepcionada a proposta para tornar legal a exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa, seja reconhecido e firmado o entendimento pela exclusão supralegal da culpabilidade.

No entanto, demonstra-se através de todos os motivos expostos que ante a necessidade social e medicinal que visa melhorar a qualidade de vida todos indivíduos e garantir-lhes o direito fundamental à vida, a regulamentação do uso terapêutico da maconha precisa ser procedida com a máxima urgência para que o cidadão Brasileiro não continue a abster-se de viver respaldado por um ordenamento justo e proporcional as suas necessidades essenciais.

 

ABSTRACT

It is proposed in this study, to expose on the therapeutic properties of marijuana and its potential to assist in the treatment of countless diseases. There is a question of the lack of regulation on medicinal use of the substance which, although it was inserted by Anvisa in the list of medicinal plants, its use is still being typed in article 28 of the Drug act as a crime. The goal is to demonstrate the need for the disciplinary legislator about the medicinal use of marijuana so that the patient who uses the substance for treatment is not punished as if mere recreational user were. For this, survey survey was carried through analysis of articles extracted from the database such as Google, Google Scholar and Scielo, in addition to bibliographic research in books and aims to reach all audiences who seek knowledge and information about the Medicinal use of marijuana and its regulation. The elaboration of the article was carried out in the municipality of Guarapari-ES and at the same was not spent any economic value. Finally, it is suggested that the bill normatize the exclusion of the culpability of medicinal use of marijuana.

Keywords: Criminal law. Marijuana. Medicinal use. Exclusion from culpability.

 

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[1] Graduanda do curso de Direito da Faculdades Unificadas Doctum de Guarapari. E-mail: [email protected]

[2] Advogado criminalista- Professor de Direito Penal e Processo Penal na Faculdades Unificadas Doctum de Guarapari. E-mail: [email protected]

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