Obrigatoriedade da audiência de conciliação ou mediação no CPC/2015: paternalismo ou eficiência? Um breve paralelo com o processo do trabalho

Resumo: O presente artigo trata do tema da obrigatoriedade da audiência de mediação e conciliação no novo Código de Processo Civil. Para a referida análise, primeiramente analisa o disposto na novel lei processual sobre tema, com definições básicas e estudo da sistemática. Toma, em seguida, como referência a audiência de conciliação no processo do trabalho, destacando suas vantagens e comparando-os com os da legislação processual civil. Há, ainda, o estudo do quadro descrito pelo cotejo com as categorias jurídicas do ônus e do dever jurídicos, na doutrina de Eros Grau. Conclui-se que a inovação legislativa tem bons propósitos e pode ser bem instrumentalizada, desde que haja rigoroso controle judicial de eventuais abusos que a obrigatoriedade da audiência estudada pode gerar.

Palavras-chave: Audiência de mediação e conciliação; audiência de conciliação trabalhista; ônus jurídico; dever jurídico.

Sumário:  Introdução; 1.Breve noção de mediação e conciliação e de seu tratamento legal; 2. Obrigatoriedade da audiência de conciliação ou medição no cpc/2015; 3. A experiência do processo do trabalho com a audiência de conciliação; 4.Análise da razoabilidade da obrigatoriedade da audiência de conciliação e mediação à luz da experiência trabalhista; Conclusão; Referências;

INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil de 2015, no ápice do processo de massa de massa brasileiro, veio com a grande promessa de desafogar o Judiciário brasileiro, sobretudo através do mais forte estímulo à solução de conflitos pela autocomposição.

Nessa toada, foi que o diploma previu em seu art. 334 a obrigatoriedade a priori da audiência de conciliação ou mediação, objeto de atual controvérsia entre aqueles que a veem como grande solução modificativa da cultura jurídica litigiosa e os que a criticam, não só pela afronta à liberdade que representaria, mas pelos atrasos inúteis que tem potencial para gerar no processo.

Assim, o presente artigo quer explorar sucintamente a referida questão, principalmente através da comparação com as audiências trabalhistas.

Primeiramente, apresentar-se-á a situação normativa da questão, elucidando os conceitos básicos de conciliação e mediação, em cotejo ao tratamento da audiência em questão pelo art. 334 do CPC/2015. Em seguida, elencar-se-ão alguns argumentos em favor e contra o preceptivo estudado.

Em segundo lugar, traçar-se-á o panorama das audiências trabalhistas, com foco na inaugural, com base no procedimento ordinário, perquerindo as consequências jurídicas do não-comparecimento a esses atos judiciais e fazendo o paralelo com essas consequências no processo civil.

Postas as bases do debate, será, então, possível expor nossa compreensão da questão, e, a partir da experiência de décadas da Justiça do Trabalho com o tema, propor algumas das condicionantes para que as boas intenções do legislador alcancem seus objetivos de maior e mais duradoura pacificação social, assim como de redução numérica dos feitos em tramitação em nosso Judiciário.

1. BREVE NOÇÃO DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO E DE SEU TRATAMENTO LEGAL

Boa parte da doutrina[1] distingue mediação de conciliação pelo nível de intervenção do mediador/conciliador.

Nesse sentido, o conciliador tem postura mais interventiva, de apresentar verdadeira solução para o caso, sem, é claro, a possibilidade de impô-la, pois que de heterocomposição não se cuida (SCAVONE JUNIOR, 2014).

Já na mediação, o profissional tenta fazer com que as próprias partes encontrem uma solução, sem propriamente interferir nos termos dos termos do acordo (SCAVONE JUNIOR, 2014).

Embora a distinção seja doutrinária, não se pode deixar de perceber que acabou por ser endossada pelo legislador, que vinculou a conciliação a casos em que não há vínculo anterior entre as partes e a mediação, àqueles em que esse vínculo existe, senão vejamos:

“Art. 165.  (omissis)

§ 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. (grifos ausentes no original)”

Além da distinção apontada, digna de nota é a previsão do fim do §2º, que veda expressamente “a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem”.

Dessarte, previne-se a reprodução no processo civil da malsã prática de certos juízes do trabalho de, realizando insinuações sobre a dificuldade de que certas pretensões das partes prosperarem, forçar o acordo, esquecendo-se de que suas posições não são absolutas e podem ser revistas por outras instâncias. Assim, dando a entender qual seria o resultado naquela instância, acabam sendo por demais incisivos no estímulo a que as partes resolvam naquela ocasião em definitivo a questão, por meio da autocomposição.

Portanto, é, a nosso ver, legítimo, que o juiz ou mediador/conciliador estimule a busca de um acordo, ressaltando as vantagens tanto do lado da celeridade, pois se obterá de imediato uma decisão judicial transitada em julgado, sem necessidade de confirmação por outras instâncias como também no sentido da autodeterminação das partes, de modo que os índices de satisfação tendem a ser maiores muitas vezes quando não há imposição de solução por parte de um terceiro.

2. OBRIGATORIEDADE DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU MEDIÇÃO NO CPC/2015

Pela dicção legal, é a audiência de conciliação ou mediação, a princípio, obrigatória.

Primeiro indício é o caput do art. 334, que usa a expressão “o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação”. Segunda é a previsão da exceção que confirma a regra; com efeito, quando ambas as partes manifestarem desinteresse na composição consensual ou a ação não admitir autocomposição, não haverá a referida audiência (§4º do art. 334).

Portanto, pode-se perceber que, não se manifestando uma das partes pelo desinteresse na composição, a audiência de conciliação ou mediação será obrigatória. E quais são as consequências da ausência à referida audiência.

Pelo §8º do artigo em comento, percebe-se que é verdadeiro dever da parte comparecer, se não incidir alguma excludente ou não houver justificativa para ausência, de modo que a ausência configura ato atentatório contra a dignidade da justiça e gera dever da pagar multa de 2% sobre o valor da causa ou vantagem econômica pretendida, em favor da União ou do estado-membro.

Vê-se que de ônus processual não se cuida, pois não há propriamente uma consequência intraprocessual que afete o deslinde da lide, a exemplo de revelia ou qualquer consequência no âmbito do ônus da prova. Há apenas uma obrigação de pagar e sequer é em favor da parte.

Com efeito, na pesquisa bibliográfica de Grau, que o relaciona o dever jurídico a um interesse de terceiro e não da própria parte (GRAU, sem data), in verbis: “dever jurídico consubstancia precisamente uma vinculação ou limitação imposta à vontade de quem por ele alcançado. Definido como tal pelo ordenamento jurídico, o dever há de ser compulsoriamente cumprido, sob pena de sanção jurídica — o seu não atendimento configura comportamento ilícito”.

O interesse aí protegido com a obrigatoriedade da audiência seria da coletividade, do Estado, em obter mais eficazmente a pacificação social. O caráter de dever da previsão também se traduz em que a multa susorreferida se reverte para o Estado.

À distinção entre dever e ônus se voltará em tópico abaixo.

É, sem dúvida, certa intervenção na liberdade das partes, pois basta que uma queira para que deva haver a audiência.

A primeira imaginável é, portanto, algum nível de cerceamento à liberdade da contraparte, que, embora não possa, é claro ser compelida a transacionar terá ao menos de comparecer ao ato, ainda que para afastar de início toda e qualquer possibilidade de autocomposição.

Uma segunda crítica a essa previsão de obrigatoriedade é talvez o intuito protelatório de alguma das partes, que, mesmo tendo convicção de que não quer/pode transacionar força que haja a audiência com fins meramente protelatórios, na ânsia de granjear mais alguns meses, por exemplo, em sua situação de inadimplemento.

Terceira crítica é o possível atraso que tal previsão pode ensejar nos feitos em que não seja efetivada a transação consequente à mediação ou conciliação.

Por outro lado, vislumbram-se também certas vantagens nessa obrigatoriedade, ainda que reveladora de certo paternalismo estatal. Isso porque é evidente que só o fato de ter de comparecer ao ato é persuasivo da busca de um resultado útil.

Iniciados os atos, não se desconhece a forte possibilidade de que as partes cheguem a um denominador comum, seja pelo reestabelecimento de mínima comunhão entre as partes (mediação), possibilitando, assim, que elas mesmas, cedam em certos pontos e alcancem solução, seja por intermédio de proposta habilmente apresentada pelo conciliador.

Assim, parece ser o raciocínio do Código de Processo Civil que, constrangendo-se, em certos casos, as partes, pela omissão de manifestação do desinteresse de ambas ou pelo expresso interesse de apenas uma delas, a sentarem à mesa de negociação, dá-se real estímulo à autocomposição, que certamente não avançaria na atual cultura litigiosa, se fosse necessário que ambas as partes requeressem que houvesse a audiência de conciliação/arbitragem.

3. A EXPERIÊNCIA DO PROCESSO DO TRABALHO COM A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

No processo do trabalho, é histórica a busca pela conciliação, sem dúvida por algum ranso fascista de busca da integração pelo Estado dos conflitos entre empregadores e trabalhadores[2], mas que é atualmente bastante ao gosto da tendência atual revelada pelo CPC/2015.

Naquele ramo do Direito, a CLT trata da audiência do trabalho, a princípio, como una, mas que, na prática, é dividida em audiência inaugural ou de conciliação, de instrução e de julgamento (muitas vezes por sentença publicada).

Primeiramente, há uma tentativa de conciliação (art. 846 da CLT), sem o que haverá nulidade processual, ressalvada a ausência de prejuízo e falta arguição na primeira oportunidade (LEITE, 2015).

Não havendo acordo, há, pelo art. 847 da CLT, contestação, que geralmente se dá atualmente por contestação escrita.

Passa-se, então, à instrução (art. 848 da CLT) e, após as razões finais, haverá nova proposta de conciliação, sem a qual será proferida a decisão (art. 850), que muitas vezes é prolatada posteriormente e publicada.

É de se notar que, pelas peculiaridades do processo do trabalho e havendo previsões muito específicas citadas, a tendência é de afastar-se o influxo do CPC novo sobre uma possível audiência de mediação e conciliação[3].

Interessante perceber as consequências da ausência à audiência inaugural ou de conciliação, o que se poderá depreender do seguinte dispositivo celetista:

“Art. 844 – O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

Parágrafo único – Ocorrendo, entretanto, motivo relevante, poderá o presidente suspender o julgamento, designando nova audiência.”

O art. 844 da CLT distingue as consequências a depender de quem falta. Sendo o reclamante, há mero arquivamento, que, geralmente não impede nova propositura da ação.[4] Sendo o reclamado o ausente, o mesmo artigo fala em revelia e confissão sobre a matéria de fato.

Se a falta for à audiência de prosseguimento (após a conciliação), não há mais arquivamento, mas apenas confissão quanto à matéria de fato[5] (LEITE, 2015) e, se ambos faltarem, julgamento do processo segundo as regras de distribuição do ônus da prova (SCHIAVI, 2015).

Assim, pelo menos quanto ao reclamado, pode-se dizer que há, no processo do trabalho, verdadeiro ônus processual de comparecer à audiência, pois que o não-comparecimento acarreta a confissão ficta, ou, quanto ao autor, o arquivamento, que não traz consequências para o deslinde do mérito da questão.

Nesse sentido, após extensa revisão bibliográfica, define ônus processual como “vínculo que a lei impõe à vontade do sujeito como condição à obtenção ou conservação; pelo próprio sujeito, de um interesse seu” (GRAU, sem ano).

Faltando à audiência trabalhista, não vê o autor sua causa sequer julgada e ao reclamado é tirado o direito de fazer contraprova dos fatos alegados pelo reclamante, tomados, a priori, como verdadeiros, de modo que, no processo do trabalho, é autêntico ônus processual o comparecimento à audiência de conciliação.

Igualmente no procedimento dos juizados especiais cíveis, há ônus semelhante, conforme prevê a lei 9.099/95: “Art. 16. Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado designará a sessão de conciliação, a realizar-se no prazo de quinze dias.” É igualmente ônus processual, com consequências jurídicas semelhantes às do processo do trabalho, conforme se depreende da conjunção dos dois seguintes artigos da lei 9.099/95:

“Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.

Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I – quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo;”

Outra diferença marcante em relação ao regime comum é que na Justiça do Trabalho não é dado às partes fazer-se representar na audiência, nem mesmo na de conciliação, por qualquer procurador com poderes bastantes, de modo que o empregador deve enviar preposto que seja empregado[6], sob pena até de confissão ficta (SCHIAVI, 2015). Mais que isso, não sabendo dos fatos sobre os quais versa a ação, mesmo presente o preposto, pode haver revelia.

No regime processual comum, há maior liberdade, para constituir procurador com poderes para negociar e transigir (§10º do art. 334 do CPC). Embora pareça uma obviedade a necessidade de haver poderes para transigir, salutar a previsão, eis que na prática dos juizados cíveis, em que já há desde muito antes a exigência da tentativa de conciliação, é comum que as empresas enviem prepostos sem poderes para transacionar[7], o que fulmina totalmente os fins da conciliação.

Esse rigor do processo do trabalho quanto ao preposto é importante elemento de estímulo à busca da verdade real e à conciliação, pois não se desconhece que muitas vezes os prepostos acabam por comprometer a reclamada com o que falam, em benefício do reclamado e que a presença de verdadeiro empregado à mesa de negociação é mais eficaz que o envio de um terceiro qualquer apenas para cumprir a formalidade, como estagiário do escritório de advocacia- o que ocorre no âmbito dos juizados especiais cíveis- para que haja mesmo um acordo.

Passa-se agora às consequências práticas para o processo do trabalho. Com esse verdadeiro ônus, é o processo do trabalho de logo mais eficaz que o processo civil, no sentido de trazer as partes à audiência de conciliação.

O que se nota, assim, é que o regime do processo trabalhista é muito mais interventivo que o processual civil, o que se deve, entre outras razões, ao princípio da proteção mitigada[8] que permeia esse ramo, à busca da verdade real, celeridade e eficiência.

Exigindo-se, sob severos ônus, que as partes compareçam e que compareçam de maneira qualificada, i.e., minimamente conhecendo a realidade fática subjacente à demanda, as chances de haver verdadeiramente transação são muito maiores.

São essas algumas das razões pelas quais a quantidade de conciliações no âmbito trabalhista é muito mais numerosa que em outros âmbitos.

5. ANÁLISE DA RAZOABILIDADE DA OBRIGATORIEDADE DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO À LUZ DA EXPERIÊNCIA TRABALHISTA

Embora sobretudo após a EC 45/2004 a Justiça do Trabalho tenha conhecido aumento em sua competência, abarcando agora relações de trabalho stricto sensu e não apenas relações de emprego e equiparadas, a variedade de litígios cujos procedimentos se regem pelo Código de Processo Civil é infinitamente maior.

Dessarte, embora a Justiça do Trabalho seja modelo para o Código de Processo Civil, em sua busca pela oralidade, informalidade e celeridade, é certo que no regime comum não há sempre as mesmas justificativas que embasam o dirigismo que há no ramo juslaboral, a criar meios efetivos de conciliação, sem chegar ao constrangimento das partes. Há forte persuasão, mas claro é que as partes podem também nesse ramo especializado rechaçar completamente qualquer possibilidade de conciliação sem qualquer prejuízo, desde que cumpram as formalidades de que se tratou no tópico anterior.

No Código de Processo Civil, reputa-se o nível de obrigatoriedade como adequado. É dever e há consequências, mas não há os gravosos ônus processuais encontrados no processo do trabalho.

Imagine-se por exemplo um importante conflito societário entre empresas anônimas de capital aberto, que não medem esforços para afastar incertezas em relação aos investidores e, havendo tentado, com auxílio de profissionais, todo tipo de solução extrajudicial, veem-se na contingência de buscar o Judiciário. Nesse caso, não há mais muitas razões para haver uma audiência de conciliação, motivo por que é salutar a previsão legal que permite que, ambas as partes expressando o desinteresse em haver a audiência de conciliação/mediação, não haja.

Por essa mesma razão, é que se sugere, dada a amplitude do art. 190 do CPC na previsão de negócios jurídicos processuais a figura carta à demanda, que, em certos países é pré-requisito para o processo judicial. Entre nós, certamente não seria pré-requisito para o acesso ao Judiciário, até mesmo pela inafastabilidade da jurisdição (art. 5º: XXXV) entretanto, havendo essa chamada “carta à demanda”, que é um chamado à conciliação ou mediação antes do processo (MACHADO, 2016) e, sendo negativa a resposta, já não haveria mais possibilidade de haver a audiência.

Outro ponto interessante é que, conforme sugere Didier, não seja o juiz o conciliador (DIDIER, 2015), exatamente para evitar o constrangimento à conciliação e para que o mero desinteresse da parte em transacionar não se reflita negativamente na prestação jurisdicional.

Especialmente visíveis são as vantagens do estímulo a essas audiências no âmbito do direito de família, em que a mediação encontra seu campo mais fértil. Prevê o novo diploma, in litteris: “Art. 696.  A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito”.

Por essa previsão, percebe-se com mais facilidade que o fundo da previsão do art. 334 é justamente a liberdade. Que liberdade há em permitir que apenas uma parte rechace totalmente a abstrata possibilidade de mediação em caso de família? Que liberdade há em se impor uma decisão do Estado-juiz nas relações privadas mais íntimas que há? Respeitada a ordem pública, é nesse ramo, bastante profícuo o estímulo a essas audiências, buscando-se verdadeira justiça restaurativa, que não só soluciona em concreto conflito, mas igualmente recompõe relações interpessoais de maneira saudável, para maior pacificação social.

Importante prática, para evitar o intuito protelatório, seria interpretar extensivamente a possibilidade de imposição de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, no sentido de multar quem, não se manifestando para que não haja a audiência em estudo, afirma na audiência não haver qualquer proposta de acordo ou que seu acordo corresponde à totalidade de sua pretensão versada nos autos. Assim, dá-se seriedade a esse dever processual em relação àquele que, não informando o juízo de que não deseja participar da audiência, terá implicitamente consentido com sua existência e, por conseguinte, deve apresentar algum tipo de proposta séria.

Ulterior paralelo que se deve fazer entre os regimes processual civil e trabalhista é quanto à própria possibilidade de transação, resultado buscado com a mediação/conciliação.

No direito do trabalho, embora haja ainda hoje polêmicas, há certa clareza de que as traduções econômicas dos direitos indisponíveis trabalhistas podem ser transacionados.

Nesse sentido, fala Godinho, embora tratando especificamente do direito material, em indisponibilidade absoluta e relativa. A absoluta refere a direitos como assinatura de CTPS, salário-mínimo, normas de proteção à saúde e segurança do trabalhador e outras previsões de patamar civilizatório mínimo (GODINHO, 2014), ao passo que a relativa se cirscuncreve a interesses individuais ou bilaterais simples, a exemplo de desistir da pretensão de receber indenização por dano moral, por alegado assédio moral, desde que o empregador pague, por exemplo, de imediato, as horas extras e o adicional de insalubridade pleiteados na mesma ação.

Com o favorecimento à autocomposição, espera-se que essa possibilidade de transação do direito do trabalho em relação a verbas que muitas vezes são alimentares se transponha para os entraves- mais fáticos que jurídicos[9]– que envolvem os entes públicos, especialmente no que se refere ao processo de massa, como previdenciário e tributário.

Assim, deve-se reconhecer que pode ser de interesse público receber menos do que o total pleiteado, se tal for a única possibilidade de receber ou a única possibilidade de auferir logo o ganho em menos de X anos.

Em reforço à utilidade da audiência de conciliação/mediação para a Administração pública, veio a lei 13.140/15, que parece caminhar no mesmo sentido do direito do trabalho, quanto à possibilidade de transação, senão vejamos:

“Art. 3o Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação. 

§ 1o A mediação pode versar sobre todo o conflito ou parte dele. 

§ 2o O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.

Aceita-se, portanto, a possibilidade de transação judicial de direito indisponíveis, mais transigíveis, o que se fará, suspeita-se, em termos semelhantes aos do direito processual do trabalho.

CONCLUSÃO

Reputa-se, portanto, alvissareira a mudança. Claro é que não deixa de ser pequena redução na liberdade das partes e pode ser instrumento da má-fé das partes em atrasar o julgamento final.

Entretanto, a criação do dever é salutar e atende bem a interesses de toda a coletividade.

Entende-se que pela gama de direitos submetidos às normas procedimentais do Código de Processo Civil é razoável a previsão, que não é tão leniente que permita a continuidade da cultura de litígio que impera em nosso sistema jurídico, nem tão severa como justificadamente o é em certos âmbitos, a saber, Justiça do Trabalho, pela proteção ao trabalhador e juizados especiais cíveis, pois a pequena complexidade das causas e reduzido valor econômico admitem a maior intervenção estatal.

De modo a reforçar a liberdade das partes, deve-se admitir negócios jurídicos envolvendo a audiência de conciliação, inclusive sob a forma da citada carta à demanda, embora não possa ser entre nós pressuposto processual para ajuizamento da ação.

Para evitar esse mau uso, devem-se criar instrumentos para que as pautas de audiência de conciliação sejam independentes das de audiências outras, o que se faz sobremaneira mais facilmente delegando a função de conciliadores e mediadores a terceiros especializados e não ao juiz.

Assim, a audiência de conciliação seria feita mais rapidamente e, embora atrase a entrega da contestação, não afetaria substancialmente a data da audiência de instrução ou da sentença, em eventual caso de julgamento antecipado do mérito (art. 335 do CPC).

Igualmente em busca da efetividade dessas audiências, salutar multar por ato atentatório contra a dignidade da justiça, nos termos do tópico anterior, aqueles que só não dispensam a audiência de mediação/conciliação com intuitos protelatórios.

Em suma, nota-se que veio em boa hora a previsão e que as acusações de cerceamento de liberdade de ineficiência não são bem fundadas, inclusive porque a suma liberdade é a autocomposição, que prescinde da solução do Estado-juiz na vida dos particulares.

 

Referências
DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: vol. 1. Salvador: Juspodivm, 2015.
GODINHO, Maurício. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr, 2014.
GRAU, Eros Roberto. Nota sobre a distinção entre obrigação, dever e ônusIn: Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 77, p. 177-183, jan. 1982. ISSN 2318-8235. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66950>. Acesso em: 10/10/2016.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Manual de Processo do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2015.
MACHADO, Marcelo Pacheco Machado. Como escapar da audiência de conciliação ou mediação do novo CPC. Disponsível em: < http://jota.uol.com.br/como-escapar-da-audiencia-de-conciliacao-ou-mediacao-novo-cpc>. Acesso em: 06/10/2016.
SCAVONE Jr., . Manual de arbitragem, mediação e conciliação. São Paulo: Gen, 2015.
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2016.
 
Notas
[1] Além do autor aqui citado, traz definição semelhante Fredie Didier Jr., na obra referenciada no presente trabalho.

[2] Nesse sentido, fala Maurício Godinho Delgado, na obra referenciada no corpo do texto, em modelo estatal subordinado de gestão trabalhista, que tem como um de seus caracteres justamente o que ele chama de sistemática intraestatal de solução do conflitos trabalhistas.

[3] Para além de sua controversa validade jurídica, prevê a Instrução Normativo 39 do TST expressamente a inaplicabilidade da sistemática do processo civil ao do trabalho, senão vejamos: “
Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil: IV – art. 334 (audiência de conciliação ou de mediação);”

[4] Nesse sentido prevê a CLT:
Art. 731 – Aquele que, tendo apresentado ao distribuidor reclamação verbal, não se apresentar, no prazo estabelecido no parágrafo único do art. 786, à Junta ou Juízo para fazê-lo tomar por termo, incorrerá na pena de perda, pelo prazo de 6 (seis) meses, do direito de reclamar perante a Justiça do Trabalho.
Art. 732 – Na mesma pena do artigo anterior incorrerá o reclamante que, por 2 (duas) vezes seguidas, der causa ao arquivamento de que trata o art. 844.

[5] Essa confissão é um pouco mitigada pela previsão da súmula 74 da jurisprudência do TST, ad litteram:
I – Aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor. (ex-Súmula nº 74 – RA 69/1978, DJ 26.09.1978) 
II – A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (arts. 442 e 443, do CPC de 2015 – art. 400, I, do CPC de 1973), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores. (ex-OJ nº 184 da SBDI-1 – inserida em 08.11.2000) 
III- A vedação à produção de prova posterior pela parte confessa somente a ela se aplica, não afetando o exercício, pelo magistrado, do poder/dever de conduzir o processo.

[6] Há poucas exceções a isso, como se percebe do teor da súmula 377 do TST: “Exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, ou contra micro ou pequeno empresário, o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado. Inteligência do art. 843, § 1º, da CLT e do art. 54 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. “

[7] Ao arrepio do art. 9º,§4º da lei 9.099/95.

[8] Afirma-se que há um caráter protetivo ao litigante mais fraco, assegurando-lhe certas prerrogativas, pela hipossuficiência econômica, dificuldade de prova etc. Por outro lado, o juiz do trabalho deve ser imparcial e dirigir o processo com equilíbrio, daí falar Schiavi, na obra referenciada ao fim do texto, em protecionismo temperado ao trabalhador.

[9] Aquele artigo: http://www.conpedi.org.br/publicacoes/c178h0tg/0j0ub037/6N3NEIBT5VxsI0fq.pdf


Informações Sobre o Autor

André Borges Coelho de Miranda Freire

Advogado. Graduado do Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB


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