Resumo: O presente artigo baseia-se nas recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal em especial a de 08 de fevereiro de 2018 quanto às fundadas razões para a busca e apreensão domiciliar em crimes permanentes posse de drogas baseada no odor de maconha sentido pelos agentes policiais no interior da residência
O presente texto baseia-se nas recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, em especial, a de 08 de fevereiro de 2018, quanto às fundadas razões para a busca e apreensão domiciliar em crimes permanentes (posse de drogas) baseada no “odor de maconha” sentido pelos agentes policiais no interior da residência.
Apesar de compreender a inviolabilidade do domicílio como um dos direitos basilares, que protegem a base do Estado, a família, de modo que em determinadas sociedades, existiam inclusive os “deuses domésticos” também chamados de “lares”, através dos quais as buscavam proteção. Os espíritos domésticos, também chamados de “lares” representavam os espíritos dos antepassados.
O mandamento Constitucional, que tutela tão direito, em conformidade com o Pacto de São José da Costa Rica, é o artigo 5°, inciso XI da CF/88: nos “direitos e as garantias fundamentais”, dispondo que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Inicialmente, importante lembrar que quanto ao momento do crime, este se dá pela teoria da atividade (considerando-se praticado no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado), é nesse contexto que os crimes permanentes ou de flagrante constante, tem sua consumação prolongada ao longo do tempo (enquanto o verbo do tipo é praticado). Exemplificativamente: enquanto o sequestrador estiver privando a liberdade da vítima, mantendo-a em cárcere, o crime está sendo praticado ou enquanto o possuidor de arma com a numeração raspada a detiver em sua posse. Analogicamente, nos crimes habituais temos situação semelhante, na qual a prática reiterada, contínua, posterga o fim da ação consumativa diariamente.
Infere-se, portanto que ressalvados os casos de consentimento do proprietário ou possuidor do imóvel, desastre e para prestar socorro, restam apenas duas possibilidades, que são alvo do presente estudo: a configuração do flagrante delito nos crimes permanentes e a (des)necessidade da autorização judicial.
Do Código de Processo Penal:
“Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.
§ 1º – Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.”
Então, a busca domiciliar tem como requisito as “fundadas razões”, cumuladas a um dos motivos supracitados do artigo nº 240 do Código de Processo Penal. Por tanto, a pergunta que deve ser feita é: quais seriam essas razões?
Entendemos que bastam indícios concretos que conectem-se ao possível crime no interior do local. Esses indícios, seriam concretizados, por exemplo através do odor de um “cadáver”, ou o “grito de socorro” de uma vítima de sequestro vindo do interior de um domicílio. Sob pena de tornar os agentes de segurança pública meros espectadores da prática delituosa em razão de um garantismo desarrazoado.
Tem prevalecido (STF/Inf. 806/2015) o entendimento de que a entrada do agente no interior da residência do suspeito, sem ordem judicial e sem o seu consentimento, só é lícita quando presentes fundadas razões, demonstradas através de uma reserva de jurisdição relativa (a posteriori), praticada após a prática do ato:
“A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral) (Info 806).”
Suponha a seguinte situação: o indivíduo de nome Ipsolon, seja abordado (abordagem pessoal) por considerá-lo em atitude de suspeita de tráfico ilícito de entorpecentes. Após a revista, verificada a ausência de documento de identificação que ele alega não trazer consigo diz: “os documentos estão na minha residência, os senhores poderiam me acompanhar até lá? Assim eu me identifico”. Os agentes de segurança acataram a opção e deslocaram com ele até o local, chegando lá, adentraram através de seu consentimento no interior, momento em que sentiram o odor de “maconha”. Diante da situação e o visível nervosismo do indivíduo realizaram busca domiciliar no local vindo a apreender 28 quilos de substância análoga a maconha.
Do caso concreto inovador:
“[…] E, no caso, nos limites em que podem ser analisadas as provas até então colhidas, não se vislumbra ilegalidade na atuação dos policiais, visto queles foram unânimes ao afirmar que abordaram o paciente na rua e, como ele estava sem documentos, dirigiram-se à sua residência, localizada nas proximidades, tendo um deles declarado que tiveram a entrada franqueada. Foram unânimes em afirmar, também, que, ao adentrarem na residência, sentiram forte odor de maconha, e tal circunstância, somada ao nervosismo apresentado pelo paciente, foi a razão pela qual realizaram busca no imóvel, onde aprenderam grande quantidade de substâncias entorpecentes. Logo, existiram fundadas razões a justificar as atitudes dos policiais.[…]STJ – AgR no HABEAS CORPUS Nº423.8 -SP (2017/028916-).”
A decisão em comento quebra o paradigma das fundadas razões até então consideradas, elucidando uma evolução de entendimento para abarcar o uso dos sentidos (audição, olfato, tato, visão) como suficiente a preencher de branco da justa causa até então escura pela falta de razões suficientes, tornando-a uma justa causa “visível”, ou “olfativa”.
Nesse mesmo caminho, já era considerada a validade da prova olfatória, em outras decisões.
1) NA CONSTATAÇÃO DA EMBRIAGUES AO VOLANTE:
É possível verificar a validade da prova olfativa, não só como justa causa a embranquear as fundadas razões para a entrada policial em uma residência independentemente de autorização judicial e a consequente relativização do direito fundamental à inviolabilidade domiciliar, mas também como prova, que como circunstância é relevante para a lavratura do auto de constatação de embriaguez ao volante:
"APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. ART. 165 DO CTB. RECUSA DE SUBMISSÃO AO TESTE DE ETILÔMETRO. RESO LUÇÃO N° 206/2006 DO CONTRAN. AUTO DE CONSTATAÇÃO DE SI NAIS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA. § 2o DO ART. 277 DO CTB. ADMISSÃO DE INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA. ODOR ETÍLICO. OLHOS VERMELHOS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DAS IN FORMAÇÕES LANÇADAS PELO AGENTE DE TRÂNSITO. VALIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. I – Recurso próprio, tempestivo e prescindível de preparo (art. 4°, inciso I, da Lei n° 9.289/96 c/c art. 36, inciso III, da Lei Estadual n° 14.376/2002), motivos pelos quais dele conheço. II – Na espécie, o autuado, ora recorrido, recusou-se a realizar o teste de alcoolemia com o uso do etilômetro e, após a lavratura de auto de constatação de sinais de alteração da capacidade psicomotora do condutor, nos termos do § 2° do art. 277 do CTB, foi autuado pela infração de trânsito prevista no art. 165 do CTB. III – O condutor admitiu a ingestão de bebida alcoólica, além de apresentar sinais relevadores de embriaguez, quais sejam, odor etílico e olhos vermelhos (evento 1, arquivo 5).(…) Brasília, 28 de abril de 2016. Ministro MARCO AURÉLIO Relator (ARE 960905, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 28/04/2016, publicado em DJe-094 DIVULG 10/05/2016 PUBLIC 11/05/2016)
Como exposto, a constatação de sinais de alteração da capacidade psicomotora do condutor, que se recusa a realizar o teste do “bafômetro”, ou ainda o hemograma, pode o policial, o médico, perito, realizar o auto de constatação suficiente a provar a materialidade delitiva.
2) NA ABORDAGEM VEICULAR EM VIRTUDE DA FUMAÇA E ODOR VINDAS DO INTERIOR DO VEÍCULO: Como a já pacificada é lícita a abordagem veicular diante de situação de ter sido avistado veículo com fumaça no seu interior, de maneira que, ao aproximar-se ainda odor advindo típico da substância conhecida como “maconha”.
3) NO CASO DE DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA DE TRABALHADOR USANDO ENTORPECENTE EM HORÁRIO DE SERVIÇO:
“O Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) manteve decisão de primeiro grau que reconheceu a dispensa por justa causa de trabalhador que utilizava substância entorpecente no ambiente e no horário de trabalho. (…) Conforme depoimento de uma das testemunhas, o pedreiro foi visto no dia da dispensa com outros dois colegas em um canteiro da obra enrolando cigarros de maconha. Essa testemunha diz saber disso por conviver com pessoas usuárias e conhecer os gestos quando estão enrolando esse cigarro, além do cheiro. Outro depoente também afirmou que os trabalhadores estavam fazendo “o quilo do almoço”, quando o pedreiro se afastou do grupo com outros dois trabalhadores e foram para debaixo de uma árvore. Diz que sentiu o cheiro da maconha e que já tinha visto o obreiro fazendo uso de maconha em outras 4 ou 5 ocasiões. (…). Dessa forma, a Segunda Turma manteve a dispensa por justa causa, conforme havia decidido o juiz de primeiro grau, e o indeferimento das demais verbas rescisórias pleiteadas na inicial. (Processo: RO-0001237-91.2012.5.18.0141).
No caso, houve o relato de testemunhas afirmando ter avistado o indivíduo enrolando e fumando substância, que pelo cheiro sabiam ser maconha. Sendo tais testemunhos considerado prova suficiente à justa acusa para sua dispensa.
Assim, diante de todo o citado, temos que o ordenamento jurídico como um todo, leva em consideração a prova olfativa, como concreta, branca, lícita, “visível” e suficiente, inclusive como fundamento da quebra da inviolabilidade domiciliar, com reserva de jurisdição relativizada à garantia da ordem pública e da paz social.
Advogado. Professor. Especialista em direito penal e processual penal
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