Resumo: O presente artigo tem por desiderato realizar um estudo acerca do orçamento participativo, fazendo inicialmente uma breve abordagem histórica desde a Grécia Antiga até a concepção de participação na Constituição Federal de 1988. O Orçamento Participativo é expressão do exercício da democracia, que historicamente foi objeto de intensas lutas sociais até chegar à conotação de participação efetiva do cidadão no planejamento orçamentário estatal. A autonomia municipal, sendo um princípio constitucional relevante, se constitui em um dos princípios constitucionais sensíveis, sendo um espelho do modelo federativo dos municípios na Carta Magna de 1988. Contudo, essa autonomia somente será efetivada quando se acabar a dependência econômica dos Municípios perante a União e os Estados. O papel dos conselhos gestores municipais é fundamental para a facilitação do exercício da cidadania, contudo, deve haver modificações de ordem política para uma maior credibilidade perante os cidadãos.
Palavras-chave: Orçamento Participativo. Democracia. Autonomia municipal.
Abstract: This article is desideratum conduct a study of the participatory budget, making it initially a brief historical overview from ancient Greece to the conception of participation in the 1988 Federal Constitution. Participatory Budgeting is an expression of the exercise of democracy, which historically has been the subject of intense social struggles to reach the connotation of effective participation of citizens in the state budget planning. The municipal autonomy, being an important constitutional principle, constitutes a sensitive constitutional principles, which mirror the federal model cities in the 1988 Constitution. However, this autonomy will be effective only when it is over the economic dependence of municipalities before the Union and the Member. The role of municipal councils is key to facilitating the exercise of citizenship, however, there must be changes in the political order to a greater credibility with citizens.
Keywords: Participatory Budgeting. Democracy. Municipal autonomy.
Sumário: 1. Introdução. 2. Cidadania participativa. 2.1 Evolução histórica. 2.2 Princípios da Democracia Participativa: soberania popular, dignidade da pessoa humana e unidade da Constituição. 3. Orçamento público. 3.1 Orçamento Constitucional-Democrático. 3.2 O problema do custo dos direitos e a moralidade administrativa. 3.3 Legislação Orçamentária. 4. O orçamento no âmbito do poder público local. 4.1 O modelo federativo dos municípios na Constituição de 1988 e a questão da autonomia municipal como um princípio constitucional sensível. 4.2 A realidade social e econômica municipal e o papel dos conselhos gestores. 5. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Com o fulcro de melhor compreensão no que pertine à relação entre orçamento participativo e democracia na contemporaneidade, necessário que se faça um breve apanhado histórico acerca da contextualização da cidadania, cujo conceito se originou na Grécia, notadamente nas cidades de Esparta e Atenas.
O orçamento participativo é expressão do exercício da democracia, que historicamente foi objeto de intensas lutas sociais até chegar à conotação de participação efetiva do cidadão no planejamento orçamentário estatal, tendo o cidadão um papel ativo no planejamento orçamentário democrático.
Três princípios constitucionais podem ser elencados como os informadores da democracia participativa, quais sejam: soberania popular, que possui as concepções jurídica e política; dignidade da pessoa humana, como viga mestra de toda a Constituição; e unidade da Constituição, que se liga a ideia de ponderação.
Diferentemente da concepção de Orçamento no Estado Liberal, em que o único fator a ser considerado era o equilíbrio orçamentário, no neoconstitucionalismo a eficiência passou a ser um fator preponderante no que tange à concretização dos direitos fundamentais por parte do Estado através do Orçamento. O Orçamento leva em conta tanto fatores de ordem quantitativa quanto qualitativa.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Município passou a ser um ente autônomo tal qual a União, os Estados e o Distrito Federal e inclusive a autonomia municipal se constitui em um dos princípios constitucionais sensíveis arrolados no art. 34 da Constituição Federal de 1988, razão pelo qual é essencial a análise nesse âmbito. Entretanto, para ser considerado efetivamente autônomo, têm de se acabar com a dependência econômica dos Municípios perante a União e os Estados.
Os Conselhos Gestores possuem importante papel no tocante à efetivação da participação dos cidadãos no processo de formulação das políticas sociais. No entanto, a falta de credibilidade destes em muito representa um empecilho para esse fim.
2. Cidadania participativa
Existem diversos adjetivos no que tange a palavra cidadania, dentre os quais podem ser elencados: cidadania global, total, cosmopolita, ativa e passiva dentre diversas outros.
Com efeito, acerca do conceito de cidadão, até o denominado período liberal, a concepção aristotélica do essencialismo era a predominante. Contudo, o modelo do capitalismo preconizado pelo liberalismo começou a ser objeto de inconformação das massas, que se viram excluídas do processo político e cultural da sociedade. A denominada tecnocracia foi o instrumento utilizado pelo modelo liberal para manter essa política de exclusão social. [1]
Em outras palavras, para manter o status quo do modelo de dominação do capital pelo Liberalismo, a solução encontrada foi o estabelecimento de regras inacessíveis à cognição do cidadão comum.
No tocante a origem científica da palavra tecnocracia, esta remonta à década de 30 do século XX e não possuía, em suas origens uma concepção político-filosófica, mas o papel dos químico-físicos na sociedade de então. Posteriormente, é que tal conceito fora ampliado para outras categorias profissionais adquirindo, nesse diapasão a palavra tecnocracia uma concepção política. [2]
Nesse prisma, pode-se dizer que ser tecnocrata significa desprezar o homem como sendo o fim último do Estado, não abrindo espaço para uma reflexão filosófica e desprezando o direito e a sociologia.
Possui o tecnocrata uma natureza diametralmente autoritária, sendo presente sobremaneira nos regimes ditatoriais e em que o Estado apresenta um cunho totalitário, sendo um fim em si mesmo. [3]
Com o advento do denominado Estado de Direito, não há mais espaço para um ambiente de tecnocracia, que notadamente é avesso à democracia e à concretização dos direitos e garantias fundamentais preconizados pela Constituição Federal.
Nesse aspecto, o Estado deixou de ser o fundamento e fim em si mesmo, para ser o promovedor dos direitos e garantias constitucionais. E o orçamento é o instrumento para viabilizar tais direitos, tendo em vista que o cidadão é que passou a ser o fundamento e fim do Estado.
2.1 Evolução histórica
A doutrina leciona que houve um período que pode ser tido como pré-histórico, no que tange à cidadania, associando, dessa monta, os profetas sociais que formularam os fundamentos do monoteísmo judaico ético, servindo de base para o Cristianismo e Islamismo. [4]
Sem olvidar desses ensinamentos iniciais, é à civilização grega, notadamente na cidade de Atenas, que pode ser atribuída a origem da ideia de cidadania. Naquele contexto histórico, cidadão era apenas o titular dos direitos políticos, ou seja, os que participavam ativamente do funcionamento da Pólis. [5]
Importante frisar que no tocante aos que eram considerados cidadãos na Grécia Antiga se tratava de um rol extremamente restrito, tendo em vista que os escravos, as mulheres, os estrangeiros, os servos e os comerciantes não eram tidos como tais.
Em Roma, a cidadania esta era utilizada para demonstrar o enquadramento político de uma pessoa, sendo essencial para indicar os direitos que uma pessoa tinha ou podia exercer. Leciona DALLARI que “foi usada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer. A sociedade romana fazia discriminações e separava as pessoas em classes sociais”. [6]
Entretanto, no pertinente ao período republicano romano, houve diversas lutas pelos direitos civis entre plebeus e patrícios. Foi criado o concílio da plebe, a Lei das Doze Tábuas, entre outras medidas de composição do conflito. [7]
Já no período Medieval, houve grande influência do cristianismo no que pertine à formação dos direitos humanos. Nesse contexto, atribui-se a Santo Agostinho a formulação desses ideais cristãos. No pensamento agostiniano, o indivíduo para ser considerado cidadão pleno, deveria buscar a denominada cidadania divina, com o desiderato de sempre se submeter aos deveres impostos por Deus.
A concepção de cidadania moderna surgiu com a ruptura do sistema absolutista, que era o vigente no século XVIII, para o sistema liberal, ou seja, coincidiu com o período da Revolução Francesa e da independência norte-americana. [8]
São estes, pois, os pilares modernos da cidadania. Faz-se necessário nesse momento abordar os princípios da democracia participativa.
2.2 Princípios da Democracia Participativa: soberania popular, dignidade da pessoa humana e unidade da Constituição
Três princípios devem ser considerados ao se tratar da Democracia Participativa. São eles: dignidade da pessoa humana, soberania popular e o princípio da unidade da constituição.
O princípio da dignidade da pessoa é a viga mestra de todo o ordenamento constitucional brasileiro, tendo em vista que é a partir dele que se extrai a concepção de que a pessoa é o fundamento e fim da sociedade e do Estado e não o contrário. [9]
Já a soberania popular diz respeito às regras de governo (conceito político de soberania) e de organização do ordenamento jurídico de determinado país (conceito jurídico de soberania). MIGUEL REALE conceitua soberania da seguinte maneira: “soberania é o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”. [10]
Nesse comento, se pode afirmar que somente um país que seja detentor de soberania possui um ordenamento jurídico próprio e, portanto pode traçar as bases democráticas do Estado, notadamente no que pertine à participação efetiva do cidadão nas decisões fundamentais.
Outra observação que se mostra pertinente consiste em esclarecer que, no caso do Brasil, somente a República Federativa do Brasil é detentora de soberania. A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal possuem autonomia.
O princípio da unidade da Constituição é consistente na interpretação sistemática da norma, afim de que ela não seja interpretada isoladamente e sim em conjunto com as demais normas do ordenamento jurídico. Engloba tanto a chamada unidade lógica, que tem haver com a rigidez constitucional, como a unidade axiológica, que compreende a ponderação de valores, com o fulcro de concretizar os princípios constitucionais. [11]
E o papel do Orçamento é justamente de concretizar esses princípios. Sob esse prisma, se pode dizer que o Orçamento também é reflexo da soberania de um país, diante do fato de que é uma decisão que reflete no modo como são conduzidas as políticas públicas de um Estado soberano.
3. Orçamento público
O Orçamento Público consiste em uma autorização do Legislativo para a realização de despesas e receitas, estas para fazer face àquelas, durante um determinado lapso temporal, com o fulcro de evidenciar os gastos com o custo do aparato estatal com educação, saúde, moradia, recuperação de ruas etc.
A evolução do processo democrático orçamentário foi bastante lenta e demandou vários séculos de intensas lutas. O que se observa é que esse processo evolutivo hodiernamente se apresenta como instrumento de promoção de direitos fundamentais através da participação dos cidadãos. [12]
Nesse contexto, o Orçamento tem por principal objetivo o controle de recursos que são custeados por toda a sociedade para manutenção dos serviços públicos necessários aos fins econômicos e sociais do Estado. A função principal do Orçamento é o controle dos recursos com que a sociedade terá de contribuir para manter em funcionamento os serviços públicos necessários ao atendimento das necessidades econômicas e sociais da população, bem como da aplicação desses recursos por parte do Estado. [13]
O Orçamento abrange vários aspectos além da manutenção do custo das atividades do Estado, como, por exemplo, a maneira como se pretende ser executado tal Orçamento (planejamento), bem como a execução do orçamento propriamente dita.
No contexto do liberalismo, a única preocupação, ao se estabelecer o Orçamento era com a contenção dos gastos no intuito de manter o equilíbrio financeiro. Com a Constituição Federal de 1988, o orçamento ganhou uma “multiplicidade de aspectos: político, jurídico, econômico, financeiro, administrativo etc”. [14]Isso ocasionou diversas mudanças no que tange ao conceito de Orçamento.
Importante salientar que o Orçamento não se resume a uma mera previsão de receita ou estimativa de despesa. É um documento que demonstra a real situação do tesouro público que envolve toda a sociedade sem exceção. [15]
O orçamento representa uma importante ferramenta para a concretização da democracia, principalmente quando aos cidadãos é dada a prerrogativa de participar de maneira efetiva das destinações orçamentárias.
3.1 Orçamento Constitucional-Democrático
No tocante à normatividade do Orçamento, esta tem a ver com a força normativa, com o fulcro de que ele mesmo seja concebido como uma “decisão política fundamental” consoante entendimento de LOEWENSTEIN. [16]
Essa força normativa relaciona-se com o princípio da segurança jurídica diante do fato de que constantemente a Constituição necessita de ser atualizada; contudo, os fatos históricos que desencadeiam essa atualização se modificam. Portanto, “na sua interpretação deve ser dada preferência às soluções que densificando suas normas tornem-nas mais eficazes e permanentes, proporcionando-lhes uma força otimizadora”. [17]
Essa perspectiva representa uma concepção de Orçamento voltado aos princípios que decorrem do constitucionalismo moderno, ou seja, o neoconstitucionalismo. Em suma, representa a adequação do Orçamento Público com a Constituição Federal.
Os valores da justiça e a promoção dos direitos fundamentais devem servir de paradigma para o estabelecimento das bases orçamentárias de um país tido como democrático de direito. O neoconstitucionalismo não almeja apenas a garantia do equilíbrio financeiro, mas sim que o mesmo seja pautado na defesa dos direitos humanos e na busca da justiça material. [18]
Nesse momento, se observa que o Orçamento Público de um país não é uma simples previsão de receitas e despesas, mais um poderoso instrumento para garantir que o Estado adote uma postura ativa no que tange à concretização dos direitos e garantias fundamentais.
Para se atingir o equilíbrio orçamentário deve ser levado em consideração aspectos quantitativos e qualitativos. E para isso, devem ser analisados tanto os recursos disponibilizados no Tesouro Público, como a promoção da qualidade do gasto público, dando maior importância à concretização dos direitos fundamentais. [19]
Portanto, diferentemente da concepção de Orçamento no Estado Liberal, em que o único fator a ser considerado era o equilíbrio orçamentário, no neoconstitucionalismo a eficiência passou a ser um fator preponderante no que pertine a concretização dos direitos fundamentais por parte do Estado através do Orçamento.
Essa fórmula visa a garantir o mínimo de recursos para o custeio de toda a sociedade no que se relaciona com a promoção do bem estar social através de uma postura ativa do Estado, mas que na prática é extremamente complexa de ser realizada.
A participação popular, portanto é essencial, pois permite que os cidadãos exerçam controle direto, no que toca ao estabelecimento de metas orçamentárias. Nesse diapasão, o Orçamento Participativo possui o importante caráter de ser promovedor de direitos fundamentais.
3.2 O problema do custo dos direitos e a moralidade administrativa
Parte da doutrina forte em MARTÍNEZ[20] defende o chamado critério da desigualdade entre os beneficiários dos direitos prestacionais. Nesse comento, somente fariam jus a tais direitos os indivíduos que realmente necessitassem, ficando excluídas as pessoas que puderem suprir autonomamente as necessidades básicas.
Com a devida vênia, tal tese, ao que nos parece, não merece prosperar. Isto porque é extremamente falaciosa e reducionista a ideia de que a crise do Estado Social se deve somente aos aspectos econômicos, pois o problema não passa somente por uma mera fórmula matemática entre demanda e oferta, mas também perpassa pelo campo da moralidade. [21]
Portanto, nos parece temerária a ideia de que a crise orçamentária se deve exclusivamente em função dos custos sociais. A corrupção também é um importante fator de contributo para esse fato. Importante deixar claro que a corrupção aqui compreendida não é apenas aquelas existentes nos três Poderes, mas da sociedade como um todo.
À guiza de exemplo, a grande sonegação de impostos que assola o país faz com que este deixe de arrecadar bilhões de reais por ano e isso reflete no planejamento orçamentário e na destinação de recursos públicos destinados à promoção dos direitos fundamentais. Decerto que não se pode olvidar que a galopante carga tributária do país certamente contribui em parte para essa prática tão comum da sonegação fiscal. Por outro lado, essa cultura da corrupção arraigada na sociedade como um todo representa um grande óbice para a construção de uma sociedade em que se pretende que haja mais justiça fiscal.
Nesse ponto, novamente o Orçamento Participativo é um instrumento de suma importância no tocante à moralidade administrativa. Isto porque, a sociedade necessita ter conhecimento acerca das contas públicas e de que maneira o dinheiro público está sendo gasto efetivamente.
3.3 Legislação Orçamentária
Diversas normas contêm dispositivos que regulamentam o Orçamento Público no Brasil, entre os quais a própria CRFB/88. Vejamos cada uma deles:
a) Constituição Federal de 1988 os arts. 165 a 169 da CRFB/88 dispõe expressamente sobre a política orçamentária do país. Uma novidade que inclusive é tida como restabelecedora do equilíbrio entre os poderes diz respeito à inclusão da participação do Poder Legislativo no processo financeiro público. [22]
Isto fortalece sobremaneira a democracia. Isto porque, o Poder Executivo não poderia ficar com o monopólio do planejamento orçamentário do país.
A Constituição também estabeleceu a previsão dos Planos Plurianuais (PPA). “O plano plurianual (PPA) estabelece os projetos e os programas de longa duração do governo, definindo objetivos e metas da ação pública para um período de quatro anos”. [23]
b) Lei 4.320/64 foi recepcionada pela CRFB/88, estabelecendo um padrão orçamentário entre União, Estado, Distrito Federal e Municípios. Inclusive é indicadora das ações de Governo até hoje. Entretanto, naquilo em que essa for divergente com a Lei de Responsabilidade Fiscal, não prevalece. Isto se deve ao fato de que a Constituição, no art. 163, estabelece a obrigatoriedade de Lei Complementar para dispor sobre finanças públicas.
Importante esclarecer dois conceitos trazidos de forma expressa por esse dispositivo legal. Trata-se dos conceitos de receita corrente que é composta pelas receitas tributária, e originária e de transferências correntes as originadas de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado para atender despesas classificáveis em despesas correntes) e o de receita corrente líquida que significa a receita efetivamente disponível. [24]
c) Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)-Lei Complementar n. 101 de 4 de maio de 2000 é a lei que estabelece normas públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Reputamos que tal norma, se bem aplicada, contribuirá para a efetivação da implementação dos planos de governo e consequentemente será um importante instrumento para o exercício da cidadania. [25]
Existem dois dispositivos dessa mencionada lei cuja constitucionalidade é bastante questionada. Trata-se dos arts 19, que fixa os limites de despesas com pessoal por entidades políticas e o art. 20, que fixa os limites por Poder e para o órgão ministerial.
Com relação ao art. 19, a suposta inconstitucionalidade reside no fato de que esta lei fixa limites aos Estados e Municípios, o que em tese não seria permitido, tendo em vista que o § 1º do art. 24 da CRFB/88 limita à edição de normas gerais por parte da União, no exercício de competência legislativa concorrente. [26]
Em que pesem entendimentos em sentido contrário, reputamos que não merece prosperar a tese da inconstitucionalidade. Isto porque a própria CRFB/88 no art. 169 autoriza a essa limitação por meio de lei complementar, embora não mencione os Estados e Municípios. Como se trata de uma lei nacional e não simplesmente Federal, em nome do princípio da simetria das formas, julgamos que a melhor interpretação é a que alberga Estados e Municípios. Portanto, representa uma exceção ao § 1º do art. 24 da CRFB/88.
Já o art. 20 da LC n. 101, que fixa os limites por Poder e para o órgão ministerial, é extremamente polêmico, diante do fato de que representaria uma afronta ao princípio da não vinculação das receitas tributárias e também ao princípio da separação de poderes. [27]
Em relação à tese que defende que ocorre uma afronta ao princípio da vinculação das receitas tributárias, não merece guarida, consoante o fato de que a norma em questão apenas fixa limites de despesas.
No que tange à segunda objeção, a mesma se mostra pertinente, posto que conflita diametralmente com o princípio federativo insculpido expressamente no art. 2º da Carta Magna. Isto porque não é estabelecido, os percentuais para cada poder em relação aos gastos com ativos e inativos. No entendimento aqui compartilhado, deveria haver uma repartição proporcional para cada Poder.
A Lei de responsabilidade fiscal é o principal dispositivo que trata das contas públicas no país, pois é ela que estabelece, dentre outras coisas, os limites de gastos com pessoal no âmbito do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário. Também é através da LRF que o princípio da transparência. [28]
Em última análise, essa lei também visa a que sempre seja respeitada o princípio constitucional da moralidade administrativa.
Fatores como o crescimento econômico, o índice geral de preços, as alterações na Legislação dentre outros efeitos, são considerados no que pertine a previsão de receitas orçamentárias. O art. 12. “caput” da LRF dispõe que:
“As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.” [29]
Portanto, o dispositivo supramencionado é de suma importância, pois é ele quem define os paradigmas que estabelecem as previsões de receitas orçamentárias.
Mas o grande desafio está em se auferir como poderá ser concretizada a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sob esse contexto é que a participação política de todos os setores da sociedade civil se faz de suma importância, no sentido de que o Orçamento do país implica na busca pelo bem estar de todos.
Ainda no que toca à LC n. 101, foi apresentado um projeto de Lei de iniciativa do Senado, de número 225/2011, que alterou o art. 19 da mencionada lei. Tal projeto teve por fulcro a compatibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal com o reconhecimento da autonomia da Defensoria Pública. [30]
Acerca desse ponto, cabe um esclarecimento. Até há pouco tempo, a Defensoria Pública não era detentora de autonomia. Contudo, hodiernamente, foi reconhecida a autonomia financeira e administrativa desse órgão, que possui a função primordial de viabilizar o acesso à justiça para as pessoas tidas por hipossuficientes.
A alteração consistiu em igualar o percentual destinado as despesas com pessoal com o Ministério Público, que é de dois por cento. Tal tratamento isonômico visa a reconhecer a autonomia orçamentária da Defensoria Pública.
d) Lei de Responsabilização-Lei 10.028 de 19 de outubro de 2000 é a lei que dispõe sobre sanções em caso de descumprimento de regras dispostas na lei orçamentária, disciplinando os casos de crimes de responsabilidade. Alterou diversos dispositivos da Lei nº 2.848, de 1940, ou seja, do Código Penal.
4. O orçamento no âmbito do poder público local
Em que pese às Constituições anteriores à de 1988 já disporem expressamente sobre a autonomia municipal, somente na atual Constituição é que os Municípios foram erigidos à categoria de entes federativos.
Parte minoritária da doutrina defende que o Município não pode ser considerado parte integrante da federação brasileira. Nesse sentido afirma SILVA: “o simples fato de ter autonomia político-constitucional não faz com que uma entidade territorial necessariamente integre o conceito de entidade federativa”. [31]
Não olvidando a relevância do Autor supracitado, com o devido respeito, é desprovida de respaldo, diante do fato de que os Municípios possuem âmbitos exclusivos de competências quer sejam de ordem legislativas quer administrativas.
O que se pode questionar é se realmente os Municípios podem ser considerados efetivamente autônomos conforme preconizado pelo art. 18, caput da CRFB/88. Essa pergunta será respondida nos próximos tópicos.
4.1 O modelo federativo dos municípios na Constituição de 1988 e a questão da autonomia municipal como um princípio constitucional sensível
O modelo de federação outrora criado pelo constituinte originário aperfeiçoou em relação às Constituições anteriores a autonomia municipal, com a distribuição de competências entre União, Estados, Distrito Federal e municípios. Também dispôs expressamente sobre a autonomia municipal como um princípio constitucional sensível, conforme art. 34, VII, “c” da CRFB/88.
De fato, a Constituição Federal de 1988 buscou, através da distribuição de competências, concretizar um modelo de autonomia, afim de que os Estados, a União, o Distrito Federal e os Municípios possam realizar um planejamento político e orçamentário. [32]
Contudo, é uma árdua missão a concretização do federalismo brasileiro, tendo em vista questões de cunho político e orçamentário. Todavia, esse federalismo deve ser constantemente buscado, no sentido que representa uma ferramenta importantíssima, notadamente no que concerne à redução das desigualdades sociais e regionais.
Importante destacar o avanço de conquistas no cerne municipal, tendo em vista o modelo de federalismo preconizado na Constituição de 1988, principalmente no que pertine à atribuição de competências e poderes. [33]
Contudo, quando se trata do desenvolvimento econômico do Brasil nesse sistema de Federação albergado pela Constituição Federal de 1988, isto está longe de acontecer, diante da falta de autonomia financeira entre Estados, Municípios e a União, tendo em vista que ainda há uma grande dependência econômica daqueles para com esta. [34]
Ao que nos parece, foi extremamente feliz o entendimento supra. Isto porque não se pode falar em autonomia plena, tal qual preconizado pela Constituição, sem que haja também uma autonomia financeira.
Sob esse prisma, concluímos que para que seja considerado efetivamente autônomo, o município deverá ter uma dúplice autonomia, consistente na autonomia política e financeira, pois somente quando for concretizado esse binômio, a autonomia municipal prevista no art. 34, VII, “c” da CRFB/88 será plena.
E não poderia ser diferente, pois como o Município poderá elaborar suas próprias metas orçamentárias se não possui previsão de recursos para tanto? Isso representa no mínimo um paradoxo que deve ser enfrentado.
Passemos agora a analisar a realidade socioeconômica dos Municípios em consonância com o papel dos Conselhos Gestores.
4.2 A realidade social e econômica municipal e o papel dos conselhos gestores
Os Conselhos Gestores representam importantes instrumentos de transformações sob vários aspectos: social, político e econômico. Nesse diapasão, é um instrumento fundamental para a concretização da participação dos diversos segmentos sociais de maneira democrática. [35]
De fato, os Conselhos Gestores são órgãos vinculados ao Executivo responsáveis pela maximização das políticas públicas, para que a participação cidadã seja feita de forma efetiva. Todavia PONTE NETO elenca os principais entraves no que atine ao reconhecimento dos conselhos pela sociedade, quais sejam: “a) falta de tradição participativa da sociedade civil e das esferas públicas; b) descrédito da própria sociedade civil como veículo de participação; c) forma de composição dos conselheiros;”. [36]
Dessas citadas, indubitavelmente a que representa o grande óbice para o reconhecimento dos Conselhos Gestores é a falta de tradição participativa da sociedade civil e das esferas públicas. Isto porque isso claramente reflete o descrédito da sociedade em relação ao exercício das políticas públicas formuladas com os Conselhos. “Os conselhos só se tornarão acreditados se a visão setorizada de seus integrantes estiver em sintonia com os problemas gerais da sociedade”. [37]
Para que o papel dos Conselhos Gestores seja corretamente desempenhado, é essencial que as decisões tomadas sejam feitas de forma descentralizada, com o objetivo de uma melhor garantia dos direitos básicos do cidadão, pois a centralização de decisões é avessa ao processo democrático.
Também é necessária uma maior divulgação acerca do papel essencial dos Conselhos Gestores. Muitas vezes, deixamos de participar de forma ativa de determinadas decisões por puro desconhecimento.
5. Considerações finais
Em conclusão, se pôde observar que Orçamento Participativo constitui-se em expressão do exercício da democracia, que historicamente foi objeto de inúmeras lutas sociais até chegar à concepção de participação efetiva do cidadão no planejamento orçamentário estatal, abandonando-se a velha concepção liberal de orçamento.
No que concerne à Lei Complementar n 101 de 2000 é objeto de calorosa discussão acerca de sua constitucionalidade. Todavia, o único questionamento doutrinário relacionado à esse diploma normativo no que toca à sua constitucionalidade que, a nosso ver, merece respaldo, é a que argui o ferimento ao princípio da separação de poderes. Isto se deve ao fato de que a repartição das receitas deveria ser feita de maneira proporcional entre os Poderes.
Em relação à posição dos Municípios na forma federativa brasileira, concluímos que ele faz parte da Federação, em que pesem os entendimentos em sentido contrário. Isto porque a Constituição outorgou ao Município a prerrogativa de uma Administração própria, de leis próprias e várias outras prerrogativas presentes na União e nos Estados.
A autonomia municipal é um princípio constitucional sensível previsto de forma expressa na Carta Magna de 1988. Entretanto, a autonomia que se observa atualmente é somente a autonomia política. A autonomia financeira não existe. Sendo assim, conclui-se que para que seja realmente efetivada a autonomia municipal como preconizado pela Constituição Federal, deve estar presente o binômio autonomia política e autonomia financeira de maneira conjunta, pois somente assim os Municípios poderão efetivamente fazer o planejamento das políticas sociais.
Por fim, os Conselhos Gestores possuem um importante papel para a concretização da participação dos diversos segmentos da sociedade no que pertine a formulação das políticas sociais. Todavia, a falta de tradição participativa da sociedade civil e das esferas públicas constitui um grave entrave para o reconhecimento do papel dos Conselhos Gestores, sendo inclusive reflexo da desconfiança social. Também a centralização das decisões é algo que enfraquece diametralmente o grande papel dos Conselhos Gestores qual seja, o de ser instrumento de democracia dos cidadãos.
Informações Sobre os Autores
João Felipe Bezerra Bastos
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Processual Civil pela Unisul (2008). Graduado em Direito pela Faculdade Christus (2007). Bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento científico – FUNCAP.
Felipe Bruno Santabaya de Carvalho
Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Fortaleza. Pós-graduando em Direito e Processo Eleitoral pela Universidade de Fortaleza. Advogado