1.INTRODUÇÃO
O presente artigo veio a lume, quando em caso concreto, contestamos Ação Civil Pública movida perante a VARA FEDERAL DE MARABÁ – SECÇÃO JUDICIÁRIA FEDERAL DO PARA, no PROC. N.º 2003.39.01.000992-1, contra o ESTADO DO PARÁ, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS, sendo pleiteada liminar, foi a mesma negada pelo Juiz de 1ª Instância, e confirmada pela Juiza Relatora do E. TRF 1ª Região em Agravo de Instrumento.(2003.01.00.031776-0)
Numa apertada síntese, pretendia o parquet federal e o IBAMA ver declarado pelo juízo que o Estado do Pará estaria procedendo de forma incorreta no licenciamento ambiental de obras de infra-estrutura da orla fluvial de Marabá, desobedecendo ao procedimento legal, especialmente por não exigir a apresentação pela Prefeitura de Marabá de EIA/RIMA, e, ainda, ao fundamento de que atuaria o Estado em licenciamento que seria de competência do IBAMA e não da Secretaria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente -SECTAM.
Pede-se desculpa pela eventual parcialidade no escrito, mas na verdade, pretende, além de relatar os termos da defesa, que foram acatadas tanto pelo juízo de 1º grau quanto pelo TRF 1ª, tornar uma despretensiosa peça de defesa num ato doutrina, ou algo que o valha, sem que com isto seja uma desculpa para eventual falta de rigor científico, pois pensamos que não existe ciência imparcial, especialmente o direito.
2. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE LICENCIAMENTO – REGULARIDADE
No caso em concreto, o Estado do Pará vinha atuando no licenciamento de obra da Prefeitura de Marabá, exigindo, inclusive com conhecimento do Ministério Público, de estudo ambiental compatível com o empreendimento, a saber, PLANO DE CONTROLE AMBIENTAL, atuando no campo de sua competência administrativa.
Assim, no momento do ajuizamento da demanda, já existia Licença Prévia, que como é próprio da natureza do referido ato administrativo, em nenhum momento autoriza o início de execução da Obra, mas ao contrário afirmou o parquet, alegando inclusive conluio do órgão licenciador e a prefeitura requerente, em desobediência à legislação ambiental.
Inclusive, o Estado ao tomar conhecimento de atos ilegais da Prefeitura de Marabá, imediatamente tomou medidas administrativas competentes de Lavratura de Auto de Infração e determinando a suspensão das obras, sem necessidade de ser compelido judicialmente a tanto, pois não autorizou atos incompatíveis com a licença concedida, posto que a LICENÇA PRÉVIA não o permitiria. Assim, foi expedida a Notificação no. 384/2003-COFIS/SECTAM, e Auto de Infração 265/2003-DIRAD, de 28 de agosto de 2003, sendo na forma da lei aberto o processo administrativo punitivo competente.
Como dito anteriormente, um dos pontos da demanda era ver declarado que o Estado do Pará estava procedendo de forma incorreta no licenciamento ambiental de obras de infra-estrutura da orla fluvial de Marabá, desobedecendo ao procedimento legal, especialmente por não exigir a apresentação pela Prefeitura de Marabá de EIA/RIMA, e, ainda, ao fundamento de que atuaria o Estado em licenciamento que seria de competência do IBAMA e não da SECTAM.
Teria o Estado, de forma ilegal, emitido Licença Prévia com a finalidade de que a Prefeitura de Marabá pudesse dar início às obras do empreendimento, portanto burlando princípios elementares do processo administrativo de licenciamento ambiental.
Como se demonstrou, na realidade o Estado do Pará, atuando no âmbito da legalidade, não autorizou qualquer ação ilegal da Prefeitura de Marabá, especialmente, que a obra seguiu na forma do licenciamento competente, sendo exigido e apresentado o estudo ambiental compatível com o empreendimento, a saber, PLANO DE CONTROLE AMBIENTAL.
Destarte, basta verificar a própria inicial do Ministério Público, onde às folhas 8 transcreve parte do ofício 263/2003- GAB/SECTAM, onde consta a informação expressa de que:
“este Órgão ambiental concedeu as Licenças Prévias que, não autoriza o início de atividades de instalação, dependendo estas de licenciamento específico, protocolado nesta Secretaria, todavia, ainda em fase de análise técnica na SECTAM”
Com efeito, o próprio órgão licenciador que desconhecia a atividade ilegal da Prefeitura, tomou as medidas administrativas cabíveis, ao tomar conhecimento, pois o poder público não é onisciente..
3. REGULARIDADE DAS LICENÇAS PRÉVIAS – INEXISTÊNCIA DE NULIDADE – DESNECESSIDADE DE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL – EXIGENCIA DE ESTUDO AMBIENTAL COMPATÍVEL COM O EMPREENDIMENTO – PROGRAMA DE CONTROLE AMBIENTAL
Como vimos demonstrando, o ESTADO DO PARÁ, via SECTAM, atuando no campo de sua competência administrativa, expediu Licença Prévia, que como é próprio da natureza do ato administrativo, em nenhum momento autorizou o início de execução da Obra, antes do momento adequado.
Os autores não consideraram que a obra executada, por ser um empreendimento realizado em área de antiga ocupação urbana, que inclusive sequer possui mais florestas ciliares, e visa, exatamente, evitar as ações danosas das enchentes do rio Tocantins, sobre as residências, que justamente são mais graves por não existir mais a referida vegetação, adentrando constantemente a cidade, dispensa o EIA/RIMA, pois a obra, não causa e nem é potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, como previsto no art. 225 inciso IV da Constituição Federal., sem dizer que é uma continuidade de uma intervenção já consolidada naquele espaço, pois visa o prolongamento da orla do Núcleo Pioneiro da cidade,
De fato, para SER SIGNIFICATIVA A DEGRADAÇÃO, por certo não deve ser qualquer intervenção no meio ambiente, mas deve ser uma intervenção fora da normalidade, que inclusive tome em conta não só os aspectos ambientais, mas também sócio-econômico, e, a obra no caso, vem justamente tentar frear o processo de degradação ambiental da área, que está sendo saqueada por atividades ilegais que vem assoreando o rio, e que há muito tempo já eliminaram a floresta ciliar, aliás, sendo uma área de consolidação urbana, a mesma é incompatível com o conceito de floresta, pois como cediço dizer, esta se caracteriza por ser uma formação arbórea com espécies de médio e grande porte, inclusive com presença de flora e fauna, e um simples passeio pela área, se pode vislumbrar que floresta ali não existe, conforme constatou a inspeção judicial.
No dicionário Aurélio encontramos, exemplificativamente, o seguinte conceito de floresta:
“Florestas:1-Formação arbórea densa, na qual as copas se tocam;2-Grande quantidade de coisas muito juntas; aglomerado; mata.”Novo Dicionário Aurélio, Rio de Janeiro, 1999, p. 637.
De fato, a construção irá fazer o papel que a natureza não pode mais fazer, justamente pela sua SIGNIFICATIVA DEGRADAÇÃO resultante da ação antrópica nos mais de 90 anos da formação do Núcleo da Marabá Pioneira, e veja só, em nenhum momento, o Estado deixou de EXIGIR ESTUDO AMBIENTAL, apenas dispensou a modalidade de Estudo Ambiental de EIA/RIMA, por ser desnecessário, uma vez que o impacto a ser produzido não é significativo, mas sim, exigiu PLANO DE CONTROLE AMBIENTAL, que não é o documento citado pelo Parquet, mas que foi devidamente analisado no pedido de Licenciamento, como se fez a juntada de cópia do Ofício 335/03 –SEMMA, da prefeitura de Marabá, em atendimento justamente de exigências do órgão licenciador estadual.
Ora, e nem se diga que a SECTAM deveria logo para a emissão da Licença Prévia exigir a apresentação do Estudo Ambiental mais complexo, pois com efeito, como esta não permite qualquer atividade, poderia com base na documentação apresentada pelo empreendedor, desde logo emitir tal licença, sendo que em nenhum momento a SECTAM, deixou de exigir que fosse apresentado, estudo ambiental compatível. Assim, quando do protocolo de pedido de Licença de Instalação, foi ainda requerido o Plano de Controle Ambiental, que foi analisado, e posteriormente emitida a competente LICENÇA DE INSTALAÇÃO, pelo órgão licenciador.
De fato, nem se pense que o Estado do Pará está inventando novas modalidades de Estudos Ambientais, inclusive, com se verifica na transcrição da informação, na própria inicial do Ministério Público, onde as folhas 8, parte do ofício 263/2003- GAB/SECTAM, onde consta a informação expressa de que:
“Cabe ressaltar que mesmo dispensando a elaboração de EIA-RIMA, em razão do exposto acima, esta Secretaria solicitou do empreendedor Estudos Ambientais”.
No presente caso, devemos considerar que, na realidade, a obra pretende concluir uma intervenção humana já realizada no passado, para tentar frear uma ação da natureza que ocorre justamente porque os homens do passado não souberam respeitar as florestas ciliares da área, além de incrementar uma possibilidade sócio-econômica de embarque de passageiros e fluxo de mercadorias, por navegação de pequeno e médio porte, que já vem sendo realizado na região, inclusive o turismo.
Não se pode evidentemente dizer, que estas atividades são de alto impacto para a natureza, inclusive, porque se vai evitar outros ataques ilegais a esta, como é o caso de extração ilegal de barro e outros minerais, se perpetue, portanto numa breve consideração, pode se verificar que não pode esta obra ser motivo e causa suficiente para a necessidade de EIA/RIMA.
Pretendiam os autores, de maneira injustificada convencer o juízo que somente o EIA/RIMA pode mitigar os efeitos ambientais da obra, e mais, que o Estado não pretende realizar e dispensou qualquer estudo ambiental, quando na realidade as medidas mitigadoras e correicionais de eventuais impactos ambientais, podem ser perfeitamente controladas por meio de PLANO DE CONTROLE AMBIENTAL –PCA.
Mas como demonstrado, os estudos utilizados são relevantes frente à situação já estabelecida e decorrente da intervenção humana na área ao longo de quase um século, e pela própria natureza da intervenção esta tem o escopo apenas e suficiente para diminuir os danos ambientais, até porque a sociedade decidiu a construção da orla e porto, e óbvio não se constrói uma tal obra sem qualquer impacto, mas ao contrário do que afirma, a lei não exige EIA/RIMA no caso, pois há outras possibilidades de controle ambiental.
Como sabemos, no caso especifico não há ausência de EIA-RIMA, mas sim foi elaborado Plano de Controle Ambiental –PCA, devidamente analisado no processo da Licença, sem que isto configure que houve irregularidade no procedimento de licenciamento ambiental da obra questionada, especialmente no que tange à inexistência de estudo ambiental.
A obra pelas suas características, que visa resgatar, entre outras coisas, uma função das matas ciliares, que inexistem mais, fruto de ocupação humana de mais de um século, e pela sua conformação não provoca significativa degradação do melo ambientei.
Destarte, a Resolução do CONAMA de N0 237/97, no parágrafo único, do artigo 3°, preceitua que:
“O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meto ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento“.
Portanto, é a própria Resolução do CONAMA nº 237/97, invocada pelo autor da ação, que confere competência ao órgão ambiental competente para definir quais os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento, de acordo com as características e peculiaridades de cada empreendimento.
Dispõe o inciso III, do art. 1°, da Resolução nº 237 CONAMA:
“Estudos ambientais são todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à (…) e ampliação de uma atividade ou empreendimento (…) tais como: relatório ambiental, PLANO E PROJETO DE CONTROLE AMBIENTAL (…) e análise preliminar de risco”
Assim, afere-se, facilmente, que não é condição inafastável e necessária de, em todo e qualquer empreendimento, ser elaborado, como estudo ambiental, o EIA-RIMA. A Resolução nº 237/CONAMA, permite, que o estudo ambiental, dependendo da menor complexidade do Projeto, seja menos complexo, como, no caso, um PCA – PLANO DE CONTROLE AMBIENTAL.
Desta forma, é preciso na questão do licenciamento, haver a compatibilidade entre a complexidade do Estudo Ambiental a ser exigido e a situação fática e o empreendimento a objeto de licenciamento, o que no geral é bem avaliado pelo quadro técnico competente dos órgãos licenciadores, pois se no campo privado se presume a boa-fé, muito mais dos atos de agentes públicos, acostumados e sensíveis para garantir a efetiva proteção ao meio ambiente.
4.COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO LICENCIADOR ESTADUAL
4.1. Competência do Órgão Estadual para licenciar empreendimento realizado no seu território e que não se caracteriza como de impacto regional ou nacional
E como dito no pórtico deste artigo um dos objetivos da demanda era contestar a competência da SECTAM para o licenciamento do empreendimento, reconhecendo a do IBAMA.
O Ministério Público, deixou de verificar que, há muito tempo, esta questão das competências administrativas de licenciamento já foi resolvida, pela RESOLUÇÃO Nº 237, DE 19 DE dezembro DE 1997, do CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE, que inclusive cita a mais de uma vez em sua peça exordial.
Com efeito, como próprio autor explana, em sua longa peça, somente tem competência o IBAMA para atuar em licenciamento de obras ou atividades, que tenham impacto ambiental regional, o que evidentemente não é o caso, pois, tal impacto é definido pelo Art. 1º. inciso III, da Resolução 237/1997, como:
Art. 1º. –omissis—-
I-Omissis—..
II- Omissis .
III – Impacto Ambiental Regional: é todo e qualquer impacto ambiental que afete diretamente (área de influência direta do projeto), no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados.
Ora, não precisa ser um grande especialista para verificar-se que a obra não afetará ambientalmente, nem sequer indiretamente, o território de outro Estado, afinal trata-se de uma simples orla, portanto, não se pode caracterizar como de âmbito regional o impacto a caso existente, a fim de legitimar a competência do IBAMA.
Destacamos, ainda, que o Art. 4º. , da Resolução 237/1997, apesar de não ser taxativa, deixa bem claro que somente os empreendimentos com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, é que competem ao IBAMA, in verbis:
Art. 4º – Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:
I – localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União.
II – localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;
III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados;
IV – destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN;
V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.
Devemos destacar, ainda, que em fortalecimento do pacto federativo, e ao contrário do que pretende fazer o IBAMA, em reduzir o âmbito de competência da SECTAM para o licenciamento, a RESOLUÇÃO CONAMA 237/1997, exige que mesmo nestes casos de competência da autarquia federal, por serem empreendimentos de significativo impacto ambiental nacional e regional, esta determina que o IBAMA deve considerar o exame dos órgãos ambientais estaduais e municipais, portanto, não corre solto, como se verifica do § 1º. do art. 4º. , in verbis:
Art. 4º. – Omissis……….
§ 1º – O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
Portanto, além de definir quando cabe a atuação do IBAMA, como visto, a Resolução 237/1997, define expressamente os casos onde a competência é do órgão ambiental do Estado, para realizar o procedimento, citamos:
Art. 5º – Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
I – localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de domínio estadual ou do Distrito Federal;
II – localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;
III – cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;
IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.
Com efeito, como fica claro, não é a natureza do domínio que tipifica a competência para atuação do órgão licenciador ambiental, mas sim, a natureza do impacto ambiental, que somente se for regional ou nacional que ensejará a competência do IBAMA. Destarte, o art. 5º., inciso II da Resolução 237/1997, mesmo no caso do empreendimento estar “localizado ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais,” define que a competência licenciadora é do órgão estadual.
Destarte, a única exceção onde se toma o domínio como fundamento legitimador da competência para o IBAMA é no caso das terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União (art. 4º, inciso I da Resolução 237/1997), temas que retomaremos mais à frente.
De fato, nem se pense que a regra do art. 5º, inciso II da Resolução 237/1997, que define a competência estadual para licenciar empreendimento que esteja “localizado ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais,”, colide com a regra do Art. 3º , § 1° , do Código Florestal, de que a supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.
Com efeito, tal regra, do parágrafo 1º. Do Art. 3º. Da Lei 4.771/65, se dirige ao estrito condicionamento da supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente, portanto, primeiro é necessário que existam florestas propriamente ditas, e que a atividade a ser licenciada necessite a supressão total ou parcial de tais florestas, o que evidentemente, poderá ser licenciado pelo órgão ambiental estadual, mas que embora licenciada a atividade, a supressão de espécies da floresta permanente só poderá ser realizada com base em prévia autorização do IBAMA.
Portanto, somente se uma perícia detectar e identificar, na forma do Art. 1º, § 2o , inciso II c/c art. 2º. e 3º da Lei 4.771/65, na área vegetação que o legislador qualifica como floresta de preservação permanente, e que têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, é que se poderia dizer que o corte das espécies de tal floresta estaria condicionada a autorização prévia do IBAMA, mas isto não implica dizer que este é que deveria realizar o processo de licenciamento, pois o próprio órgão ambiental poderia licenciar, mas no instrumento já especificaria que se a caso houvesse tal floresta, e necessária a sua supressão parcial ou total, tais atos específicos deveriam ser previamente autorizados pelo IBAMA.[1]
Destarte, embora interditadas ao uso econômico que implique o corte da vegetação de florestas, posto que a lei expressamente determina que a supressão total ou parcial de florestas permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, através do IBAMA, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, ou seja, somente aquelas hipóteses destinadas a atender a situações de interesse público, assim declaradas pelo poder público (Art. 2º. §1º. da Lei 4.771/65), isto não implica dizer que quem deve licenciar é o IBAMA, como demonstramos.
Portanto, não é a simples existência de beira de rio, com influência de maré, que caracteriza a existência de FLORESTAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, embora a influência da maré defina o domínio como da União como é o caso. Ora é notório que tal floresta não existe mais na área do licenciamento, infelizmente, pois foi destruída pelo processo de expansão urbana e, assim como uma andorinha só não faz verão, não é a presença de eventual de uma ou outra árvore, ou mesmo alguns remanescentes da flora da região, que irá configurar que ali existe uma Floresta de Preservação permanente. È fato notório que não existe na área do empreendimento licenciando uma floresta, e mesmo que esta existisse, a competência ainda seria da SECTAM para licenciar, embora esta devesse no licenciamento condicionar a supressão da floresta, total ou parcialmente, à prévia autorização do IBAMA.
4.2. Inexistência de Unidade de Conservação de Domínio da União – Área de Preservação Permanente não é unidade de conservação.
Um outro ponto que consideramos relevante é que os autores realizaram certa confusão entre o conceito de Floresta de Preservação Permanente com o conceito de Unidade de Conservação, como se aquela fosse uma espécie desta.
De fato, as florestas de preservação permanente, apesar de serem espaços especialmente protegidos, não se confundem com as Unidades de Conservação, e que se fossem tais, cairiam na única exceção, onde se toma o domínio como fundamento legitimador da competência para o licenciamento diretamente pelo IBAMA, pois no caso das terras indígenas ou unidades de conservação do domínio da União, é expressa a competência definida pelo legislador (art. 4º, inciso I da Resolução 237/1997).
Ora, o tema das Unidades de Conservação (UC), e suas modalidades, está prevista na Lei Nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de conservação da Natureza –SNUC, regulamentando o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da CF.
Assim, no trato do tema não se pode esquecer de considerar esta especial legislação, na verdade, data máxima vênia, a atitude do Ministério Público e do IBAMA, no caso, somente fazem reforçar o velho paradigma com relação à Amazônia, região onde vivemos, onde nós, os amazônidas, somos considerados incapazes de gerir o nosso território, precisando estar vigiados pelo poder central e pelos novos colonizadores, nacionais e estrangeiros, e que pretendem justificar com o belo discurso universal e outros tra-la-lás, mas que na verdade, o universalismo ético está na dignidade de qualquer ser humano, que ama o espaço onde vive, que é a grande característica do povo paraense e amazônida.
De fato, o mesmo poder federal, cuja ausência é marcante no atendimento de nossas demandas sociais e que é diluída dada a exuberância da floresta e das relações que o nosso homem mantêm com o ambiente, mantém com discursos bonitos a velha concepção que a nossa presença é um simples detalhe aos olhos dos novos “colonizadores”.
É muito difundida a noção da Amazônia como um vazio demográfico, como uma terra sem ninguém a ser integrada ao desenvolvimento nacional[2], que somente o Poder Federal tem a competência de bem gerir, para que haja o respeito ao meio ambiente, das presentes e futuras gerações. concepção da qual nem mesmo o Poder Público local está fora de ser enquadrado, como claramente é o caso, tomados como diabólicos senhores em conluio contra o interesse coletivo.
Destarte, procurando compatibilizar as necessidades de proteção do meio ambiente global e os interesses de cidadania e defesa dos interesses básicos da dignidade humana, vêm sendo gestado, no Direito Ambiental, os chamados instrumentos de tutela ambiental cooperativa, que se caracterizam pela captação de recursos externos dos países industrializados para o investimento em áreas de proteção ambiental do terceiro mundo, permitindo pari passu uma ressalva das demandas sociais das populações locais, e por outro lado, amadurecem diversos instrumentos legais de sua tutela coletiva. Assim, a finalidade da intervenção do Direito Ambiental é assegurar a prevalência dos princípios de preservação da vida, a diversificação das espécies, a higidez ambiental, o equilíbrio ecológico e a dignidade humana.
O Direito Ambiental moderno não mais se contenta com fórmulas genéricas, do tipo que deve o Poder Público preservar o meio ambiente. Ao revés, vem ampliando, sucessivamente, os comportamentos específicos suscetíveis de realizar no caso concreto a finalidade abstratamente proposta pela lei.
Procura o sistema não apenas privilegiar os instrumentos que atuam post factum, como, por exemplo, a ação civil pública, aqui desnecessariamente mobilizada, mas procura, sobretudo, privilegiar certos recursos de tutela ambiental que se caracterizam pela qualidade de prevenção ao dano ecológico, dentre estes se destacam o “planejamento ambiental”, o Plano de Controle Ambiental e etc., e no caso brasileiro, apresenta-se a criação das Áreas ou Unidades de Conservação, instituídas pela Lei Nº 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de conservação da Natureza –SNUC, e que podem ser divididas em: 1- Unidades de Proteção Integral (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre); 2- As Unidades de Uso Sustentável (Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; Reserva Particular do Patrimônio Natural).
Logo, se verifica que as áreas de preservação permanente não estão incluídas entre as espécies de Unidades de Conservação, definidas pelo Legislador, na forma da Lei 9.985/2000, portanto, embora no caso, elas possam até estar situadas em área de domínio da União, não as torna unidades de conservação de domínio da União.
Basta lembrar, que embora a maior parte dos tipos de unidades de conservação sejam definidas como de domínio público, o SNUC admite a propriedade privada em algumas espécies, em outras o domínio é público. Dessa forma, a regularização fundiária de UC’s implica não só o estudo da forma de consolidação do seu domínio se público ou privado, mas também os limites sobre uso dos recursos por parte tanto de proprietários particulares na área, como por populações tradicionais, que não podem ser proprietárias nesses espaços especialmente protegidos.
De fato, analisando a Lei n° 9.985/2000 verificamos que divide as UC’s em dois tipos: as Unidades de Proteção Integral – UPI e Unidades de Uso Sustentável. Passamos a analisar cada uma com os respectivos tipos de domínio, sem apontar os instrumentos de regularização fundiária compatíveis e especificidades, pois não é importante para os fins de nossa exposição a diferenciação entre cada uma delas. Assim faremos apenas uma exposição legal do conceito, ressaltando alguns aspectos, mas com a finalidade de destacar a natureza do domínio. Alerta-se, entretanto, que, mesmo aquelas que admitem o domínio privado, são instituídas pelo poder público mediante procedimento legislativo. E deixando a toda evidência que ainda que na área objeto do empreendimento licenciado, existisse florestas de preservação permanente, que é fato público e notório não ocorrem, estas não se enquadram no conceito de Unidades de Conservação.
Integram as unidades de Conservação de Proteção Integral, as seguintes modalidades: Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre. Destacamos que do ponto de vista do domínio somente as duas últimas, Monumento Natural e Refúgio da Vida Silvestre, permitem a propriedade privada, não sendo de exclusivo domínio público como as anteriores, desde que o uso pelo proprietário seja compatível com a sua finalidade, caso contrário a área deve ser desapropriada.
Neste ponto, observamos que cabe desde logo afastar o mito de que as UPI caracterizam-se pela ausência humana dentro dos seus limites, pois ela é possível, porque permitida a propriedade privada no caso de Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre.
O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, ou seja, aquele uso que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais, (art. 7o, § 1o, c/c art. 1°, inciso IX, da Lei n° 9.985/2000), mas a lei permite exceções a esta regra, permitindo, por exemplo, coleta de componentes do ecossistema com finalidades científicas no caso de Estação Ecológica (art. 9o, § 4o, inciso III, da Lei n° 9.985/2000).
As Unidades de Conservação são criadas por ato do poder público, mesmo quando sejam de domínio privado, no seu processo de criação destaca o legislador a precedência de estudos técnicos e de consulta pública, sendo que a Administração Pública é obrigada a fornecer informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas (art. 22, §§ 2o a 3o da Lei do SNUC).
As unidades de conservação de Uso Sustentável têm por objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, compreendendo-se como tal exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável (art. 7o, §2o. c/c art. 2o, inciso XI da Lei do SNUC).
As Unidades de Uso Sustentável são compostas pelas seguintes categorias de unidade de conservação: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional Reserva Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Reserva Particular do Patrimônio Natural. A regra geral nesse tipo de Unidade é que a presença humana faz parte do próprio conceito, salvo no caso da Reserva de Fauna, que não admite a presença humana.
São de exclusivo domínio público a Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável, embora neste último caso o legislador, confusamente, após as definir como de domínio público, preceitua que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser, quando necessário, desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei, como se fossem compatíveis dois domínios de natureza diversa. Deve-se entender, que, no caso de existir domínio privado no perímetro desta, ela deve ser desapropriada, pois, do contrário, bastaria o legislador fazer como fez nos casos de admissão de propriedade privada em áreas de proteção integral, prever que ocorrendo a sua incompatibilidade deveriam ser desapropriadas, mas como a lei a define como de domínio público, este excluí o privado, logo sujeito à desapropriação.
Registre-se, por fim, que no caso das Áreas de Proteção Ambiental e Área de Relevante Interesse Ecológico, podem ser constituídas de áreas públicas e/ou privadas, sendo que as áreas de domínio particular, respeitados os limites constitucionais, estão sujeitas ao estabelecido em normas e restrições para a sua utilização. O mesmo ocorre com a Reserva Particular do Patrimônio Natural, que obviamente é de exclusivo domínio privado, mas são todas instituídas pelo Poder Público, pois mesmo a RPPN, o gravame de perpetuidade da área decorre de Termo de Compromisso assinado perante o Órgão Ambiental, depois de verificada a existência de interesse público, o qual será averbado à margem do Registro de Imóveis. Logo, sem a intervenção da administração, não é legítima a sua instituição (art. 21, §§ 1º e 2º, da Lei n° 9.985/2000).
O que se observa pela exposição feita é que, na realidade, definindo o legislador a natureza do domínio e a possibilidade de presença humana ou não num dado tipo de unidade de conservação, fechou os tipos legais, não podendo em hipótese alguma se dizer que as áreas de preservação permanente são unidades de conservação, portanto, não caem na única exceção, onde se toma o domínio como fundamento legitimador da competência para o licenciamento diretamente pelo IBAMA, no caso de unidades de conservação do domínio da União, prevista pelo legislador no art. 4º, inciso I da Resolução 237/1997.
De fato, se reconhece o IBAMA que na referida área objeto do licenciamento, existem atributos naturais que merecem ser especialmente protegidos por um ato administrativo mais estrito, deveria realizar a instituição, na forma da lei de uma Unidade de Conservação de Domínio da União, inclusive a situação fundiária é pacífica como de domínio da União, mas não é isto que torna a área uma Unidade de Conservação de Domínio da União.
O que é mais estranho, é que mesmo o Serviço de Patrimônio da União, que eventualmente poderia contestar a legitimidade da SECTAM para licenciar a área, foi expressa, através do ofício 769/2002 –GRPU/PA, que em expediente dirigido à Prefeitura de Marabá, faz referência a necessidade para análise de seu pedido, que fosse juntada Certidão do Órgão ambiental competente, e declinando como tal a SECTAM/PA.
Portanto, mas do que evidente, que não é o simples fato de a área, ou mesmo o rio ser de domínio da União que legitima que seja o IBAMA o órgão licenciador, mas tão somente se o empreendimento fosse ter significativo impacto de degradação ambiental nacional ou regional é que legitimaria tal atuação.
Podemos, inclusive, para demonstrar a falta suporte a impugnação da competência da SECTAM, é que referida secretaria vem ano após ano, licenciando as obras da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, empreendimento que se sabe de pronto tem significativo impacto, sem que se configure como regional na forma da Resolução 237/1997, e sendo que tal empreendimento localiza-se no mesmo RIO TOCANTINS, que alardeia o IBAMA seria a justificativa de sua competência, mas que nem por isso é considerado fora de sua competência, ou teve questionada pelo IBAMA a sua atuação, como juntamos nos autos a LO 049/2003, emitida para a ELETRONORTE, para a atividade de “aproveitamento hidrelétrico do potencial hídrico do curso principal do Rio Tocantins a montante da cidade de Tucuruí, com geração de 4.620 mw em 13 unidades hidrogeradoras na cota 74 m”.
Desta forma, resta de todo claro que não basta o domínio ser da união para atrair a competência do IBAMA, mas sim, depende do tipo de degradação a ser realizado pelo empreendimento, privilegiando-se os demais órgãos descentralizados do sistema nacional de meio ambiente.
CONCLUSÃO
O licenciamento de empreendimento pelo órgão ambiental, realizado com regularidade, inclui os meios técnicos para a exigência de Estudo Ambiental compatível com o empreendimento, que não se resume a EIA/RIMA, podendo o interesse ambiental ser atendido por meio de Plano de Controle Ambiental.
A competência do Órgão Licenciador Estadual, na forma do que dispõe a legislação em vigor, seguindo o escopo de descentralização na gestão ambiental, é privilegiada pelo sistema, sendo que a competência do IBAMA liga-se aquelas situações de impacto regional ou nacional, ou nos casos especificamente destacados pelo legislador, que como exceção somente faz reforçar a regra.
Assim, conta-se uma história e fecha-se a porta.
Informações Sobre o Autor
Ibraim José das Mercês Rocha
Advogado, Coordenador da Procuradoria Fundiária –PGE/Pa, Conselheiro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP/PA, Procurador do Estado do Pará, Mestre em Direito/UFPA