Resumo: O presente artigo visa discutir a problemática que a banalização dos danos morais traz para o Judiciário brasileiro, bem como apontar e discutir os critérios de fixação do quantum indenizatório pelos Tribunais Superiores a fim de coibir valores arbitrários e desmedidos, visando uma justiça mais célere e satisfatória.
Abstract: This article aims to discuss the problems that the widespread material damage brings to the Brazilian judiciary, and to identify and discuss the criteria for fixing the quantum indemnity by the Superior Courts to curb rampant and arbitrary values, aiming at a more rapid and satisfactory justice .
Sumário: 1. O Dano Moral – Aspectos Gerais; 2. A Banalização dos Danos Morais; 3. O Dano Moral como Tentativa de censura; 4. Critérios de Fixação de Valor; 4.1 Critério Matemático; 4.2 Critério do Tabelamento; 4.3 Critério do Arbitramento Judicial; 5. Jurisprudências; 6. Controle e Posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o Valor dos Danos Morais; 7. Alguns Casos de Tabelamento pelo STJ; 8. Informações Complementares – A Alteração do Valor da Causa por Danos Morais – Conseqüências para o Juizado Especial Cível; 9. Conclusão e Solução.
1. O Dano Moral – Aspectos Gerais
O dano moral consiste em qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, as suas afeições.
Nas palavras do Professor Arnoldo Wald:
“Dano é a lesão sofrida por uma pessoa no seu patrimônio ou na sua integridade física, constituindo, pois, uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O dano moral é o causado a alguém num dos seus direitos de personalidade, sendo possível à cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano moral“[1].
Para o professor Inocêncio Galvão Telles:
“Dano moral se trata de prejuízos que não atingem em si o patrimônio, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O patrimônio não é afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais”. Há a ofensa de bens de caráter imaterial – desprovidos de conteúdo econômico, insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral. “Violam-se direitos ou interesses materiais, como se se pratica uma lesão corporal ou um atentado à honra: em primeira linha causam-se danos não patrimoniais, v.g., os ferimentos ou a diminuição da reputação, mas em segunda linha podem também causar-se danos patrimoniais, v.g., as despesas de tratamento ou a perda de emprego”[2].
Nesse contexto, duas são as correntes que se mostram dominantes no conceito do dano moral: a primeira compreende o dano moral como lesão aos direitos da personalidade, e a outra entende os danos morais como os efeitos não-patrimoniais da lesão, independente da natureza do direito atingido.
Existe ainda uma terceira corrente, mais moderna, que vê no dano moral a violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, reconhecendo o princípio da dignidade da pessoa humana como ápice do ordenamento jurídico.
Independente da corrente ou do conceito adotado que, como podemos perceber, contém diversas variações, é unânime que o dano moral deve ser indenizado, isso porque tem sua base no próprio princípio da dignidade da pessoa humana instituído na Lei Maior, além do mais, a própria Constituição Federal inovou ao instituir o artigo 5º, X com a possibilidade de reparação de danos.[3]
A problemática surge, porém, bem verdade, na fixação de um quantum indenizatório, pois, não estamos falando de danos materiais que podem facilmente ser auferidos em quantum pecuniário, mas sim de um sentimento, um estado subjetivo da vítima, razão pela qual a doutrina e jurisprudência vêm discutindo acerca dos parâmetros de fixação da quantia indenizatória, haja vista o número crescente de ações com pedido indenizatório e também pelo fato de que muitas pessoas vêm pleiteando por danos morais de forma arbitrária, desmedida, visando apenas uma possível vantagem econômica.
Sob essa perspectiva passaremos a estudar os danos morais nos próximos itens e seus critérios de fixação de valor de acordo com a doutrina e jurisprudência atual.
2. A Banalização dos Danos Morais
Se por um lado a Constituição Federal despontou no quesito tutela dos direitos humanos com a possibilidade de reparação de danos materiais e morais, por outro, infelizmente e desmedidamente, os danos morais acabaram por provocar um abarrotamento da Justiça de forma completamente banal, de maneira que as demandas com pretensões indenizatórias por danos morais aumentaram significativamente. A título de exemplo, observamos o trecho de reportagem do jornal “A Tribuna” (Vitória ES) publicada em 17/10/2006:
“Dobra o número de ações de indenização. Indenizações por danos morais e materiais lideram a lista de reclamações das pessoas que procuram os Juizados Especiais Cíveis da Grande Vitória. A demanda tem sido tão grande que o número de processos deste ano dobrou. No ano passado, o número de processos chegou a 32 mil. Até o último mês de julho, já tinham sido registrados mais de 34 mil ações”.[4]
E ainda, reportagem publicada na revista eletrônica Consultor Jurídico em 04/10/2007:
“Os tribunais do povo. Cidadãos inundam a Justiça com processos por danos morais. O resultado já se vê nos tribunais. Hoje, há no Brasil cerca de 420 mil processos por danos morais tramitando na Justiça. É a modalidade judicial que mais cresce no país. Nos últimos 8 anos, enquanto o número global de processos avançou nove vezes, a quantidade de ações por danos morais foi multiplicada por 51”.[5]
“O dano moral caiu no gosto do povo, como aconteceu com os exames de DNA. Ademar Gomes, presidente da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, à frente de mais de 4 mil processos do gênero, conta que a maioria de seus clientes são vítimas de erros médicos e acidentes em ônibus urbanos. ‘A classe média baixa já sabe que tem direitos a reclamar’, diz Gomes. Também são comuns processos relacionados a problemas com instituições financeiras, estabelecimentos comerciais e de serviços”.[6]
Como observado, no Judiciário, diariamente, um grande número de ações são ajuizadas com pedidos de indenizações por danos morais, quando, em muitos casos, na verdade, trata-se de transtornos diários inerentes do cotidiano de uma sociedade, ou mera expectativa de ter sofrido lesão por dano moral. Vejamos o excerto extraído da Revista Eletrônica Consultor Jurídico de 04/10/2007:
“A sociedade brasileira começa a abandonar o jeitinho informal de acertar as diferenças, que inclui desde a conversa amigável até a cena de pancadaria, para recorrer à esfera institucional – no caso, a Justiça. Vergonha, dor, humilhação, constrangimento e sofrimento, resultantes de negligência, irresponsabilidade ou má-fé, não são mais resolvidos com esquecimento, conversas duras ou ameaças. Vão parar nos tribunais”[7].
Nesse celeuma, é certo que os aborrecimentos quotidianos são, muitas vezes, desagradáveis e causam, certamente, uma espécie de desconforto, porém, a “vítima” deve primeiramente procurar resolver o conflito de forma amigável, isso porque certos dissabores do dia a dia não ensejam uma reparação por danos morais. O que ocorre na realidade, porém, é o abarrotamento da Justiça com ações infundadas de pedido de danos morais que causam um verdadeiro caos para a celeridade da tutela jurisdicional.
Desta forma, se por um lado a Lei Maior proporcionou maior segurança jurídica ao instituir a indenização por danos morais, por outro lado tal facilitação deu ensejo a uma avalanche de ações indenizatórias, muitas delas desprovidas de qualquer suporte, eis que os alegados danos não passam de meros aborrecimentos quotidianos, o que torna a Justiça um meio de pleitear ações desnecessárias e protelatórias, batendo de frente com o princípio constitucional da celeridade processual.
3. O Dano Moral como Tentativa de censura[8]
Em vários campos, os processos por dano moral têm ajudado as pessoas a recuperar direitos. Há uma situação, porém, em que a corrida aos tribunais prejudica o cidadão. Nos últimos anos, processos do gênero acabaram se transformando em instrumentos para tentar constranger a imprensa e impedir a publicação de denúncias.
Existem hoje nada menos que aproximadamente 2000 (dois mil) deles contra as quatro maiores empresas jornalísticas do Brasil. Em boa parte dos casos são movidos por políticos ou representantes do poder econômico, que entram com ações ineptas, mesmo sabendo que não têm chance de ganhar. Seu objetivo real é intimidar jornalistas e forçar as empresas de comunicação a gastar dinheiro com advogados.
Quando o processo é contra grandes empresas, o efeito costuma ser apenas de ameaça. Mas um relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa diz que, no Brasil, pequenos jornais, rádios e outros veículos de menor envergadura estão ameaçados de fechar as portas por causa de processos para os quais foram fixadas indenizações exageradas. Cita o caso de O Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo (SP), que sofreu duas ações movidas por um juiz da região, somando R$ 600 mil. Em 1995, o jornal noticiou que o juiz tinha casa e telefone custeados pela prefeitura. Era verdade, mas mesmo assim foi condenado.
Na Paraíba, a Ordem dos Advogados do Brasil detectou dois escritórios de advocacia que procuram pessoas citadas em reportagens e as convencem a entrar com processos. ‘Criou-se uma indústria da indenização’, acusou o advogado Télio Farias, que estuda o assunto.
Promotores de Justiça e procuradores da República também têm sido vítimas dessa estratégia. Cerca de 150 membros do Ministério Público estão sendo processados por pessoas que estão sendo alvo de investigações. ‘As ações são mecanismos de intimidação’, diz o procurador Luiz Francisco de Souza, que acaba de ganhar um processo movido pelo PFL e aguarda a sentença de outro, movido pelo ex-ministro Rafael Grecca. ‘Essas ações deveriam ser movidas contra a União, e não contra a pessoa física do procurador’, censura Carlos Frederico Santos, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.[9]
4. Os Critérios de Fixação de Valor
Em relação aos critérios de fixação do quantum indenizatório, atualmente encontramos três critérios em pauta de discussão pelos Tribunais, quais sejam: critério matemático, tabelamento e arbitramento judicial. Vejamos:
4.1 Critério Matemático
O critério matemático consiste em vincular o dano moral com a pena criminal correspondente ao ato ilícito e com os danos materiais; porém é entendimento pacífico que sua adoção implicaria uma série de inconvenientes, pois ao vincular os danos morais com os materiais, uma vez ausente o dano material, dá-se ensejo à não reparação do dano moral ou a difícil valoração do mesmo; além do mais, o critério matemático deixa de lado a pessoa humana em favor de cálculos, o que não coaduna com a axiologia constitucional que coloca a pessoa humana em posição de destaque.[10]
4.2 Critério do Tabelamento
O segundo critério – Tabelamento – pode, a princípio, parecer-nos o mais óbvio e seguro. Este critério consiste na adoção de um valor máximo e um mínimo nos quais o juiz estaria limitado ao proferir a sentença, o que muito ajudaria na banalização dos danos morais, pois, a pessoa, ao pleitear os danos morais saberia o valor máximo e mínimo que poderia receber, inibindo em muito condutas protelatórias e infundadas.
Encontramos nesse critério, todavia, um risco no que concerne a estabelecer valores ínfimos que não reparariam da melhor forma o dano causado, o que seria até mesmo um estímulo ao cometimento de novos danos; além do mais, ao tabelar os valores dos danos morais, caímos no perigo se colocar todos os sofrimentos e danos humanos em um mesmo saco homogêneo, não admitindo a diversidade entre os cidadãos no que concerne aos seus anseios íntimos, sentimentos, isso porque há pessoas mais e menos sensíveis, pessoas capazes de sentir mais por certos danos e outras menos. Com a adoção do critério do tabelamento, a diversidade entre as pessoas não seria levada em conta, e a máxima da ‘análise do caso in concreto” estaria descartada. A igualdade formal prevaleceria em detrimento da material.
Ainda outro problema encontrado no critério do tabelamento, é o fato de que impossível tabelar todas as situações de danos morais. A sociedade moderna, a cada dia, vem trazendo novas possibilidades de danos morais, as quais certamente não seriam de forma unânime abarcadas pelo tabelamento. Neste caso, como resolver o impasse? O juiz indenizaria por arbitramento ou o dano ficaria sem reparação?
Encontramos duas propostas de tabelamento pela doutrina brasileira. A primeira do magistrado paranaense Clayton Reis que propõe a criação de um sistema complexo no qual o valor da indenização se resolverá em uma equação matemática, porém, nesta fórmula, a fortuna do réu influirá decisivamente na fixação do montante, e também a situação econômica da vítima será decisiva para a fixação da indenização, o que constitui verdadeiro absurdo, pois, reconhecendo-se o dano moral como lesão à dignidade da pessoa humana, seria o mesmo que reconhecer aos abastados maior dignidade que aos desafortunados[11]. Além do mais, já nos posicionamos a respeito da fixação do dano moral por quantum matemático como forma não adequada perante a Lei Maior e seus princípios.
A segunda proposta de tabelamento é do Juiz Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, o qual propõe um critério de tabelamento fundado no Direito Penal. Para ele, a indenização se dividiria em duas etapas; na primeira seria fixada a ‘sanção-base’ que levaria em consideração apenas os aspectos envolvendo a vítima (seu comportamento, posição social ou política, intensidade de seu sofrimento, gravidade do dano). Na segunda etapa se buscaria um caráter punitivo analisando o ofensor (seu grau de culpa e capacidade financeira)[12].
Também este critério de tabelamento não nos parece o mais adequado, pois, caso não haja tipificação penal corre-se o risco do dano não ser indenizado, além de que o direito civil é um direito autônomo, e a indenização não tem cunho sancionatório, mas sim compensatório; ao nosso entendimento, o melhor seria o arbitramento do juiz na avaliação de casos concretos.
4.3 Critério do Arbitramento Judicial
Depois de analisarmos cada um dos critérios de fixação dos danos morais presentes na atualidade, chegamos ao entendimento maior de que ainda é melhor confiar na prudência dos nossos magistrados a respeito do quantum a ser fixado de indenização; isso porque o juiz é aquele que tem contato direto com as partes, é ele quem as ouve, questiona, determina as provas a serem produzidas, e, portanto, é o sujeito mais adequado para valorar a indenização[13].
O problema surge no combate ao arbitramento, isso porque ainda há certa disparidade de fixação de valores de danos morais, justamente por falta de um critério que o defina, não obstante, porém, não olvidamos que os demais critérios expostos não são os melhores, ou melhor, dentre todos os critérios estudados, aquele que demonstra maior respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana é o arbitramento judicial, por mais problemas que este ainda possa ter quanto à arbitrariedade da fixação do valor.
Nessa celeuma, para evitar os possíveis e não raros arbitramentos a qual temos observado na nossa jurisprudência, o que se tem entendido é pela plena motivação do magistrado a respeito do dano e do quantum fixado, de forma a explicar e fazer-se entender sobre os motivos que o levaram a fixar tal valor.
Nessa diapasão, Wesley Bernardo explica que:
“O que se faz necessário, então, não é um tabelamento sob quaisquer das modalidades antes mencionadas, mas um arbitramento no qual o magistrado explicite de modo logicamente verificável sua motivação, as premissas que o levaram a decidir sobre o montante indenizatório, as provas produzidas e a valoração de cada uma na formação de seu convencimento, a fim de que o comando por ele emitido possa estar sujeito ao controle de sua racionalidade”[14].
5. Jurisprudências
Nessa celeuma, analisaremos alguns julgados de danos morais que são considerados meras expectativas de direito, bem como outros que demonstram uma banalização crescente das demandas indenizatórias, procurando demonstrar de forma empírica e prática as causas e conseqüências para o Judiciário brasileiro:
“TJ-SP – Ap.Cív. n. 132731-5/2-00 – Comarca de SP – Ac, unân. Da 9ª Câm. Dir. Públ. De Férias “Julho 2003 – Rel. Des. Ricardo Lewandowski.Motorista paulistano que foi indevidamente autuado por suposta infração de trânsito. Manifestado seu recurso administrativo, teve cancelada a notificação indevida, ajuizando ação de indenização por danos materiais e morais em face do Município de SP alegando que, em decorrência da multa, entrou em pânico, pois a obrigação de efetuar o pagamento de elevada quantia (418,23) o havia deixado angustiado e roubou-lhe algumas noites de sono. E ainda sofreu psicologicamente desde a data da ciência da infração até o julgamento do recurso. O Tribunal julgou improcedente o pedido.”
“TJ-SP – Ac. Unân. da 1ª Câm. Dir. Priv. De Férias “janeiro/2003. Ap. Cív. n. 136.277-4/5-00 – Comarca de SP. Rel. Des. Eliot Akel.Consumidores que ingeriram refrigerante impróprio para o consumo, tendo o laudo constatado a presença de bolores e leveduras, o que lhe causou sensação desagradável, sem maiores conseqüências, já que ingeriram quantidades insignificantes da bebida. Tal fato levou ao pedido de indenização de 500 salários-mínimos para cada um. O Tribunal julgou improcedente o pedido.
“Indenizável é o dano moral sério, aquele capaz de, em uma pessoa normal, o assim denominado homem médio, provocar grave perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos”.
“TJ-SP – Ap. Cív. 132-509-4/6 Bauru – Rel. Des. Laerti Nordi.Consumidora de refrigerante Coca-Cola ingeriu o mesmo que continha em seu interior frasco quadrado de cor escura e odor desagradável, que veio provocar-lhe vômitos e náuseas. Não houve qualquer lesão física, pois comprovou o laudo técnico que o composto era incapaz de causar qualquer mal à saúde. A consumidora ajuizou ação requerendo o pagamento de 80 milhões de reais por danos morais. O absurdo é que em primeira instância o pedido foi julgado procedente em 100 salários mínimos. Em segunda instância o Tribunal corrigiu para 50 salários mínimos”
“TJ- SP. Ac. Unân da 3ª turma Câm. Dir. Priv. Férias Janeiro/2003. Ap. Cív n. 133892-4/0-00, Comarca de SP. Rel. Des. Carlos Roberto Gonçalves. Atleta pré-selecionado que, por não ser escolhido para representar o Brasil em campeonato internacional de caratê, sentiu-se ofendido e menosprezado, prejudicado em sua imagem, ajuizando ação de indenização por danos morais contra a federação esportiva que o preteriu. Recurso improvido.”
Em relação a esses julgados citados a título de exemplo, muitos outros, diariamente, são ajuizados perante o Judiciário brasileiro. Sem dúvida, esses julgados demonstram a banalização dos danos morais inclusive dentro da própria categoria de advogados, haja vista que todos os exemplos são jurisprudência dos tribunais, ou seja, já haviam sido julgados em primeira instância. Os advogados deveriam ser os primeiros a ter consciência jurídica da causa petendi e do quantum indenizatório, em respeito à própria justiça e ao Judiciário. Notamos que processos que deveriam ser barrados pelos próprios advogados em primeiro grau, estão sendo (re)discutidos em segundo grau, abarrotando os Tribunais.
Observamos ainda que em todos os casos acima mencionados, o valor da causa – correspondente ao valor do possível dano – é exorbitante e não condiz com a realidade dos fatos, corroborando a nossa tese que banalização dos danos morais hoje é cada vez mais crescente e abarrota o Judiciário brasileiro com demandas sem qualquer dano moral, mas sim mera expectativa de vantagem econômica.
6. Controle e Posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o Valor dos Danos Morais
Paira na doutrina a discussão a respeito do Superior Tribunal de Justiça exercer o controle sobre os valores fixados por dano moral, o problema surge quanto aos limites dessa possibilidade de controle, isso porque ao instituir ao STJ tal competência, estaríamos admitindo um tabelamento por parte do Egrégio Tribunal, teoria pela qual combatemos em respeito à diversidade entre os cidadãos e à igualdade material.
Encontramos no critério do tabelamento – tanto pelo STJ como por qualquer tribunal superior – um risco no que concerne a estabelecer valores muito altos ou até mesmo ínfimos que não reparariam da melhor forma o dano causado, o que seria até mesmo um estímulo ao cometimento de novos danos, além do mais, ao tabelar os valores dos danos morais, caímos no perigo se colocar todos os sofrimentos e danos humanos em um mesmo saco homogêneo, não admitindo a diversidade entre os cidadãos no que concerne aos seus anseios íntimos, sentimentos, isso porque há pessoas mais e menos sensíveis, pessoas capazes de sentir mais por certos danos e outras menos.
Com a adoção do critério do tabelamento, a diversidade entre as pessoas não seria levada em conta, e a máxima da ‘análise do caso “in concreto” estaria descartada. A igualdade formal prevaleceria em detrimento da material.
Ainda outro problema encontrado no critério do tabelamento, é o fato de que impossível tabelar todas as situações de danos morais. A sociedade moderna, a cada dia, vem trazendo novas possibilidades de danos morais, as quais certamente não seriam de forma unânime abarcada pelo tabelamento.
O que se pode admitir é o papel subsidiário do Superior Tribunal de Justiça e dos demais tribunais superiores em corrigir distorções absurdas de entendimentos, bem como a correção de valores absurdos, e é exatamente esse o posicionamento dos mesmos, como passaremos a analisar:
Como é sabida, a preocupação dos Tribunais Superiores a respeito da banalização dos danos morais é iminente, porém, como salvaguardas da Lei Maior e da igualdade material, não criaram um tabelamento para o quantum pecuniário indenizável, ao contrário, se restringiram a coibir os abusos provenientes da banalização do instituto; para melhor elucidar esse entendimento temos como o exemplo as palavras do ministro Salvio de Figueiredo Teixeira no REsp 269407/RJ do ano de 2001:
“Como tenho dito outras vezes, a intervenção do STJ há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco milhões, como temos visto (…) Em outros recursos em que ficaríamos entre quinhentos, trezentos e cinqüenta, duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos não é um caso de absurdo na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos de ponderar até que ponto o STJ deve interferir na definição de uma valor de dano moral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do Tribunal local, não se justifica a intervenção deste Tribunal. Se não for assim, teremos de enfrentar todas as avaliações de dano moral feita no país, porque em todas elas podemos encontrar disparidades de 10%, 20%, e essa não é nossa função”[15]
Esse pequeno trecho extraído da decisão proferida em Resp pelo STJ é apenas um em inúmeros julgados[16] que entendem da mesma forma. Tem-se consolidado, portanto, uma forma de coibir abusos, mas não uma forma de tabelamento, respeitando a igualdade material insculpida na Constituição.
7. Alguns Casos de Tabelamento pelo STJ
Mesmo com todo o aparato dos Tribunais Superiores visando coibir os abusos pleiteados a título de danos morais, a dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento ainda é muito acentuada e se reflete na quantidade de processos que chegam ao STJ para debater o tema. Em 2008, foram 11.369 processos que, de alguma forma, debatiam dano moral. O número é crescente desde a década de 1990 e, nos últimos dez anos, somou 67 mil processos só no Tribunal Superior, demonstrando que a morosidade do Judiciário brasileiro está longe de ser resolvida.
O ministro Luis Felipe Salomão, integrante da 4ª Turma e da 2ª Seção do STJ, é defensor de uma reforma legal em relação ao sistema recursal, para que, nas causas em que a condenação não ultrapasse 40 salários mínimos, o recurso ao STJ seja barrado. “A lei processual deveria vedar expressamente os recursos ao STJ. Permiti-los é uma distorção em desprestígio aos tribunais locais”, critica o ministro. Com isso, podemos observar de forma clara qual o posicionamento que vem ganhando força nos Tribunais a respeito dos danos morais na Justiça Especial.
Tantos fatores para análise resultam em disparidades entre os tribunais na fixação do dano moral. É o que se chama de “jurisprudência lotérica”. O ministro Salomão explica:
“para um mesmo fato que afeta inúmeras vítimas, uma Câmara do Tribunal fixa um determinado valor de indenização e outra Turma julgadora arbitra, em situação envolvendo partes com situações bem assemelhadas, valor diferente. Esse é um fator muito ruim para a credibilidade da Justiça, conspirando para a insegurança jurídica”, analisa o ministro do STJ. “A indenização não representa um bilhete premiado”, diz.
Como instância máxima de questionamentos envolvendo legalidade, o STJ, tentando redefinir os contornos da banalidade e morosidade processual, definiu algumas quantias para determinados tipos de indenização, muito embora também assegure a igualdade material e análise de cada caso concreto. Um dos exemplos são os casos de morte dentro de escola, cujo valor de punição aplicado é de 500 salários mínimos. Quando a ação por dano moral é movida contra um ente público, cabe às turmas de Direito Público do STJ o julgamento do recurso. Seguindo o entendimento da 2ª Seção, a 2ª Turma vem fixando o valor de indenizações no limite de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu no julgamento do Recurso Especial 860.705, relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos pais que, entre outros pontos, tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500 salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola, por um disparo de arma. A 2ª Turma fixou o dano, a ser ressarcido pelo Distrito Federal, seguindo o teto padronizado pelos ministros.
O patamar, no entanto, pode variar de acordo com o dano sofrido. Em 2007, o ministro Castro Meira levou para análise, também na 2ª Turma, um recurso do estado do Amazonas, que havia sido condenado ao pagamento de R$ 350 mil à família de uma menina morta por um policial militar em serviço. Em primeira instância, a indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos, mas o tribunal local reduziu o valor, destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e R$ 50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor, já que, devido às circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família, não considerou o valor exorbitante nem desproporcional[17].
Já os incidentes que causem paraplegia na vítima motivam indenizações de até 600 salários mínimos, segundo o tribunal. A subjetividade no momento da fixação do dano moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do país. Num recurso analisado pela 2ª Turma do STJ em 2004, a Procuradoria do estado do Rio Grande do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para corroborar sua tese de redução da indenização a que havia sido condenada[18]
Assim como estes exemplos, outros casos já foram definidos pelo STJ, porém, importante salientar que a banalização ainda é crescente e que a competência da Justiça Especial está ficando cada vez mais restrita devido a este fator, entretanto, com relação ao pedido de danos morais como forma de mudança de competência não há posicionamento concreto dos tribunais superiores, haja vista que o valor da causa exorbitante por pedido indenizatório é um fato e, sobre esse fato não há muito o que discutir, o que os Tribunais estão fazendo é tentar coibir os abusos em prol da Justiça através de julgados e discussões como expusemos.
A título de curiosidade, vejamos alguns casos já julgados pelo STJ:
Observamos através desta tabela que ainda há muita disparidade em relação ao entendimento do quantum indenizatório entre os Tribunais, de forma que fica muito difícil conter a banalização dos danos morais e, conseqüentemente, a morosidade da Justiça brasileira.
8. Informações Complementares – A Alteração do Valor da Causa por Danos Morais – Conseqüências para o Juizado Especial Cível
Diante de todo o exposto podemos afirmar que diante da banalização dos danos morais, a competência ora dos Juizados Especiais Cíveis tem se alterado em virtude do aumento do valor da causa; isso porque ao pleitear uma ação de danos morais, uma demanda simples que tem todos os atributos para ser processada e julgada de forma mais célere, econômica e efetiva, acaba sendo processada e julgada pela Justiça Comum que, não raro, dá por improcedente o pedido, entendendo que o mesmo não passa de mera expectativa ou concernente a simples aborrecimentos da vida comum.
Deve-se ter em mente que muitos pedidos de danos morais não chegam a ultrapassar os 40 salários mínimos exigidos pela Lei 9099/95 e os 60 salários mínimos da Lei dos Juizados Especiais Cíveis Federais, porém, mesmo nessa celeuma, o próprio Juizado Especial acaba por processar e julgar causas sem o menor fundamento de direito, atrasando as outras demandas que realmente necessitam de auxílio do Judiciário.
As conseqüências para o Judiciário brasileiro não poderiam ser outras senão a morosidade da justiça e o descrédito com uma prestação jurisdicional morosa e cara. Hoje o acesso à Justiça é relativamente fácil, principalmente com o advento dos Juizados Especiais Cíveis, o difícil é a saída, o desfecho da demanda que, na maioria dos casos, demora anos a ser resolvida. Nesse sentido bem traduz a Revista da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região – AMATRA qual a opinião da sociedade em relação do Judiciário brasileiro:
“há uma descrença generalizada no Judiciário, poder estatal que paulatina e progressivamente vem se tornando enorme, caro, moroso, ineficiente, e que desagrada, em seus atuais contornos, tanto os operadores do direito (magistrados, advogados, promotores, procuradores, etc) quanto os destinatários do serviço Judiciário. Não há hoje quem o diga eficaz, em nosso País”[19]
Assim, evidente é o prejuízo que a crescente demanda por danos morais traz à Justiça Especial, afetando toda a máquina Judiciária e aumentando o problema da morosidade processual.
9. Solução e Conclusão
Diante de todo o exposto podemos concluir que o número de demandas pleiteando danos morais aumentou significativamente nas últimas décadas, haja vista a consagração da indenização de cunho moral e material como um direito e garantia fundamental instituído pelo artigo 5º, X da Lei Maior, bem como pela difusão desta reparação pela mídia.
Ocorre, porém, que a tutela dos direitos humanos com a essa possibilidade de reparação de danos, acabou provocando uma avalanche de ações de cunho indenizatório em todo o Judiciário, acarretando a problemática da morosidade processual que tanto se discute.
A solução, como vimos, não está em determinar um critério fixo de indenização por danos morais, como por exemplo um critério matemático ou de tabelamento, mas sim, difundir entre os operadores do direito – principalmente entre os advogados – a problemática que esse tipo de ação vem causando para o Judiciário, bem como fazer crescer a consciência da população em geral que nem todo ‘sofrimento’ é passível de ser indenizável.
Nessa celeuma, também é importante ressaltar que os Tribunais têm papel essencial em coibir o enriquecimento ilícito causado por demandas indenizatórias, haja vista que tem o poder de reformar sentenças de primeiro grau que, como analisamos pelas jurisprudências citadas, continham pedidos absurdos de cunho reparatório.
Assim, enquanto os operadores do direito e a sociedade como um todo não entenderem que o Judiciário não é um meio de enriquecer e protelar direitos ou mera expectativas deles, a problemática da morosidade processual continuará sendo um fantasma para toda a comunidade jurídica.
Informações Sobre o Autor
Tônia de Oliveira Barouche
Graduada em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Advogada. Membro do Núcleo de Pesquisas em Direito Processual Civil Avançado e Comparado –NUPAD – UNESP. Pós Graduanda em Direito Civil/Processo Civil