Os dez anos da Lei Maria da Penha e sua eficácia no combate à violência contra a mulher

Resumo: Este trabalho tem por escopo uma análise sobre a situação da mulher no Brasil e no que a Lei 11.340/2006, dispositivo com cunho de ação afirmativa contribuiu para equilibrar essa relação de desigualdade de gênero a que a mulher foi, e ainda é submetida. Demonstra também as evoluções ao decorrer do tempo nas políticas públicas de proteção à mulher, bem como a aplicabilidade da Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico no âmbito nacional, pormenorizando os avanços e polêmicas acerca de tal lei, seu desenvolvimento e perspectivas para o futuro. Busca-se, ainda, identificar as controvérsias no plano jurídico, social e moral quanto à igualdade de gênero e os avanços trazidos nesses 10 anos de criação do referido diploma legal, além de ponderações a respeito da melhor solução deste problema tão presente no cotidiano das famílias brasileiras, que é a violência doméstica.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Ação Afirmativa

Abstract: This work has as scope an analysis on the situation of women in Brazil and in what Law 11.340 / 2006, an affirmative action device contributed to balance the relationship of gender inequality to which the woman was and is still submitted. It also shows the evolution over time in public policies for the protection of women, as well as the applicability of the Maria da Penha Law in the legal system at the national level, detailing the advances and controversies about such law, its development and prospects for the future. It also seeks to identify the legal, social and moral controversies regarding gender equality and the advances brought in the 10 years of creation of this legal diploma, as well as considerations about the best solution of this problem so present in the daily life of Brazilian families, which is domestic violence.

Keywords: Maria da Penha Law. Domestic Violence. Affirmative Action.

Sumário: Introdução. 1. Histórico da situação da mulher na sociedade brasileira. 2. A Lei Maria da Penha como conjunto de ações afirmativas. 3. Os dez anos da Lei 11.340/2006: Avanços e Polêmicas. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente trabalho, denominado “Os dez anos da Lei Maria da Penha e sua eficácia no combate à violência contra a mulher", tem como objetivo geral analisar a situação da mulher no Brasil, e o que tem sido feito para garantir a efetividade da tão almejada igualdade de gênero e erradicação da violência doméstica.

Para um melhor entendimento, este estudo foi dividido em 3 (três) capítulos, onde estão delineados os objetivos específicos deste trabalho.

No Capítulo I será feita uma exposição sobre a situação da mulher no Brasil, e as políticas públicas, inclusive a nível internacional, que antecederam e culminaram na criação da Lei 11.340/2006.

No Capítulo II poderá se verificar o conceito de ação afirmativa, bem como a análise da Lei 11.340/2006, como um conjunto de ações afirmativas na busca do reequilíbrio da desigualdade de gênero e erradicação da violência doméstica.

 No Capítulo III será feita uma demonstração sucinta sobre os dez anos de vigência da Lei 11.340/2006, as polêmicas que surgiram em torno dela, assim como os avanços propiciados pela novel legislação em debate.

A escolha do tema deu-se pela altíssima relevância que a questão da mulher possui no ordenamento jurídico pátrio, e também, pelas inúmeras polêmicas e conquistas que surgiram com o advento da Lei 11.340/2006.

Cumpre salientar que não se espera do presente trabalho defender a posição da mulher no Brasil, mas sim uma modesta contribuição didática a respeito da situação desta e o que tem sido feito em busca da igualdade de gênero no ordenamento jurídico brasileiro.

1. HISTÓRICO DA SITUAÇÃO DA MULHER NA SOCIEDADE BRASILEIRA

No Brasil, vivemos em uma sociedade patriarcal, onde durante muito tempo o papel da mulher esteve restrito apenas ao ambiente familiar e doméstico, sendo comuns expressões como “lugar de mulher é na cozinha”, “mulher a Rainha do Lar”, restringindo sua importância somente no âmbito familiar. A inferioridade era imposta às mulheres através da submissão que deviam a quem lhes garantia a subsistência- pai ou marido-, submissão esta imposta pela Igreja que repudiava e punia qualquer anseio de libertação e realização pessoal da mulher, que ultrapassasse os muros de sua casa, e inclusive permitia castigos físicos impostos à mulher pelo marido, o que as condenadas a coadjuvantes na sociedade, onde durante toda sua vida deviam obediência e até devoção à figura masculina.

Ainda hoje, tal tratamento se reflete na vida da mulher brasileira, principalmente no mercado de trabalho e na violência doméstica de que são vítimas, pois o crescimento profissional destas mulheres não alcançou altos cargos e tampouco o salário que seria devido a tal capacitação, o que ainda faz com que muitas mulheres silenciem e assumam o papel de vítimas daqueles que escolheram como companheiros, seja por vergonha ou dependência financeira.

Preconceito não se confunde com a discriminação porque esta só acontece na medida em que este se manifesta. O preconceito é atitude, são modos de ver certas pessoas ou grupos. Quando ocorre uma ação, uma manifestação, um comportamento de forma a prejudicar, é que se diz que houve discriminação. Enfim, quando o preconceituoso externaliza a sua atitude, agora transformada em manifestação, ocorre a discriminação.

Qualquer espécie de discriminação, nada mais é do que amarras, correntes, frutos da ignorância humana e que causam tanto prejuízo, impedindo a todos de enxergar o que há de melhor em cada pessoa, desprovendo de qualquer idéia que se tenha formado antes de conhecer o que é real, como bem narra Platão em sua metáfora:

“Imaginemos, assim, que alguns de nós vivemos acorrentados dentro de uma caverna, em uma posição em que conseguimos enxergar apenas as paredes do fundo. Um muro bem alto nos separa do exterior. Fora da caverna, alguns seres desfrutam de liberdade e, às vezes, acendem fogueiras para se aquecer. Dentro da caverna, no entanto, existe uma pequena brecha, o que ocasiona projeções distorcidas da fogueira em seu interior. Sente-se muito medo, pois enxergamos apenas as sombras de seres e de animais desconhecidos. Parecem-nos monstros. Finalmente, determinada pessoa, um ser mais destemido, dotado de coragem inexplicável, desafia as correntes e o muro da caverna. A despeito dos gritos de terror e do desespero dos habitantes do buraco, ele consegue pôr abaixo as paredes que os impediam de enxergar a verdade. E então acontece o espanto! Onde antes havia sombras, agora se enxergam seres humanos! Libertos dos grilhões, os habitantes da caverna passaram a ser confrontados com a beleza, a natureza, a liberdade e a realidade (370-380 a.C, livro VII, A República).”

O próprio Platão que nos trouxe essa metáfora sobre discriminação, foi um dos pensadores que defendeu a ideia de que a mulher pouco possuía capacidade de raciocínio, além de ter alma inferior à do homem, sustentando que sua utilidade se relacionava tão somente a aspectos carnais.

As mulheres foram condenadas durante muito tempo à imobilidade social, travando suas possibilidades econômicas e educacionais, fato este, que não se tratam de problemas momentâneos que vêm e voltam, estas dificuldades econômicas e educacionais não são passageiras, elas estão com as mulheres desde sempre e dizem respeito à sua história de prejuízos.

A questão da mulher até pouco tempo atrás era vista no Brasil como um fato que não se notava, não se discutia e nem se deseja notar ou discutir, era como se não existisse. A história narrada nas escolas em sua grande maioria foi feita por homens, as mulheres sempre ocuparam um papel de submissão e representatividade somente no âmbito doméstico.

Ao longo da história surgiram diversos pactos internacionais na intenção de equilibrar a relação homem/mulher, erradicar essa discriminação e inibir as formas de violência por elas sofridas, entre eles:

Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher (1948): outorga às mulheres os mesmos direitos civis de que dispõem os homens. Promulgada no Brasil pelo Decreto no. 31.643, de 23 de outubro de 1952. Algumas conquistas nesse aspecto aconteceram somente em 1962, com o advento do Estatuto da Mulher Casada, Lei 4.121, que estabeleceu a mulher o mesmo direito que o homem ao pátrio poder, bem como, fez com que esta deixasse de ser relativamente incapaz, mas não deu a mulher os mesmos direitos civis que gozavam os homens.

Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher (1953): determina o direito ao voto em igualdade de condições para mulheres e homens, bem como a elegibilidade das mulheres para todos os organismos públicos em eleição e a possibilidade, para as mulheres, de ocupar todos os postos públicos e de exercer todas as funções públicas estabelecidas pela legislação nacional. Aprovada pelo Brasil em 20 de novembro de 1955, por meio do Decreto Legislativo no. 123. Sua promulgação ocorreu em 12 de setembro de 1963, pelo decreto no. 52.476. No Brasil desde 1932 com o Código Eleitoral já foi possível às mulheres o exercício do voto e elegibilidade, sendo o voto a partir dos vinte e um anos de idade, tendo a Constituição Federal de 1934, reduzido esta idade para dezoito anos, inclusive em 1933 Carlota de Queirós tornou-se a primeira mulher a se tornar Deputada Federal

Convenção Para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW (1979): trazia aos países signatários o compromisso ao combate a todas as formas de discriminação contra as mulheres. No Brasil, o Congresso Nacional ratificou a assinatura, com algumas reservas, em 1984. Tais reservas foram suspensas em 1994 pelo Decreto Legislativo no. 26. Promulgada por meio do Decreto no. 4.377, de 13 de setembro de 2002. Em 06 de outubro de 1999, foi adotado, em Nova York, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher. Foi aprovado pelo Brasil em 06 de junho de 2002, por meio do Decreto Legislativo no. 107. Sua promulgação se deu em 30 de julho de 2002, por meio do Decreto no. 4.316.

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (1994): define como violência contra a mulher “qualquer ato ou conduta baseada nas diferenças de gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Aponta, ainda direitos a serem respeitados e garantidos, deveres dos Estados participantes e define os mecanismos interamericanos de proteção. Promulgada por meio do decreto nº 1973, em 1º de agosto de 1996. Mas só foi tornada efetiva essa preocupação com a criação em 07 de agosto de 2006 da Lei 11.340/2006, que tornou concreta a aplicação artigo 226, § 8º da Constituição Federal de 1988 e trouxe algumas alterações à lei penal e processual penal com relação a violência doméstica contra a mulher.

2. A Lei Maria da Penha como conjunto de ações afirmativas

O termo "ação afirmativa" chega ao Brasil carregado de uma diversidade de sentidos, o que em grande parte reflete os debates e experiências históricas dos países em que foram desenvolvidas (MOEHLECKE, 2002).

Seu público-alvo variou de acordo com as situações existentes e abrangeu grupos como minorias étnicas, raciais, e mulheres. As principais áreas contempladas são o mercado de trabalho, com a contratação, qualificação e promoção de funcionários; o sistema educacional, especialmente o ensino superior; e a representação política.

Além desses aspectos, a ação afirmativa também envolveu práticas que assumiram desenhos diferentes, como é o caso da Lei 11.340/2006, que surgiu com o propósito de inibir à violência contra a mulher, violência esta que é histórica e que precisava de uma medida mais eficaz para que a vítima se tornasse segura para buscar ajuda, e principalmente para que o agressor percebesse que tal prática constituía crime, que não era algo comum e que estava, portanto, sujeito à punição. Bergmann entende, de maneira ampla, que:

Ação afirmativa é planejar e atuar no sentido de promover a representação de certos tipos de pessoas – aquelas pertencentes a grupos que têm sido subordinados ou excluídos – em determinados empregos ou escolas […].

Ações Afirmativas podem ser um programa formal e escrito, um plano envolvendo múltiplas partes e com funcionários dele encarregados, ou pode ser a atividade de um empresário que consultou sua consciência e decidiu fazer as coisas de uma maneira diferente.” (1996, p. 7)

Essa definição introduz a ideia da necessidade de promover a representação de grupos inferiorizados na sociedade e conferir-lhes uma preferência a fim de assegurar seu acesso a determinados bens, econômicos ou não. Mas o que justifica essa política?

Antonio Sérgio Guimarães (1997) apresenta uma definição de ação afirmativa baseado em seu fundamento jurídico e normativo. A convicção que se estabelece na Filosofia do Direito, de que tratar pessoas de fato desiguais como iguais, somente amplia a desigualdade inicial entre elas, expressa uma crítica ao formalismo legal e também tem fundamentado políticas de ações afirmativas. Estas consistiriam em “promover privilégios de acesso a meios fundamentais – educação e emprego, principalmente – a minorias étnicas, raciais ou sexuais que, de outro modo, estariam deles excluídas, total ou parcialmente.” (1997, p.233). Além disso, a ação afirmativa estaria ligada a sociedades democráticas, que tenham no mérito individual e na igualdade de oportunidades seus principais valores. Desse modo, ela surge “como aprimoramento jurídico de uma sociedade cujas normas e mores pautam-se pelo princípio da igualdade de oportunidades na competição entre indivíduos livres” (1997, p.233), justificando-se a desigualdade de tratamento no acesso aos bens e aos meios apenas como forma de restituir tal igualdade, devendo, por isso, tal ação ter caráter temporário, dentro de um âmbito e escopo restrito. Essa definição sintetiza o que há de semelhante nas várias experiências de ação afirmativa, qual seja, a ideia de restituição de uma igualdade que foi rompida ou que nunca existiu (GUIMARÃES, 1997).

Na explicitação desse objetivo, também se diferencia de práticas discriminatórias raciais, étnicas ou sexuais, que têm como fim estabelecer uma situação de desigualdade entre os grupos.

No material desenvolvido pelo Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra no Brasil encontra-se essa distinção, em que a ação afirmativa é definida como uma medida que tem como objetivo:

“…eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros.” (Santos, 1999, p.25)

E a ação afirmativa teria:

“…como função específica a promoção de oportunidades iguais para pessoas vitimadas por discriminação. Seu objetivo é, portanto, o de fazer com que os beneficiados possam vir a competir efetivamente por serviços educacionais e por posições no mercado de trabalho.” (Contins, Sant’Ana, 1996, p.210)

Sendo assim, resta claro que o referido diploma legal, Lei Maria da Penha, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro, como um instrumento de efetivação de igualdade de gênero, onde a parte mais frágil da relação, neste caso a mulher, seja protegida e tenha condições de buscar segurança e principalmente levar uma vida digna e igualitária, como bem trazem os princípios da Isonomia e da Dignidade da Pessoa Humana, representando assim um conjunto de ações afirmativas, que reconheceu a inferioridade e hipossuficiência da mulher em relação ao homem, fruto da cultura patriarcal que legitimou e silenciou diante dessa violência de gênero.

A Lei 11.340/2006, juntamente com a Carta Magna de 1988, nada mais fez do que assentar e dar efetividade aos direitos humanos das mulheres, direitos estes que durante anos não estiveram ao alcance das mulheres, como bem traz Cunha:

“É inegável, historicamente, que a construção legal e conceitual dos direitos humanos se deu, inicialmente, com a exclusão da mulher. Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de alcançar a igualdade real, substancial entre as mulheres e homens. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher foi, dentre as Convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por parte dos países que a ratificaram. E em virtude da grande pressão das entidades não-governamentais é que houve o reconhecimento de que os direitos da mulher também são direitos humanos, ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena (item 18) que: ‘os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais.”

Sendo assim, “a Constituição, como documento jurídico e político dos cidadãos, buscou romper com um sistema legal fortemente discriminatório contra as mulheres e contribuiu para que o Brasil se integrasse ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, reivindicação histórica da sociedade”. (CAMPOS)

3. Os dez anos da Lei 11.340/2006: Avanços e Polêmicas

Já restou claro, que vivemos em uma sociedade onde a mulher sempre foi sujeitada a um papel secundário e de submissão, sendo tratados como aceitáveis pela sociedade diversos tipos de agressões físicas, morais, psicológicas e até patrimoniais, restando a mulher em muitas situações como merecedora da violência; e desamparada pelo papel que ocupa, uma vez que, muitas vezes tem filhos, dependência econômica e nenhum apoio por parte da família e sociedade.

Foi com o intuito, de dar meios para que a mulher conseguisse vencer esses obstáculos e viver uma vida digna que no dia 07 de agosto de 2006 surgiu no âmbito jurídico brasileiro a Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, em homenagem a uma das vítimas e principais idealizadoras dessa necessidade de não tratar a violência doméstica como um subproduto das relações conjugais, e assim evitar que se repita com outras mulheres sua triste história.

Já se passaram dez anos do surgimento da Lei Maria da Penha, e não restam dúvidas de que ela teve grande impacto social e jurídico ao trazer o debate sobre a violência doméstica dentro dos relacionamentos afetivos, situação recorrente na sociedade, mas até então encoberta como um tabu e algo que não devia sair dos limites do convívio familiar, limites estes que foram ultrapassados e fizeram da Lei 11.340, uma das mais importantes produções legislativas recentes, que tem por escopo evitar que outras mulheres sejam vitimadas por agressões como às sofridas pela mulher vítima que deu nome à Lei.

Desde seu surgimento, este diploma legal já veio fadado a polêmicas, uma vez que, alguns críticos mais ferrenhos diziam que tinha um quê de panfletário e incitação ao feminismo, além de ferir o princípio da igualdade ao só permitir em seu pólo passivo mulheres.

O legislador não deixou dúvida no “caput” do artigo 5º da Lei 11.340/2006 quem estava amparada por tal lei:

“Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.”

Resta claro que a vítima deve ser mulher, e que a violência que esta sofre tem que decorrer de tal condição e da relação de inferioridade que dela decorre. Para Campos:

“O gênero é concebido como uma forma de dar significado às relações de dominação e de poder que terminam por ensejar as desigualdades de gênero, que concederam ao longo do tempo aos homens funções nobres e valorizadas pela sociedade, restando às mulheres papéis menos apreciados social e culturalmente.”

Com vistas a sanar tais discussões acerca da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, o Presidente Luiz Inácio Lula da silva, por meio do Advogado Geral da união, ajuizou a ADC 19/07 que declarou após diversas discussões ensejadas nos Tribunais Estaduais, a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 pelo STF, segundo a Ministra Rosa Weber a Lei Maria da Penha “inaugurou uma nova fase de ações afirmativas em favor da mulher na sociedade brasileira, tendo feição simbólica, que não admite amesquinhamento”.

No mesmo dia 09 de fevereiro de 2012, também foi julgada a ADI 4424, que tratava da possibilidade do Ministério Público dar início à ação penal sem a necessidade de representação da vítima, sendo julgada procedente, não se aplicando a Lei 9.099 /95 nos casos de violência doméstica, e nos crimes de lesão corporal praticados no ambiente doméstico contra a mulher, atua-se mediante ação penal pública incondicionada, pois para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres.

A Lei Maria da Penha em seu artigo 7º trouxe o rol das violências que podem ser sofridas pela mulher em seu ambiente doméstico, ou fora dele, decorrentes de relação afetiva ou de parentesco, o que fez com que situações que antes as vítimas desconheciam como crime, e que feriam sua liberdade e dignidade, fossem por estas através da criação do referido diploma, vistas como condutas que não deviam ser aceitas, e que deveriam ser denunciadas, visto que algumas violências como a psicológica como bem traz Maria Berenice Dias ”é a mais subjetiva das violências, até pela dificuldade de atentar-se que ela se configura como tal. A vítima, muitas vezes, nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e deve ser denunciado”.

Outro avanço da Lei 11.340/2006 foi a causa de aumento de que trata o  §10º do artigo 129 do Código Penal, estabelecendo que o crime de lesão corporal terá sua pena aumentada em 1/3 quando tal crime for contra as pessoas elencadas no §9º, ou seja, ocorrências que envolvam violência doméstica, sendo assim, tornou mais gravosa a punição para o agente que atue como agressor em casos de violência doméstica.

Antes do advento da Lei Maria da Penha, a vítima procurava uma Delegacia de Polícia fazia o registro de ocorrência policial contra o seu agressor, e tal processo seguia os trâmites normais, comum a qualquer outro, e a vítima retornava para o lar, muitas vezes na companhia do agressor que lá estava somente com um papel em mãos, mas sem nenhuma garantia ou medida imediata para resguardar a integridade física ou psicológica dela e de seus dependentes.

Na busca de mudar tal quadro, a novel legislação trouxe em seu artigo 12 a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência, ou seja, a Autoridade Policial após adoção dos procedimentos previstos no referido artigo, encaminhará o caso a análise jurisdicional acerca da concessão de tais medidas no prazo máximo de 48 horas, sendo que tais medidas podem ser concedidas mesmo sem a oitiva da outra parte como preconiza o artigo 19, §1º, primando pela celeridade e urgência da situação. Ademais, as medidas protetivas de urgência, podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, e o Juiz não está preso ao rol que é exemplificativo, podendo este adotar outras medidas que entender necessária para evitar maiores riscos e até prejuízos à vítima. Ademais, para garantir a execução dessas medidas protetivas de urgência a lei trouxe em seu artigo 42, a possibilidade da decretação de prisão preventiva ao agressor, adicionando o inciso IV ao artigo 313 do Código de Processo Penal, surgindo com o fim sancionador ao acusado que descumprir as medidas de proteção concedidas à vítima. Nesse sentido, assinala Cabette:

“O dispositivo é providencial, constituindo-se em um utilíssimo instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela novel legislação. Não houvesse essa modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ficaria privada do instrumento coercivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados no art. 312 do CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento arrolados no art. 313, CPP.”

O artigo 12, III dá ao Delegado de Polícia o prazo de 48 horas para remeter ao Judiciário o pedido da ofendida acerca da concessão das medidas protetivas de urgência, no artigo 18, caput, é dado ao Juiz mais 48 horas para decidir acerca da concessão ou não das medidas que estão sendo pleiteadas pela vítima, ou seja, em muitos casos tal decisão pode chegar tarde demais, e a ofendida já ter sido vítima de feminicídio, ou de uma nova agressão por parte do acusado, o que fere a finalidade de uma cautelar, que são providências urgentes, com as quais se busca aviar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte, evitando que se realize, assim, a finalidade instrumental do processo consistente em uma prestação jurisdicional justa (FERNANDES, 2005).

É sob esta óptica que ocorreu a propositura do projeto de lei nº 7/2016, que é a primeira proposta de mudança da Lei Maria da Penha nos seus 10 anos de vigência, no texto do projeto entre outras alterações, há a possibilidade da aplicação de uma medida temporária pelo Delegado de Polícia, qual seja, estipular à vítima e a seus dependentes, já no momento da confecção do boletim de ocorrência as medidas protetivas de urgência, essa medida tem caráter temporário, pois o Delegado de Polícia deverá comunicar ao Juiz em 24 horas acerca do ocorrido, e este terá 24 horas para analisar sobre as medidas protetivas de urgência concedidas pelo Delegado de Polícia, tal alteração tem sofrido resistência, por parte de Advogados, membros do Ministério Público e Juízes, mas para os que apóiam seria um grande avanço e garantia de efetividade real da lei.

Outra situação bastante discutida pelos críticos a Lei 11.340/2006, é a concessão desenfreada de medidas protetivas de urgência às vítimas, além do rigor e possível marginalização a que é exposto o agressor, sendo que em muitos casos tal lei passou a ser usada como instrumento de vingança ou satisfação de mero interesse patrimonial por parte da vítima mesmo que momentânea, fomentando inclusive a alienação parental uma vez que, uma das medidas protetivas previstas no artigo 22, IV, é a suspensão ou restrição de visitas aos dependentes menores. Neste diapasão, denuncia a Juíza Osnilda Pisa, do Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher/RS:

“Muitas mulheres procuram o Juizado não por terem sido vítimas de violência, mas em busca de benefícios financeiros através das medidas protetivas, especialmente a que afasta o denunciado do lar. Desejam a separação, mas não querem realizar a separação de bens e acabam frustradas quando têm seu pedido negado. Algumas também utilizam a medida como uma forma de chantagear o companheiro, com fins que vão desde reatar o relacionamento a conseguir benefícios diversos.”

E qual a solução para tal situação? Impossível responder, pois o julgador, bem como toda rede de atendimento não tem como prever se realmente é caso de violência doméstica ou simples utilização da lei para satisfação pessoal, que em nada se assemelha ao objetivo pelo qual foi criada, para que esse e outros tantos obstáculos enfrentados pelos aplicadores e estudiosos da lei sejam sanados, é necessária uma estrutura de acompanhamento maior, para evitar que injustiças sejam feitas tanto para a vítima que necessita e que poderá ser pré julgada devido o mau uso feito por outras tantas, pelo acusado que sofre as conseqüências de uma acusação mesquinha e injusta, bem como para o Judiciário já tão abalroado de processos e que se prende a mais um que seria desnecessário, pelo menos no âmbito penal.

São indiscutíveis os avanços trazidos pela Lei 11.340/2006, servindo como marco de mudanças comportamentais e culturais, que fez com que a violência doméstica deixasse de estar somente no âmbito privado, ensejando frases como “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”, e passasse a ser vista como uma forma brutal que atinge toda sociedade.

Maria da Penha durante sessão solene do Congresso Nacional em que foram celebrados os 10 anos da legislação enfatizou a necessidade de investimentos em educação, desde a educação básica para desconstruir a cultura de violência contra a mulher:

“É a cultura que faz com que o homem aprenda na sua casa que agredir é normal, porque viu seu pai agredindo sua mãe, seu avô agredindo sua avó e isso ser justificado como uma conduta natural. Por isso, temos agressões em todos os níveis, juízes agressores, deputados agressores, médicos agressores. Enfim, todo e qualquer homem pode ter se tornado um agressor pela educação que recebeu.”

Muito ainda precisa ser feito, e as conquistas devem servir de estímulo para novos avanços, até porque a violência doméstica é universal, não salvaguarda classe social ou etnia, e os índices ainda são muito representativos, segundo o IPEA, por ano mais de um milhão de mulheres são vítimas de violência doméstica no país.  Faz-se necessária a intensificação de campanhas na divulgação dos direitos das mulheres, para tornar mais fácil e ampla a possibilidade de denunciar, além de alternativas de enfrentamento à violência daquela mulher que decide romper o silêncio, possibilitando a ela e seus dependentes a possibilidade de recomeçar sua vida de forma digna e sem as máculas do passado.

Conclusão

Após a análise do tema envolto acerca da situação da mulher na sociedade e posição de subordinação e até mesmo inferioridade, imposta durante anos, verificou-se que a Lei 11.340/2006 surgiu como eficaz instrumento para erradicar a violência doméstica que vitimizava milhares de mulheres, com o advento da lei estas foram encorajadas a não permitir que aquelas pessoas próximas a elas, seja por vínculos sanguíneos ou afetivos exerçam qualquer tipo de violência, situação humilhante ou degradante.

Ademais, a lei trouxe uma punição concreta e efetiva, uma vez que, possibilita a concessão de medidas protetivas de urgência para inibir novas agressões e garantir à vítima a possibilidade de recomeço, e estas se descumpridas ensejam a prisão preventiva do agressor, o que serve como meio capaz de desencorajar aqueles que tratavam a violência doméstica como algo banal, sem maiores consequências a quem praticava.

Acredito que é notório que aconteceram muitos avanços, e que muito ainda precisa ser feito, principalmente a organização da estrutura estatal para dar maior suporte à mulher vítima tanto no momento em que oferece a denúncia na unidade policial, depois no seu retorno para o lar, casas de abrigo e principalmente sua reinserção social.

 Partindo da idéia de que a discriminação de gênero é real e que há uma dívida muito grande para com as mulheres, por todo um histórico de humilhações e exclusões, é que são válidas as políticas afirmativas, como garantidoras da efetividade do principio da igualdade nos termos consagrados pela Constituição Federal vigente, ou seja, em sua acepção material.

 

Referências
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Sites consultados:
STF: http://www.stf.jus.br. Acesso em : 28.07.16

Informações Sobre o Autor

Daiana Alves de Lima

Formada em Direito pela Universidade da Região da Campanha, Pós-Graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp/LFG, Acadêmica em Gestão de Serviços Jurídicos e Notariais na UNINTER


Equipe Âmbito Jurídico

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