Direito do Consumidor

Os Direitos do Consumidor e Dano Moral na Recusa da Disponibilização do Home Care

CONSUMER RIGHTS AND MORAL DAMAGE IN THE REFUSAL OF A HOME CARE AVAILABILITY.

Nicole Sales de Albuquerque[1]

Bernardo Silva de Seixas[2]

Resumo: O presente artigo versa sobre reparação civil decorrente de danos morais na recusa à disponibilização da terapêutica domiciliar “home care” pelas empresas prestadoras de serviços de saúde suplementar. Analisa a relação consumidor e fornecedor a partir de preceitos fundamentais constitucionais e infraconstitucionais vigentes nos contratos de plano de saúde, bem como a responsabilidade civil consubstanciada na implicação de danos morais resultantes do enjeitamento do serviço. Utiliza-se a pesquisa bibliográfica e pesquisa jurisprudencial através da abordagem hipotético-dedutiva por análise dos resultados obtidos com a pesquisa proposta. Por fim, pesquisa por meio das decisões proferidas pela Corte Superior (STJ) se qualquer recusa indevida ao serviço perfaz dano moral indenizável ou pode implicar apenas em mero dissabor cotidiano do consumidor.

Palavras-chave: Dano moral; home care; direito à vida; direitos de personalidade; vida.

 

Abstract: This paper discusses the civil reparation resulting from moral damages in the refusal to provide home care by companies providing supplementary health services. It analyzes the consumer and supplier relationship based on fundamental constitutional and infraconstitutional precepts in force in health insurance contracts, as well as the civil liability embodied in the implication of moral damages resulting from the breastfeeding of the service. Bibliographic research and jurisprudential research are used through the hypothetical-deductive approach by analyzing the results obtained with the proposed research. Finally, it researches through the decisions given by the Superior Court (STJ) whether any undue refusal to service does indemnified moral damage or may imply only a mere daily distaste of the consumer.

Keywords: moral harm; home care; right to life; rights of personality; health.

 

Sumário: Introdução. 1. O direito do consumidor na atualidade. 1.1. Princípios e direitos constitucionais e infraconstitucionais de aplicabilidade em contratos de planos de saúde. 2. Responsabilidade civil no CDC e nos planos de saúde. 2.1. Contratos de plano de saúde e danos decorrentes da recusa na disponibilidade do home care. 2.2.Dano moral na recusa do home care. 3.O papel do Superior Tribunal de Justiça na construção do dano moral devido em planos de saúde – home care. 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.

 

Introdução

A terapêutica domiciliar, também conhecida como home care, é um serviço de atenção em domicílio de alta complexidade que visa a assistência dos pacientes que hoje estão internados em uma unidade de terapia intensiva, bem como os que estão em dependência de ventilação artificial e que não tem condições de permanecer em casa sem as condições necessárias. A ação que pleiteia a reparação civil, resultante da recusa na disponibilização da terapêutica domiciliar, funda-se, principalmente, na agressão ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à vida.

Em razão da obtenção de condições necessárias para sobrevida, muitos consumidores se deparam com a necessidade de se valer dos direitos devidos e assegurados constitucionalmente e mediante leis infralegais, tais quais os direitos elencados no Código de Defesa do Consumidor (CDC), além dos conferidos pelos julgados das Cortes Superiores. Dessa forma, optam por ingressar em ações judiciais a fim de verem reconhecido seus direitos.

Apesar dos contratos serem regidos, em sua maioria, pelo Código Civil de 2002, os contratos referentes aos planos de saúde possuem a sua incidência no Código de Defesa do Consumidor, em virtude da súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), bem como possui lei específica no ordenamento jurídico brasileiro em virtude da promulgação da lei 9.656/98. Essa pesquisa tem por escopo perceber se a responsabilidade civil gerada a partir da relação consumerista com as operadoras de planos de saúde na recusa ao home care perfaz dano moral indenizável.

Diante da contrariedade na efetivação de direitos, surge para o consumidor de plano de saúde o direito à reparação de danos de ordem patrimonial e, principalmente, extrapatrimonial. Posto isso, buscou-se a partir da percepção da prática abusiva exercida pelas operadoras de planos de saúde em não disponibilizar a terapêutica domiciliar, responder o questionamento proposto no trabalho se a recusa por si só gera o direito de indenização por danos morais e, se for devido, quais são os parâmetros utilizados pelo STJ em suas decisões, como também perquirir a existência do mero aborrecimento quanto a temática.

O objetivo geral da pesquisa é a percepção do dano moral extrapatrimonial indenizável, considerando-se os princípios norteadores da Constituição Federal e do Código Defesa do Consumidor, bem como a cláusula da reserva do possível e a boa fé objetiva, com intuito de entender se qualquer recusa partida das operadoras de planos de saúde na não concessão ao tratamento domiciliar é causa legítima para ingresso com ação judicial e deferimento favorável pleiteando danos morais devidos.

Os objetivos específicos referem-se a apresentar o Direito do Consumidor na atualidade, considerando-se quais os princípios constitucionais e infraconstitucionais são inerentes aos contratos de planos de saúde, da mesma forma, perceber, através do embasamento teórico quanto a responsabilidade civil, quais pleitos na temática são legítimos para a configuração de dano moral indenizável, fazendo-se paralelo com o dano trivial, se existente. Também, analisar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça quanto a temática através da análise de acórdãos nos últimos anos, apontando embasamentos  teóricos e jurídicos referente à boa fé objetiva, a reserva do possível, dignidade da pessoa humana, bem como o princípio da razoabilidade, utilizados nos fundamentos jurisprudenciais da Corte.

Em rápida análise jurisprudencial pelo site institucional do STJ percebe-se uma grande demanda de acórdãos proferidos relativos à prestação de serviço home care. Após leitura de votos dos ministros percebeu-se que há um norteamento definindo causas que ensejam dano moral, resultante do descumprimento do contrato pelo fornecedor de serviços.

O dano moral indenizável configurado a partir da doutrina e decisões jurisprudenciais permite com que a sociedade se coloque na posição de indivíduos portadores de direitos, tal como são. O entendimento jurisprudencial propicia aos aplicadores do Direito a efetiva resolução dos problemas propostos aos consumidores.

Para o desenvolvimento do presente trabalho foram utilizadas duas categorias de pesquisa, quais sejam: pesquisa bibliográfica e a pesquisa jurisprudencial, a partir de julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto a temática de dano moral devido à indisponibilidade do home care quando preenchidos requisitos fundamentais e configurado a prática abusiva.

A primeira se fez necessária para a construção do referencial teórico e consistiu-se em leituras de livros e artigos científicos sobre princípios constitucionais, princípios do CDC, responsabilidade civil e dano moral. A segunda implicou na análise e exploração de julgados proferidos em acórdãos do STJ.

O trabalho de conclusão de curso estrutura-se em três capítulos, apresentando-se no primeiro os princípios da Constituição e do CDC aplicados nos contratos de planos de saúde. No segundo é abordado a responsabilidade civil decorrente da relação consumerista com operadoras dos planos, bem como discorre sobre os danos decorrentes dessa relação. O terceiro capítulo apresenta o resultado obtido através das análises dos julgados proferidos pelo STJ na construção de danos morais indenizáveis nas relações de consumo com as operadoras de planos de saúde.

 

1 O direito do consumidor na atualidade

Com a globalização ficou perceptível que o então modelo de organização da sociedade deveria ser superado[3], revendo-se conceitos arcaicos nas relações de consumo e no Direito Privado, a exemplo da responsabilidade civil e dos contratos, tanto quanto estabelecer normas de nivelamento entre as partes que constituem um contrato de consumo e assegurar direitos constituídos através da Constituição de 1988.

Nesse sentido, surge o Código de Defesa do Consumidor (CDC) a partir da promulgação da Lei 8.078/90 estabelecendo-se normas protetivas e defesa do consumidor, de ordem pública e de interesse social, conforme disposto no art. 5º, XXXII, art. 170, V, da Constituição Federal e art. 48 das Disposições Transitórias Constitucionais.

A Lei 8.078/90 apresentou a regulamentação nas relações consumeristas entre as partes que firmam contrato de serviços ou no tocante à oferta de produtos, bem como a declaração de direitos básicos do consumidor provindos, sobretudo, da Carta Maior, tais quais a proteção à vida, saúde e segurança, dignidade da pessoa humana, e prevenção/reparação de danos morais e materiais.

De acordo com Rizzato Nunes (2018, p. 80)

as relações jurídicas estabelecidas são atreladas ao sistema de produção massificado, o que faz com que se deva privilegiar o coletivo e o difuso, bem como que se leve em consideração que as relações jurídicas são fixadas de antemão e unilateralmente por uma das partes — o fornecedor — […]

 

Percebe-se que o objetivo da Código de Defesa do Consumidor é regular as relações que correspondem à sociedade de massa, decorrente do Processo de Industrialização na sociedade, em qual um fornecedor de serviço ou produto relaciona-se com vários consumidores de produtos/serviços. Diante disso, surgem normas imperativas regendo essas relações consumeristas e pondo em nível de igualdade os sujeitos dessas relações jurídicas de consumo.

No Direito Privado tradicional essas relações jurídicas seriam vistas sob a perspectiva do individualismo e incorreria a prevalência daquilo que está descrito no contrato pactuado entre as partes, até então regido através da autonomia de vontades e o princípio do Pacta Sunt Servanda[4].

Cabe aqui declarar que para que haja a relação entre consumidor e fornecedor é necessário a observância da norma infraconstitucional consumerista que delineia requisitos para tanto.

De acordo com Felipe Braga Netto (2020, p. 135),

[…]as relações de consumo tem sempre os mesmos sujeitos: de um lado o fornecedor, e de outro, o consumidor. E tem objeto, produtos ou serviços. Serviços é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária decorrente das relações de caráter trabalhista.

 

Portanto, a relação consumerista surge quando há uma parte que se propõe ofertar e entregar o produto ou serviço, como também a existência de outra parte, aqui compreendido pelo consumidor, que paga para que lhe seja entregue o produto ou efetivado o serviço. Contudo, a remuneração supramencionada pode estar explícita na relação como, por exemplo, nos casos de planos de milhagens das companhias aéreas.

Para além do CDC, as normas que regem as relações de consumo são produzidas, também, através da atividade jurisprudencial, sobretudo pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ que reestrutura conceitos pré-existentes e reconfigura institutos relacionados às normas jurídicas consumeristas. Tal como afirma Braga Netto (2020, p. 31), “quem imaginar que conhece o direito consumidor brasileiro sem conhecer a respectiva jurisprudência não conhece o direito do consumidor […].”

Tem-se por intermédio da jurisprudência a revalidação das normas protetivas do consumidor constitucionais e infraconstitucionais, do mesmo modo a imposição de condutas devidas às partes que contratam entre si, seja qual for a forma de contratação[5], desde que enquadrada como relação de consumo.

Diante do exposto, depreende-se que a jurisprudência consolidada pelo Corte Superior, aqui compreendido pelo STJ, aperfeiçoa a relação consumerista e os direitos constitucionais e, também, infraconstitucionais, bem como uniformiza a legislação referente ao Código de Defesa do Consumidor.

 

1.1 Princípios e direitos constitucionais e infraconstitucionais de aplicabilidade em contratos de planos de saúde

A Constituição Federativa do Brasil de 1988 ficou conhecida como Constituição Cidadã, pois o seu arcabouço constitucional traz questões de direitos individuais e sociais. Elisabete Xavier Mosca (2012, p.15) enfatiza que “promoveu a ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.”

À vista disso, conclui-se que a Constituição Federal se apresenta como pilar para o exercício da democracia de sorte que, a partir de sua normatividade supralegal, são concebidas demais normas infralegais que coexistem no sistema jurídico brasileiro. Ademais, havia uma transposição de regimes, advindo um período de preservação de direitos democráticos, a partir da observância de princípios e direitos inerentes ao cidadão brasileiro.

Conforme Rizzatto Nunes (2018, p. 33),

As normas do direito constitucional constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (‘autoprimazia normativa’); (2) as normas de direito constitucional são ‘normas de normas’ (‘norma normarum’), afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas (normas legais, normas regulamentares, normas estatutárias, etc.); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes políticos com a Constituição”

Percebe-se que a que as normas da Constituição Federal possui superioridade hierárquica frente as demais normas, tendo seus princípios e direitos definidos apresentando-se de forma impositiva, ou seja, a Constituição Federal exprime um conjunto de normas supremas que possuem observância obrigatória, inclusive aos legisladores de normas infraconstitucionais, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor.

Consta no rol de direitos fundamentais previstos no art. 5º da Constituição Federal do Brasil a proteção ao direito à vida e no art.6º CF/88 o direito social fundamental referente à saúde, dentre outros. Já no art. 196, a saúde é reconhecida como direito de todos e dever do Estado para que se garanta, mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doenças e de outros agravos, além do acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Compreende-se que a proteção à vida é um direito assegurado constitucionalmente e deve ser encarado como um direito máximo, pois é a partir da vida que se adquire a possibilidade de fruição dos demais direitos assegurados na Constituição e normas infralegais. Mas, para além disso, a saúde refere-se a possibilidade do indivíduo manter-se vivo, pois sabe-se que na ausência de saúde não é possível gozar direitos indisponíveis e, eventualmente, chega-se ao limite da existência do ser humano.

Outrossim,  referir-se à vida nos leva à percepção de princípios constitucionais de proteção ao consumidor que abrange, também, a relação consumerista com os planos de saúde, tal qual o princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana, pois referir-se à vida importa na acepção de vida com dignidade. Conforme Rizzato Nunes (2018, p.45), “ é ela, a dignidade, o último arcabouço da guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional”.

A despeito da dignidade da pessoa, Braga Neto (2020, p.34) afirma  que “a dignidade remete, sem dúvida, entre seus sentidos principais, a não-coisificação do ser humano[…].Trata-se de vetor normativo vinculante [..] que redefine […] a incidência e aplicação das normas jurídicas brasileiras.” Na atualidade, o individualismo transforma homens em coisas e em sentido contrário todavia, a Constituição Federativa do Brasil nomeia princípios cogentes a serem observados em todo o ordenamento jurídico.

Para o doutrinador Ingo Wolfang Sarlet (2002, p.62):

A dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano e o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando nesse sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa contra todo e qualquer ato de cunho degradante desumano, como vem ali garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável.

 

Todos os direitos materiais se originam a partir da ideia de dignidade da pessoa humana porque à luz do conhecimento convencional, somente as pessoas humanas têm titularidade de direitos em geral e são titulares de direitos fundamentais, em particular. Dessa feita, entende-se que a dignidade da pessoa humana é um valor moral que ingressa no direito portanto, se transforma em princípio constitucional e, assim sendo, ela é a fonte pela qual se irradia os direitos fundamentais, correspondendo o núcleo essencial dos demais direitos fundamentais, a exemplo do direito à vida e à saúde.

O Código de Defesa do Consumidor prevê princípios que regem as relações jurídicas provenientes do fornecimento de serviços e produtos no mercado brasileiro. Tratando-se das relações jurídicas derivadas dos contratos com os planos de saúde, importa considerar, para além dos princípios basilares do CDC, o princípio da boa-fé objetiva, da função social do contrato e o princípio da reparação integral dos danos causados.

De acordo com Carolina Steinmuller Farias e Thélio Queiroz Farias, (2018, p. 22/23), o princípio da boa-fé “[…] contratual pressupõe lealdade, respeito, cuidado com a integridade física, moral e patrimonial do consumidor […] com intuito de apenas cativar o cliente com promessas vazias e que não serão concretizadas a posteriori.

Isso significa que as partes devem agir com honestidade e transparência desde o instante da contratação de serviços ou o fornecimento de produtos, posto que as condutas derivadas não podem esvaziar as expectativas da outra parte contratante. Ademais, deve-se preservar a harmonia nas relações de consumo, como também proporcionar ao consumidor o tratamento mais adequado e, principalmente, considerando-se a interpretação da norma mais favorável ao consumidor

Versando sobre planos de saúde, deve-se considerar que os contratos de consumo referem-se não a um mero objeto, mas a própria vida e saúde de consumidores, então existe a expectativa por parte destes consumidores de que arcando com mensalidades impostas pelos planos de saúde, eles terão a garantia de prestação de serviços médicos-hospitalares quando houver necessidade.

A função social do contrato relativo à prestação de serviço de saúde, para além da observância da boa-fé em um contrato que possui a saúde e a vida com dignidade, prevê que tal contrato deva considerar o interesse social, bem como não pode ser este um instrumento para promoção de atividades abusivas. Consoante esse pensamento, Braga Netto (2020, p. 407) afirma “o conteúdo (atual) do contrato não corresponde apenas à vontade das partes. Ele é composto por padrões mínimos de razoabilidade que remetem à boa-fé objetiva, ao equilíbrio material entre as prestações e à vedação ao abuso de direito.”

Percebe-se com essa afirmativa o autor pretendeu alegar que os padrões mínimos nesse tipo de relação consumerista, referente ao contrato entre as partes, deve compreender as garantias advindas pelo CDC, tal como os direitos e deveres exigíveis no ato da contratação e aplicadas nos contratos em si, a exemplo do uso de cláusulas incompreensíveis ou dúbias pelo fornecedor.

O princípio da reparação integral dos danos concerne à responsabilidade civil devida à vítima de práticas abusivas partidas pelos fornecedores e, tratando-se da temática, as práticas abusivas provindas da relação consumerista entre consumidor e planos de saúde. Conforme os direitos basilares do consumidor, o art. 6º CDC, VI, determina que a reparação de danos morais e materiais devem ser reparados de forma efetiva, ou seja, integralmente, de forma a ressarcir ou compensar o consumidor.

Conforme Braga Neto (2020, p. 86) “o princípio da reparação integral poderá ser excepcionado se o consumidor contribuir, de algum modo, para o dano”. Percebe-se que se o consumidor causar o dono na relação jurídica consumerista, o CDC e a própria jurisprudência das Cortes Superiores preveem formas de resolução e imediata restituição à vítima.

 

  1. Responsabilidade civil no CDC e nos planos de saúde

Partindo-se da premissa de que o Código de Defesa do Consumidor faz parte da seara privada[6], este prevê a proteção do consumidor frente a danos de cunho patrimonial e extrapatrimonial[7], e trouxe a enunciação da responsabilidade objetiva. De acordo com Flávio Tartuce (2018, p. 157), o Código de Defesa do Consumidor ao adotar o modelo de responsabilidade objetiva “[…] quebra a regra da responsabilidade subjetiva [..] fundada na culpa lato sensu, que engloba o dolo (intenção de causar prejuízo por ação ou omissão voluntária) […] (desrespeito a um dever preexistente, seja ele legal, contratual ou social).” Dessa forma, havendo um ato lesivo a direito do consumidor, incorre a aplicabilidade da responsabilidade civil objetiva que independe de culpa do agente, posto que a responsabilidade civil subjetiva exigiria um esforço probatório por parte do lesado e a ideia da promulgação do CDC é justamente a proteção do consumidor considerando-se como parte vulnerável[8] na relação de consumo.

A lei 8.078/90 prediz quatro hipóteses da ocorrência de responsabilização civil, quais sejam: responsabilidade civil pelo vício do produto e pelo vício do serviço; responsabilidade civil pelo fato do produto e pelo fato do serviço. A doutrina jurídica majoritária retrata o fato do serviço como um defeito encontrado em um produto ou serviço, tal qual a informação inadequada quanto ao uso de um produto/serviço, bem como entende por vício de produto e serviços os defeitos que não extrapolam o objeto de consumo, percebendo-se, assim, que este último refere-se a vício na qualidade do serviço/produto que lhe diminuem o valor ou torne-o impróprio ao uso.

Referindo-se aos planos de saúde, observa-se que se trata de uma prestação de serviços em que predomina uma obrigação de fazer, observando-se características próprias de sua complexidade, já que é serviço voltado a concretização de direitos fundamentais, tal qual o direito à vida e à saúde. Ademais, sua inobservância enseja a responsabilização civil pelo fato do serviço, pois o dano ao consumidor  atinge sua esfera  física ou moral.

Ressalte-se que o Código de Defesa do Consumidor traz em seu bojo a inversão do ônus da prova. Em caso de alegação por parte do consumidor da existência de um dano sofrido, a este fica encarregado apenas a prova do dano e o nexo causal entre dano, no caso, o serviço prestado pelos planos de saúde. Ao fornecedor de serviço é devido a prova contrária aos argumentos da parte adversa, pois o ordenamento jurídico entende que o fornecedor detém  os meios técnicos de produção de prova, bem como se vê no voto de relatoria da Min. Nancy Andrighi no Resp 1734099-MG (BRASIL, 2018) que afirma “demonstrando o consumidor  […] que o dano sofrido decorreu do serviço prestado pelo fornecedor, a esse último compete comprovar, por prova cabal, que o evento danoso não derivou de defeito do serviço, mas de outros fatores. ”

Apesar dos planos de saúde disporem de norma específica, observa-se que a Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) discorre sobre a regulamentação das operadoras de assistência à saúde e os próprios planos, devendo esta ser lida de forma complementar e em diálogo de fontes[9] com o Código de Defesa do Consumidor, assim como afirma Gregori (2019, p. 161) que expõe “Da lei geral extraem-se os comandos principiológicos aplicáveis à proteção do consumidor, ao passo que à legislação específica caberá reger, de forma minudenciada, os planos privados de assistência à saúde.”

Ademais, a Lei 9.656/98 contém em seu arcabouço normativo a intervenção do Estado na formação dos contratos com os consumidores, a obrigação da justificativa de negativa de cobertura, de forma clara e referenciando a cláusula ou termo legal que justifica tal posicionamento, bem como a obrigação da inclusão de todos as doenças previstas no CID e, também, a impossibilidade de limitação de procedimentos médicos, hospitalares e odontológicos.

Então, compreende-se que na legislação específica dos planos de saúde não se encontram normas regentes da relação jurídica proveniente de contratos de prestação de serviço de planos privados de assistência à saúde, contudo a interpretação da Lei 9.656/98 inclui a observância dos direitos básicos do consumidor e do seu reconhecimento de vulnerabilidade, bem como a interpretação de suas cláusulas contratuais de consumo de forma favorável ao consumidor.

 

2.1 Contratos de plano de saúde e danos decorrentes da recusa na disponibilidade do home care

A lei 9.656/98 que regulamenta a prestação de serviços privados de assistência à saúde determina, também, o cumprimento de cláusulas contratuais e, conforme Gregori (2019, p.138), abrange “ações necessárias [..] à recuperação, manutenção e reabilitação da saúde (art. 35-F). Para tanto, restou garantida a cobertura assistencial de todos os diagnósticos previstos na [..] CID[10], a partir de uma relação de procedimentos[..] pela ANS[11] [..].”

Percebe-se que a lei específica rege os ditames operacionais das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços de assistência à saúde que disponibilizam planos privados de assistência e dentre essas regras encontra-se a fixação de cláusulas contratuais mínimas devidas pelo fornecedor de serviços considerando-se, assim, que existem exigências legais mínimas[12] para cada tipo de plano[13] privado de assistência à saúde.

Para este trabalho compreende-se que o plano privado referente à disponibilização da terapêutica domiciliar home care vincula-se ao plano-referência por ser de oferecimento obrigatório pelas operadoras, como também o plano hospitalar, pois ambos planos incluem internações em centros hospitalares e unidades de terapia intensiva.

Para se falar de cláusulas contratuais e danos decorrentes se faz necessário assimilar o contrato de plano de saúde compreendendo que este contrato se dá entre consumidor e uma empresa operadora de plano de saúde. Segundo Gregori (2019, p.130) “[…] verifica se que a prestação de serviços de assistência saúde é oferecida, no mercado, aos consumidores por meio de um contrato de adesão, padronizado, em que todas as cláusulas são preestabelecidas pelo fornecedor.”

O contrato de adesão está expresso no art. 54 do CDC em qual determina, in verbis, sendo “aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços sem que o consumidor possa discutir modificado substancialmente seu conteúdo.” Percebe-se que no contrato de adesão a determinação do conteúdo expresso no contrato parte de apenas uma das partes, restringindo-se, assim, um princípio comumente encontrado nas relações contratuais, qual seja o princípio da autonomia da vontade, pois conforme observa Carlos Roberto Gonçalves (2017, p.98),

Contratos de adesão [..] preponderância da vontade de um dos contratantes, que elabora todas as cláusulas. O outro adere ao modelo de contrato previamente confeccionado não podendo modificá-las: aceita-as ou rejeita-as, de forma pura e simples.

Contudo, os contratos de assistência à saúde não podem ser vistos como simples contratos de adesão porque o objeto do referido contrato é bem jurídico mais precioso e protegido por lei. Quanto a isso, Farias & Farias (2018, p.44) afirmam,

A saúde não pode – de maneira alguma – ser tratada como uma simples mercadoria, pois o contrato de prestação de serviços de saúde, embora de adesão, é pactuado com o objetivo de salvaguardar a vida humana, embora não seja pouco comum os planos suprimirem ou desrespeitarem direitos do consumidor, no intuito de obter maior lucro ou tentar evitar o pagamento de tratamentos exames mais dispendiosos.

Isso reafirma que as relações contratuais referentes aos contratos de adesão de plano de saúde mesmo que tenham natureza privada, possuem caráter social, pois apresenta reflexos na sociedade, não podendo infringir normas legais e princípios constitucionais, bem como põem em risco a vida e a saúde dos usuários dos planos de saúde. Ademais, verifica-se que a interpretação desse tipo de contrato deve ser em face da sua relevância social e ser lido conforme determinado no art. 47 do CDC que determina ser às cláusulas contratuais interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, devendo ao contratado ser claro e evitar dúvidas no contrato.

O art. 54, §4º CDC dispõe que cláusulas que implicarem em limitação de direito do consumidor deverá ser redigidas com destaque, permitindo-se a imediata e fácil compreensão. Essa leitura favorável ao consumidor é vista pela ótica contratual, também, pois conforme Braga Netto (2020, p. 526/527) “Ainda que se deva, [..] interpretação favorável ao adquirente de plano de saúde, não há como impor-se responsabilidade pela cobertura que, por cláusula expressa e de fácil verificação, tenha sido excluída do contrato.”

Contudo, não ocorrendo a limitação contratual e observados todos os requisitos legais determinados na lei 9.656/91, tal como os dispostos no Código de Defesa do Consumidor, poderá incorrer em cláusula abusiva ou prática abusiva, prescrito no arts. 39 e 51 de forma exemplificativa, sucessivamente. Farias & Farias (2018, p.46/47) sustenta que a diferença entre cláusula abusiva e a prática abusiva provém de que a primeira é inscrita em contrato de adesão ou em qualquer outro contrato de consumo, escrito ou verbal que fere direta ou indiretamente norma legal ou princípio jurídico, sendo a prática abusiva codificada no CDC.

Diante disso, depreende-se que se no contrato não estiver cláusula expressa de afastamento da disponibilidade do serviço home care ou afastamento de serviço de internação hospitalar, tal contrato será lido conforme a pactuação executada no contrato de adesão aos planos de saúde, regulamentado pela Agência Nacional de Saúde (ANS) que conforme Gregori (2019, p. 177) “não compete a essa Agência Reguladora criar ou extinguir direitos, isto é, não pode inovar no ordenamento jurídico.”

O art. 10 da Lei 9.656/98 prevê que as normas das coberturas e procedimentos em contratos de planos de saúde observarão editadas pelas ANS. Quanto a isso, foi editada a Resolução nº 428/2017 prevendo o rol de procedimentos e eventos em saúde atualizados- vigente atualmente – estabelecendo às operadoras de assistência à saúde suplementar, in verbis:

Art. 14. Caso a operadora ofereça a internação domiciliar em substituição à internação hospitalar, com ou sem previsão contratual, deverá obedecer às exigências previstas nos normativos vigentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e nas alíneas “c”, “d”, “e” e “g” do inciso II do art. 12 da Lei nº 9.656, de 1998.

Parágrafo único. Nos casos em que a assistência domiciliar não se dê em substituição à internação hospitalar, tal assistência deverá obedecer à previsão contratual ou à negociação entre as partes.

Sucedido a violação aos direitos constitucionais e infraconstitucionais referente à vida e à saúde, incide a reparação aos danos materiais e, no caso deste trabalho, danos morais.

 

2.2 Dano moral na recusa do home care

Verificando-se a violação de um direito e, consequentemente, o dever genérico de não lesionar outro indivíduo, conforme previsto na Constituição Federal/88, advém o dever e obrigação de indenizar, essa é a responsabilidade civil. O art. 5º da CF/88 ordena a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade e, de acordo com Antônio Jeová Santos (2019, p.39), tais direitos são “considerados como direitos da personalidade porque inatos, intransferíveis e imprescritíveis ditos direitos dão origem a todos os outros direitos públicos subjetivos.”

Um indivíduo não pode por livre e espontânea vontade abrir mão do seu direito à liberdade ou à vida, pois tais direitos são próprios destes e estão juridicamente protegidos, de forma que cabe ao Estado resguardá-los e assegurá-los de acordo com os ditames legais, pois este último se situa como sujeito passivo de obrigação e havendo desrespeito a tais direitos intrínsecos transcorre o dano.

O dano moral surgiu como alternativa em casos de desrespeito aos direitos de personalidade[14] e segundo Adalberto Pinto Martins (2013, p. 311), se tornou “válvula de escape” esposada pelos tribunais brasileiros […] já que mensurar a dor, sofrimento, o constrangimento sofrido não são dados juridicamente táteis.”

Deve-se observar que o dano moral tem sua construção para além da doutrina. De fato, a jurisprudência tem grande participação na construção do conceito e na forma no qual é exercido, de acordo com o caso concreto e com os ditames jurisprudenciais atuais pois, conforme supracitado, a mensuração da dor e do constrangimento sofrido não é mensurável pelos preceitos legais.

Partindo-se do princípio de que o dano moral é imensurável, observa-se uma problemática vivenciada pelos tribunais, qual seja: como indenizar um dano moral?

Na busca da resolução da problemática surgida, a doutrina jurídica tem exercido relevante papel. Nesse sentido, Rizzatto Nunes (2018, p. 253) assevera que

 

Então, a indenização nesse campo possui outro significado. Seu objetivo é duplo: satisfativo-punitivo. Por um lado, a paga em pecúnia deverá proporcionar ao ofendido uma satisfação, uma sensação de compensação capaz de amenizar a dor sentida. Em contrapartida, deverá também a indenização servir como punição ao ofensor, causador do dano, incutindo-lhe um impacto, suficiente para dissuadi-lo de um novo atentado.

 

Como bem observado, o dano moral atinge uma esfera em qual cifrões monetários não conseguem calcular a dimensão do dano causado, ainda mais se o dano referir aos direitos mais preciosos que são a vida e a saúde, posto que a vida não tem valor por si. Nesse caso, cabe ao magistrado determinar o quantum auferido de acordo com caso concreto, da mesma maneira que cabe à jurisprudência, consoante à doutrina, estabelecer critérios para fixação do dano moral.

Cumpre relatar que a ideia partida da indenização do dano moral é impedir prejuízos além dos constatados no dano e o nexo causal, ao passo de que existem danos reconhecidos como “mero incômodo ou inconveniente” que, de acordo com Santos (2019, p. 119) “as sensações desagradáveis […] não merecerão ser indenizadas. Existe um piso de inconvenientes que o ser humano tem de tolerar, sem que exista autêntico dano moral.”

Referindo-se aos planos de saúde pode ser que haja um dano patrimonial, mas deve-se ater ao fato de que dano patrimonial é dano que permite o retorno ao status quo ante e dano extrapatrimonial é aquele que atinge o direito de personalidade, caso apresentado no referido trabalho.

 

  1. Papel do Superior Tribunal de Justiça na construção do dano moral devido em planos de saúde – home care

Conforme analisado no presente artigo, o dano moral tem seus contornos definidos pela doutrina jurídica e, principalmente, pela jurisprudência, posto que cabe às Cortes Superiores o refinamento e aplicação meticulosa do tema. Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui atribuição substancial na temática pois, de acordo com Braga Netto (2020, p. 247), “o dano moral é um daqueles temas em que a vida social está a frente da lentidão dos livros […].”

Conforme Braga Netto (2020, p. 115), “a jurisprudência [..] tem função importantíssima na construção de nossa ordem constitucional democrática […]no desenvolvimento efetivo de soluções que privilegiem a dimensão existencial das relações jurídicas. Assim, é a jurisprudência importante agente operante na busca pela proteção dos direitos fundamentais relativos aos indivíduos, de modo que é ela que tratará a instrumentalização de conceitos normativos nos casos concretos.

Como visto anteriormente, a ANS prevê o rol de procedimentos e eventos em saúde a partir da Resolução Normativa 428/2017 instituindo diretrizes de atenção à saúde e referência básica para a cobertura assistencial mínima nos planos privados de saúde – de acordo com as normas estabelecidas – e sobrevindo o dano ao consumidor por sua inobservância e, também, inobservância dos demais preceitos legais constitucionais e infraconstitucionais, sobrevém o direito à indenização, construída por meio da jurisprudência e da lei.

O colendo STJ possui o entendimento de que o mandamento constitucional de proteção do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC, extraindo-se, assim, que a jurisprudência do STJ configura-se uma das fontes. O STJ possui como parecer jurisprudencial a tese de que o descumprimento contratual perfaz dando moral indenizável.

Farias e Farias (2018, p.40) afirmam:

 

Na contratação tanto o consumidor como empresa […] assumem um risco. O consumidor pagará[…] por serviços médicos hospitalares de que talvez nunca venha a necessitar enquanto operadora do plano de saúde assume o risco de ter que arcar com serviços de medicina.

 

Dito isso, percebe-se, novamente, que não se trata de um simples contrato civil, pois, como já visto anteriormente, o que está em jogo é a vida humana por meio da prestação de serviços pelas operadoras de planos saúde e que ambas as partes assumem risco do negócio pactuado.

A partir da leitura de acórdãos proferidos pelo STJ, nota-se que o dano moral é concedido em boa parte dos pleitos que sustentam a obrigatoriedade das operadoras dos planos de saúde no oferecimento da terapêutica domiciliar, conforme se observa no voto do Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no Resp 1.378.707/ RJ (BRASIL, 2015):

 

RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. SERVIÇO DE HOME CARE. COBERTURA PELO PLANO DE SAÚDE. DANO MORAL. 1 – Polêmica em torna da cobertura por plano de saúde do serviço de “home care” para paciente portador de doença pulmonar obstrutiva crônica. 2 – O serviço de “home care” (tratamento domiciliar) constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde. 3- Na dúvida, a interpretação das cláusulas dos contratos de adesão deve ser feita da forma mais favorável ao consumidor . Inteligência do enunciado normativo do art. 47 do CDC. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca do tema. […] 5 – Dano moral reconhecido pelas instâncias de origem. Súmula 07/STJ. 6 – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Conforme se observa na decisão proferida pelo douto julgador, o home care é uma consequência do contrato pactuado entre consumidor e planos de saúde prevendo a internação hospitalar, como também internação na área de terapia intensiva. Para a jurisprudência, se no caso há a menção de internação hospitalar, não há motivos para não ser devido a internação domiciliar. Também, o Colendo Tribunal prevê requisitos necessários para obrigar a operadora do plano de serviço custear a terapêutica domiciliar em substituição à internação domiciliar, como nota-se no Resp. 1.537.301-RJ, de Relatoria do Min. Ricardo Villa Bôas (BRASIL, 2015):

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. INTERNAÇÃO HOSPITALAR. CONVERSÃO EM ATENDIMENTO MÉDICO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. SERVIÇO DE HOME CARE. CLÁUSULA CONTRATUAL OBSTATIVA. ABUSIVIDADE. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO TRATAMENTO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. AGRAVAMENTO DAS PATOLOGIAS. GRANDE AFLIÇÃO PSICOLÓGICA. [..] 2. Apesar de os planos e seguros privados de assistência à saúde serem regidos pela Lei nº 9.656/1998, as operadoras da área que prestam serviços remunerados à população enquadram-se no conceito de fornecedor, existindo, pois, relação de consumo, devendo ser aplicadas também, nesses tipos contratuais, as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ambos instrumentos normativos incidem conjuntamente, sobretudo porque esses contratos, de longa duração, lidam com bens sensíveis, como a manutenção da vida. Incidência da Súmula nº 469/STJ. 3. Apesar de, na Saúde Suplementar, o tratamento médico em domicílio não ter sido incluído no rol de procedimentos mínimos ou obrigatórios que devem ser oferecidos pelos planos de saúde, é abusiva a cláusula contratual que importe em vedação da internação domiciliar como alternativa de substituição à internação hospitalar, visto que se revela incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário (consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, da Lei nº 8.078/1990). Precedentes. 4. O serviço de saúde domiciliar não só se destaca por atenuar o atual modelo hospitalocêntrico, trazendo mais benefícios ao paciente, pois terá tratamento humanizado junto da família e no lar, aumentando as chances e o tempo de recuperação, sofrendo menores riscos de reinternações e de contrair infecções e doenças hospitalares, mas também, em muitos casos, é mais vantajoso para o plano de saúde, já que há a otimização de leitos hospitalares e a redução de custos: diminuição de gastos com pessoal, alimentação, lavanderia, hospedagem (diárias) e outros. 5. Na ausência de regras contratuais que disciplinem a utilização do serviço, a internação domiciliar pode ser obtida como conversão da internação hospitalar. Assim, para tanto, há a necessidade (i) de haver condições estruturais da residência, (ii) de real necessidade do atendimento domiciliar, com verificação do quadro clínico do paciente, (iii) da indicação do médico assistente, (iv) da solicitação da família, (v) da concordância do paciente e (vi) da não afetação do equilíbrio contratual, como nas hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia não supera o custo diário em hospital. 6. A prestação deficiente do serviço de home care ou a sua interrupção sem prévia aprovação ou recomendação médica, ou, ainda, sem a disponibilização da reinternação em hospital, gera dano moral, visto que submete o usuário em condições precárias de saúde à situação de grande aflição psicológica e tormento interior, que ultrapassa o mero dissabor, sendo inidônea a alegação de mera liberalidade em seu fornecimento. 7. Recurso especial não provido.

Contudo, existem decisões na qual se observa a não concretização de dano ensejando indenização monetária por ocorrência de dano moral, como se verifica no AgInt no Agravo em Resp nº 1.412.367 – RJ (2018/0326088-9), Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (BRASIL, 2020) determinando:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. INTERNAÇÃO DOMICILIAR. RECUSA. CLÁUSULA CONTRATUAL. DÚVIDA RAZOÁVEL. DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Havendo dúvida razoável na interpretação do contrato, a recusa da operadora de plano de saúde na cobertura de determinado procedimento, sem ofensa aos deveres anexos do pacto – como a boa-fé -, não pode ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, de modo que não fica configurada a conduta ilícita capaz de ensejar a indenização por danos morais. Precedentes. 3. Agravo interno não provido

 

 

Conforme percebe-se, existem ações pleiteando danos morais, mas não conseguem sustentar a tese invocada pelo STJ. No acórdão em tela o Min. Relator descreve em seu voto que havendo dúvida jurídica razoável “[..] da operadora, ao optar pela restrição da cobertura sem ofender os deveres anexos do contrato – como a boa-fé -, não pode ser reputada ilegítima o [..] o que afasta qualquer pretensão de compensação por danos morais.”

Assim, a recusa indevida e, também, injusta ao consumidor que solicita às operadoras de planos de saúde o tratamento prescrito/ indicado pelo médico é digna de danos morais indenizáveis contudo, a recusa ao tratamento por questões meramente contratuais e quando tal recusa não frustra expectativas legítimas do consumidor, não é motivo para ocorrer danos morais.

Além do mais, o STJ tem entendido que para que haja a configuração do dano moral há de demonstrar que a recusa ao tratamento home care trouxe maiores prejuízos ao consumidor, ao passo do que visto no voto da Rel. Min. Nancy Andrigui, no Resp nº 1.662.103 – SP (BRASIL, 2018)

 

RECURSO ESPECIAL. SAÚDE SUPLEMENTAR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE COBERTURA DE PLANOS DE SAÚDE. CLÁUSULAS LIMITATIVAS DEVEM SER REDIGIDAS COM CLAREZA. HOME CARE. INTERNAÇÃO DOMICILIAR. ABUSIVIDADE DA NEGATIVA DE FORNECIMENTO DA OPERADORA. CONFIGURADA. PACIENTE TETRAPLÉGICA, COM SEQUELAS NEUROLÓGICAS E ALIMENTAÇÃO POR SONDA GÁSTRICA. DANO MORAL. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. MERO ABORRECIMENTO. SÚMULA 7/STJ. 1- Ação ajuizada em 15/09/14. Recursos especiais interpostos em 1º e 2/9/15 e conclusos ao gabinete em 29/03/17. 2- Os propósitos recursais consistem em definir: i) se a operadora de plano de saúde está obrigada ao fornecimento de atendimento domiciliar (home care), apesar da ausência de previsão contratual; ii) acaso devida a cobertura, se sua negativa em favor da beneficiária produziu dano moral passível de compensação. 3- O volume de demandas envolvendo especificamente os limites de cobertura de planos de saúde estimulou o desenvolvimento da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), ferramenta disponibilizada pela ANS que se tem demonstrado eficaz na solução de conflitos entre operadoras e beneficiários. 4- Apesar de situações pontuais de penumbra acerca do alcance da cobertura do plano de saúde, há outras hipóteses em que a expectativa do beneficiário não deve encontrar embaraços na obtenção do tratamento de sua saúde. 5- A internação domiciliar (home care) constitui desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde. Precedentes. 6- Recomenda-se observar circunstâncias relevantes para a internação domiciliar, assim expostas exemplificativamente: i) haver condições estruturais [..] 7- Em relação aos litígios no campo da saúde suplementar, a conduta ilícita da operadora de plano de saúde, consubstanciada na negativa de cobertura, pode produzir danos morais ao beneficiário quando houver agravamento de sua condição de dor, de abalo psicológico e com prejuízos à saúde já debilitada. 8- Na hipótese concreta, primeiro e segundo graus de jurisdição registraram que a negativa de cobertura não produziu piora no estado de saúde da beneficiária do plano de saúde, e nenhum dano que ultrapasse o dissabor cotidiano. RECURSOS ESPECIAIS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS.

 

Como pode-se observar, o STJ tem entendido a possibilidade de mero dissabor referente aos contratos de prestação de serviços pois, a recusa ao tratamento é indevido, mas se o contrato com o plano de saúde prever a exclusão e for assinado de forma consciente, ou seja, sem ferir a boa-fé contratual, o STJ prevê a coerção do feito pela operadora, mas não entende que a recusa por si só gera indenização moral, devendo ser provado o dano e o nexo causal do dano sofrido.

Para Adalberto Pinto de Barros Neto (2013, p.317),

Caso reconheça-se o “mero dissabor”, reconhece-se uma violação, conquanto minorada, à dignidade humana, logo, enseja uma indenização proporcional ao dano sofrido. Agora, em casos de inexistência de dano moral, de fato, não se pode dar enchança à ação indenizatória.

 

Depreende-se, a partir das leituras das ementas e partes de votos dos Ministros Relatores, que a construção do dano moral indenizável ou não frente a temática tem sido acertada com base no princípio da dignidade humana, na boa-fé objetiva contratual e no princípio da razoabilidade auferidos nos contratos entre consumidores e prestadores de serviços de saúde suplementar.

 

Conclusão

A abstenção de cobertura da terapêutica domiciliar denominada home care pelas operadoras dos planos de saúde tem favorecido o ajuizamento de ações nos tribunais pleiteando ao Poder Judiciário a concessão do benefício em favor do consumidor.

É inquestionável os direitos peculiares aos consumidores quando encontra-se diante de direitos relativos à personalidade, posto que tratando-se do direito à vida e à saúde nada adianta perseguir demais direitos constitucionalmente e infraconstitucionalmente assegurados se não puder usufruí-los.

Perquiriu-se o entendimento legal, doutrinário e jurisprudencial quanto ao direito do consumidor na fruição do home care, apresentando-se o propósito da existência de planos de saúde de forma suplementar.

No entendimento do STJ, verifica-se a garantia do direito à saúde, à vida, à dignidade da pessoa humana, como também os direitos do consumidor enquanto parte de um contrato de adesão, sobretudo demonstrando que o direito constitucional garantido prepondera sobre o contrato firmado entre as partes. Não obstante, deva-se notar a legislação específica aos planos de saúde, regulamentado pela ANS e CDC, do mesmo modo perceber que trata-se de um contrato no qual deve-se primar pela boa-fé objetiva contratual partida de ambas as partes.

Além disso, referindo-se à responsabilidade civil concernente ao dano moral indenizável quanto a temática, constata-se a importância da Corte Superior na construção do conceito jurídico em prol do desenvolvimento efetivo dos resultados das relações jurídicas existentes, visto que, com base nas leituras dos votos dos acórdãos proferidos pelo STJ, identifica-se um posicionamento consolidado quando diante de um feito em qual prepondera a obrigatoriedade de fazer das empresas que fornecem serviços de saúde suplementar.

Conforme vislumbrando, na ocorrência de dano moral e na sua prova contundente frente a Corte Superior, de fato enseja dano moral indenizável conquanto que em casos que não há como se provar que de fato a ação ou omissão da operadora de plano de saúde em se negar a prover a terapêutica domiciliar, conhecida como home care, o pleito funda-se, apenas, na efetivação do serviço sem que haja algum ganho monetário e justifica-se, como percebido em acórdãos, como dissabor cotidiano.

Em suma, nota-se que o Superior Tribunal de Justiça possui parâmetros quanto a concessão do dano moral, bem como requisitos a serem cumpridos para que o plano de saúde seja obrigado a custear o tratamento domiciliar. Ademais, compreende-se que a recusa ao tratamento pode se dar através de contrato firmado, de forma que prevalece o posicionamento da Corte Superior da possibilidade de ocorrer um mero aborrecimento, assim sendo, a recusa por si só não gera o direito de indenização por danos morais.

 

 

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[1]Acadêmica de Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), 2020. Graduada em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: nicolealb.rp@gmail.com

[2]Orientador Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP. Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru -ITE/ Bauru. Especialista em Processual Constitucional e Garantia de Direitos pela Universidade de Pisa – Itália. Especialista em Direito Processual pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). E-mail: seixas.bernardo@gmail.com

[3]Consoante Flávio Tartuce (2018, p.22), o CDC surge diante de protestos em prol da liberdade e de outros valores sociais, fazendo superar parcialmente o conceito moderno de sociedade e eclodindo a pós-modernidade que prevê movimentos de mudanças científicas, culturais e tecnológicas. Conhecido como movimento pós-industrial, também.

[4]De acordo com Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 48), o Pacta Sunt Servanda é um fundamento referente ao princípio da obrigatoriedade dos contratos e diz respeito à intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente do convencimento de que o acordo de vontades faz lei entre as partes, personificando a máxima de que os pactos devem ser cumpridos, não podendo ser alterados nem pelo juiz e que qualquer modificação ou revogação terá de ser bilateral.

[5]De Acordo com Maria Stella Gregori(2019, p.127) os contratos de consumo se darão através de  instrumentos escritos ou não, a exemplo dos contratos verbais, e terão o conteúdo estipulado de forma unilateral ou bilateral, tal como o contrato de adesão.

[6]Conforme Pablo Stolze (2019, p. 369), o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma nova era para o Direito Privado Brasileiro, posto que serviu de modelo substitutivo do Código Civil anterior.

[7]Conforme disposto no art. 14 do CDC.

[8]Felipe Braga Netto (2020, p. 63) proclama a presunção de vulnerabilidade do consumidor de forma absoluta, por conceito legal.

[9]Consoante Felipe Braga Netto (2020, p.447), o diálogo de fontes é uma característica do CDC, reconhecida pelo STJ e prevista no art. 7º CDC, prevendo a pluralidade de fontes normativas, de modo que o diálogo entre elas busca o melhor e mais justo resultado aos conflitos normativos.

[10]Refere-se à Classificação Internacional de Doenças (CID).

[11]Refere-se à Agência Nacional de Saúde (ANS).

[12]Consonante ao art. 12 da Lei 9.656/98.

[13]Maria Stella Gregori (2019, p.147/148), declara que os tipos de planos comportam o plano-referência, mais completo e abrangente; plano ambulatorial; plano hospitalar e plano odontológico.

[14]O art. 186 do Código Civil determina que violar direito e, consequente, incorrer em dano, ainda que exclusivamente moral, seja por ação ou omissão, negligência ou imprudência, configura-se ato ilícito.

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