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Os Direitos Humanos a partir de uma inversão dialética

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Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar os direitos humanos em uma visão crítica, a partir de suas contradições históricas e sociais. Demonstra que o profundo abismo social existente na sociedade se configura em um obstáculo permanente à concretização dos direitos humanos e ao acesso a uma vida digna por grande parte dos indivíduos, colocando em relevo a nova ordem mundial globalizada como geradora de exclusão social e marginalização, fator que legitima uma política violenta e repressiva por parte do Estado.


Palavras-chave: direitos humanos, exclusão social, violência.


Abstract: The aim of this article is to present the subject of human rights from a critical viewpoint, on the grounds of its historical and social contradictions. The author shows that the deep class differences in society are a permanent hindrance to the fulfillment of human rights, barring the access to a dignified life to a large amount of individuals. That gap accentuates the role of the new globalized order as one of the main culprits of social exclusion and marginalization, legitimating a governmental policy of violence and repression.


Keywords: human rights, social exclusion, violence.


Sumário: 1. Introdução; 2. Considerações Históricas; 3. Direitos Humanos e Desigualdade Social: paradoxos neoliberais; 4. Direitos Humanos e Criminalização da Pobreza: a hipertrofia do setor punitivo em foco; 5. Os Direitos Humanos e o Estado Brasileiro; 6. Direitos Humanos e Políticas Públicas; 7. Direitos Humanos: possibilidade ou contradição?; 8. Considerações Finais; Referências Bibliográficas.


1. Introdução


Regras escritas pelo próprio homem em um determinado momento histórico o colocaram como igual perante os outros homens, com isonomia de direitos, entre os quais a preservação da vida, a liberdade e a busca da felicidade.


Estas regras criaram o cidadão, originado pela revolução burguesa, com o condão de igualar a todos na sociedade, numa criação artificial incapaz de garantir seus direitos, uma vez que, entre os homens, existem os iguais e os desiguais perante a lei e a vida. Aos segundos, restam as promessas não cumpridas, posto que, na praxe histórica e concreta do fazer humano, sempre existiram os que vivem à margem de qualquer direito solenemente proclamado.


Ironicamente, os direitos humanos são justamente os direitos daqueles que não possuem direitos, sujeitos que estão à repressão inumana e a condições de vida indignas de serem vividas – estes são os desiguais – vítimas que são da negação absoluta de qualquer direito, embora sejam humanos de fato.


As regras criaram este homem igual a todos os homens, mas outras regras perversas insistem em perverter essa isonomia formal e ideal. De fato, esses atores não pertencem ao mesmo espaço e muito menos se encontram em posição de igualdade; foram as regras que os colocaram como iguais.


Segundo Michel Foucault, a peça representada neste teatro sem lugar é sempre a mesma: é aquela que repetem indefinidamente dominadores e dominados. Homens dominam outros homens, e é assim que nasce a diferença dos valores; classes dominam classes, e é assim que nasce a idéia de liberdade. E é por isto precisamente que em cada momento da história a dominação se fixa em um ritual; ela impõe obrigações e direitos, ela constrói cuidadosos procedimentos. Universo de regras que não é destinado a adoçar, mas, ao contrário, a satisfazer a violência. A humanidade não progride lentamente, de combate em combate, até uma reciprocidade universal, em que as regras substituiriam para sempre a guerra; ela instala cada uma de suas violências em um sistema de regras, e prossegue assim, de dominação em dominação. E é justamente a regra que permite seja feita violência à violência, e que uma outra dominação possa dobrar aqueles que até então dominavam. Em si mesmas as regras são vazias, violentas, não finalizadas; elas são feitas para servir a isto ou àquilo; elas podem ser burladas ao sabor da vontade de uns ou de outros. O grande jogo da história será de quem se disfarçar para pervertê-las, de quem, se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de tal modo que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras. [1]


2. Considerações Históricas


Houve um tempo em que a noção de direitos humanos não fazia parte do conjunto de formulações políticas. Ao povo restava a obediência e o cumprimento de deveres, em estrita submissão aos ditames do Estado. A este Estado, senhor absoluto e opressor da autonomia individual, cabia a precedência do delineamento da vida social.


Foi a partir das Declarações do fim do século XVIII[2] que a noção de direitos do homem assumiu contornos empíricos, deixando de lado as especulações religiosas e filosóficas acerca dos direitos naturais e inalienáveis dos seres humanos, o que constituiu uma mudança radical nos fundamentos da legitimidade política.


Dizer que afirmação dos direitos do homem constituiu, inicialmente, uma preocupação circunscrita aos planos da especulação filosófica, diz respeito á tradição jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, que os enunciava numa esfera estritamente doutrinal. Thomas Hobbes já havia argumentado que os homens deveriam renunciar a uma parcela de seus direitos naturais (que, portanto, não eram inalienáveis) para estabelecer uma sociedade civil ordeira.


A falaciosa idéia de que uma multiplicidade de indivíduos e suas manifestações de vontades possibilitou a formação de uma vontade única, reguladora de suas vidas e destinos, nada mais é que uma tentativa de justificar a opressão e a lei do mais forte. Assim, utilizando-se a metáfora do Leviatã enquanto homem construído, capaz de pôr freio às paixões e à guerra de todos contra todos, observa-se uma espécie inimaginável de coagulação de certo número de individualidades separadas, unidas por um conjunto de elementos constitutivos do Estado, que surge, nesse sentido, como senhor absoluto e detentor da soberania. Em sentido oposto, as Declarações marcam uma nova concepção de Estado: não mais absoluto e sim limitado pelos “direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem”.


Segundo Norberto Bobbio, os ideais de liberdade e igualdade da Declaração dos Direitos do Homem trazem apenas vestígios do jusnaturalismo moderno estruturado por John Locke. De acordo com o autor,


“A Declaração conserva apenas um eco porque os homens, de fato, não nascem nem livres e nem iguais. São livres e iguais com relação a um nascimento ou naturezas ideais, que era precisamente o que tinham em mente os jusnaturalistas quando falavam em estado de natureza. A liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever ser. Enquanto teorias filosóficas, as primeiras afirmações dos direitos do homem são pura e simplesmente a expressão de um pensamento individual: são universais em relação ao conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional fora do espaço e do tempo, mas são extremamente limitadas em relação à sua eficácia, na medida em que são (na melhor das hipóteses) propostas para um futuro legislador.” [3]


Assim, a democracia moderna, reinventada quase ao mesmo tempo na América do Norte e na França, foi a forma política encontrada pela burguesia para extinguir os antigos privilégios dos dois principais estamentos do ancien régime – o clero e a nobreza – e tornar o governo responsável perante a classe burguesa. O espírito original da democracia moderna não foi, portanto, a defesa do povo pobre contra a minoria rica, mas sim a defesa dos proprietários ricos contra um regime de privilégios estamentais e de governo irresponsável. [4]


A partir daí, o indivíduo que antes contava com a proteção familiar, estamental ou religiosa, torna-se mais vulnerável às vicissitudes da vida. A sociedade liberal ofereceu-lhe em troca a segurança da legalidade, com a garantia de sua igualdade perante as leis. Todavia, essa isonomia cedo revelou-se uma pomposa inutilidade, haja vista a legião crescente de trabalhadores compelidos a se empregarem nas empresas capitalistas. Patrões e empregados eram considerados, pela majestade da lei, como perfeitamente iguais em direitos, com inteira liberdade para estipular o salário e as demais condições de trabalho. Fora da relação de emprego assalariado, a lei assegurava imparcialmente a todos, ricos e pobre, jovens e anciãos, homens e mulheres, a possibilidade jurídica de prover livremente a sua subsistência e enfrentar as adversidades da vida, mediante um comportamento disciplinado e o hábito da poupança. O resultado dessa atomização social, como não poderia deixar de ser, foi a brutal pauperização das massas proletárias. [5]


Desse modo, caía por terra o mito do espírito da igualdade, tão decantada e admirada como verdade universal. O ser humano concreto, emancipado de sua condição de súdito, agora diante da realização prática de seu cotidiano e marginalizado por seus flagelos sociais, enterrou sem nenhuma pompa o ser abstrato e ideal criado pelas Declarações.


3. Direitos Humanos e Desigualdade Social: paradoxos neoliberais


Desde 1948 até a atualidade tem-se acostumado a denominar como “direitos humanos” aos diferentes processos sociais, políticos e culturais que tendem a positivar institucionalmente tanto as exigências de proteção dos cidadãos contra a hegemonia do Estado sobre as vidas destes, como as demandas políticas de intervenção desse mesmo Estado, com o objetivo de obstacularizar o desenvolvimento irrestrito do mercado nas relações sociais e suas consequências, sejam elas intencionais ou não. [6]


Esta dualidade conceitual e de intenções perante os direitos humanos implica em uma situação que não conduz a uma possível solução dos problemas sociais, ao contrário, se traduz em uma conflitualidade que cria obstáculos e imobiliza qualquer ação transformadora da realidade social operante. Certo é que existe no próprio significado da expressão “direitos humanos” entendimentos diversos por parte dos indivíduos, o que também limita e dificulta uma plena atuação em prol da luta para sua possível concretização.


Os direitos humanos[7] são, ainda, proposições éticas que se destinam a todos os seres humanos, sem qualquer espécie de distinção. Nesse sentido, os direitos humanos aspiram a uma pretensão universalista, pois concebem a igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa.


A Declaração Universal de 1948, em seu artigo I, reforça essa ideia ao enunciar que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Prossegue, no artigo II, a endossar que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas na Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição. Estabelece o artigo VII a concepção da igualdade formal, prescrevendo que “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei”. Portanto, se o primeiro artigo da Declaração afirma o direito à igualdade, o segundo artigo adiciona a cláusula de proibição da discriminação de qualquer espécie, como corolário e consequência do princípio da igualdade. [8]


Contudo, essas formulações de igualdade e não discriminação têm servido para encobrir uma lógica perversa, onde a inclusão dos iguais pressupõe a exclusão dos diferentes. A modernidade, para atingir a igualdade, precisou disciplinar através de vários instrumentos não apenas os homens, mas todas as coisas que de algum modo pudessem estar fora do lugar “correto”. Neste sentido, estar fora do lugar constitui-se em ameaça, em perigos potenciais que devem ser expurgados sob pena de imperar o caos e a desordem. A criação dessa compulsão pela ordem é que ensejou o desejo da igualdade, conduzindo a uma racionalidade totalizadora. O mundo perfeito, utopia dos iluministas, seria totalmente limpo, previsível e idêntico a si mesmo, transparente e livre de quaisquer contaminações.


A cidade moderna esboçada pelos visionários do planejamento foi pensada para conter os diferentes em territórios inteiramente “domesticáveis”. Assim,


“Os habitantes que por qualquer razão não conseguissem se adaptar aos padrões de normalidade (“cidadãos doentes”, “inválidos e senis” e aqueles que “mereçam um isolamento temporário do restante”) serão confinados em áreas “fora de todos os círculos a uma certa distância”. Finalmente, os habitantes que mereçam a “morte cívica, isto é, a perpétua exclusão da sociedade”, serão trancafiados em celas semelhantes a cavernas com “jaulas e grades bem fortes”, perto dos biologicamente mortos, dentro do “cemitério murado”.” [9]


Dessa forma, já que a regra sempre foi a exclusão e a segregação, o discurso que apresenta os direitos humanos como política de emancipação e libertação, em benefício dos homens universais, contempla uma verdadeira antinomia, tendo em vista a fragilização do Estado-Nação em virtude do chamado neoliberalismo econômico, e, o que é pior, busca legitimar padrões de desigualdade e dominação baseados em critérios territoriais. Segundo Boaventura de Souza Santos,


“Da década de 1990 em diante, a globalização neoliberal começou a ser confrontada com movimentos sociais e organizações não governamentais progressistas, de cujas lutas emergiram novas concepções de direitos humanos, oferecendo alternativas radicais à concepção liberal norte-cêntrica que até então dominava com inquestionável supremacia. Nos termos dessa concepção, o Sul global é intrinsecamente problemático no que toca ao respeito pelos direitos humanos, enquanto que o Norte global é exemplo desse respeito e procura, com a ajuda internacional, melhorar a situação dos direitos humanos no Sul global. Com a emergência da globalização contra-hegemônica, o Sul global começou a poder questionar de modo credível esta concepção, mostrando que a fonte primária das mais massivas violações de direitos humanos – milhões e milhões de pessoas condenadas à fome e desnutrição, pandemias e degradação ecológica dos meios de subsistência–- reside na dominação do Norte global sobre o Sul global, agora intensificada pelo capitalismo neoliberal global.” [10]


Neste contexto, a política de direitos humanos é posta diante de novos desafios, onde o mito da igualdade, já agora diluído, faz emergir a lógica da desigualdade social, esta sim terrivelmente igual para muitos e assistida como uma profecia darwinista cumprida, à distância, por uma minoria de privilegiados, higienicamente protegidos em suas ilhas de poder.


Octavio Ianni faz uma relação entre pós-modernidade e globalização econômica e todas as suas implicações culturais, econômicas e humanas. Para ele, as mudanças significam a imposição da “lógica do mercado” sobre todos os aspectos e dimensões da vida humana.


“O neoliberalismo enraiza-se diretamente no mercado mundial, no fluxo de capital, tecnologia, força de trabalho, mercadoria, lucro, mais-valia, lança-se diretamente num mundo sem fronteiras, alfândegas, barreiras. Reafirma os princípios da liberdade, igualdade, propriedade e contrato, agora sob a égide das multinacionais, corporações, conglomerados, organizações pouco localizáveis, no sentido que estão em muitos lugares e às vezes operam à margem de instituições, códigos, estatutos ou constituições nacionais.” [11]


Com consequência, tem-se a fragmentação das relações sociais e do trabalho, destruídas pela crescente informatização das indústrias. Nesse sentido, o trabalho perde sua centralidade, tornando-se flexível e precário. E o que mais chama a atenção: nessas novas organizações sociais não há donos e patrões claramente identificáveis. Em um âmbito de hierarquias confusas, os operários tendem a desaparecer, dando lugar a uma mão de obra mais barata e terceirizada, como forma de diminuir os já precários postos de trabalho.


Conforme Zygmunt Bauman, a nova geração de “classes esclarecidas”, geradas no mundo monetarista do capital nômade, entende que abrir represas e dinamitar todos os diques mantidos pelo Estado seria capaz de fazer do mundo um lugar livre para todos. Aduz ainda que, para essas crenças folclóricas, a liberdade (de comércio e a mobilidade de capital) é a estufa na qual a riqueza cresceria mais rápido do que nunca; e, uma vez multiplicada a riqueza, haverá mais para todos. [12]


“Os pobres do mundo – quer velhos ou novos, hereditários ou fruto da computação – dificilmente reconheceriam sua angustiosa situação nessa ficção folclórica. Os meios são a mensagem e os meios de comunicação através dos quais está sendo criado o mercado mundial não facilitam, mas ao contrário impedem o prometido efeito de “gotejamento”. Novas fortunas nascem, crescem e florescem na realidade virtual, firmemente isoladas das rudes e despachadas realidades fora de moda dos pobres. A criação da riqueza está a caminho de finalmente emancipar-se das suas perpétuas conexões – restritivas e vexatórias – com a produção de coisas, o processamento de materiais, a criação de empregos e a direção de pessoas. Os antigos ricos precisavam dos pobres para fazê-los e mantê-los ricos. Essa dependência mitigou em todas as épocas o conflito de interesses e incentivou algum esforço, ainda que débil, de assistência. Os novos ricos não precisam mais dos pobres. Finalmente a bem-aventurança da liberdade total está próxima.” [13]


Mas não é só isso que demonstra a inexistência de uma igualdade conforme esboçado pelas proposições humanistas. Com o desemprego e a crescente pauperização das classes desprovidas do capital, surge uma zona de excluídos que não possuem domínio sequer sobre seus próprios corpos, o que não reflete uma diversidade de parceiros iguais, mas sim sujeitos relegados a um controle exercido pelo poder “subterrâneo”, isto porque, “no cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do espetáculo é deixado apenas com suas necessidades básicas: seu poder de repressão”. [14] 


4. Direitos Humanos e Criminalização da Pobreza: a hipertrofia do setor punitivo em foco


O grande simulacro das constituições democráticas promulgadas nos Estados Democráticos de Direito é trazer determinadas promessas que dificilmente serão cumpridas, metas que jamais sairão do solene papel, restando os direitos como que corpos à espera de almas que os habitem e lhes concedam a vida. Igualdade de direitos, cidadania, dignidade… Talvez por não possuir a exata dimensão de sua situação no mundo, o sujeito acede ao discurso que lhe promete o acesso igualitário a muitas coisas, às quais não terá acesso, sem se dar conta que esse discurso o transforma em mero expectador, sem a capacidade de discussão de seu destino, e cujo papel de participante representado na cena da vida é estancado e limitado pelos interditos impostos pelos detentores do poder.


“De maneira mais precisa, poderíamos dizer que a fantasia ideológica vem tapar o buraco aberto pelo abismo, pelo cunho infundado da lei social. Esse buraco é delimitado pela tautologia “a lei é a lei”, fórmula que atesta o caráter ilegal e ilegítimo da instauração do reino da lei, de uma violência fora da lei, em que se sustenta o próprio reino da lei. […] A violência ilegítima em que se sustenta a lei deve ser dissimulada a qualquer preço, porque essa dissimulação é a condição positiva do funcionamento da lei: ela funciona na medida em que seus subordinados são enganados, em que eles vivenciam sua autoridade como “autêntica, eterna”, e não sentem a “verdade da usurpação”.” [15]


Mas como entender uma categoria de direitos que, embora sejam apresentados como limites ao arbítrio e pertencentes a todos os homens universais, não são sequer respeitados pelo próprio Estado? Como convalidar tais direitos vazios de aplicabilidade?


Certo é que o Direito constrói um Estado que surge como instância superior, mediadora das relações entre pessoas formalmente iguais: os cidadãos. Estes são uma criação jurídica da revolução burguesa, que procura dar essa aparência de igualdade a todos na sociedade. Ao fazê-lo, encobre-se a verdadeira realidade existente, a profunda desigualdade social, impedindo, ao mesmo tempo, qualquer movimento contra tal realidade. O discurso jurídico tem, assim, um papel primordial no ocultamento dos fatores reais de dominação existentes nas relações sociais. O Direito é, pois, um meio de mascarar as desigualdades existentes, através da afirmação da igualdade de todos perante a lei.


Do mesmo modo, ao deixar um caminho aberto ao indivíduo, para que este possa reivindicar a concretização daqueles direitos que lhe foram formalmente concedidos através das práticas peculiares a um Estado Democrático de Direito, o próprio Direito cria outros mecanismos para assegurar que tais direitos não sejam plenamente efetivados, mantendo-se a relação de dominação para uma parcela marginalizada da sociedade: a criminalização de determinadas categorias de indivíduos.


Loïc Wacquant aponta que, na era pós-keynesiana do emprego inseguro, a renovada utilidade do aparelho penal apresenta-se de três formas: ela se dedica a dobrar as frações da classe operária que reagem à disciplina do novo e fragmentado assalariamento dos serviços, ao aumentar o custo das estratégias de fuga na economia informal da rua; neutraliza e armazena seus elementos mais desagregadores ou tornados totalmente supérfluos pela recomposição da demanda de força de trabalho; e reafirma a autoridade do Estado na vida cotidiana, no domínio restrito ao qual tem acesso a partir de então. A canonização do “direito à segurança”, correlata ao abandono do “direito ao emprego” sob sua antiga forma (ou seja, em tempo integral e com plenos direitos, por uma duração indeterminada e com salário viável, que permitia ao trabalhador se reproduzir socialmente e se projetar no futuro) e ao interesse e aos meios ampliados garantidos para a imposição da ordem, vem, com efeito, no momento exato, preencher o déficit de legitimidade sofrido por aqueles que decidem as políticas, devido exatamente ao fato de que eles abjuraram as missões confiadas ao Estado na frente econômica e social. [16]


Diante disso, resta um campo fértil de possibilidades para a evolução do âmbito repressivo em detrimento do setor social, uma vez que ao Estado não mais interessa proporcionar condições dignas de vida aos mais pobres. Destarte, “longe de ser um acontecimento acidental ou anormal, a expansão hipertrofiada do setor repressivo do campo burocrático é um componente essencial da sua nova anatomia na era do neodarwinismo econômico”. [17]


As Nações Unidas calculam que pelo menos a quarta parte da população das cidades latino-americanas habitam em “assentamentos que escapam às normas modernas de construção urbana”, extenso eufemismo para designar os tugúrios conhecidos como favelas no Rio de Janeiro. Nos casebres que surgem a cada amanhecer nos cinturões das cidades acumula-se a população marginal jogada nas cidades pela miséria e pela esperança. Os marginalizados vivem de biscates, mordiscando trabalho aos pedacinhos e, de quando em quando, cumprem tarefas sórdidas e proibidas; são serventes, pedreiros ou marceneiros eventuais, vendedores de limonada ou de qualquer coisa, ocasionais eletricistas, bombeiros ou pintores de paredes, mendigos, ladrões, guardadores de carros, braços disponíveis para o que der e vier. Como os marginalizados crescem mais rapidamente que os “integrados”, as Nações Unidas pressentem que daqui a pouco “os assentamentos irregulares abrigarão a maioria da população urbana”. Enquanto isso, o sistema opta por esconder o lixo debaixo do tapete. A ponta de metralhadora, vai varrendo a favela dos morros, jogando os marginalizados, aos milhares e milhares, longe da vista. [18]


Assim, surge uma categoria específica de indivíduos, que já não possuem sequer seus próprios corpos, expostos que estão à total violência e ao descaso diante de suas vidas, aquelas criaturas semelhantes ao que Giorgio Agamben define como Homo sacer: uma obscura figura do direito romano arcaico, cuja vida é incluída no ordenamento político unicamente sob a forma de sua exclusão, ou seja, de sua absoluta matabilidade. [19]  A estes são negados os direitos mais elementares, como o direito à vida, à integridade física, à saúde, ou seja, todos os direitos humanos universalmente proclamados.  


Então, o que acontece com os direitos humanos quando se reduzem aos direitos do Homo sacer, dos excluídos da comunidade política, dos reduzidos à “vida nua” – ou seja, quando se tornam inúteis, já que são os direitos dos que, exatamente, não têm direitos, dos que são tratados como inumanos? Aqui, Jacques Rancière sugere uma inversão dialética bastante espantosa:


“Quando eles não têm mais utilidade, fazemos o mesmo que as pessoas caridosas fazem com as roupas velhas. Damos para os pobres. Aqueles direitos que parecem inúteis em seu lugar de origem são mandados para o estrangeiro, junto com roupas e remédios, para gente privada de roupas, remédios e direitos. É dessa maneira, como resultado desse processo, que os Direitos do Homem se tornam os direitos dos que não têm direitos, os direitos de seres humanos nus sujeitos à repressão inumana e a condições de vida inumanas. Tornam-se direitos humanitários, os direitos dos que não podem praticá-los, das vítimas da negação absoluta do direito. Por tudo isso não são vazios. Os nomes e os lugares políticos nunca se tornam apenas vazios. O vazio é preenchido por outro alguém ou outra coisa. […] Se os que sofrem repressão inumana são incapazes de praticar os direitos humanos que são o seu último recurso, então outro alguém tem de herdar esses direitos para praticá-los em seu lugar de origem.” [20]


5. Os Direitos Humanos e o Estado Brasileiro


A construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de forma a garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, constituem os objetivos fundamentais do Estado brasileiro, consagrados no art. 3º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como unidade e como sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular. [21] Nesse sentido, a Constituição de 1988 é a primeira Constituição brasileira a elencar o princípio da prevalência dos direitos humanos como princípio fundamental a reger o Estado. [22]


Todavia, em que pese uma Constituição que tem como valor primordial a dignidade da pessoa humana, tal critério axiológico não tem sido suficiente para garantir uma vida digna a uma grande maioria da população, que sofre com problemas estruturais complexos, originados desde o descobrimento do Brasil e sua colonização pelos invasores europeus.


Leonardo Boff demonstra que a história do Brasil é marcada por uma herança de exclusão que se estruturou em suas matrizes sociais. Segundo o autor, criou-se aqui, desde os primórdios, um sujeito histórico de poder, sempre articulado transnacionalmente, que se mantém sem ruptura até os dias atuais. Aponta Boff quatro invasões sucessivas que inviabilizaram um projeto nacional autônomo. A primeira invasão, fundacional, ocorreu no século XVI com a colonização, onde índios foram subjugados ou mortos, e escravos trazidos da África para a máquina produtiva. A segunda invasão ocorreu no século XIX, onde milhares de imigrantes europeus, sobrantes do processo de industrialização de seus países de origem, para cá foram extrojetados. Foram vistos pelos índios, negros e pobres que aqui já estavam como novos invasores. Seus descendentes, logo incorporados ao projeto das classes senhoriais, criaram zonas prósperas, especialmente no sul do país, muitas vezes com a espoliação das terras indígenas e com a exploração da força de trabalho barata dos negros e mestiços. A terceira invasão ocorreu nos anos trinta do século XX e foi consolidada nos anos sessenta com a ditadura militar, onde foi introduzida a industrialização moderna de substituição. Ela se deu com a estreita associação com o capital transnacional e com tecnologias importadas. Já a quarta invasão se deu com a globalização econômica e com o neoliberalismo político a partir das inovações tecnológicas dos anos setenta e da implosão do socialismo em meados dos anos oitenta. Diante deste último quadro, o país se tornou o quinto maior hospedeiro de empresas multinacionais do mundo. [23]


Assim, originou-se um país submetido à lógica e aos interesses do capital estrangeiro, com uma economia devastadora de recursos naturais e humanos, onde campeia a desigualdade, a exclusão social e a violência institucionalizada. Nesse sentido, não basta que os direitos humanos sejam reconhecidos e solenemente declarados, é necessário garanti-los, sobretudo para aqueles que sequer sabem que os possuem, pois, mesmo declarados, o que se verifica é sua violação constante e sempre renovada, principalmente pelo Estado que deveria ser o seu principal garante. É preciso uma nova ética, um projeto que propicie uma mudança radical e emancipadora. Mas como se daria esta mudança? Boff propõe uma possível mudança, a partir de um projeto de democracia social e popular a que denomina “cidadania plena”:


“Este projeto distancia-se dos outros porque quer se construir sobre outra base social. É construído principalmente por todos aqueles que, excluídos da história brasileira, lentamente foram se organizando na sociedade civil e nos mais diferentes movimentos sociais. Acumularam força e conseguiram expressar-se em condutos político-partidários já agora em condições de disputar a conquista e o controle do poder de Estado. Para esse projeto, fundamental é construir uma nação autônoma, capaz de democratizar a cidadania, mobilizar a sociedade inteira para erradicar, em curto prazo, a pobreza absoluta, projetar um tipo de desenvolvimento sustentável, a partir de uma sociedade sustentável, desenvolvimento que se faça com a natureza e não contra ela, visando o suficiente e decente para todos e não a acumulação para poucos.”[24]


6. Direitos Humanos e Políticas Públicas


Por políticas públicas entende-se os programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas para a realização dos objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.[25]


Pelo conceito exposto pode-se facilmente constatar o caráter discricionário e seletivo de tais políticas, que deverão priorizar os “objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.


Por outro lado, as políticas públicas também podem ser entendidas como forma de controle prévio de discricionariedade, na medida em que exigem a apresentação dos pressupostos materiais que informam a decisão, em consequência da qual se desencadeia a ação administrativa. O processo de elaboração da política seria propício a explicitar e documentar os pressupostos da atividade administrativa e, dessa forma, tornar viável o controle posterior dos motivos. [26]


Porém, embora haja a possibilidade de revisão desses pressupostos materiais que motivaram a decisão por parte do Judiciário, “o seu núcleo permanece sendo um obstáculo à participação dos cidadãos na Administração e ao contraste pleno da atividade administrativa, na medida em que os instrumentos do direito não são aptos, por si sós, a sopesar as escolhas técnicas”. [27]


Nesse sentido, a implementação dessas políticas ficam restritas ao alvedrio do Estado, que, ao sopesar quais as políticas públicas serão mais oportunas e necessárias, irá escolher de acordo com o projeto do governante que está no poder. Assim, saúde, educação, emprego, moradia, meio ambiente e outras tantas tão importantes necessidades asseguradas constitucionalmente, ficam relegadas a segundo plano, tendo em vista que a política pública mais relevante na atualidade é a política de segurança pública. Esta tem sido certamente a principal meta do Estado.


Na esteira dessa situação surge um discurso que coloca a segurança não só como um direito fundamental do homem, mas como o direito por excelência, a ser implementado em detrimento de todos os demais, desenvolvendo-se, então, uma política de segurança pública que privilegia determinados aspectos da repressão em detrimento dos direitos e liberdades, bem como das garantias fundamentais, legitimando, assim, uma política repressiva e excludente.


Diante desse quadro caótico, só resta aos mais pobres o assistencialismo, a caridade, a humilhação, as filas intermináveis dos hospitais públicos, a moradia precária e insalubre, enfim, toda a (má) sorte de carências, pois tudo o que se lhes apresenta faz com que se sintam dolorosamente mais empobrecidos, porque nenhum bem ou serviço apresenta-se com um caráter de amenidade, mas, tão só, como meio de (sobre)vivência e mantença. 


Loïc Wacquant, com precisão, observa uma “redefinição da missão do Estado”. Este retira-se da arena econômica, proclama a necessidade de reduzir seu papel social à amplitude e extensão de sua intervenção penal. Desta forma, coloca o autor que


“A penalização da assistência pública chega mesmo ao seu cenário e ambiente materiais. A semelhança física do posto de assistência pós-reforma com as instalações prisionais é chocante. Não se trata apenas dos portões, dos guardas, dos sinais de advertência ou mesmo das cadeiras de plástico, cor de laranja, das salas de espera ou dos pisos de linóleo, de um cinza chumbo institucional. Trata-se também das condições de superlotação, dos sinais de comando “Espere Aqui”, “Pegue um Número para ser Atendido” ou “Apenas o Pessoal Autorizado”, e da voz que provém do sistema de som interno anunciando o nome do próximo cliente a ser atendido ou convocando este ou aquele funcionário. Este posto de atendimento tem ainda algo de prisão provocado pela sucessão de portas fechadas, aparentemente sem fim, cada uma delas com seu próprio número, levando a salas diminutas, onde os funcionários realizam entrevistas de avaliação com os clientes do welfare.”[28]


Qualquer semelhança com as instituições assistenciais, jurídicas ou burocráticas brasileiras não é mera coincidência…


7. Direitos Humanos: possibilidade ou contradição?


Em que pesem as divergências conceituais, de propósitos ou mesmo críticas acerca dos direitos humanos, o que se busca na verdade é o objetivo ainda não concretizado, as possibilidades que, a despeito das experiências já vividas no mundo concreto dos homens reais, sejam possíveis ou passíveis de concretização. Precisa-se, a qualquer custo, acreditar no futuro, sob pena do mais completo niilismo. Nesse sentido, superar o passado, viver o presente e crer que o melhor ainda está por vir é uma opção que alenta e possibilita enfrentar com certa esperança as desumanidades cometidas desde sempre. Assim, compreender os direitos humanos como um processo de algum modo ainda não concluído, metas a serem atingidas em prol da dignidade humana no devenir histórico é, sem sombra de dúvida, a única e possível forma de não alçá-los a um processo de estagnação.


Como síntese do passado e uma inspiração para o futuro percebe-se que muito há de ser feito em prol da extensão desses direitos do homem a todos os seres humanos da Terra, a lugares onde a palavra direito soa como estranha e sem nenhum sentido prático, onde a própria noção de cidadania não é sequer vivenciada. Nisto reside o paradoxo dos direitos humanos universais!


Slavoj Žižek problematiza a oposição entre direitos humanos universais (pré-políticos), que pertencem a todos os seres humanos como tal, e direitos específicos do cidadão, membro de uma comunidade política específica. Apresenta, para tanto, uma interessante e precisa tese de Etiènne de Balibar, que defende a inversão histórica e teórica entre “homem” e “cidadão”, demonstrando que o homem é feito pela cidadania e não a cidadania pelo homem. Nesse sentido, coloca que quando o ser humano é privado de sua identidade sociopolítica particular, ou seja, de sua cidadania específica, num único e mesmo movimento, não é mais reconhecido ou tratado como ser humano. Em suma, o paradoxo reside no fato de que o indivíduo é privado dos direitos humanos quando, de fato, numa dada realidade social, é reduzido a um ser humano sem cidadania, profissão etc. – ou seja, exatamente quando devia ser o portador ideal dos direitos humanos universais que lhe pertencem independentemente de profissão, sexo, cidadania, religião, identidade étnica etc. [29]


Um simples olhar ao redor do mundo é capaz de captar a noção precisa do que foi enunciado nas linhas acima. Basta ver a situação dos refugiados, dos apátridas, dos imigrantes ilegais, dos desempregados, dos sem teto, dos sem terra, dos sem alimento e tantos outros sem (nada) que existem por aí, muito longe e, às vezes, tão perto, para compreender o quão difícil é a utilização da expressão direitos humanos sem um certo mal-estar, sem uma perplexidade imanente. Males que a cada dia se agravam em nome da chamada “modernidade”.


Enrique Dussel enuncia que a palavra modernidade possui, semanticamente e de forma ambígua, dois conteúdos: um primário e outro secundário. O primário e positivo, conceitual, entende a modernidade como um movimento de emancipação racional, como projeto crítico, capaz de indicar a saída da humanidade de sua eventual imaturidade. De outro lado, o conteúdo secundário e negativo, mítico, faz com que as práticas irracionais de violência estejam justificadas a partir dela própria. Os passos desse raciocínio tirano são os seguintes: a) eu sou superior e mais desenvolvido; b) em sendo superior, cumpre-me, moralmente, desenvolver os mais rudes e primitivos, independentemente de suas vontades; c) o modelo que devo aplicar é o meu (falácia desenvolvimentista); d) se o bárbaro se opuser ao processo civilizador, estou legitimado a utilizar a violência para retirar os obstáculos à modernização, tornando, assim, a guerra justa; e) as eventuais vítimas são necessárias para a salvação dos demais, no sentido de quase um ritual de sacrifício; f) o bárbaro tem culpa ao resistir à dominação, sendo eu o grande inocente capaz, ainda, de emancipá-lo dessa culpa; g) por fim, nesse processo de difusão da civilização, seus custos – sofrimentos e sacrifícios – são inevitáveis e até mesmo necessários à modernização dos povos atrasados. [30]  Propõe, assim, uma mudança a partir de dois paradigmas aparentemente inconciliáveis:


“Propomos então dois paradigmas contraditórios: o da mera “Modernidade” eurocêntrica e o da modernidade subsumida a partir de um horizonte mundial, onde o primeiro desempenhou uma função ambígua (por um lado como emancipador, e, por outro, como cultura mítica da violência). A realização do segundo paradigma é um processo de “Transmodernidade”. Só o segundo paradigma inclui a “Modernidade/Alteridade” mundial.” [31]


8. Considerações Finais


Por tudo que foi demonstrado, mostra-se difícil responder como efetivamente os direitos humanos poderiam ter uma aplicação de cunho universal, onde o respeito à alteridade e a inclusão social fossem a base e o fundamento de todos os direitos dos homens de todas as partes do planeta. Seria ilusório ou mesmo utópico acreditar que existam respostas definitivas. O que resta é um atalho, um caminho iluminado pela luz de uma esperança que teima em não se apagar. Indica-se, nesse sentido, que aos direitos humanos não basta a aplicação singela da lógica dedutiva de um sujeito consciente, mas sim o desvelamento de uma situação vinculada a múltiplos condicionantes, constituindo-se o resultado em uma possibilidade aberta, cujos atores governamentais, jurídicos e sociais congregam uma responsabilidade ética e material para com o outro e, acima de tudo, pelo outro. Ora, na utopia, já disseram, reside a esperança, e é justamente nesta que se encontram as maiores dificuldades, em um mundo vazio de verdades discursivas, imaginárias, falsas e com fins nem sempre credíveis. Certo é que o respeito pelo outro, pela diferença, é o único espaço capaz de forjar a democracia, não esta que se apresenta como forma de regime político, que mascara uma falaciosa distribuição equitativa de poder que tão somente subsiste no plano abstrato, mas sim uma democracia popular em sua essência, verdadeiramente participativa, tão cara e necessária aos direitos humanos.


 


Referências Bibliográficas

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COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2005.

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FLORES, Joaquín Herrera. Los derechos humanos en el contexto de la globalización: tres precisiones conceptuales. In: RÚBIO, D. S.; FLORES, J. H.; CARVALHO, S. de (Orgs). Direitos humanos e globalização: fundamentos e possibilidades desde a teoria crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 65-101.

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_______. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2009.

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______. A visão em paralaxe. Tradução de Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2008.


Notas:

[1] Foucault: (1979, p. 25-26).

[2] A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembleia Nacional francesa em 1789, juntamente com as declarações de direitos norte-americanas, constituem as cartas fundamentais de emancipação do indivíduo perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o estamento e as organizações religiosas. A afirmação da autonomia individual, que vinha sendo progressivamente feita na consciência européia desde fins da Idade Média, assume na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, no último quartel do século XVIII, contornos jurídicos definitivos (Comparato, 2005, p. 107).

[3] Bobbio (1992, p. 29).

[4] Comparato. (2005, p. 50).

[5] Comparato (2005, p. 52-53).

[6]  Flores (2004, p. 69, tradução nossa). 

[7] Sobre a definição de direitos humanos, afirma Louis Henkin: “Direitos humanos constituem um termo de uso comum, mas não categoricamente definido. Esses direitos são concebidos de forma a incluir aquelas ‘reivindicações morais e políticas que, no consenso contemporâneo, todo ser humano tem ou deve ter perante sua sociedade ou governo’, reivindicações estas reconhecidas como ‘de direito’ e não apenas por amor, graça ou caridade” (apud Piovesan, 2009, p. 3).

[8]   Piovesan (2008, p. 54).

[9]   Bauman (1999, p. 44).

[10] Souza Santos (2006, p. 437).

[11] Ianni (1999, p. 140).

[12]  Bauman (1999, p. 79).

[13]  Bauman (1999, p. 79-80).

[14]  Bauman (1999, p. 74).

[15] Žižek (1992, p. 63-64).

[16] Wacquant (2007, p. 33).

[17] Idem, p. 49.

[18] Galeano (2007, p. 321-322).

[19] Agamben (2002, p. 16).

[20] Apud Žižek (2008, p. 445-446).

[21] Piovesan (2009, p. 28).

[22] Idem, p. 37.

[23] Boff (2000, p. 31-34).

[24] Idem, p. 67. 

[25] Bucci (2002, p. 241).

[26] Idem, p. 265.

[27] Idem, p. 265-266.

[28] Wacquant (2007, p. 183).

[29] Žižek (2008, p. 444).

[30] Dussel (1993, p. 185-187).

[31] Dussel (1993, p. 188).

Informações Sobre o Autor

Vany Leston Pessione Pereira

Advogada, professora de Direito Penal na Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura, Mestre em Ciências Penais pela Universidade Candido Mendes (Rio de Janeiro), Mestre em Direitos Humanos pela Universidad Pablo de Olavide (Sevilha), membro de Instituto de Estudos Criminais do Estado do Rio de Janeiro e doutoranda em Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino (Buenos Aires).


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Equipe Âmbito Jurídico

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