Os direitos humanos sob a ótica materialista e procedimentalista

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Resumo: O presente artigo é resultado de uma investigação acerca dos Direitos Humanos. Para isso o autor discorre sobre algumas premissas trazidas na doutrina clássica sobre a visão materialista do Direito a perspectiva do reconhecimento intersubjetivo e completando o trabalho a ideia de Direitos Humanos resultado do procedimentalismo. Concluindo a pesquisa expõe seu posicionamento diante das teorias fundamentadoras dos Direitos Fundamentais optando parcialmente pelas teorias historicistas materialistas e do reconhecimento intersubjetivo na medida em que entende ser compatível entre si.
Palavras-Chave: Direitos Fundamentais. Materialismo. Histórico. Reconhecimento Intersubjetivo. Procedimentalismo.

Abstract: This article is the result of an investigation concerning Human Rights. For this the author discusses some assumptions in the classical doctrine brought about the materialistic view of the law the perspective of intersubjective recognition and completing the work the idea of human rights result of proceduralism. Completing the survey exposes its position on the theories fundamentadoras of Fundamental Rights partly by choosing historicist theories materialistic and intersubjective recognition in that it considers to be compatible with each other.
Keywords: Fundamental Rights. Materialism. History. Intersubjective recognition. Proceduralism.

Sumário: Introdução. Os Direitos Humanos como resultados históricos. Os Direitos Humanos como instrumento de dominação social. Os Direitos Humanos e o reconhecimento intersubjetivo. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Introduzir um tema de tamanha seriedade e complexidade como os Direitos Fundamentais não é fácil. Além das mais diversas facetas com que o tema pode ser tratado, o autor encontra dificuldade em separar sua formação pessoal do papel de pesquisador dos Direitos Humanos. Sem saber ao certo como introduzir o tema, encontra-se acolhimento e tranquilidade ao ler a introdução realizada por Sampaio[1], por perceber que o Direito pode romper aquela velha escrita formal e restrita, como se ciência pura fosse, indo além, assumindo a postura de estudo humano e, por isso, foi escolhido introduzir o trabalho mostrando o quão impossível é fazer uma pesquisa objetiva.

Tais palavras não são ditas em vão. Não adentraremos nas questões da fenomenologia no presente trabalho, mas os resultados chegados já nos apontam um novo rumo, no qual o direito foge totalmente do positivismo, encontrando guarita nos escritos de Heidegger, lidos por Álvaro Ricardo de Souza Cruz em A resposta correta. E, nesse sentido, temos a consciência que o tema analisado decorre das experiências vividas pelo autor, tendo em vista que ao se deparar com restrições de pequenos direitos humanos percebeu que, no momento em que não são observados tais direito, o sujeito fica impedido de igualar-se perante os outros e, desta forma, de reconhecer-se como cidadão perante a sociedade. No momento em que liberdades de expressão, de propriedade, o direito à saúde, à educação, dentre outros direitos fundamentais, são tolhidos o sujeito sente-se excluído do processo de formação social, como se houvesse um direito dos mais abastados e dos menos favorecidos. É por perceber tal dinâmica social que o autor buscou entender alguns pontos tratados no presente trabalho.

Neste sentido, a pesquisa perpassa pela noção de Direitos Humanos como resultados de processos históricos, sempre religando tal ideia ao fundado por Karl Marx como materialismo dialético. Ainda, buscou-se também estar atento a uma postura crítica à força normativa dos direitos versus a noção de direito como instrumento de dominação social, assim, podendo trabalhar com uma perspectiva realista do Direito, e não somente um dever-ser inserido na razão pura. Por último, investiga-se as noções trazidas por Axel Honneth e Habermas sobre o reconhecimento intersubjetivo e a necessidade dos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito atentar-se a tal critério de legitimidade. Resultado de tal perspectiva não poderia escapar à leitura de Álvaro Ricardo e Marcelo Catonni sobre o procedimentalista jurídico.

Durante todo o trabalho temos a pretensão de descrever a concepção dos Direitos Humanos[2] e sua fundamentação em um recorte que se entendeu mais aceitável para o presente. Cabe esclarecer que nenhuma teoria encontrada é acabada livre de crítica, possuindo todas as possíveis respostas. Contudo, busca-se aqui destacar os principais pontos encontrados pelo estudo feito acerca de tal classe de direitos. Assim, sabemos que até mesmo os pontos elencados são passíveis de negações teóricas, para tanto se deve ter em mente que estas são, para o autor, as mais plausíveis dentre todas pesquisadas.

A conclusão, prévia, do que são os Direitos Fundamentais, suas funções e objetivos serão explanadas ao final do trabalho, mas de plano adianta-se que apenas a partir da proteção destes é possível discutir qualquer tema relacionado à justiça e igualdade, ou seja, o Direito em si. Nessa breve justificativa egocêntrica, e com a intenção de um dia ser ouvido por curiosos do ramo, o que aqui se percebe é que os Direitos Humanos não podem ser encarados apenas como uma disciplina-objeto que nos atentemos às suas fundamentações, mas que ao final, possa cumprir também seu objetivo, o seu porquê de existir de acordo com o seu dever-ser. Não de maneira ideológica metafísica, mas voltado para a realidade de quem deve ser tutelado, o Homem.

1. Os Direitos Humanos como resultados históricos

O primeiro ponto a ser levantado vem das origens hegelianas e marxistas, que concluem ser a sociedade resultado de processos históricos que funcionam de maneira dialética, nos quais as teses de ontem são refutadas pelas antíteses de hoje e que resultarão numa síntese ao amanhecer. Dessa maneira, os Direitos Humanos também emergem de processos históricos que, como demonstram os estudos de Axel Honneth, o Homem ao buscar seu reconhecimento luta por direitos que o reconheça em pé de igualdade, estabelecendo assim marcos e conquistas de direitos[3], quando não, em maior escala, marcam novos paradigmas de jurídicos,

“O quadro desenhado revela, desta feita, o pronunciado caráter histórico que marca os Direitos Fundamentais, que, por outras palavras, ‘não surgiram do nada’, mas foram resultado de um processo de conquistas de alforrias humanitárias, em que a proteção da dignidade humana prosseguia ganhando, a cada momento, tintas mais fortes.” (ARAÚJO e NUNES JÚNIOR, p. 120)

Importante destacar que Honneth descreve de forma inovadora a subjetividade e a materialidade ocorrida nos processos de emancipação e de conquistas de novos direitos[4] e, como mencionado, ainda que entendamos ser os direitos fundamentais resultados dos acontecimentos históricos, isso não significa (e nem pode significar) que os rumos desses fenômenos não possam ser modificados, muito menos, como alguns pretendem, prever cientificamente qual será o próximo fato social a vir. Inclusive, cabe aos teóricos a propositura de novas ações a modificar os mecanismos que exercem força decisiva nas rupturas de paradigmas, em nosso caso específico, impedir que ações antidemocráticas e injustas perpetuem no tempo e espaço.

O aspecto mais importante ao entender os direitos como resultados de processos históricos-materiais está em perceber a evolução, de tal modo que possamos criticar eventuais retrocessos à experiências já verificadas e mal sucedidas, ao passo que o direito conquistado teria sua retrocessão relativizada, assim como nossa Constituição interpreta a mudança dos Direitos e Garantias Individuais, as chamadas cláusulas pétreas.

2. Os Direitos Humanos como instrumento de dominação social

Dando prosseguimento às concepções adotadas pelo autor, parte-se para as teorias materiais. Quando Sampaio[5] discorre sobre teóricos que pensam o Direito como instrumento de dominação de classe, v.g, Marx, Engels e Marcuse, explica que para tal corrente de pensamento, o aparato estatal estabelece direitos fundamentais com funções de dominação ideológica almejando uma estabilidade social, na qual os cidadãos sentem-se respeitados e conquistadores de direitos mínimos. Assim os direitos dão a sensação de justiça e possibilidade de ascensão, já que estão tutelados pelo Estado, e a partir disso, seriam todos iguais. Na terminologia adotada por Marx, tal fenômeno é entendido como alienação, explicada também por Sampaio,

“As liberdades burguesas, tão decantadas pelas declarações solenes, não libertavam o homem, especialmente o homem proletário, de seus grilhões individuais e sociais, ao contrário, enraizava-os ainda mais no calabouço da servidão: ‘o homem não foi liberado da religião, mais sim obteve a liberdade religiosa. Não foi liberado da propriedade, mas sim, obteve a liberdade de ofício’(1965:65)”. (MARX apud SAMPAIO, 2004, p. 44).

Ainda, é demonstrado que determinadas premissas consideradas como direitos universais só podem ser assim concebidas diante da pré-existência de uma ordem capitalista vigente, se outro sistema fosse, o que é universalizado hoje não faria nenhum sentido, como o exemplo do furto, que só é possível pela concepção de propriedade privada que nos é ensinada desde os primeiros instantes de vida.

Além do peso ideológico, ainda, os Direitos Humanos teriam poder de legitimar a força estatal na promoção das liberdades individuais. O que seria para os autores apenas “esmolas” necessárias para que os próprios proletariados tenham como produzir e manter a hierarquia social e luxos definidos pela burguesia, um mecanismo não só ideológico, mas também objetivo e material[6].

Ao ler a teoria materialista deve-se ter em mente que ela foi escrita em grande parte nos meados do século XIX, época em que o sistema capitalista não havia desenvolvido como o é hoje, as relações globalizadas e o dinamismo de classes sociais não tinham a vulta que hoje têm. Consequentemente, essa relação entre oprimidos e opressores não alcançara a complexidade atual. Ou seja, a teoria não pode ser vista senão sobre uma nova ótica. Mas, mesmo sem desenvolver pesquisa profunda e uma releitura a respeito do tema, é possível afirmar que as relações materiais têm o poder de influenciar o Direito de certo modo. Temos a consciência que são as bases materiais do mundo que viabilizam o surgimento do Ser Humano. Só a partir do momento que ele estabelece relações com objetos e outros sujeitos, é que passa a ter reconhecimento de si mesmo. Ou seja, não adianta pensarmos nos Direitos Fundamentais com romantismo, as relações materiais e as imposições do sistema capitalista exercem grande parte de influência ideológica sob as mudanças nessa classe de Direitos que, como visto nas ondas geracionais dos DH, sempre ocorrem a partir de conflitos ocasionados pelas tensões e crises sociais.

A respeito dessa correlação em que o conjunto normativo é influenciado, mister confrontar a ideia marxista da infraestrutura, que condicionaria a totalidade do Direito, com o pensamento de Konrad Hesse que defende a Concepção constitucional a partir do princípio da força normativa.

Hesse desenha uma problemática da “constituição real” e da “constituição jurídica”[7], sendo a primeira mera representação política e a segunda um dever-ser desprovido de eficácia por não compreender o mundo do ser. Assim, procura descrever a diferença de ambas situações, sendo que não haveria motivo de ser nos textos constitucionais se detivessem apenas uma das perspectivas, sem atentar-se a outra, por isso, a imprescindibilidade de haver condicionantes mútuas entre elas. ”A Constituição adquire força normativa na medida em que logra realizar essa pretensão de eficácia”[8], qual seja, conciliar a possibilidade material de realização preconizada no Texto com uma ordem de conduta que dirija o Homem a determinada conduta guiada pela razão que possa prevalecer pelo tempo como mecanismo de busca da justiça (“constituição real” + “constituição jurídica”).

A tensão entre as duas concepções é clara no momento que identificamos em nossa realidade uma Constituição, ora resultado de um processo fático, que tutela diversos direitos oriundos de um sistema capitalista liberal, mas que, ao mesmo tempo, procura resguardar garantias típicas de um Estado Social. Inclusive, é importante mencionar que a própria ordem jurídica regula a economia, demonstrando, pois, uma correlação entre ambas.

Não obstante esse papel das relações materiais, ainda cabe ao Homem, por meio da razão e ação, o papel de propor novas ordens. Não iremos adentrar no debate se tais modificações paradigmáticas necessitam de revoluções armadas ou não, por meio de debates, reformas ou revoluções, não tem-se aqui o escopo de propor uma nova base metodológica, mas, dentro do sistema Democrático de Direito demonstrar que os Direitos Fundamentais são resultados de bases materiais, e por isso, não encontra-se entendimento diferente de solução para os conflitos entre princípios constitucionais senão perpassando também nas bases da infra-estrutura, não admitindo aqui o reconhecimento apenas como consciência individualista e natural do Homem, argumentos jusnaturalistas e moralistas de extrema subjetividade, como propõe muitos dos pós-modernos.

3. Os Direitos Humanos e o reconhecimento intersubjetivo

Na idade média, que foi regida por um debate extenso sobre a relação do sujeito com o objeto, destaca-se o pensamento escolástico. Aqui o sujeito buscaria revelação do significado das coisas que já eram pré-ordenadas. Neste sentido, a busca pela revelação da verdade não era diferente, bem como a relação com a concepção do justo. Em conformidade com esta esteira de pensamento haveria indivíduos mais preparados que seriam legítimos para a interpretação dos direitos, que, por serem ordenados pelas Leis naturais anteriores ao Homem, não estava sujeita à uma construção mas à retirada de um véu que ocultara o ideal, logo a consequência era a leitura correta do Justo.

A revolução da linguagem hermenêutica filosófica muda o centro do reconhecimento, trazendo-o para a ideia pragmática da comunicação. Passa-se a entender que a leitura do objeto admite desde já uma pré-compreensão do sujeito ligada às experiências únicas que cada indivíduo possui. Assim, se analisarmos a verdade para cada sujeito, poderemos encontrar uma vasta gama de versões das verdades[9]. Dado tal entendimento muda-se o paradigma, o direito como produto cultural de um pacto social seria um objeto modificável pelos indivíduos que o pactuam, a verdade passa a uma concepção ligada diretamente ao consenso, um processo de interação entre sujeito-objeto, assim Charles Peirce conclui:

“A verdade surge quando são considerados todos os fundamentos relevantes pela comunidade de argumentação livre e haja, enfim, um consenso de todos em torno desses fundamentos. A verdade não é, portanto, objetiva, senão intersubjetiva”. (PEIRCE apud SAMPAIO, p.111).

Nessa perspectiva os Direitos humanos passam a ser um processo dialético de conhecimento entre indivíduos que não só pactuam regras de convivência a estabilizar a sociedade, mas também ganha o papel de institucionalizar valores éticos-jurídicos que reconhecem os cidadãos como Homens iguais, que sem esse status jurídico para todos excluiriam alguns desse processo de reconhecimento intersubjetivo[10].

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Os direitos para Habermas seriam, portanto, uma construção racional fundada no debate, em que seres humanos podem formar um consenso fundado na verdade e na correção intersubjetiva, para tanto, o precedimentalismo deve conter entre os cidadãos “igualdade de todos participantes, sinceridade e veracidade, ausência de coação e a prevalência do melhor argumento” [11]. São os pressupostos, implícitos e explícitos, da ação comunicativa,

“Habermas insiste em afirmar, com Apel (2000:448-449), que quando alguém resolve participar de uma ação comunicativa tendente a um acordo admite, ainda que implicitamente, certos pressupostos, como por exemplo a verdade em lugar da falsidade e a justiça ao invés da injustiça” (1981:179). (SAMPAIO, p.113)

Dentro dessa compreensão da construção dos direitos, a comunicação ganha foco diverso. A liberdade de expressão que já era um direito tutelado pelas constituições liberais, passa a ser ao mesmo tempo uma garantia fundamental e um meio para alcançar a proteção das demais garantias, tendo em visto que, somente se exercida plenamente poderíamos ter direitos fundados de fato em um reconhecimento intersubjetivo como preconiza tal teoria, um processo “circular”.[12]

Esse procedimentalismo discursivo supõe condições ideais de fala e de escuta, como dito por Habermas e Apel e, assim, a necessidade de que todos sejam escutados, uma vez que só desta forma o indivíduo alcançaria o reconhecimento. A teoria do Direito como reconhecimento intersubjetivo está relacionada diretamente com a teoria discursiva, numa relação de interdependência e isto necessita ficar claro,

“A teoria do discurso, ao contrário, opera com a intersubjetividade de mais alto nível dos processos de comunicação que passam tanto pelos corpos parlamentares como pelas redes informais da esfera pública.” (Habermas, p. 118, 1995).

Por este raciocínio, os Direitos Humanos aparecem como normas que institucionalizam a condição do Ser tanto pela perspectiva do indivíduo quanto pelo viés político, para isso, seu cumprimento é a garantia do processo de comunicação necessário para a construção de uma sociedade soberana e democrática.

“com o próprio Habermas quando afirma que ‘os direitos humanos institucionalizam as condições de comunicação para formar a vontade política de maneira racional’ (2003:71) significa dizer que, para uma formação discursiva da vontade, os preceitos jurídicos já devem estar disponíveis na forma de direitos individuais fundamentais” (SAMPAIO, p. 113).

Assim, os direitos fundamentais cumprem um papel de proteção do sujeito frente ao Estado, de forma a possibilitar mais uma vez a intersubjetividade. É a vontade política racional e autônoma sendo protegida para a construção sociológica do futuro. Só há direito “justo” quando presente a autonomia efetiva dos cidadãos.[13]

Aqui o justo está ligado diretamente à legitimidade dos Direitos que, como nos leva a concluir tal teoria, está intimamente relacionado com a participação dos cidadãos nessa construção jurídica. Por isso, somente com a associação de todos os atingidos pelas normas estatais no processo de legislação – e aplicação das leis, seria possível alcançar tal legitimidade,

“Certo é que a participação do interessado na prática de um provimento estatal é indispensável para a legitimidade do mesmo. Garantir essa participação da forma e nas condições que forem factíveis é uma exigência para a validade desse provimento e consequentemente das condições regulatórias do Estado”. (CRUZ, 2008. p. 118)

Em tempo, cabe destacar que para essa corrente de pensamento, considerando o fundamento intersubjetivo dos direitos humanos, a questão temporal do melhor argumento não permite dizer que determinado direito é consagrado, ao passo que a evolução da sociedade permite mudanças constantes do conceito do bem[14], e por isso, as revoluções e mudanças radicais, como novas constituições, poderiam estabelecer novos conceitos de direitos humanos. Contudo, nasce aqui algumas questões; haveria a possibilidade de restringir-se o próprio debate? Ao passo que a consequência imediata seria a derrogação do próprio preceito que permite o reconhecimento intersubjetivo.

CONCLUSÃO

Após um breve levantamento sobre três fundamentações distintas dos direitos humanos, trazidas exatamente por parecer de grande coerência (ainda que isoladas), tentaremos sintetizar aspectos por entender que são primordiais para entender as teorias da linguagem e do discurso, essenciais ao entendimento do autor para análise do Direito contemporâneo e, por fim, os direitos mínimos exigíveis.

Inicialmente, o autor tenta se afastar de qualquer premissa que já nasça irrefutável, logo, de quaisquer fundamentos jusnaturalistas, que não encontram respostas dogmáticas a não ser no metafísico. Para tanto, assume uma postura de grande influência materialista e contratualista. Materialista por crer que a grande maioria das ações humanas são reflexos de situações materiais vividas, crendo que a formação do indivíduo, inclusive o que ele pensa por justo ou não, dá-se em razão da busca pela satisfação dos desejos. Assim, um sujeito só busca ter direito a propriedade porque lhe é ensinado, passando a ter necessidade da mesma para sua realização. Contratualista por afirmar que o Direito só pode ser entendido como um fenômeno construído pelo Homem, que almejando determinados fins pactuam para tais resultados. Excluindo um direito natural, até por ser inverificável se determinada norma seria natural ou não, sobra a conclusão lógica que o Homem, sendo um ser que necessita do outro para se reconhecer, agrupa-se e estabelece direitos para a sua própria manutenção na natureza.

Em seguida, a análise histórica remonta uma construção dos conceitos e, não diferente, da realidade sócio-jurídica. A dialética se faz presente, ainda que, por vezes, a ruptura pareça livrar-se de todos os conceitos anteriores. A história humana não é ciência de refutação, mas um processo de construção, e por mais que se destrua uma parede ou outra, sempre restarão outras que sustentam parte da formação da compreensão do ser. Por isso, os direitos humanos estão em constantes mudanças e cada preceito por eles fundamentados tendem a transformar, derrubando o que hoje parece ser verdade absoluta, ou mais, o que tem a imagem de impensável passa a ser indisponível amanhã[15]. É a história sendo construída pelo Homem.

E por último, e mais recente, a teoria do reconhecimento intersubjetivo ganha importância por concluir que se há um processo histórico e material que forma o mundo e o Homem, a verdade (logo justiça) não poderia estar senão na própria relação entre homens e objeto. Para o autor, crer na possibilidade de ter a verdade revelada seria o mesmo que confundir o Direito com uma nova religião, uma religião imposta, na qual cremos que homens poderiam alcançar a visão da forma, assim como afirmava Platão ao dizer o papel do filósofo[16]. Logo, a necessidade de comunicar e fazer valer uma justa pretensão marca a visão do direito.

Por todo dito, conclui-se que os Direitos Humanos são direitos que nascem de um processo histórico, marcado por um novo paradigma conceitual sócio-econômico-jurídico, em que são institucionalizados preceitos mínimos que, sendo garantidos, permitem que todos os Homens sejam de fato reconhecidos como iguais e, consequentemente, possam continuar a roda da vida de maneira justa a tal ponto que continuam a construir novos direitos.

Ainda cabe para fins de definição e entendimento sobre os Direitos Fundamentais, como bem aponta nosso maior marco neste capítulo, Sampaio[17], o mais importante não são as definições e fundamentações utilizadas por todos teóricos. O imprescindível é a luta pela proteção aos Direitos Humanos, e como defendidos em outro trabalho, de maneira mais ampla possível. Claro, é mister deixar esclarecer que nesse trabalho tem-se tais Direitos como uma classe conquistada historicamente, que sempre passará por mudanças, podendo ser quebradas independentemente de textos positivados a partir de mecanismos históricos-sociais e que, hoje, não há que se falar em Direitos Fundamentais senão a partir de um processo democrático que estabeleça “consensos”[18] por seres humanos autônomos, aqui a linguagem e comunicação não são somente direitos tutelados, mas mecanismos necessários para a construção dos Direitos Fundamentais. A luta por proteção ao indivíduo e por um Estado Democrático só é possível quando há comunicação ampla entre aqueles que são atingidos pelas mãos do Estado. Lutar por essas proteções, e não somente estabelecer conceitos, é o que acredita-se ser necessário para a existência de Direitos Humanos que de fato trariam o mínimo para todos Homens.

 

Referências
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MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. Tomo I, 2ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008.
MEIRELLES, Adriano Olinto; SILVA, Guilherme Ferreira. A FUNÇÃO DO DIREITO NA PÓS-MODERNIDADE: uma leitura adequada do Direito a partir do reconhecimento e da redistribuição, o Direito pragmático e discursivo. In: Novas fronteiras do estudo do Direito: biodireito, direito ambiental, teoria do direito, direito civil e direito do trabalho. Organizador: Fernando Horta Tavares. Curitiba: CRV, 2011.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3ª Ed. São Paulo: Altas, 2000.
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SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos Fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e relações privadas. 2ª ed, 3. tir. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.
 
Notas:
[1] SAMPAIO, p.1.

[2] Os termos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais são utilizados pelo autor como sinônimos. De maneira geral, a doutrina nacional costuma diferir o primeiro para o segundo como de maior universalidade e de aplicação internacional, ou seja, um consenso entre vários países pactuantes ou até mesmo inerentes a uma ordem jurídica, enquanto os segundos estão restritos ao âmbito das Constituições nacionais, como bem explicam Araújo e Nunes Junior (p.108).

[3] HONNETH, 2003.

[4] Podemos destacar as palavras de Araújo e Nunes quando demonstram a conquista dos direitos fundamentais em busca da dignidade do Homem: “Com efeito, essa natureza poliédrica, voltada à proteção da dignidade humana em suas diversas dimensões, rende homenagens a um quadro histórico, pautado por uma evolução do ordenamento jurídico, que, antepondo-se a agressões variadas à dignidade do ser humano (escravidão, tortura, imposições reliogiosas, miséria, etc.), foi respondendo com a criação de novas instâncias de alforria do cidadão, com novos círculos de proteção, que, a toda evidência, em uma relação de interação e de tensão dialética, vieram a ressignificar o próprio quadro das relações econômicas e sociais.” (ARAÚJO E NUNES JUNIOR, p.111).

[5] SAMPAIO, 2004, p. 44-47.

[6] Sampaio (2004, p. 45) utiliza das palavras de Lenin para explicar tal situação e ainda comenta, “’A democracia burguesa, ainda que constituindo um progresso histórico em relação com a Idade Média, continua sendo – não poderia ser de outra maneira em regime capitalista – uma democracia estreita, mutilada, falsa, hipócrita, um paraíso para os pobres (1972:48-49).’, Não se podia falar, por conseguinte, em ‘direitos naturais’, ‘inatos’, a-históricos e pré-estatais a proclamarem que todos os homens nasciam livres. A liberdade, a real como devia ser, seria resultado da conquista pela classe operária de condições econômicas, sociais e culturais igualitárias, por meio da destruição das causas de sua exploração e opressão; não algo a priori ou derivado pura e simplesmente da razão ou da natureza humana, sob o rótulo fraudulento de ‘direitos do homem’”.

[7] (HESSE, p. 15).

[8] (HESSE, p. 16).

[9] Em termos mais exatos, esse pluralismos epistêmico marca uma nova filosofia, inclusive protegida em nossa Constituição de 1988, art. 1º, V, e é trazido por Habermas nos seguintes dizeres, “Quando tomamos consciência de que a história e a cultura são fontes de uma imensa variedade de formas simbólicas, bem como da especificidade das identidades individuais e coletivas, percebemos também, pelo mesmo ato, o tamanho do desafio representado pelo pluralismo epistêmico.” (HABERMAS, p. 9, 2004)

[10] “Entre as teorias de justificação dos direitos humanos, destaca-se o procedimentalismo discursivo de Habermas, para quem os direitos não têm um fundamento subjetivo nem objetivo, mas intersubjetivo resultante das interações que se dão com o uso das liberdades comunicativas pelos cidadão, e decorrem da força do melhor argumento.” (CARVALHO, p. 670)

[11] SAMPAIO, p. 112.

[12] O trecho de Habermas extraído por Álvaro Ricardo completa tal ideia: “Entre o mundo da vida como ressource de agir comunicativo e o mundo da vida como produto desse agir introduz-se um processo circular, no qual o sujeito transcendental desaparecido não deixa nenhuma fresta. A guinada linguística havida na filosofia preparou os meios conceituais através dos quais é possível analisar a razão incorporada no agir comunicativo (Habermas, pensamento pós-metafísico, p. 53).” (Cruz, 2008 p. 98)

[13] Essa relação de justo, legitimidade e autonomia, é defendida para que os direitos políticos cumpram seu papel na formação dos Direito, assim, “Os direitos políticos procurados têm que garantir, por isso, a participação em todos os processos de deliberação e de decisão relevantes para a legislação, de modo a que a liberdade comunicativa de cada um possa vir simetricamente à tona, ou seja, a liberdade de tomar posição em relação a pretensões de validade criticáveis.” (HABERMAS, p. 164, 2003)

[14] O motivo de tal assertiva emerge da seguinte explicação: “porquanto decorrem da força do melhor argumento e, como há sempre uma dimensão temporal contextual do que é melhor, o horizonte de mudanças está sempre à vista pelo menos como uma potencialidade.” (SAMPAIO, p.114)

[15] Nesse sentido: “Não existe direito absoluto, entendido como o direito sempre obrigatório, sejam quais forem as consequências. Assim, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados.” (CARVALHO, p. 686).

[16] CRUZ, p. 11, 2011.

[17] SAMPAIO, p. 133.

[18] O termo consenso deve ser visto com cautela. Mesmo utilizado por Habermas na leitura de Sampaio, ainda sim, deve-se ter em mente que no Estado Democrático o simples consenso não garante outro pressupostos, o da pluralidade de representação.


Informações Sobre o Autor

Guilherme Ferreira Silva

Mestrando em Direito Público na PUC/MG. Graduado em Direito na PUC/MG. Advogado no escritório Oliveira e Fabrégas Advogados


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