Os honorários de sucumbências e o recente julgamento do Tribunal Superior do Trabalho

Resumo: Este artigo acadêmico tem por objetivo esclarecer a matéria atinente aos honorários de sucumbências na Justiça do Trabalho e a recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho. Tal decisão pode ser considerada como marco inicial da mudança de posicionamento do tribunal frente ao jus postulandi da parte, pois ao longo dos anos a jurisprudência reconheceu a eficácia desse princípio no processo do trabalho. Muitos argumentos serão expostos para que haja a compreensão dos motivos pelos quais, de fato, o jus postulandi não beneficia o empregado, mas o impede de obter a devida prestação jurisdicional do Estado; ademais, viola princípios constitucionais e infraconstitucionais.[1]


Palavras–chave: Justiça do Trabalho. Honorários sucumbenciais. jus postulandi. Tribunal Superior do Trabalho.


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Sumário: 1. Introdução. 2. A origem do jus postulandi e as atuais características da Justiça do Trabalho. 3. Violação a princípios constitucionais e infraconstitucionais. 4. Da ausência de regulamentação da matéria no processo do trabalho. 5. O recente julgamento do TST frente ao jus postulandi. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas. 8. Notas.


1. Introdução


De acordo com o predominante entendimento da jurisprudência, a concessão dos honorários advocatícios sucumbenciais na Justiça do Trabalho é indevida em face do princípio do jus postulandi da parte, consubstanciado no artigo 791 da CLT:


“Art. 791. Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”.


Todavia, os honorários de sucumbências vieram a ser reconhecidos de forma deturpada e restritiva pela Lei 5.584/70, no título da Assistência Judiciária. Prescreve o art. 14, § 1º que “a assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”. Entendimento consolidado nas Súmulas 219[2] e 329[3] do TST.


Ademais, nos casos de assistência judiciária prestada pelo Sindicato da categoria profissional, as verbas correspondentes aos honorários de sucumbências são revertidas em prol do próprio Sindicato. De acordo com o art. 16 da Lei 5.584/70, “os honorários do advogado pagos pelo vencido reverterão em favor do Sindicato assistente”.


Destacamos a seguinte jurisprudência:


HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Na Justiça do Trabalho vigora a disposição que permite o jus postulandi e suas conseqüências. Entendimento preconizado na Súmula 219 do Tribunal Superior do Trabalho, confirmado pela Súmula 329” (TRT – 2ª Região – RO 00487-2005-032-02-00-7 – 12.ª T. – Rel. Delvio Buffulin – publicado em 23.03.2007).


2. A origem do jus postulandi e as atuais características da Justiça do Trabalho


A prerrogativa do jus postulandi na Justiça do Trabalho surgiu quando esta pertencia à esfera administrativa. As partes tinham o direito de postular e acompanhar pessoalmente a causa até o final devido à simplicidade do sistema processual da época, caracterizado pela oralidade, informalidade e gratuidade. Os procedimentos eram tão singelos que as reclamações eram formuladas verbalmente perante o Distribuidor que reduzia a termo e fornecia à parte um recibo que constava o nome do reclamante e do reclamado, data da distribuição, o objeto da reclamação e o juízo a que foi distribuído[4].


Porém, a Justiça Laboral da atualidade, assim como os outros órgãos judiciários do país, é dotada de formalismos, ritos, procedimentos, solenidades que a tornaram técnica e complexa. Muitos institutos foram adotados como a tutela antecipada, ação rescisória, ação de consignação em pagamento, ação cominatória, ação revisional, requisito de transcendência no recurso de revista, mandado de segurança, habeas corpus, recurso adesivo.


Em face dessas inovações que afrontam até mesmo os profissionais mais competentes é irracional que o trabalhador possua a devida capacidade técnica para postular e se defender pessoalmente. Não é raro nos recursos de revista, mesmo assinados por advogados, serem negado seguimento por falta de observação às normas técnicas e formais que são extremamente complexas. Tanto é verdade que o próprio TST expediu a Instrução Normativa n° 23 que trata dos padrões formais a serem observados nas petições de recurso de revista.


Vejamos a lição de Francisco Antonio de Oliveira:


“A capacidade postulatória das partes na Justiça do Trabalho é ranço pernicioso originário da fase administrativa e que ainda hoje persiste em total discrepância com a realidade atual. O Direito do Trabalho constitui hoje, seguramente, um dos mais, senão o mais, dinâmico dentro do ramo do Direito e a presença do advogado especializado já se faz necessária.


Pretender que leigos penetrem nos meandros do processo, que peticionem que narrem fatos sem transformar a lide em desabafo pessoal, que cumpram prazos, que recorram corretamente, são exigências que não mais se afinam com a complexidade processual, onde o próprio especialista, por vezes, tem dúvidas quanto à medida cabível em determinados momentos. E é a esse mesmo leigo a quem, em tese, é permitido formular perguntas em audiência, fazer sustentação oral de seus recursos perante os tribunais. Na prática, felizmente, a ausência do advogado constitui exceção e ao leigo não se permite fazer perguntas em audiência mesmo porque sequer saberia o que perguntar” (Oliveira, 1999).


3. Violação a princípios constitucionais e infraconstitucionais


Ao adotarmos a postura de que é devida à concessão de honorários de sucumbências na Justiça do Trabalho, encontramos inúmeros respaldos em princípios vigorantes no ordenamento jurídico brasileiro.


A Constituição Federal em seu art. 133[5] confere indispensabilidade à atividade do advogado à administração da justiça. Neste dispositivo, o legislador não faz ressalva alguma à Justiça do Trabalho, por tanto, é incontroverso a ideia de que neste órgão judiciário a atividade do advogado também é necessária.


O empregador excepcionalmente apresenta-se desprovido de advogado. A prática do jus postulandi pelo empregado provoca um nítido desequilíbrio entre as partes, ferindo, assim, o princípio da isonomia (CF, art. 5º, caput)[6]. Com o advento da Emenda Constitucional 45/04 que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, foi editada a Instrução Normativa n° 27 do TST que dispõe sobre as normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho. Eis a seguinte redação: “exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência.” Tratamento desigual, portanto, aos assuntos atinentes à relação de emprego e a relação de trabalho, violando também o princípio da isonomia.


A postulação pessoal do trabalhador em concomitância com a baixa capacidade intelectual quanto aos procedimentos jurídicos ferem a celeridade do processo, por conseqüência, o princípio da duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII)[7].


Muitas vezes, a falta de conhecimentos técnicos do empregado o impedem de proceder à devida defesa no processo. O princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV)[8], portanto, não tem a devida efetividade em tais circunstâncias.


O Estatuto da Advocacia em seu art. 1, I dispõe que “são atividades privativas de advocacia: a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais”. Neste caso, não é preciso uma análise profunda da norma, pois a simples interpretação literal do dispositivo nos revela que o advogado possui a atribuição privativa para postular em qualquer órgão, inclusive na Justiça do Trabalho.


4. Da ausência de regulamentação da matéria no processo do trabalho


Consoante o art. 769 da CLT, “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.


Prescreve o art. 20 do CPC que “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”.


De fato, a aplicação subsidiária do processo civil ao processo do trabalho seria indevida se houvesse uma norma específica que regulasse inteiramente a matéria no processo do trabalho. Porém, encontramos a matéria atinente à concessão dos honorários advocatícios apenas em um único dispositivo (art. 16 da Lei 5.584/70) para dizer que eles reverterão ao sindicato assistente. Cabe neste caso a mesma indagação feita pelo magistrado Alexandre Roque Pinto: “estaria este dispositivo disciplinando inteiramente os honorários advocatícios em toda e qualquer situação no processo do trabalho ou apenas nos casos em que o autor é assistido pelo sindicato?”. Indubitavelmente, a segunda resposta é a correta.


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5. O recente julgamento do TST frente ao jus postulandi


Em 13 de outubro de 2009, o TST, por maioria de votos, decidiu por não admitir o autor da ação a dar prosseguimento ao recurso interposto sem a intermediação de advogado.


Esta decisão foi de grande repercussão no âmbito jurídico, pois pode ser o marco inicial para a mudança no entendimento quanto à aplicação do jus postulandi na Justiça do Trabalho.


Eis a decisão proferida:


Decisão: por maioria, não admitir o “jus postulandi” das partes em recursos interpostos no TST ou dirigidos a essa Corte Superior, exceto “habeas corpus”, vencidos os Exmos. Srs. Ministros Relator, Lelio Bentes Corrêa, Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani, Dora Maria da Costa, Fernando Eizo Ono e Márcio Eurico Vitral Amaro. Ficaram vencidos, parcialmente, os Exmos. Srs. Ministros Pedro Paulo Manus e Caputo Bastos, que não admitiam o “jus postulandi” na instância extraordinária, mas entendiam que a decisão deveria ser observada no futuro, não se aplicando aos processos em curso. Redigirá o acórdão o Exmo. Sr. Ministro João Oreste Dalazen. Juntarão voto convergente os Exmos. Srs. Ministros Maria Cristina Peduzzi e Aloysio Corrêa da Veiga. Os Exmos. Srs. Ministros Brito Pereira e Vieira de Mello Filho juntarão justificativa de voto vencido.


É com grande entusiasmo que notamos o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho quanto a impossibilidade da parte, por si só, interpor recurso no TST; conferindo, assim, indispensabilidade à advocacia. Tardiamente, o TST reconheceu que as partes não possuem a capacidade técnica para realizar os devidos atos processuais recursais, considerando a atividade do advogado imprescindível para a perfeita atividade jurisdicional do Estado.


O que se espera por diante é a perda da efetividade do jus postulandi em todas as instâncias da Justiça do Trabalho. Incompreensível seria a permissão para a parte postular, pessoalmente, na Vara do Trabalho e não poder interpor recurso nas instâncias superiores.


6. Conclusão


Com todos os argumentos expostos o jus postulandi nada mais é do que uma obsolescência no mundo jurídico. A utilização deste princípio foi eficaz em um momento pretérito, em que as características da Justiça do Trabalho eram absolutamente diferentes do presente.


Princípios norteadores do processo como a isonomia das partes, duração razoável do processo e ampla defesa são visivelmente violados. A própria Constituição Federal é ignorada ao dispor que o advogado é fundamental para a administração da justiça.


Frente ao novo julgamento do TST, almejamos que as instâncias inferiores da Justiça do Trabalho reconheçam a ameaça da utilização do jus postulandi. Embora tal princípio queira proteger o empregado, aumentado a possibilidade de acesso à justiça, na realidade é um empecilho para a perfeita atividade jurisdicional do Estado e para a indispensável atividade dos advogados.


 


Referências bibliográficas:

BOMFIM, Benedito Calheiros. A indispensabilidade do advogado e honorários na Justiça do Trabalho. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. nº 87, jul/dez: 2008.

DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 10ª edição. Salvador: Juspodivm, 2008.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 47ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2005.

PINTO, Alexandre Roque. Honorários advocatícios – Aplicação do princípio da sucumbência ao processo do trabalho. Revista LTr. nº04, abril: 2009.

SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª edição. São Paulo: Método, 2008.

 

Notas:

[1] Trabalho realizado sob a orientação do Prof. Valmir da Silva Pinto.

[2] Súmula 219 do TST: “Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário-mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família”.

[3] Súmula 329 do TST: “Mesmo após a promulgação da CF/1988, permanece válido o entendimento consubstanciado no Enunciado n. 219 do Tribunal Superior do Trabalho”.

[4] BOMFIM, Benedito Calheiros. A indispensabilidade do advogado e honorários na Justiça do Trabalho. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. ano 38, n. 87, (2008: jul/dez).

[5] Artigo 133 da CF/88: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

[6] Artigo 5º, caput, da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”

[7] Artigo 5º, LXXVIII, da CF/88: “a todos, no âmbito judicial administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

[8] Artigo 5º, LIV, da CF/88: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.


Informações Sobre o Autor

Elen Rose Martins da Silva

Acadêmica de Direito pelas “Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo”, de Presidente Prudente – SP


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