Resumo: O presente artigo objetiva demonstrar quais os métodos interpretativos sugeridos por Ronald Dworkin para buscar a melhor aplicação das normas jurídicas aos casos concretos, evitando-se a tomada de decisão judicial fundamentada na preferência pessoal do julgador, em detrimento da racionalidade que deve pautar a prestação jurisdicional.
Palavras-chave: Filosofia – interpretação – Dworkin – regras – princípios
Abstract: This article aims to demonstrate the interpretive methods suggested by Ronald Dworkin to seek better enforcement of legal norms to concrete cases, avoiding judicial decision making based on personal preference of the judge, at the expense of rationality that should govern the adjudication.
Keywords: Philosophy – interpretation – Dworkin – rules – principles
Tem-se acusado a teoria geral do direito de não ter sido capaz de acompanhar o aumento de complexidade nas relações sociais com o advento da globalização e a substituição do modelo de produção Fordista pelo Toyotista[1].
Os Estados têm se tornado cada vez menos autônomos, sendo que fatores como resultado fiscal, balança comercial, inflação etc., deixaram de ser problemas internos, variáveis manejáveis de acordo com critérios soberanos.
Por outro lado, a perda da soberania estatal reflete, na realidade, a crescente autonomia de organizações e conglomerados internacionais, os quais têm influenciado a economia mundial de modo determinante. Este quadro demonstra que os Estados já não exercem, hoje, um papel exclusivo na orientação das políticas internas e externas.
Assim, se, por um lado, percebemos uma relativização do papel do Estado nessa nova ordem, por outro, notamos uma valorização do direito. Isto porque o processo de globalização e o modelo de produção pós-Fordista têm criado novas necessidades de regulação.
O problema é que um grande número de códigos, leis, portarias, regulamentos etc., têm sido editados com uma simples lógica pragmática. Ademais, cumpre ressaltar que o modelo atual de descentralização do poder normativo em diversos órgãos administrativos, como, por exemplo, as agências reguladoras, também dificulta a manutenção de coerência no sistema como um todo. Por conseguinte, outro não poderia ser o resultado senão a formação de um sistema repleto de contradições (se é que ainda podemos chamá-lo de sistema).
Outrossim, além das contradições, há casos em que, simplesmente, o ordenamento não oferece, ao menos explicitamente, qualquer regra conclusiva.
Assim, fatores como (i) a edição de normas a partir de interesses conflitantes e (ii) a ausência de regras conclusivas em determinados casos levam o cientista do direito a reavaliar os dogmas – típicos do positivismo clássico – de uma rígida coerência lógico-formal e de completude do direito. Torna-se imprescindível, então, uma revisão de nosso pensamento jurídico.
O modelo positivista tradicional é muito pouco promissor nesse contexto, pois não fornece uma teoria capaz de lidar adequadamente com esses problemas. Isto porque, de acordo com sua orientação Kelseniana, o direito é constituído por regras cuja validade depende da relação entre elas, sendo que, em sua interpretação, aplica-se uma lógica formal.
Assim, para lidar com as contradições, o positivismo indica o seguinte remédio: a eliminação ou a derrogação de uma das regras em contradição no ordenamento orientadas pelos critérios – já conhecidos dos juristas – de cronologia, hierarquia e especialidade.
Quanto aos casos em que inexiste regra conclusiva, outra opção não há, em virtude da proibição do non liquet, senão a criação de uma nova regra. Entretanto, a criação de uma regra é, notadamente, carregada de um déficit democrático na medida em que seja realizada por um poder não eleito, como no caso brasileiro.
Em quaisquer dos casos, mas especialmente quando alguma regra venha a ser criada, o grande ideal de certeza e segurança do direito fica gravemente comprometido, de maneira a levantar dúvidas até mesmo sobre a utilidade de uma teoria tal qual a positivista.
O legislador, por sua vez, em face dessas dificuldades, vem optando freqüentemente, no ato de formulação das normas jurídicas, pela positivação de princípios e conceitos abertos e indeterminados. Aliás, a Constituição brasileira de 1988 é bem exemplificativa desse argumento. Basta uma rápida leitura para notar o extenso rol de princípios e conceitos indeterminados.
Essa atitude do legislador permitiria, em tese, uma estabilização do direito na medida em que fosse capaz de minimizar os riscos de contradições e reduzir as lacunas. Contudo, essa estabilidade é paradoxal, pois permite um aumento do poder discricionário dos juízes sobre as sentenças judiciais, uma vez que serão os responsáveis pela concretização valorativa de princípios e conceitos indeterminados. Naturalmente, ocorrerão divergências na concretização destes signos, resultando em nova fonte de instabilidade.
Ademais, o fato de ter sido entregue ao Poder Judiciário o dever de concretização desses termos linguísticos, significa grande capacidade de influenciar os rumos do país, especialmente nas questões de interesse nacional. Aliás, o posicionamento do judiciário frente a essas questões pode implicar, até mesmo, uma redefinição da Teoria da Separação dos Poderes, uma vez que, tradicionalmente, não se admitiria uma postura ativista do Poder Judiciário.
E, nesse trabalho, pretende-se abordar quais os métodos interpretativos sugeridos por Ronald Dworkin para buscar a melhor aplicação das normas jurídicas aos casos concretos, evitando-se a tomada de decisão judicial fundamentada, primordialmente, na preferência pessoal do julgador, em detrimento da racionalidade que deve pautar a prestação jurisdicional.
2. O MÉTODO INTERPRETATIVO PROPOSTO POR DWORKIN.
Dworkin não nega as inúmeras controvérsias existentes no seio da jurisprudência e da doutrina. Ao contrário, destaca que os juízes divergem, ao menos em boa parte dos casos, não apenas sobre questões fáticas – isto é, se algum fato ou evento relatado efetivamente ocorreu – mas também sobre qual o sentido das normas jurídicas. Assim, em direito grande parte das discussões seria teórica não empírica (Dworkin, 1999a, p. 56).
Entretanto, mesmo reconhecendo as divergências quanto ao sentido das normas jurídicas, Dworkin pretende que, ao se aplicar o método interpretativo proposto por ele, possa-se conferir à norma jurídica um sentido mais consistente com a nossa prática jurídica, analisada em uma perspectiva ampla.
Os juízes poderiam ainda assim divergir sobre qual o melhor sentido a ser atribuído à norma, pois podem ter concepções diversas a respeito de quais princípios informam nossa prática jurídica e em que medida devem ser levados em conta (peso dos princípios). Porém, se aceitarem seu método, já não estarão livres para decidir como quiserem. A visão do direito como integridade – base da teoria de Dworkin – introduz uma racionalidade na tomada de decisão judicial, capaz de, inclusive, impor ao juiz uma solução contrária àquela que seria adotada caso sua preferência prevalecesse.
Como Dworkin adota uma teoria interpretativa, entende que as divergências não são causadas imediatamente em razão da textura aberta das normas jurídicas, mas porque há fortes argumentos de que uma interpretação diversa seria mais coerente com os princípios e virtudes de nossa prática jurídica.
Nesse sentido, a ambigüidade, a imprecisão ou a abstração de alguma palavra ou expressão apenas tornará uma norma confusa se “houver, pelo menos, uma dúvida sobre se a lei representaria um melhor desempenho da função legislativa se interpretada de um modo, e não de outro” (Dworkin, 1999a, p. 422).
Em outras palavras, a obscuridade de uma norma não deve ser apontada como uma característica inerente à sua própria essência, mas presente pela simples razão de existirem fortes argumentos de que um outro sentido seria mais adequado frente ao conjunto de princípios e virtudes de nossa prática jurídica.
E Dworkin considera criativas as interpretações de algo criado pelas partes como uma entidade distinta delas. Nesse sentido, as interpretações de práticas sociais, como o direito e a arte, devem ser entendidas como criativas. Ademais, as interpretações criativas são construtivas na medida em que se preocupam essencialmente com o propósito, fundamentalmente o do intérprete, não o do autor (Dworkin, 1999a, p. 63).
Dessa forma, a interpretação construtiva impõe um propósito a um objeto ou prática a fim de torná-lo o melhor possível. Isto não significa que possa fazer o que bem entenda, pois a história de uma prática, ou a forma de um objeto, traça limites às interpretações disponíveis (Dworkin, 1999a, p. 65).
Assim, há dois pressupostos que seriam comuns à atitude interpretativa de uma prática social: (i) a prática não apenas existe, mas tem uma finalidade segundo o valor, interesse, propósito ou princípio que leve em conta; e (ii) as regras da prática social devem ser compreendidas, aplicadas ou modificadas segundo essa finalidade (Dworkin, 1999a, p. 57-8).
Essa atitude interpretativa procura atribuir um significado à prática que permita vê-la sob sua melhor luz e, então, reestruturá-la à luz desse significado. “A interpretação repercute na prática, alterando sua forma, e a nova forma incentiva uma nova interpretação. Assim, a prática passa por uma dramática transformação, embora cada etapa do processo seja uma interpretação do que foi conquistado pela etapa imediatamente anterior” (Dworkin, 1999a, p. 58). Portanto, a interpretação construtiva procura tornar uma prática a melhor possível em face de sua finalidade.
A crítica em geral levantada contra essa concepção é a de que essa atitude não pode ser considerada interpretação uma vez que confundiria os pontos de vista do autor e do intérprete. Para esses críticos, apenas a intenção do autor deve ser levada em conta e não a finalidade que um intérprete atribua à prática social ou ao objeto artístico. Ocorre que a ideia de intenção do autor implica as convicções do próprio intérprete: estas serão determinantes para estabelecer qual intenção está presente no objeto artístico ou na prática social (Dworkin, 1999a, p. 70). É um misto de criação e descoberta de significado.
Assim, a interpretação não é capaz de descobrir alguma intenção real histórica, mas simplesmente propõe uma forma de ver o que é interpretado “como se este fosse o produto de uma decisão de perseguir um conjunto de temas, visões ou objetivos, uma direção em vez de outra” (Dworkin, 1999a, p. 71).
Ao lado disso, deve-se notar uma diferença entre “interpretar os atos e os pensamentos dos participantes um a um” e “interpretar a prática em si mesma” (Dworkin, 1999a, p. 77-8). Trata-se de distinguir o que os membros da comunidade pensam que a prática exige e o que ela realmente requer.
A interpretação da prática em si mesma obriga o intérprete a aderir à prática que se propõe compreender, de maneira que suas conclusões não serão relatos neutros sobre o pensamento dos membros da comunidade, mas enunciados comprometidos com a visão do intérprete. É justamente esse tipo de interpretação que Dworkin acredita ser característica do direito.
Inicialmente, deve-se passar por uma etapa pré-interpretativa na qual “são identificadas as regras e os padrões que se consideram fornecer o conteúdo experimental da prática” (Dworkin, 1999a, p. 81). Trata-se de definir quais os contornos da prática social a ser interpretada, isto é, as hipóteses ou as convicções sobre aquilo que é válido enquanto parte da prática. Aqui, é necessário que essas convicções sejam compartilhadas, ao menos proximamente, pelos membros da comunidade.
Em seguida, na etapa interpretativa, o intérprete deve encontrar “uma justificativa geral para os principais elementos da prática identificada na etapa pré-interpretativa” (Dworkin, 1999a, p. 81). Essa justificativa permitirá dizer qual (is) significado(s) é ou são adequado(s) à prática analisada. Nessa fase também é necessário um certo acordo sobre quais significados são adequados, pois pretendemos apenas interpretar e não inventar algo novo.
Por fim, na etapa pós-interpretativa, o intérprete deverá ajustar “sua ideia daquilo que a prática ‘realmente’ requer para melhor servir à justificativa que ele aceita na etapa interpretativa” (Dworkin, 1999a, p. 81-2). Nesse momento, pretende-se apontar, entre os significados considerados adequados à nossa prática, aquele que mostra a prática sob sua melhor luz. Aqui, a justificativa dependerá de convicções mais substantivas que aquelas apresentadas na fase de adequação. Entretanto, “essas convicções não precisam ser tão compartilhadas pela comunidade quanto a noção do intérprete acerca dos limites da pré-interpretação, ou mesmo quanto a suas convicções sobre o devido grau de adequação” (Dworkin, 1999a, p. 84).
Naturalmente, como Dworkin reconhece, haverá divergências quanto às dimensões da prática interpretada e, ainda maiores serão as controvérsias a respeito da melhor justificativa para tal prática (Dworkin, 1999a, p. 83). Entretanto, a controvérsia em nada invalida o processo de interpretação, pois o objetivo não é eliminá-la definitivamente, mas apenas garantir uma racionalidade à atribuição de sentido. Assim, não há propriamente neutralidade nessas concepções, pois são todas interpretativas; porém, o método evita espaços discricionários, ao menos teoricamente.
Outrossim, como o processo de interpretação é sempre o mesmo em qualquer dos casos, não faz sentido considerar qualquer distinção lógica entre casos simples e casos difíceis (Dworkin, 1999a, p. 316-7 e 423). A única diferença é que algumas decisões têm que ser mais justificadas que outras. Portanto, a distinção entre casos difíceis e fáceis apenas se sustentaria se fosse reduzida ao nível de justificação exigido, que varia na proporção das divergências suscitadas.
Não há propriamente apenas uma teoria interpretativa do direito, mas várias. As teorias interpretativas de cada juiz são diferentes porque cada um deles tem suas próprias convicções sobre a prática do direito: seus propósitos, objetivos ou princípios justificativos são identificados individualmente. Entretanto, embora existam inúmeras divergências entre os juízes, “toda comunidade tem seus paradigmas em direito, proposições que na prática não podem ser contestadas sem sugerir corrupção ou ignorância” (Dworkin, 1999a, p. 110).
Nenhum juiz americano poderia negar seriamente a autoridade do precedente. Os juízes da civil law, por sua vez, também levam em conta a jurisprudência no momento de decidir, embora não se sintam, nem de longe, tão obrigados quanto os juízes da common law. E nenhum juiz poderia negar que as normas emanadas regularmente do Poder Legislativo devam ser aplicadas obrigatoriamente.
Além disso, há toda uma pressão oriunda do meio intelectual e dos doutrinadores que cria restrições ao processo interpretativo. O próprio ensino jurídico é repleto de ensinamentos conservadores e procura gerar uma certa convergência a respeito dos princípios e virtudes que informa a prática jurídica como um todo.
Entretanto, se, por um lado, é um erro desconsiderar esses fatores de convergência, por outro, não se pode esconder que, em diversas ocasiões, esses paradigmas são questionados e, até mesmo, alterados. Isto porque, com o passar do tempo, os paradigmas são contestados e novos modelos são sugeridos e aceitos, num primeiro momento, por minorias progressistas, mas podendo chegar a formar novos paradigmas. Na civil law, por exemplo, a interpretação da lei fundada na intenção do legislador, característica da Escola da Exegese, veio perdendo importância a ponto de ser praticamente desconsiderada em nossa prática atual, tendo sido substituída por uma concepção objetiva da vontade da lei.
Os paradigmas que conhecemos atualmente foram construídos historicamente, e, portanto, podem ser naturalmente alterados. Assim, uma mesma prática social pode ter significados diversos em tempos distintos.
Como já apresentado, Dworkin ressalta a necessidade de um acordo pré-interpretativo, pois é imprescindível um consenso inicial sobre quais práticas são jurídicas. Em regra, todos os juristas reconhecem as legislaturas, os tribunais, as agências reguladoras e órgãos administrativos, bem como as decisões tomadas por essas entidades, como parte de nossa prática jurídica.
Para que se possa atingir a etapa interpretativa, no entanto, como já se afirmou, é necessário buscar uma justificativa geral para os principais elementos da prática identificada na etapa pré-interpretativa.
Dworkin sugere que o conceito suficientemente abstrato para gerar o consenso necessário à etapa interpretativa é o de que a aplicação do direito consiste em guiar e restringir o poder do governo, autorizando a coerção apenas em decorrência de decisões políticas anteriores (Dworkin, 1999a, p. 116-26).
Em seguida, apresenta três concepções interpretativas do direito: “convencionalismo”, “pragmatismo jurídico” e “direito como integridade”. Apenas a primeira e a última, no entanto, aceitam essa proposta de justificativa geral do direito.
A opção de Dworkin, como já adiantado, será pela concepção do direito como integridade, uma vez que, em sua opinião, mostra o direito sob sua melhor luz. São dessas concepções que passamos a tratar.
Para um pensador convencionalista, o direito é aquilo que realmente é, não o que deveria ser. Assim, a tarefa do juiz é simplesmente aplicar esse direito, sem procurar modificá-lo de acordo com sua própria ética ou política (Dworkin, 1999a, p. 141). Nesse sentido, os verdadeiros direitos e deveres dos cidadãos são apenas aqueles que foram declarados explicitamente em alguma decisão política do passado[2], de maneira que os advogados e juízes sabem qual é o direito independentemente de suas divergências em moral ou política.
Entretanto, como os convencionalistas reconhecem, há casos novos em que não existem decisões políticas do passado capazes de indicar os direitos ou deveres, ou, pelo menos, essas decisões não geram o consenso necessário para que se possa apontar o que é o direito. Nesses casos, o juiz deve decidir da melhor maneira possível, mas a decisão é deixada em aberto, pois nenhuma das partes tem verdadeiramente um direito a exigir porque este ainda não existe. O juiz encontrará outras razões para justificar sua decisão, mas não terá que se preocupar com as decisões do passado, pois estas nada lhe informam a respeito da melhor solução a ser adotada. Portanto, nesses casos os juízes devem exercitar o poder discricionário e usar padrões extrajurídicos para criar um novo direito (Dworkin, 1999a, p. 145).
Na etapa pós-interpretativa, o convencionalismo chega a duas conclusões: (i) “os juízes devem respeitar as convenções jurídicas em vigor em sua comunidade, a não ser em raras circunstâncias”; e, (ii) “não existe direito – nenhum direito decorrente de decisões tomadas no passado – a não ser aquele que é extraído de tais decisões por meio de técnicas que são, elas próprias, questões de convenção, e que, portanto, em alguns casos não existe direito algum” (Dworkin, 1999a, p. 144-5).
O convencionalismo é atrativo para aqueles que se preocupam com a segurança do direito, pois adverte que a coerção apenas poderá ser exercida quando decisões políticas do passado a justificarem. Assim, a segurança é garantida pela previsibilidade.
Se essa vantagem parece compatível com a primeira conclusão apresentada supra, não o é, pelo menos na mesma intensidade, em relação à segunda conclusão. Isto porque, nos casos novos, como o poder discricionário dos juízes é amplo, não há como se garantir a segurança desejada pelos convencionalistas. O máximo que se pode exigir é que os juízes sejam honestos e reconheçam que estão criando direito de acordo com suas convicções pessoais, ainda que procurem levar em conta, intimamente, a vontade do povo ou uma virtual intenção do Poder Legislativo.
“Um juiz consciente de seu convencionalismo estrito perderia o interesse pela legislação e pelo precedente exatamente quanto ficasse claro que a extensão explícita dessas supostas convenções tivesse chegado ao fim. Ele então entenderia que não existe direito, e deixaria de preocupar-se com a coerência com o passado; passaria a elaborar um novo direito, indagando qual lei estabeleceria a legislatura em vigor, qual é a vontade popular ou o que seria melhor para os interesses da comunidade no futuro.” (Dworkin, 1999a, p. 159)
Mas não é isso que percebemos. Os juízes insistem que estão decidindo da forma mais coerente com o texto ou o espírito da lei e sempre procuram obter os melhores argumentos nesse sentido. Portanto, não se sentem livres mesmo quando as convenções já não apresentam qualquer resposta.
Por fim, ressalte-se que o convencionalismo é a versão interpretativa de positivistas, tal como Hart[3], na medida em que considera a grande maioria dos casos como capazes de serem resolvidos pelas convenções já estabelecidas, de forma a assegurar a segurança e a previsibilidade do direito. Ao lado disso, nos casos difíceis (casos novos para o convencionalismo), o juiz não tem outra opção senão criar o direito a ser aplicado sem que exista qualquer limite geral delineado pelas decisões políticas do passado.
O pragmatismo jurídico, por sua vez, “nega que as decisões políticas do passado, por si sós, ofereçam qualquer justificativa para o uso ou não do poder coercitivo do Estado” (Dworkin, 1999a, p. 185). Assim, contesta o argumento de que as pessoas tenham direitos com base em decisões políticas do passado. Entretanto, por razões de estratégia, para evitar a perda de controle pelo governo e, desta forma, piorar a comunidade como um todo, o pragmatismo jurídico pode optar por disfarçar sua decisão real simulando a aplicação da lei.
Assim, o pragmático apenas olha para a tradição jurídica constituída pelas decisões políticas do passado como estratégia para disfarçar as decisões que toma com base numa perspectiva do que será melhor para a comunidade no futuro. Desta forma, não rejeita as pretensões morais ou políticas.
Em suma, a diferença entre o pragmatismo jurídico e o convencionalismo pode ser bem resumida nas próprias palavras de Dworkin:
“A diferença prática entre as duas teorias da jurisdição é, portanto, a seguinte: em um regime convencionalista, os juízes não se considerariam livre para alterar regras adotadas conforme as convenções jurídicas correntes, exatamente porque, após o exame de todos os aspectos da questão, uma regra diferente seria mais justa ou eficiente. Em um regime pragmático, nenhuma convenção desse tipo seria reconhecida, e ainda que os juízes normalmente ordenassem o cumprimento de decisões tomadas por outras instituições políticas no passado, eles não reconheceriam nenhum dever geral de fazê-lo.” (Dworkin, 1999a, p. 181)
A vantagem do pragmatismo é que ele deixa os juízes livres para desenvolverem o direito, alterando-o sempre que os benefícios da mudança superem o desgaste causado pela redução de previsibilidade. Ao lado disso, uma comunidade que conviva com uma teoria pragmática do direito, tende a aceitar as mudanças com mais facilidade e, portanto, a incerteza gerada pelo processo de criação do direito teria um impacto menor.
Uma crítica muito similar àquela do convencionalismo pode ser agora ressuscitada. Se numa visão pragmática os olhares estão voltados para o futuro, por que então os juízes insistem em justificar suas decisões com base em decisões do passado? Tratar-se-ia de uma “nobre mentira”? Dizer que é apenas uma questão de estratégia parece ser pouco consistente.
Dworkin identifica, na teoria política, três virtudes que devem ser levadas em conta: a eqüidade, a justiça e o devido processo legal adjetivo. A eqüidade constituiria “uma questão de encontrar os procedimentos (…) que distribuem o poder político da maneira adequada”, isto é, permite que os cidadãos tenham “mais ou menos a mesma influência sobre as decisões que os governam” (Dworkin, 1999a, p. 200).
A justiça, por sua vez, preocupa-se com a substância das decisões, significando, para Dworkin, uma preocupação de que “nossos legisladores e outras autoridades distribuam recursos materiais e protejam as liberdades civis de modo a garantir um resultado moralmente justificável” (Dworkin, 1999a, p. 200).
O devido processo legal adjetivo prescreve o respeito a certos procedimentos pré-definidos para o julgamento de qualquer cidadão, ou seja, “queremos que os tribunais e instituições análogas usem procedimentos de prova, de descoberta e de revisão que proporcionem um justo grau de exatidão, e que, por outro lado, tratem as pessoas acusadas de violação como devem ser tratadas as pessoas em tal situação” (Dworkin, 1999a, p. 200-1).
Para Dworkin, no entanto, há ainda outro ideal mais importante, muitas vezes confundido com o princípio de tratar os casos semelhantes de forma parecida. Entretanto, esse ideal que ele propõe não se resume ao princípio de igualdade, sendo mais complexo e ambicioso. É justamente a essa concepção ideal a que dará o nome de integridade.
O ideal de que estamos tratando, qual seja, a integridade em sua perspectiva política, “exige que o governo tenha uma só voz e aja de modo coerente e fundamentado em princípios com todos os seus cidadãos, para estender a cada um os padrões fundamentais de justiça e eqüidade que usa para alguns” (Dworkin, 1999a, p. 201).
A integridade é, por definição, uma questão de princípio. Assim, na concepção do direito como integridade, “as proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se derivam, dos princípios de justiça, eqüidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade” (Dworkin, 1999a, p. 272).
O que se pretende, na visão do direito como integridade, é garantir uma coerência de princípio, isto é, identificar quais princípios justificam as leis e os precedentes do passado. Essa coerência de princípios passa a ser uma fonte de direitos.
A coerência de princípios permite que os cidadãos tenham direitos não declarados explicitamente na legislação e nos precedentes, mas apenas implicitamente reconhecidos através de princípios que justificam essas decisões políticas do passado.
Justamente nesse ponto apresenta-se a principal diferença entre o direito como integridade e o convencionalismo estrito, este último apenas reconhecendo os direitos declarados explicitamente:
“(…) o direito como integridade supõe que as pessoas têm direitos – direitos que decorrem de decisões anteriores de instituições políticas, e que, portanto, autorizam a coerção – que extrapolam a extensão explícita das práticas políticas concebidas como convenções. O direito como completude supõe que as pessoas têm direito a uma extensão coerente, e fundada em princípios, das decisões políticas do passado, mesmo quando os juízes divergem profundamente sobre seu significado.” (Dworkin, 1999a, p. 164)
Portanto, no direito como integridade, as pessoas têm todos os direitos que possam derivar, explícita ou implicitamente, dos princípios que proporcionam a melhor justificativa da prática jurídica com um todo.
De outro lado, deve-se notar que a integridade não requer uma coerência de princípio ao longo de toda a história. Esta é importante porque ajuda a identificar o conjunto de princípios que orientaram as decisões políticas e judiciais passadas. Mas não são apenas esses princípios e decisões manifestados historicamente que determinam o direito como integridade, pois este analisa a prática no presente e também em sua perspectiva futura. Assim, a história oferece apenas partes dos elementos necessários à interpretação.
Nesse sentido, Dworkin apresenta a imagem de um romance em cadeia para exemplificar a maneira como o direito deve ser interpretado. Os juízes são igualmente autores e críticos. Ao interpretarem uma tradição, introduzem um acréscimo que será interpretado pelos juízes futuros.
É exatamente o que ocorre em um romance em cadeia: “cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante” (Dworkin, 1999a, p. 276).
Nesse processo, o intérprete, assim como o romancista, deve criar a melhor interpretação possível como se fosse a obra de um único autor. Trata-se de uma continuidade e não de um novo começo, e, por isso, sua liberdade criativa fica bastante limitada.
Numa primeira fase, a que Dworkin chama adequação, deve-se identificar quais interpretações são compatíveis com os capítulos anteriores. Essas interpretações devem ser capazes de explicar o texto de forma substancial. Não se exige concordância com todos os elementos, mas ao menos em relação aos pontos estruturais.
Pode ser que, após essa análise de adequação, o intérprete conclua que há mais de uma leitura possível em relação ao texto. Deve decidir, então, qual delas se ajusta melhor à peça em construção, isto é, como poderá mostrar o texto sob sua melhor luz.
Em suma, os juízes tentam encontrar, em algum conjunto coerente de princípios, a melhor interpretação construtiva da estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade. Em seguida, verificam quais interpretações são adequadas a esse conjunto de princípios, e, apenas então, se houver mais de uma interpretação adequada, deverão buscar aquela que maximize esse conjunto coerente de princípios. O direito como integridade será determinante tanto na adequação quanto na justificação do melhor significado.
Não se nega que o resultado dessa interpretação seja influenciado pelas convicções políticas de cada juiz. Entretanto, tal influência é bastante minimizada na medida em que cabe ao intérprete buscar quais convicções, princípios, preceitos de moral pública etc., explicam melhor a história política da comunidade, os quais podem não coincidir com aqueles pelos quais nosso intérprete nutre uma preferência. Nesse sentido, a comunidade é personificada, pois o que se busca é uma coerência de princípios que reflita a sua própria história política.
Dworkin reconhece que a aceitação do direito como integridade, ao impor a tarefa de “vê-lo” sob sua melhor luz, é extremamente árdua, provavelmente incapaz de ser executada por um juiz do cotidiano judiciário. Por isso, imagina um juiz com capacidade e paciência sobre-humanas, ao qual dá o nome de Hércules.
“Nenhum juiz real poderia impor nada que, de uma só vez, se aproxime de uma interpretação plena de todo o direito que rege sua comunidade. É por isso que imaginamos um juiz hercúleo, dotado de talentos sobre-humanos e com um tempo infinito a seu dispor. Um juiz verdadeiro, porém, só pode imitar Hércules até certo ponto.” (Dworkin, 1999a, p. 294)
É necessário reconhecer, ainda assim, que outros juízes poderiam oferecer honestamente respostas diferentes das de Hércules, ainda que estivessem dispostos a aplicar o direito na perspectiva de sua integridade. Entretanto, essa não é uma preocupação para teoria de Dworkin desde que esses juízes sigam o método de Hércules, isto é, estejam dispostos a apresentar argumentos em favor da resposta que entendam corresponder à melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade.
Isto porque “(…) o direito como integridade consiste numa abordagem, em perguntas mais que em respostas, e outros juristas e juízes que o aceitam dariam respostas diferentes das dele [Hércules] às perguntas colocadas por essa concepção de direito” (Dworkin, 1999a, p. 287).
Portanto, Dworkin está mais preocupado com o processo de interpretação que com a solução efetiva.
2.6. CETICISMO SOBRE A INTERPRETAÇÃO
Segundo Dworkin, os intérpretes “acham que as interpretações que adotam são melhores – e não apenas diferentes – daquelas que rejeitam” (Dworkin, 1999a, p. 94). Os críticos a que ele denomina céticos, no entanto, acreditam que não pode haver uma resposta certa, mas apenas respostas diferentes, especialmente nos casos difíceis, sendo mais honesto admitir que nesses casos não há outros fundamentos para além das preferências pessoais daquele que detém o poder decisório.
Dworkin se preocupa especialmente com esse tema uma vez que, da forma como ele apresenta inicialmente a interpretação, pode-se assumir descuidadamente que está defendendo essa posição cética. Isto porque admite claramente que estamos longe de uma unicidade de significado, pois “pessoas diferentes, com gostos e valores diferentes, são predispostas – exatamente por essa razão – a ‘ver’ significados diferentes naquilo que interpretam” (Dworkin, 1999a, p. 96).
Contudo, Dworkin rechaça abertamente a concepção cética do direito. Pare ele, mesmo a opinião de que nenhuma interpretação pode ser a melhor “deve ser conquistada e defendida como qualquer outro argumento interpretativo” (Dworkin, 1999a, p. 285) e, portanto, não invalida a teoria interpretativa do direito.
Segundo Dworkin, o cético exterior sempre tem uma opinião a respeito do significado a ser atribuído ao objeto da interpretação, podendo até concordar com o significado proposto por outros intérpretes. Entretanto, não acha que esse significado possa ser considerado o único correto, pois se trata de um dado objetivo incapaz de ser descoberto na realidade (Dworkin, 1999a, p. 97).
Assim, o cético exterior insiste em que as afirmações interpretativas não podem ser comprovadas, e, por isso, não admitem o padrão verdadeiro/falso. Isto porque as pessoas de diferentes culturas têm opiniões diferentes sobre as práticas sociais e nenhuma delas pode ser considerada melhor que a outra.
Entretanto, Dworkin não defende que a interpretação é, como a física, capaz de demonstrar suas proposições. Tampouco que os valores morais estão no universo ou em alguma realidade transcendental em que possam ser descobertos pela interpretação. Reconhece, assim, que o significado atribuído por uma interpretação não pode ser comprovado de maneira empírica ou metafísica como pretendem os céticos exteriores, justamente porque se trata de uma interpretação.
O que questiona, no entanto, é a utilidade de uma postura tal qual o ceticismo exterior. Isto porque, quando diante de um caso concreto, esses teóricos também são obrigados a apresentar argumentos que lhes permitam decidir qual dos significados constitui a melhor decisão. Aí, então, o ceticismo exterior não fornece quaisquer padrões racionais.
Portanto, trata-se de uma posição radical que em nada contribui para a teoria jurídica, pois exclui qualquer racionalidade que se possa almejar no processo de decisão judicial, embora continue optando, na prática, por um dos possíveis significados.
A descrição que Dworkin elabora a respeito dos céticos exteriores é bastante esclarecedora:
“A propósito de qualquer tese sobre a melhor maneira de avaliar uma situação jurídica em algum domínio do direito, eles dizem: ‘Essa é a sua opinião’, o que é ao mesmo tempo verdadeiro e inútil. Ou perguntam: ‘Como você sabe?’, exigindo não um caso que possam aceitar ou rejeitar, mas uma demonstração metafísica avassaladora à qual não possa resistir ninguém que a consiga compreender. E, quando percebem que não estão diante de nenhum argumento dotado de tal força, resmungam que a doutrina é tão-somente subjetiva. Depois, finalmente, voltam a seu ramerrão – fazer, aceitar, resistir e rejeitar argumentos da maneira de sempre, consultando, revisando e mobilizando convicções que lhes permitam decidir qual, dentre as avaliações conflitantes da situação jurídica, constitui a melhor defesa de tal posição. Meu conselho é direto: essa dança preliminar do ceticismo é tola e inútil; não acrescenta nada ao assunto em questão, e dele também nada subtrai. (…)”(Dworkin, 1999a, p. 107)
Assim, ainda que o ceticismo exterior seja plenamente defensável filosoficamente, não ameaça a concepção de direito como integridade ou os métodos de deliberação judicial de Hércules. Destarte, Dworkin pode prosseguir em sua tentativa de elaborar um método interpretativo que permita apresentar o significado de uma prática social sob sua melhor luz. Isto porque os argumentos que utilizará não são demonstrações do tipo desejado pelos céticos exteriores. Os significados que seu método interpretativo produzirá são sujeitos a críticas e divergências. Entretanto, o crítico, se tiver outra opinião, deverá explicar o porquê, confrontando argumentos e convicções, e não simplesmente dizer que não há resposta certa e, dessa forma, admitir qualquer delas.
Nesse sentido, o exercício é de descoberta: “descobrir qual ponto de vista das questões importantes que discutimos se ajusta melhor às convicções que, juntos ou individualmente, temos e conservamos a propósito da melhor avaliação de nossas práticas comuns” (Dworkin, 1999a, p. 108).
Dworkin ainda menciona alguns tipos diferentes de ceticismo interior. Entretanto, acredita que a única forma de ceticismo capaz de colocar em dúvida seriamente sua teoria interpretativa é a modalidade de ceticismo interior que atinge em cheio a própria possibilidade de existência de uma integridade no direito.
Nessa corrente, o cético interior acredita que é possível apontar uma concepção certa sempre que a prática analisada tiver a unidade necessária, isto é, as contradições presentes em seu interior não lhe ofendam a coerência a ponto de serem insuperáveis. No caso do direito, no entanto, como as contradições internas são intransponíveis, é impossível se chegar a uma resposta certa uma vez que não há como se verificar qualquer integridade no direito.
Para refutar essa tese, Dworkin destaca a distinção fundamental entre contradição e competição entre princípios. O ponto fulcral de sua argumentação é que considerar os princípios contraditórios constitui um erro de concepção quanto à natureza dos princípios.
Princípios podem apenas entrar em conflito e “a coerência então exige um sistema não arbitrário de prioridade, avaliação ou acomodação entre eles, um sistema que reflita suas fontes respectivas em um nível mais profundo de moral política” (Dworkin, 1999a, p. 320-1).
O processo de interpretação deverá encontrar um lugar para acomodar cada um dos princípios que estão em conflito. Não poderá negá-los, sob pena de apresentar uma interpretação não plausível. Assim, a integridade do direito não admite que qualquer deles seja totalmente desautorizado (Dworkin, 1999a, p. 322). Porém, será necessário fazer uma escolha, como um juízo pós-interpretativo, a respeito de qual deles deverá ser aplicado ao caso concreto por constituir, naquelas circunstâncias, a interpretação vista sob a melhor luz.
Em Taking Rights Seriously, Dworkin explora a distinção entre regras e princípios que pode ser muito bem aplicada para defender a tese de que os princípios não se contradizem mas apenas concorrem entre si. Desta forma, a aplicação, no caso concreto, de um deles em detrimento do outro, não expulsa qualquer deles do direito, diferentemente do que aconteceria com as regras. Os princípios podem conviver ainda que sejam, em última instância, afastados em determinadas ocasiões. Faremos uma distinção mais detalhada entre regras e princípios a seguir.
2.7. DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS
As idéias de Dworkin que expusemos até esse momento refletem especialmente sua obra O Império do Direito. No entanto, nesta obra o autor não se interessa por diferenciar claramente regras de princípios. A razão deve ser o fato de já tê-lo feito em sua obra anterior: Taking Rights Seriously. A distinção é, no entanto, fundamental para compreender a teoria de Dworkin, pois é através dos princípios, explícitos ou implícitos, que ele pretende eliminar os espaços discricionários.
Antes de prosseguirmos, é necessário atentar para o fato de que, em sua obra, Dworkin acaba freqüentemente se referindo a princípios num sentido genérico, incorporando, para além dos princípios stricto sensu, políticas (policies) ou outros standards normativos. Isto especialmente quando procura destacar a dicotomia entre regras e princípios (Dworkin, 1999b, p. 22).
Apenas para esclarecermos os conceitos, no entanto, devemos indicar que ele considera política (policy) como o tipo de standard que estabelece uma meta a ser atingida, geralmente uma melhora em alguma característica econômica, política, ou social da comunidade (Dworkin, 1999b, p. 22).
Já o princípio deve ser observado não porque ele irá promover ou garantir alguma situação econômica, política, ou socialmente desejada, mas por ser uma exigência de justiça ou igualdade, ou alguma outra dimensão da moral (Dworkin, 1999b, p. 22).
A distinção é de natureza lógica. As regras são aplicadas num modelo de tudo-ou-nada. Se os fatos narrados na hipótese da regra se concretizarem, então a conseqüência prevista deverá ser concretizada pelas autoridades competentes. Desta forma, duas regras que tenham a mesma hipótese e estabeleçam conseqüências contraditórias não podem permanecer no sistema. Uma delas deve ser necessariamente expulsa, pois, tratando-se de regras, não há qualquer maleabilidade (Dworkin, 1999b, p. 27). Podemos afirmar, portanto, que as regras funcionam segundo o parâmetro válido/inválido.
Já o princípio (e aqui nos referimos àquele sentido lato acima descrito), apenas constitui um forte argumento para que a decisão seja tomada em um determinado sentido. Diferentemente das regras, no entanto, os princípios podem concorrer entre si, de maneira que, em determinado caso, um pode prevalecer sobre o outro sem que qualquer deles seja expulso do sistema (Dworkin, 1999b, p. 26). Isto significa que, num caso futuro, aquele mesmo princípio que tenha sido preterido num caso anterior possa ser, agora, utilizado como fundamento da decisão.
Portanto, os princípios têm uma dimensão de peso, isto é, cada um dos princípios que possa influenciar a decisão é sopesado e, em seguida, o juiz deve escolher qual deles irá prevalecer sem que qualquer deles perca sua força em razão dessa escolha. Naturalmente, segundo a lógica da teoria apresentada no Império do Direito, essa escolha entre princípios deveria refletir nossa prática jurídica em sua melhor luz.
3. CONCLUSÃO
Dworkin parte do pressuposto de que o direito é interpretativo, de maneira que os juízes devem decidir o que é o direito, interpretando-o. Assim, teorias gerais do direito são, na realidade, interpretações gerais de nossa própria prática judicial (Dworkin, 1999a, p. 488).
Entre as concepções interpretativas que considera (“pragmatismo jurídico”, “convencionalismo” e “direito como integridade”), destaca o direito como integridade.
É a integridade que, para Dworkin, explica melhor o que é o direito. Mas a integridade não se impõe por si mesma. Tanto as convicções a respeito da adequação quantos aquelas sobre a eqüidade, a justiça e o devido processo legal adjetivo, são conflitantes entre si. Assim, o intérprete deve considerar esses conflitos e tentar tornar “o histórico legal da comunidade o melhor possível do ponto de vista da moral política” (Dworkin, 1999a, p. 489). Por conseguinte, o direito como integridade teria o condão de oferecer uma melhor adequação e uma melhor justificação de nossa prática jurídica como um todo (Dworkin, 1999a, p. 490).
Nesse sentido, para Dworkin, o conceito de direito é definido pela atitude:
“É uma atitude interpretativa e auto-reflexiva, dirigida à política no mais amplo sentido. É uma atitude contestadora que torna todo cidadão responsável por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância. (…) A atitude do direito é construtiva: sua finalidade, no espírito interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé com relação ao passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de divididos por nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de qualquer forma, o que o direito representa para nós: para pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter.” (Dworkin, 1999a, p. 492)
Portanto, para Dworkin, a teoria geral do direito é intepretativa e justificadora, e, mais do que isso, é parte do próprio direito, como parte geral de qualquer decisão. Nas palavras de Dworkin, “(…) o voto de qualquer juiz é, em si, uma peça de filosofia de direito, mesmo quando a filosofia está oculta e o argumento visível é dominado por citações e listas de fatos. A doutrina é a parte geral da jurisdição, o prólogo silencioso de qualquer veredito” (Dworkin, 1999a, p. 113).
O autor entende que o direito não pode ser descrito, mas apenas interpretado, pois essa é a melhor explicação do que é o direito. A preocupação de Dworkin em delinear uma teoria do direito como integridade, levando-o à firme tentativa de adequá-la e justificá-la como a teoria que mostra nossa prática jurídica sob sua melhor luz, reflete sua concepção de que o direito apenas pode ser interpretado e não descrito.
Advogada da União lotada na Procuradoria-Geral da União em Brasília em exercício no Departamento Trabalhista
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…