Os princípios do direito ambiental

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Resumo: A humanidade vive uma realidade de incertezas, sob o ponto de vista ecológico, haja vista que a degradação do meio ambiente aumentou significativamente nas últimas décadas. Não é apenas a poluição atmosférica, chuvas ácidas, morte dos rios, mares e oceanos que demonstram a ação devastadora do homem. Pelo contrário, a questão ambiental traz implicações complexas e polêmicas, como a produção e a comercialização dos produtos geneticamente modificados. No Brasil, a questão ambiental passou a ter relevância jurídica, pois o direito de viver num ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido à categoria de Direito Humano Fundamental pela Constituição Federal de 1988. Neste sentido, enfatiza-se um dos princípios fundamentais do Direito Ambiental, mais especificamente o princípio da precaução, com o intuito de analisar a incorporação destes no ordenamento jurídico e sua aplicabilidade frente ao desafio de proteger o meio ambiente em que vivemos.

Palavras-chave: Meio Ambiente – Homem – Participação – Efetividade – Princípio da Precaução –Responsabilidade.

1 definição

O direito ambiental, entendido sob o prisma de uma ciência dotada de autonomia científica, apesar de seu caráter interdisciplinar, obedece, na aplicação de suas normas, a princípios específicos de proteção ambiental. Neste sentido, os princípios que informam o direito ambiental têm como escopo fundamental proteger o meio ambiente e, assim, garantir melhor qualidade de vida a toda coletividade.

No entender de Rehbender “os princípios guardam a capacidade quando compreendidos como princípios gerais de influenciar a interpretação e a composição de aspectos cinzentos do direito ambiental.” (apud DERANI, 1997, p. 156). Ou seja, os princípios são o alicerce do direito ambiental, que contribuem para o entendimento da disciplina e, principalmente, orientam a aplicação das normas relativas à proteção do meio ambiente.

Salienta-se, no que concerne à importância dos princípios, a lição de Canotilho, ao destacar que a utilidade dos mesmos reside: 1) em serem um padrão que permite aferir a validade das leis, tornando inconstitucionais ou ilegais as disposições legais ou regulamentadoras ou atos que os contrariem; 2) no seu potencial como auxiliares da interpretação de outras normas jurídicas; e 3) na sua capacidade de integração de lacunas (apud MORATO LEITE, 2000, p. 47).

Não há como refutar que os princípios do direito ambiental são indispensáveis para a formulação de um Estado do ambiente, à medida que orientam o desenvolvimento e a aplicação de políticas ambientais que servem como instrumento fundamental de proteção ao meio ambiente e, conseqüentemente, à vida humana.

É mister dizer que os princípios do direito ambiental, adotados pela Constituição Federal, tiveram forte influência da doutrina alemã. Neste sentido, Correia destaca:

Seguindo de perto a doutrina alemã, poderemos dizer que o direito do ambiente é caracterizado por três princípios fundamentais: o princípio da prevenção (vorsorge prinzip), o princípio do poluidor-pagador ou princípio da responsabilização (verursacher prinzip) e o princípio da cooperação ou da participação (koopegrotions prinzip). Estes três princípios estão condensados, ao lado de outros, no código 3o da Lei de Bases do Ambiente e estão presentes em várias disposições. (apud MUKAI, 1998, p. 35).

Não obstante a importância de todos os princípios do direito ambiental, é preciso destacar que o princípio da precaução se constitui no principal norteador das políticas ambientais, à medida que este se reporta à função primordial de evitar os riscos e a ocorrência dos danos ambientais. Entretanto, a efetivação do referido princípio pressupõe a aplicação do princípio do poluidor-pagador, porque há de se considerar que os danos ambientais verificados devem, necessariamente, ter seus autores identificados, a fim de responsabilizá-los pelos seus atos.

Assim, far-se-á referência ao princípio da precaução e também do poluidor-pagador, visando a demonstrar que os mesmos propiciam a viabilização do desenvolvimento de políticas ambientais necessárias ao cumprimento da tarefa de proteger o meio ambiente. Reitera-se, entretanto, que a eficácia das medidas que objetivam a preservação do meio ambiente depende da aplicação dos princípios acima referidos, os quais devem estar, necessariamente, articulados com os demais princípios que norteiam o direito ambiental.

2 o princípio da precaução

É pacífico entre os doutrinadores que o princípio da precaução se constitui no principal orientador das políticas ambientais, além de ser a base para a estruturação do direito ambiental. Nesse sentido, diante da crise ambiental que relega o desenvolvimento econômico sustentável a segundo plano e da devastação do meio ambiente em escala assustadora, prevenir a degradação do meio ambiente passou a ser preocupação constante de todos aqueles que buscam melhor qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

Em que pese a recente preocupação no país com a aplicação do princípio da precaução, pode-se dizer que a Alemanha aborda o referido princípio desde 1970, na Declaração de Wingspread, juntamente com o princípio da cooperação e do poluidor-pagador. Assim, o doutrinador alemão Kloespfer afirma que “a política ambiental não se esgota na defesa contra ameaçadores perigos e na correção de danos existentes. Uma política ambiental preventiva reclama que as bases naturais sejam protegidas e utilizadas com cuidado, parciosamente.” (apud DERANI, 1997, p. 165).

A Declaração de Wingspread aborda o Princípio da Precaução da seguinte maneira: “Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidos cientificamente.” (www.fgaia.org.br/texts/t-precau, tradução de Lúcia A. Melin).

No direito positivo brasileiro, o princípio da precaução tem seu fundamento na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/1981), mais precisamente no artigo 4, I e IV, da referida lei, que expressa a necessidade de haver um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a utilização, de forma racional, dos recursos naturais, inserindo também a avaliação do impacto ambiental.

Salienta-se, que o referido princípio foi expressamente incorporado em nosso ordenamento jurídico, no artigo 225, § 1o, V, da Constituição Federal, e também através da Lei de Crimes Ambientais (lei 9.605/1998, art. 54, § 3o).

O artigo 225, § 1o, inciso IV da Constituição Federal expressa que:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1o – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV – Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio do impacto ambiental.

Convém, a título de esclarecimento do conceito do princípio da precaução, citar Derani:

Precaução é cuidado. O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco eminente de uma determinada atividade, como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade […]. (1997, p. 167).

Dessa forma, o princípio da precaução implica uma ação antecipatória à ocorrência do dano ambiental, o que garante a plena eficácia das medidas ambientais selecionadas. Neste sentido, Milaré assevera que “Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitos indesejáveis.” (apud MIRRA, 2000, p. 62).

Observe-se que a consagração do princípio da precaução no ordenamento jurídico pátrio representa a adoção de uma nova postura em relação à degradação do meio ambiente. Ou seja, a precaução exige que sejam tomadas, por parte do Estado como também por parte da sociedade em geral, medidas ambientais que, num primeiro momento, impeçam o início da ocorrência de atividades potencialmente e/ou lesivas ao meio ambiente. Mas a precaução também atua, quando o dano ambiental já está concretizado, desenvolvendo ações que façam cessar esse dano ou pelo menos minimizar seus efeitos.

Nesta linha de pensamento, Machado nos ensina que:

A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar o futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental através da prevenção no tempo certo. (2001, p. 57).

Não se pode olvidar que o princípio da precaução é o colorario do direito ambiental, devendo estar presente na legislação, assim como também na escolha das medidas ambientais adequadas a eventuais riscos para o meio ambiente ocasionado pela ação humana.

Frisando a importância da presença do princípio da precaução nas políticas ambientais, Kloepfer assevera que: “A política ambiental não se esgota na defesa contra ameaçadores perigos e na correção de dados existentes. Uma política ambiental preventiva reclama que as bases naturais sejam protegidas e utilizadas com cuidado, parciosamente.” (apud DERANI, 1997, p. 165).

Verifica-se que a precaução abarca também uma melhor alocação dos recursos naturais, com a adoção de instrumentos eficazes no controle da utilização dos mesmos, dada a escassez de alguns bens naturais. Isso reforça a idéia de que “[…] a política ambiental não se limita à eliminação de danos ocorridos, mas sim, tem sustentáculo na proteção contra o risco, mesmo que simples.” (MACIEL, www.faroljuridico.com.br/art.ambiental).

Acrescenta-se a esse panorama que a maior dificuldade na implantação do princípio da precaução é a resistência de alguns Estados em aplicar a legislação ambiental, devido ao fato de que as normas relativas ao meio ambiente implicariam estagnação da economia, o que, na verdade, não se concretiza, porque o que se propõe é a utilização de novas tecnologias que contribuam para a manutenção do equilíbrio ecológico sem prejuízo ao desenvolvimento.

Por tudo isso, afirma-se que o princípio da precaução é a base das leis e das práticas relacionadas à preservação do meio ambiente. É preciso, antes de tudo, se antecipar e prevenir a provável e/ou efetiva ocorrência de uma atividade lesiva, pois há de se considerar que nem todos os danos ambientais podem ser reparados pela ação humana. Hoppe assevera que “é uma precaução contra o risco, que objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo.” (apud DERANI, 1997, p. 165).

Desse modo, a atuação do princípio da precaução não se constitui apenas num recurso contra a degradação do meio ambiente. Pelo contrário, sua significação compreende também a garantia da preservação da espécie humana e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida para a coletividade.

3 O princípio da precaução x prevenção

Na maioria dos documentos anteriores à declaração do Rio de Janeiro, preponderava o termo prevenção em vez de precaução. E apesar dos referidos termos apresentarem significados semelhantes, é preciso fazer uma distinção entre ambos para que se possa entender de forma correta o princípio da precaução.

É oportuno detalhar que a Constituição Brasileira não faz uma distinção propriamente dita entre a expressão prevenção e precaução, e as utiliza quase como sinônimas. O que se tem, no Brasil, são diferenciações entre os referidos termos por parte de doutrinadores, como Machado e Morato Leite.

Dessa forma, segundo Machado,

No princípio da prevenção previne-se porque se sabe quais as conseqüências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, é certo, decorre muitas vezes até da lógica.

No princípio da precaução previne-se porque não se pode saber quais as conseqüências que determinado ato, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou conseqüências. Há incerteza científica não dirimida (www.ecoambiental.com.br/ principal/principios).

Nesta acepção, o princípio da precaução reforça a idéia de que os danos ambientais, uma vez concretizados, não podem, via de regra, ser reparados ou, mais precisamente, não voltam ao seu estado anterior. Ao se destruir uma floresta, por exemplo, mesmo que o homem faça o reflorestamento, a nova floresta não apresentará as mesmas características da primitiva.

Assim afirma Canotilho:

Comparando-se o princípio da precaução com o da atuação preventiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados. Já o princípio da precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta. (apud MORATO LEITE, 2000, p. 48).

Além disso, o princípio da precaução está diretamente ligado à atuação preventiva. Ambos objetivam proporcionar meios para impedir que ocorra a degradação do meio ambiente, ou seja, são medidas que, essencialmente, buscam evitar a existência do risco.

Entretanto, o princípio da precaução é prioritariamente utilizado quando o risco de degradação do meio ambiente é considerado irreparável ou o impacto negativo ao meio ambiente é tamanho que exige a aplicação imediata das medidas necessárias à preservação.

Já a atuação preventiva é o ponto central do direito ambiental, e se traduz numa frase do senso comum: “Mais vale prevenir do que remediar.” (MORATO LEITE, 2000, p. 52). Ou seja, a degradação do meio ambiente deve ser evitada antes de sua concretização e não apenas combater e/ou minimizar os efeitos dessa degradação.

No panorama do direito estrangeiro, a União Européia faz a seguinte distinção da expressão prevenção/precaução: prevenir significaria “evitar ou reduzir tanto o volume de resíduos quanto do risco” (“avaid or reduce both volume of waste and associateal hazard”), enquanto que precaucionar seria uma obrigação de interveniência quando há suspeitas para o meio ambiente (“obligation to intervene once there is supcionus to the enviromment”), devendo neste último caso ocorrer intervenção estatal em relação ao risco (SCHIMIDT, www.mp.rs.gov.br).

Desenhadas as distinções doutrinárias entre o termo prevenção e precaução, é importante mencionar que ambos têm um objetivo comum que é o de preservar o meio ambiente, exigindo para tanto, a atuação do Estado da organização de uma política de proteção do meio ambiente.

4 O princípio da precaução e a declaração do rio de janeiro

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (1992) discutiu as medidas necessárias para que houvesse uma redução da degradação do meio ambiente, além de estabelecer políticas ambientais que conduzissem à efetiva concretização do desenvolvimento econômico sustentável .

Deste modo, o princípio da precaução encontra-se inserido nos Princípios 15 e 17 da Declaração do Rio de Janeiro, que expressam o seguinte:

Princípio 15: de modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (apud MACHADO, 2001, p.50).

Princípio 17: a avaliação do impacto ambiental, como instrumento internacional, deve ser empreendida para as atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional competente. (apud AYALA, 2000, p.77).

Salienta-se que os princípios acima mencionados se fundamentam numa política ambiental preventiva, que busca a utilização racional dos recursos naturais e a identificação dos riscos e perigos eminentes, a fim de que seja evitada a destruição do meio ambiente. Para tanto, incumbe aos Estados nacionais, observar o princípio da precaução, que deve orientar as políticas ambientais adotadas, entretanto, torna flexível sua aplicação à capacidade de implementação de cada Estado.

É oportuno detalhar que a Declaração do Rio de Janeiro estabelece também a necessidade da avaliação do impacto ambiental, determinando que ao ser identificado ameaça de danos sérios ou irreversíveis, prescindindo, portanto, do critério da absoluta certeza científica, medidas ambientais eficazes devem ser tomadas a fim de preservar o meio ambiente.

Pontua-se que há discussão na doutrina quanto à imperatividade jurídica do princípio da precaução emanado da Declaração do Rio de Janeiro. Assim, apesar das declarações internacionais não apresentarem o caráter de obrigatoriedade para os países participantes, não sendo, portanto, vinculantes na ordem jurídica interna, é inegável que as declarações de princípios influenciam de forma significativa as ações desenvolvidas pelos Estados, do que se conclui que estes adotam, no direito interno, os princípios declarados (MIRRA, 2000, p. 64-65).

Nestes termos, o princípio da precaução, estabelecido pela Declaração do Rio de Janeiro, deve ser obrigatoriamente respeitado no ordenamento jurídico interno, como assenta Trindade: “os princípios oriundos das declarações internacionais são juridicamente relevantes e não podem ser ignorados pelos países na ordem internacional, nem pelos legisladores, pelos administradores públicos e pelos tribunais na ordem interna.” (apud MIRRA, 2000, p. 65).

Deste teor, resulta que a partir da Declaração do Rio de Janeiro (1992), foi deflagrada a necessidade de preservar o meio ambiente, consolidando assim, a tomada da consciência ecológica. Neste sentido, o princípio da precaução, aprovado plenamente pelos países participantes da conferência supra mencionada, passou a incorporar o ordenamento jurídico brasileiro, e a orientar as políticas ambientais desenvolvidas. Ressalta-se que as Convenções Internacionais também se reportam ao princípio da precaução como diretriz das ações que envolvam o meio ambiente.

5 O princípio da precaução nas convenções internacionais

É mister pontuar que as convenções ou tratados internacionais assinados pelos países participantes dos mesmos somente se tornam obrigatórias no Direito Interno a partir da ratificação pelo poder legislativo e da sua entrada em vigor. Esta posição é ressaltada por Seintenfus (1999, p. 40), quando enfatiza que para os Estados “o tratado significa, mais do que uma manifestação de soberania, o reconhecimento jurídico da existência de uma fonte de limitação de suas competências.”

No que concerne ao Brasil, constata-se que a legislação ambiental recebeu influências de várias convenções e/ou tratados internacionais. Assim, a Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que foram devidamente assinadas, ratificadas e promulgadas pelo Brasil, abrigaram o princípio da precaução. Ambas as convenções estabelecem que o princípio da precaução deve objetivar a redução dos danos ambientais, prescindindo que seja demonstrada a certeza científica à efetividade do dano, para que sejam tomadas medidas cabíveis com vistas à solução ou pelo menos minimização do problema.

Entretanto, as duas Convenções abordam o princípio da precaução de modo diferente: enquanto que a Convenção da Diversidade Biológica exige apenas ameaça de sensível redução ou perda de diversidade ecológica, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima exige, no seu artigo 3o, que a ameaça de dano seja séria ou irreversível, além de se manifestar a respeito dos custos das medidas ambientais (MACHADO, 2001).

Ressalta-se que outras Convenções, como a Convenção de Paris para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (1992), bem como a Segunda Conferência Internacional do Mar Morto, inseriram o princípio da precaução em seus textos. Da mesma forma, o Programa Comunitário de Ação em matéria de ambiente abordou o princípio da precaução, o que demonstra que este se constitui num dos pontos norteadores da política ambiental de prevenção dos riscos de degradação do meio ambiente.

A título de conhecimento, a Convenção de Paris para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (1992) aponta que

[…] medidas de prevenção devem ser tomadas quando existam motivos razoáveis de se inquietar do fato de a introdução, no meio marinho, de substância ou energia, direta ou individualmente, poder acarretar riscos para a saúde humana, prejuízo aos recursos biológicos e aos ecossistemas marinhos, representar atentado contra os valores de lazer ou entravar outras utilizações legítimas do mar, mesmo se não existam provas indicando relação de causalidade entre as causas e efeitos. (apud MACHADO, 2001, p. 53-54).

Ademais, o princípio da precaução foi inserido no direito francês, em 1995, que o definiu como o princípio:

[…] segundo o qual a ausência de certezas, levando-se em conta os conhecimentos científicos e técnicos do momento, não deve retardar a adoção de medidas efetivas e em exata proporção que visem prevenir um risco de prejuízos graves e irreversíveis ao meio ambiente a um custo economicamente aceitável (GODARD, www.ambfrance.org.br).

Não há como refutar que a legislação ambiental interna do Brasil, como também de outros países, tem sua política fundamentada no princípio da precaução. Mas outros princípios, como o da responsabilidade ambiental, também foram inseridos nos textos dos tratados e/ou convenções, o que nos leva a reiterar que esses têm influência direta no ordenamento jurídico interno do Brasil.

6 O princípio da precaução e suas características

6.1 Incerteza do Dano e Nexo Ambiental

A partir da consagração do princípio da precaução, desenvolveu-se uma nova concepção em relação à obrigatoriedade da comprovação científica do dano ambiental. Desse modo, quando uma atividade representa ameaça de dano ao meio ambiente, independentemente da certeza científica, as medidas ambientais devem ser aplicadas a fim de evitar a degradação do meio ambiente.

Neste ponto, convém lembrar que, até a década de 80, as medidas utilizadas para evitar os danos ambientais tinham como fundamento obrigatório para sua efetivação a análise científica, ou seja, a Ciência assegurava a idoneidade dos resultados (MACHADO, 2001).

Nos ensinamentos de Machado,

Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção (2001, p. 55).

Com efeito, a certeza científica do dano, quando possível de ser demonstrada, acarreta a aplicação imediata das medidas ambientais. Mas se deixássemos de aplicá-las quando houvesse incerteza científica, estaríamos incorrendo num grave erro, que é o da inércia diante dos problemas ambientais, pois os efeitos do possível dano, provavelmente, seriam irreversíveis.

Assim, é pacífico entre os doutrinadores e demais estudiosos da questão ambiental que, quando houver incerteza científica do dano ou também risco de sua irreversibilidade, o dano deve ser prevenido e, indiscutivelmente, se houver certeza científica do mesmo.

No que tange à incerteza científica do dano ambiental, Machado assevera que a precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro. A precaução não deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, portanto, através da prevenção no tempo certo (2001, p. 57).

De fato, a aplicação de medidas ambientais diante da incerteza científica de um dano ao meio ambiente, prevenindo-se um risco incerto, representa um avanço significativo no que se refere à efetivação do princípio da precaução, que está necessariamente associado à proteção ambiental. Reconhece-se, dessa forma, a substituição do critério da certeza pelo critério da probabilidade, ou seja, a ausência da certeza científica absoluta no que se refere à ocorrência de um dano ambiental não pode ser vista como um empecilho para a aplicação das medidas ambientais. Assim, o princípio da precaução impõe que, mesmo diante da incerteza científica, medidas devem ser adotadas para evitar a degradação ambiental (MIRRA, 2000, p. 67-68).

O jurista Jean-Marc Lavieille reafirma o entendimento de que se deve agir antes que a ciência nos diga, com certeza absoluta, se determinada atividade é nociva ou não ao meio ambiente ao expressar que: “O princípio da precaução consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos, sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas também sobre o de que nós deveríamos duvidar.” (apud MACHADO, 2001, p. 58).

Assim, o princípio da precaução abrange o risco ou perigo do dano ambiental, mesmo que houver incerteza científica, o que coaduna com a idéia de que “(…) seu trabalho é anterior à manifestação do perigo e, assim, prevê uma política ambiental adequada a este princípio.” (MORATO LEITE, 2000, p. 49).

Na verdade, o risco ou o perigo devem ser analisados a partir da verificação da atividade que irá ser provavelmente atingida, a fim de estabelecer o grau de incidência desses, oportunizando a tomada de decisão no sentido de controlá-los e, se necessário, aplicar as medidas ambientais cabíveis.

Gert Winter diferencia perigo ambiental de risco ambiental, ao afirmar que “os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque permanece a probabilidade de um dano menor.” (apud MACHADO, 2001, p. 49). E justamente por haver sempre o risco de que ocorra um dano, é que o princípio da precaução deve ser aplicado, uma vez que as agressões ao meio ambiente são de difícil reparação.

De outra parte, também se faz necessário dizer que o controle ou afastamento do risco ambiental, bem como do perigo ambiental, implicam necessariamente, para as futuras gerações, a garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado, o que proporciona melhor qualidade de vida para a coletividade.

6.2 A Inversão do Ônus da Prova

Na esfera ambiental, diferentemente do que se verifica nas outras áreas do direito, vigora a responsabilidade civil objetiva. Esta fora inserida pelo artigo 14 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 9391/81) e recepcionada pelo artigo 225, § 3o da Constituição Federal, que expressa: “O poluidor é obrigado, independentemente da existência da culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por esta atividade.”

Dessa forma, o princípio da precaução traz consigo a idéia da inversão do ônus da prova em favor do meio ambiente. Como enfatiza Milaré, “[…] a incerteza científica milita em favor do meio ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado.” (2000, p. 61-62). Isso implica dizer que o provável autor do dano precisa demonstrar que sua atividade não ocasionará dano ao meio ambiente, dispensando-o de implementar as mediadas de prevenção.

Assim, conforme leciona Marchesio,

O princípio da precaução emergiu nos últimos anos, como um instrumento de política ambiental, baseado na inversão do ônus da prova: para não adotar a medida preventiva ou corretiva é necessário demonstrar que certa atividade não danifica seriamente o ambiente e que essa atividade não cause dano irreversível. (apud MACHADO, 2001, p. 63).

Ressalta-se que o Ministério Público do Meio Ambiente do RS, através da Carta de Canela, reiterou a proposição de que o princípio da precaução acarreta a inversão do ônus da prova, que se ampara nas disposições constitucionais do Código de Defesa do Consumidor, exigindo verossimilhança das alegações iniciais ou comprovação de hipossuficiência do titular do direito tutelado (www.mp.rs.gov.br).

A jurisprudência também se manifesta de forma favorável em relação à inversão do ônus da prova, solidificando a teoria objetiva da responsabilidade civil.

Para o reconhecimento da responsabilidade civil da indústria poluente, é irrelevante a circunstância de estar ela funcionando com a autorização das autoridades municipais, ou fato de nunca ter sofrido autuações dos órgãos públicos encarregados do controle do meio ambiente. Mesmo sem levar em conta a notória deficiência dos serviços públicos, neste particular, forçoso é concluir que demonstrada a relação causa e efeito entre a exagerada missão de poluentes e os danos experimentados pelo autor, emerge clara e inafastável a responsabilidade civil da ré. (apud SEGUIN, 2000, p. 159).

Assim sendo, o princípio da precaução impõe ao sujeito que desenvolve uma atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente o ônus de provar que a atividade não oferece riscos à degradação do meio ambiente, o que implica dizer que a inversão do ônus da prova, na questão ambiental, abarca, além da certeza científica, o risco incerto do dano ambiental.

Sampaio enfatiza:

a inversão do ônus da prova permite ao aplicador da lei superar obstáculos que surgem para a formação de sua convicção. Assim, ao se certificar da existência do fato imputado, potencialmente causador de dano ambiental, o magistrado não estará obrigado a condicionar o acolhimento do pedido de reparação à comprovação do dano e do meio de causalidade como usualmente ocorre. Poderá pressupor existência de um desses requisitos, desde que autorizado por lei a fazê-lo, nos limites que o bom senso indicar, e verificar se a prova produzida pela parte ré foi suficiente para elidi-la. (ALMEIDA, www.fdc.br/artigos).

Nesse sentido, o princípio da precaução consagra o critério da probabilidade na tomada de decisões que envolvam a questão ambiental, em detrimento do critério da certeza. Ou seja, enquanto que ao demandado incumbe o dever de demonstrar, efetivamente, que a atividade desenvolvida não é lesiva ao meio ambiente, exigindo-se, portanto, certeza absoluta da inofensividade de sua prática, ao demandante cabe demonstrar que há probabilidade da ocorrência do dano (MIRRA, 2000).

6.3 Os Custos das Medidas de Prevenção

Embora se possa afirmar que todos os países têm responsabilidade ambiental, e que as agressões ao meio-ambiente devem ser evitadas, é concebível que os custos das medidas de prevenção devam ser analisadas em relação ao país em que serão implementadas. O que significa dizer que há de ser considerada a relação custo e eficácia das medidas ambientais adotadas em função do princípio da precaução e também da realidade econômica, social e tecnológica do local em que se verifica a probabilidade da ocorrência do dano ambiental.

A título de exemplo, a Convenção “Quadro sobre a Mudança do Clima” expressa que “as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar os benefícios mundiais ao menor custo possível.” (MACHADO, 2001, p. 59).

Como pode ser observado, a orientação é que os custos das medidas ambientais a serem implementados como forma de prevenir a ocorrência do dano ambiental sejam compatíveis com a capacidade econômica de cada país. Isso não afasta a responsabilidade e o compromisso que os Estados têm de adotar as políticas ambientais necessárias à preservação do meio ambiente e, conseqüentemente, da espécie humana.

Nessa linha de pensamento, Ayala afirma que

[…] é verdade que se utilize da incapacidade econômica para que se postergue ou mesmo não se lance mão de medidas orientadas à prevenção da ameaça de agressividade ao patrimônio ambiental. É no custo ambiental da medida que será sim, indispensável, a vinculação à capacidade econômica estatal que será obrigatoriamente discriminada e diferenciada em atenção a maior ou menor possibilidade de emprego da tecnologia adequada. (2000, p. 73).

É oportuno destacar que, diante desse novo cenário ambiental, exige-se a adoção de um modelo econômico compatível com o desenvolvimento sustentável. O meio empresarial também deve assumir o compromisso de preservar o meio ambiente e diminuir, sensivelmente, a emissão de gases poluentes.

Em contrapartida ao surgimento da consciência ecológica por parte das empresas, é necessário considerar que a implementação do Sistema de Gestão Ambiental nas empresas gera um custo que deve ser absorvido pelas mesmas, o que, em alguns casos, é tido como um empecilho à adoção de políticas ambientais que contribuam para a melhora na qualidade de vida da população.

Assim, apesar de os custos das ações preventivas e também das “tecnologias mais limpas” terem, muitas vezes, um custo elevado, não há como postergar a implementação das medidas ambientais diante da certeza ou probabilidade da concretização do dano ambiental, porque as lesões ao meio ambiente são, na sua grande maioria, irreparáveis e trazem conseqüências que interferem na qualidade de vida da população. A decisão de agir antecipadamente ao dano ambiental é premissa fundamental para garantir a eficácia da aplicação do princípio da precaução, o que reforça o entendimento de que tanto os Estados como as empresas não podem se eximir da responsabilidade de preservar o meio ambiente.

Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Luiz Cláudio Carvalho de. Responsabilidade Civil por Danos Ambientais. Disponível em <http://www.fdc.br/artigos.htm>. Acessado em: 15 de outubro de 2001.
AYALA, Patrick Araújo, in: LEITE, Rubens Moraes (Org.). Inovações em Direito Ambiental. Florianópolis: Fundação Borteux, 2000.
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Informações Sobre o Autor

 

Silvana Brendler Colombo

 

Advogada; Especialista em direito ambiental pela ULBRA universidade luterana do Brasil; Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul – UCS, jul/2004.