Os requisitos jurídico-fiscais necessários para acesso ao mercado de transporte aquaviário na navegação marítima

Resumo: O presente trabalho apresenta os elementos que constituem a estrutura dos requisitos jurídico-fiscais estabelecidos pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários para acesso ao mercado de transporte aquaviário na navegação marítima, quais sejam, a navegação de longo curso, cabotagem, apoio marítimo e apoio portuário. Apresenta, com a análise dos diplomas legais e infra-legais pertinentes, algumas características essenciais do assunto, procurando promover exemplos práticos para sua correta identificação.


Palavras-Chave: Transporte Aquaviário. Regulação de acesso ao mercado. Requisitos Jurídico-Fiscais


Sumário: 1. Introdução; 2. Dos Requisitos Jurídico Fiscais; 2.1. Do Objeto Social; 2.2. Da Apresentação de Documentação Comprobatória de sua Regularidade; 3. Conclusão.


1. Introdução


O escopo deste breve artigo é compor uma breve análise das definições e aplicações dos requisitos jurídico fiscais previstos na Resolução nº 843-ANTAQ, de 14 de Agosto de 2007 (Alterada pela Resolução nº 879-ANTAQ, de 26 de Setembro de 2007), em especial no Art. 7º. Essa Resolução foi emitida pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, e trata da outorga de autorização à pessoa jurídica que tenha por objeto o transporte aquaviário, constituída nos termos da legislação brasileira e com sede e administração no país, para operar nas navegações de longo curso, de cabotagem, de apoio marítimo e de apoio portuário.


O trabalho está dividido, primeiramente, na análise do objeto social da empresa. Continuando com algumas observações sobre os chamados documentos comprobatórios de regularidade fiscal. Por conseguinte, além de uma breve conclusão, trazemos algumas considerações que podem nortear os processos de outorga de autorização e de fiscalização das empresas brasileiras de navegação.


A relevância desta artigo é buscar, com essa breve contribuição, difundir a hermenêutica sobre o tema, visando trazer maior eficiência na realização do interesse público junto com uma maior segurança jurídica, alcançando assim a proteção dos investimentos necessários e a promoção do bem-estar dos consumidores e usuários, intensificando o desenvolvimento econômico e social do Brasil.


2. Dos Requisitos Jurídico Fiscais


2.1. Do Objeto Social


Para atender aos requisitos jurídico fiscais previstos na norma, a empresa deve, primeiramente, prever, em seu objeto social, atividade adequada à modalidade de navegação pretendida, possibilitando-lhe a operação (em uma ou mais modalidades).


Parte própria integrante do requisito jurídico, o objeto social de uma empresa é de fundamental importância, pois a sociedade não responde pelos atos praticados, por seus representantes legais, que estejam em desconformidade com o objeto social. Logo, seus atos estão vinculados ao objeto social, determinado no estatuto social, não podendo praticá-los fora da finalidade da empresa. É a aplicação prática da teoria do ato ultra vires societatis (em que pese ela não estar sendo utilizada, atualmente, da forma em que foi concebida).


Vejam que é pedido à empresa, apenas, a atividade adequada à modalidade de navegação pretendida. Por isso, pode conter, no objeto social da empresa uma previsão lato sensu (como, por exemplo, “navegação de apoio portuário”) ou, também, apenas uma previsão strictu sensu (como, por exemplo, “execução de operações de reboque portuário”). Ambas possibilitam o cumprimento desse requisito jurídico.


2.2. Da Apresentação de Documentação Comprobatória de sua Regularidade


Inicialmente, temos a observar que a instrução normativa que trata do assunto solicita a apresentação de documentação comprobatória de sua regularidade perante as Fazendas Federal, Estadual e Municipal, bem como Instituto Nacional de Seguro Social – INSS e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Além disso, deve apresentar documento comprobatório de que não possui qualquer registro de processos de falência ou recuperação judicial e extrajudicial.


Vejam que tal exigência é, de certa forma, aberta – ou seja, não deve o administrador público, no exercício de suas funções, restringir ou de qualquer forma impedir o exercício do direito pertinente ao administrado. Então, pode o interessado na outorga de autorização para operar numa das modalidades de navegação provar pelos mais variados meios que detém essa regularidade.


Neste ponto, podemos trazer um debate interessante para o assunto: essa exigência de regularidade fiscal não seria uma forma de cobrança indireta de dívidas fiscais, cerceando o acesso ao mercado de transporte aquaviário?


Quando nos referimos a licitação, por exemplo, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a irregularidade fiscal não pode impedir o exercício de atividades empresariais. Mas isso não significa que tal requisito não possa vir a ser exigido numa licitação, pois essa exigência não inviabiliza o exercício de sua atividade empresarial, ou seja, no caso em tela, a empresa só não pode contratar com a Administração Pública, podendo exercer suas atividades com parceiros privados normalmente.


Ao mesmo tempo, entendemos que, como a prestação do serviço de transporte aquaviário ocorre mediante uma autorização de outorga expedido pela Administração Pública, a prova de regularidade fiscal vai auxiliar decisivamente para traçar um perfil da empresa pleiteante, principalmente em relação a sua idoneidade e aptidão para cumprir as obrigações de seu futuro Termo de Autorização, sendo viável sua solicitação.


Além disso, outro detalhe importante vem a tona: Qual certidão seria de apresentação obrigatória pele empresa que deseja o acesso ao mercado? Embora esse debate possa parecer irrelevante, temos algumas situações que podem vir a trazer embaraços às empresas.


Por exemplo, não se deve confundir os conceitos de regularidade com quitação. Temos que observar que a regularidade não implica a respectiva quitação. Pode acontecer de, por exemplo, haver um parcelamento de débitos e, assim, a empresa estar regular perante o fisco, mas com débitos a serem quitados futuramente. Neste casos, a Fazenda emitirá uma certidão positiva com efeitos de negativa – mas, em qualquer situação, essa certidão comprova a regularidade fiscal.


Por isso, é flagrante abuso indevido se o órgão regulador exigir, apenas, uma certidão negativa de débitos. Por isso, acreditamos que os documentos apresentados não precisam demonstrar a quitação, logo, ausência de débitos, do tributo. Devem ser aceitos, também, os documentos que declarem parcelamento de débito ou sua discussão em juízo.


Outra questão interessante refere-se às certidões de Dívida Ativa, normalmente emitidas pelas Procuradorias-Gerais. Importante destacar que nelas podem ser incluídas as dívidas não-tributárias (por exemplo, multas ou indenizações) e, tendo em vista que a norma exige é a regularidade fiscal, pressupõe-se então a abrangência, apenas, dos débitos de natureza tributária (o que, teoricamente, seria alcançado com a certidão das respectivas Secretarias de Fazenda). Por isso, uma certidão positiva de débitos da dívida ativa deve ser cuidadosamente analisada.


Ponto ímpar a ser observado é que a comprovação de regularidade fiscal na autorização de acesso ao mercado de transporte aquaviário tem limite nos princípios de pertinência e proporcionalidade, sob pena de invalidade. Ou seja, elas devem ser adequadas para a demonstração de que a empresa detém condições mínimas de participar do referido mercado sem trazer nenhum risco.


Assim, por exemplo, uma empresa que pretende operar na prestação de serviço na navegação de apoio portuário que apresentar uma certidão de regularidade do Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN ou ISS), sob a ótica dos Princípios da Pertinência e Proporcionalidade, estaria apta a ser autorizada, sendo descabível a necessidade obrigatória de apresentação de uma certidão de regularidade de, por exemplo, ITBI (Imposto sobre a transmissão de bens móveis e de direitos a eles relativos, tambêm de competência municipal), pois tal imposto não está relacionado com a atividade que, efetivamente, a futura empresa de navegação irá realizar.


Caso o órgão regulador entenda diferente, e obste a outorga de autorização, estamos diante de clara arbitrariedade a ser sanada no Poder Judiciário.


Já no quesito de documentação comprobatória de regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS, tal exigência objetiva o cumprimento de encargos sociais instituídos por lei. Em que pese serem custos indiretos do trabalho, os encargos sociais são importantíssimos, pois referem-se a proteção dos trabalhadores. Essa importância pode ser devidamente ilustrada pelo §3º, Art. 195, CF/88


A Administração Pública também não pode exigir que a empresa não possua qualquer registro de ações ou execuções em que figure como réu, notadamente em varas cíveis. Mas a empresa deve provar que não possui qualquer registro de processos de falência ou recuperação judicial e extrajudicial, para efeitos de proteção ao mercado regulado.


Como último detalhe, mas não menos interessante, podemos afirmar que as certidões não seriam a única forma de comprovar a sua regularidade fiscal. São as melhores e as mais confiáveis, sem sombra de dúvida.


Mas, de acordo com a norma que regula a outorga (a Resolução nº 843-ANTAQ, em seu Art. 7º, §2º),  para a autorização, a empresa pode apresentar uma declaração, sob as penas da lei, de que detém a necessária regularidade. Além disso, também temos que observar a possibilidade de Suspensão do Crédito Tributário.


O Art. 151 do Código Tributário Nacional traz a possibilidade de suspender-se a exigibilidade do crédito tributário. Vejamos, ipsi litteris, logo abaixo:


“Art. 151. Suspendem a exibilidade do crédito tributário:


I – a moratória


II – o depósito do seu montante integral;


III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;


IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança


V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; (incluído pela LCP nº 104, de 10/01/2001)


VI – o parcelamento; (incluído pela LCP nº 104, de 10/01/2001)


Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela decorrentes.”


Devemos entender que essas causas impedem, ainda que temporariamente, a cobrança da dívida. Assim, para o Fisco (sujeito ativo da relação tributária), o pagamento da quantia supostamente devida não é exequível – amigavelmente ou por intermédio de processo de execução. Por isso, durante o intervalo de tempo em que o crédito estiver suspenso, não é razoável afirmar que o sujeito passivo está em mora e que, por isso, está irregular perante o Fisco.


Logo, temos o entendimento que caso uma empresa apresente as documentações pertinentes que comprovam a suspensão do crédito tributário, pode o órgão regulador entender que ela se encontra, nesse momento estático, com regularidade perante o Fisco. Ou seja, atualmente, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ poderia, discricionariamente, aceitar essas documentações pertinentes. Mas é imprescindível que tal situação fática seja demonstrada cristalinamente, sem nenhuma sombra de dúvida.


Tal entendimento, num primeiro momento, diverge – em especial no caso da Fazenda Federal e do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) – do Decreto nº 6.106, de 30 de Abril de 2007. Ele condiciona que a prova de regularidade fiscal será efetuada mediante certidão específica ou conjunta da SRF e da PGFN.


Mas devemos ter em mente que o Fisco (tratados aqui de uma maneira geral, mas, principalmente os Fiscos Municipais e, em alguns casos, os Estaduais) não é infalível e em algumas situações podem ocorrer casos em que a certidão emitida pelo poder público está indevida – por exemplo, a Fazenda emite uma “certidão positiva”, e não uma “certidão positiva com efeitos de negativa” para um crédito tributário suspenso –, não podendo a empresa interessada em participar do mercado de transporte aquaviário ser penalizada por este erro.


Pelo exposto acima, acreditamos que caso uma empresa esteja questionando na justiça algum auto de infração ou o pagamento de um tributo, ela – em que pese não ter a certidão negativa (ou positiva com efeitos de negativa) – comprova sua regularidade fiscal.


3. Conclusão


Portanto, devemos ter uma grande atenção na análise dos documentos comprobatórios de regularidade exigidos pela Agência Reguladora em sua norma que trata do assunto (atualmente, a Resolução nº 843-ANTAQ). Principalmente os advogados, na defesa dos interesses de seus clientes. Mas, também, contadores – no planejamento contábil-tributário de seus clientes, administradores – na gestão de suas empresas, dentre vários outros profissionais que labutam na área.


Tal atenção na análise deve ocorrer, em especial, no campo de atuação da Administração Pública, que deve sempre ter em mente a busca do interesse público e, por isso, abster-se de cometer quaisquer ações que possam configurar ilegalidade ou abuso de poder, embaraçando as atividades empresarias a serem desenvolvidas.


Via de regra, as certidões emitidas pelas Fazendas Públicas são o melhor instrumento para se fazer a prova de regularidade fiscal, mas em determinados casos – como uma exceção – tal comprovação de regularidade poderá ser realizada por diversos meios, por intermédio de outras documentações pertinentes a matéria em questão.


Temos o pleno entendimento que, com essas breves idéias, estamos cooperando para uma melhor hermenêutica do tema em pauta, tendo em vista a grande importância que o transporte aquaviário tem para a economia brasileira e, consequentemente, para o desenvolvimento socio-econômico nacional.


 


Referências bibliográficas

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BRASIL. Resolução nº 843-ANTAQ, de 14 de Agosto de 2007. Aprova a norma para outorga de autorização à pessoa jurídica que tenha por objeto o transporte aquaviário, constituída nos termos da legislação brasileira e com sede e administração no país, para operar nas navegações de longo curso, de cabotagem, de apoio marítimo e de apoio portuário. Disponível em : <http://www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink.php?numlink=1-188-34-2007-08-14-843>. Acesso em: 18 Nov 2010

BIOLCHINI, Monique Calmon de Almeida. Regulação do Transporte Aquaviário, 1ª ed., Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2005.

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SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório, 2ª ed., Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2005.


Informações Sobre o Autor

Jonas Soares dos Santos Filho

Especialista em Regulação de Serviços de Transportes Aquaviários da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ


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