Muito embora a carga tributária imposta aos contribuintes brasileiros seja cada ano mais indigesta e elevada, é consenso em sociedade a precariedade e ineficiência dos serviços básicos geridos pelo Estado, tais como Saúde, Educação e Segurança, dentre outros. Observa-se, com isso, que a gradativa falência dos deveres sociais essenciais, patrocinados pelo Estado provedor, refletem claramente a má utilização dos recursos que ingressam nos cofres públicos, motivo pelo qual o desenvolvimento estrutural almejado pela população é progressivamente limitado pela incapacidade da Administração Pública em promover, de modo eficiente e com qualidade, as melhorias necessárias.
Entra governante, sai governante e as reivindicações da população são sempre as mesmas: mais empregos e melhores estruturas nas áreas de saúde, educação, transportes, dentre outros. Ocorre que esse desenvolvimento estrutural tão almejado por todos está, constantemente, sendo limitado pela capacidade, ou melhor, incapacidade da Administração Publica em promover todos os reparos e serviços necessários.
Mas não é de hoje que o desenvolvimento social vem sendo barrado pela aplicação incorreta e desordenada dos recursos estatais. É uma tendência vinda do cenário do pós-guerra, quando Estados de todas as partes do mundo se viram obrigados a adotar medidas capazes de resolver, ou minimamente amenizar os problemas gerados pelos confrontos. Sem recursos suficientes para a reconstrução dos aspectos econômicos e estruturais de seus Estados, a Administração Publica viu-se obrigada a modificar sua forma de intervenção nas atividades econômicas. Foi a partir daí que se iniciou o processo de desestatização e de reorganização do patrimônio do setor publico. Em decorrência dessa nova realidade,) as privatizações entraram em cena , inicialmente, no âmbito europeu , modificando e otimizando de forma estratégica o aproveitamento e gestão dos ativos públicos.
Esse novo contexto afetou drasticamente os países periféricos ou em desenvolvimento que, por não possuírem um nível satisfatório de poupança interna, passaram a depender cada vez mais do capital estrangeiro para financiar suas políticas publicas e seus projetos de desenvolvimento. [1]
Porém, os investimentos privados não conseguiram compensar a drástica redução dos investimentos estatais, os quais estavam no patamar mínimo necessário para o funcionamento regular da economia e dos setores essenciais da sociedade. [2]
Neste contexto, de crise das contas públicas e fomento da atividade empresarial, é que se iniciou o processo de parcerias entre o Estado e a iniciativa privada.
A parceria público-privada nada mais é que uma nova forma de delegação de atividades, onde passa a ser do particular a responsabilidade sobre atividades que anteriormente competiam exclusivamente ao poder público, em troca do direito à participação direta e efetiva nos resultados trazidos pelo novo empreendimento.
Em que pese a instituição formal das parcerias público-privadas ter ocorrido, no Brasil, apenas em 2004 pela Lei 11.074, resultante do Projeto de Lei n°. 2.546/03, esta forma de colaboração entre o setor público e o particular não é novidade no Direito Administrativo Pátrio. Durante a segunda metade do século XX, no Período Imperial, “ferrovias e portos foram construídos com base em um sistema de parceria público-privada que assegurava retorno atraente ao capital privado, nacional ou estrangeiro, investido nessas atividades. Esse sistema ficou conhecido como de garantia de juros”.[3] Tal parceria “produziu uma verdadeira drenagem dos cofres públicos”.[4] Porém, esse projeto de privatização não alcançou o sucesso esperado pela administração pública, que, por sua vez, não abandonou a idéia de custear apenas atividades-fins, optado por permitir que a iniciativa privada gerisse setores mau explorados pelo Estado, dando origem ao chamado processo de desestatização.
É possível observar, com isso, que as parcerias público-privadas, na prática, não representaram grande novidade no campo dos ajustes entre os setores públicos e a iniciativa privada. A inovação trazida reside especificamente na criação de duas novas espécies de concessão, nas modalidades patrocinada e administrativa, sem falar nas garantias oferecidas pelo Estado a fim de majorar a atração de investimentos.
Importante salientar, neste ponto, que dentre as características gerais das PPPs, as mais importantes são: 1) valor do investimento acima de 20 milhões de reais; 2) o tempo de duração da parceria deve ser superior a cinco anos e não inferior a 35 anos; 3) no que tange à contraprestação da administração pública, esta também poderá ser efetivada na forma de cessão de créditos tributários; 4) participação do parceiro público no percentual de no máximo 70% do investimento (caso este limite seja ultrapassado torna-se necessária a autorização legislativa especifica; 5) as despesas suportadas pelo parceiro publico devem obedecer as regras dispostas na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), com estimativa compatível com a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), com previsão na LOA (Lei Orçamentária Anual) e PPA (Plano Pluri Anual); 6) necessária a existência de um órgão gestor; 7) existência de um Fundo Garantidor das PPPs (FGP), constituído pela União, no limite global de 6 bilhões de reais, gerido e controlado pela mesma através do Banco do Brasil; vinculação (nos três níveis de governo) do não excedimento da taxa de 1% da RCL (Receita Corrente Líquida), que – em 2004, ano da Lei – equivalia a cerca de 2,5 bilhões de reais/ano.[5]
Fazendo uma breve revisão das leis que antecederam a Lei 11.074/94 – que trata das normas para licitações e contratações de parcerias público-privadas no Âmbito da Administração Pública – podemos citar como as mais importantes:
– Lei 8.666/93, sobre licitações e contratos da Administração Pública que, em realidade, regulamentou, somente 5 anos após, o Artigo 39, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988;
– Lei 8.987/95, sobre concessões e permissões no tocante à prestação de serviços públicos, já previstos, anteriormente, no Artigo 175, da Carta Magna atualmente em vigência;
– Lei 9.074/95, sobre normas para outorga e prorrogação de concessões e permissões de serviços públicos;
– Lei 10.257/01, que trata do Estatuto da Cidade, no sentido da implantação de empreendimentos urbanísticos.
O resultado dessa gradativa e importante evolução foi verificada, no contexto pátrio, especialmente a partir da busca, pelo governo brasileiro, de contato mais próximo com experiências no direito comparado e modelos de sucesso obtidos em outros países, sobre os quais passamos a discorrer nos tópicos seguintes.
INGLATERRA
A experiência na Inglaterra é a mais expressiva de todas, pois são frutos de projetos e testes feitos há mais tempo. Segundo estatísticas oficiais, em 2003 o numero de projetos de PPPs implementados naquele país chegou a 560, perfazendo uma soma de investimentos na ordem de 35 milhões de libras.
A parceria inglesa teve seu inicio em 1992 com o programa Private Finance Iniciative (PFI), chefiado por John Major. O principal objetivo era a execução de projetos por meio da iniciativa privada, uma vez que a capacidade tradicional de implementação estava reduzida, quase esgotada, pelos limites impostos pelo tratado de Maastrich.[6]
Mas somente em 1997, durante o governo de Tony Blair, que o programa se ampliou, recebendo o nome de Public-Private Partnerships (PPP). A busca pela alternativa de financiamentos continuava a ser a espinha dorsal da questão, somando-se a isso o objetivo de “ mudar a forma de contratação de serviços públicos, saindo da maneira tradicional de aquisição de ativos para uma lógica de compra de serviços, como diz ainda Brito e Silveira (2005, p.8).” [7]
O sucesso da experiência inglesa reduziu tanto a percepção de riscos que atualmente a discussão sobre as PPPs reduz-se a como dividir entre a iniciativa privada e o poder público os lucros decorrentes do financiamento ocasionado pela redução das taxas de juros durante a execução dos primeiros projetos.
Todos esses precedentes permitiram o desenvolvimento de uma valiosa experiência, incluindo modelos minuciosos de contratos que, graças à padronização das melhores técnicas, atualmente são empregadas para implementar PPPs de uma forma muito mais célere, menos custosa e mais transparente para os órgãos de controle e a sociedade[8].
PORTUGAL
A implementação do programa de PPPs em Portugal ocorreu em 1997, e proporcionou o desenvolvimento de uma rede de rodovias de alto padrão.
O argumento oficial para a implementação do programa era o elevado endividamento público sem que o Estado conseguisse aumentar, de forma equivalente, a qualidade dos serviços prestados.
Com a implantação das PPPs o governo português promoveu uma modificação do entendimento quanto ao papel do Estado na economia e, mais especificamente, quanto a forma de satisfação das necessidades coletivas.
Segundo a legislação portuguesa, as PPPs são contratos, ou a união destes, pelos quais o parceiro privado se obriga, de forma duradoura, frente ao parceiro público, a promover o desenvolvimento de atividades que satisfaçam as necessidades coletivas. A responsabilidade e o financiamento do investimento são atribuídos de forma integral, ou parcial, ao parceiro privado.
Apesar dos avanços na infra-estrutura do país, a implementação das PPPS também trouxe vários equívocos, que serviram de lição para outras nações que pretendiam implementar esse tipo de programa.
Neste aspecto, tem-se como exemplo a experiência com as concessões rodoviárias do tipo SCUT (Sem Custo para o Usuário).
O programa português tornou-se num instrumento de desequilíbrio fiscal ao passo que permitia a construção rápida de auto-estradas, porém com encargos financeiros insustentáveis.
Dados do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações – MOPTC, de Portugal, indicam que o modelo Scut de Parceria Público Privada no país revelou-se injusto, pois algumas localidades atravessadas pelas auto-estradas Scut apresentam níveis de desenvolvimento elevados quando comparadas face a outras servidas por auto-estradas com pedágios retirar – e ineficiente, visto que o programa de concessões Scut, além de ser mais eficiente, já criou a possibilidade de encargos extraordinários para o Estado de cerca de 1,1 bilhões de euros[9].
Grande parte dos encargos advém do direito das concessionárias em pedir reequilíbrio financeiro sempre que algum evento imprevisto faça subir o custo de construção ou exploração da auto-estrada. Muitos destes custos poderiam ter sido evitados se a aprovação ambiental tivesse sido anterior ao lançamento das licitações. Para o ano de 2005, os encargos com as concessões Scut deverão atingir os 521 milhões de euros, repartidos entre remuneração (273), desapropriações (160) e reequilíbrios financeiros (88). Entre 2008 e 2023, o valor médio dos encargos anuais deverá atingir os 700 milhões de euros.[10]
Com o intuito de solucionar o problema, o governo português passou a defender a idéia de implementar o pedágio nas auto estradas do tipo SCUT, utilizando-se do principio do utilizador-pagador. A implantação do pedágio proporciona, também, a liberação de verbas cuja destinação se dará a outras ações imprescindíveis, como a conservação e a seguranças das estradas e a continuidade do Plano Rodoviário Nacional.
CHILE
No Chile, o programa de PPPS foi implementado a partir de 1993, após o Ministério de Obras Públicas ter incentivado a participação da iniciativa privada nos investimentos necessários.
Num primeiro momento, os contratos celebrados com a iniciativa privada visavam o financiamento, a construção e transferência da obra para o Estado ao fim do contrato.
A problemática era a seguinte: para o período de 1995/1999 o país necessitava de investimentos na ordem de US$ 12,5 bilhões, enquanto as perdas de competitividade da economia, ocasionadas pela falta de infra-estrutura, ultrapassava a cifra de US$ 2,3 bilhões anuais.
O maior déficit de investimento estava na infra estrutura dos transportes em várias regiões do pais, ocasionadas pela elevada utilização das rodovias, principalmente por veículos de carga, o que ocasionava grandes congestionamentos nas cidades de maior desenvolvimento, além de contribuir de maneira significativa para o aumento do numero de acidentes.
Dessa forma, o programa chileno de implantação das PPPS definiu três linhas de atuação principais: infra-estrutura para a integração social, infra-estrutura para a integração internacional e infra-estrutura para o desenvolvimento produtivo.
Por ser pioneiro com relação a profundas reformas voltadas ao mercado latino, o Chile serve de referência para as nações interessadas em se utilizar das parcerias público-privadas para garantir seu processo de desenvolvimento.[11]
Vale ressaltar, por fim, que o modelo chileno procurou incorporar o conceito de equidade, ou seja, os beneficiários diretos pagam pela utilização dos equipamentos, dando ao Estado a prerrogativa de liberar recursos para a execução de projetos de maior impacto social.
Considerações Finais
Como brevemente, amplamente exposto, a instituição das PPPS obteve resultados positivos e tornou-se realidade em diversos países, tanto na Europa (Inglaterra, Portugal, França, Irlanda), quanto na América (Canadá, México, Chile).
Sendo assim, entendemos ser esta uma importante comunhão de esforços entre o Poder Público e o setor privado, além de ser uma modalidade de investimento que, uma vez pautada em parâmetros de isonomia e de exigência de qualidade, representa um incontestável avanço no âmbito da contratação pública.
Por fim, vale ressaltar que os princípios e diretrizes trazidas pela lei das PPPs, em conjunto com a legislação correlata já existente, constituem um excelente instrumento de controle e fiscalização dos gastos públicos, permitindo, ainda, inibir com eficácia abusos e ingerências, de ambas as partes, na qualidade de execução dos empreendimentos.
Informações Sobre o Autor
Neliane Cristina Soares
Acadêmica de Direito do UNICURITIBA