Parecer nº. /2010 CCPJ-PGE/AP
Servidor público. Acumulação de cargo público (perito criminal e perito farmacêutico). Imposibilidade. Vedação constitucional. Incompatibilidade de horário.
O Ilustríssimo Chefe de Gabinete da Secretaria de Administração do Estado do Amapá – SEAD – solicitou dessa Procuradoria do Estado – PGE – parecer técnico acerca de consulta formulada por servidor – I.B.L -, concernente a pedido de acumulação de cargos públicos.
Juntamente com o encaminhamento do pedido de manifestação da PGE, vieram os autos de todo o procedimento administrativo, aberto, no âmbito da SEAD, por meio do protocolo nº. 2009/60824.
I – BREVE ESCORÇO FÁTICO
Alega o servidor que, ainda no ano de 2006, fora aprovado para o cargo de Perito Criminal Farmacêutico – Bioquímico, mas, segundo suas alegações, fora impedido de tomar posse, pelo fato de ser servidor do extinto Território Federal do Amapá.
Ainda segundo o servidor, houve requerimento antecipado, também no ano de 2006, acerca da possibilidade de cumulação dos cargos – perito criminal pelo Território Federal do Amapá (cargo já exercido) e perito criminal farmacêutico – Bioquímico (cargo para o qual foi aprovado no concurso público realizado no mesmo ano de 2006).
No ano de 2006, houve, segundo relatado pelo próprio servidor, e mediante comprovação da documentação juntada aos autos, um primeiro requerimento (cuja documentação integra o presente procedimento), na qual foi exarado parecer (fls. 42/46), que opinou pelo indeferimento do pleito do requerente.
São esses, basicamente, os fatos que merecem ser narrados.
II – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Não obstante já haver sido exarado parecer no ano de 2006 (fls. 42/46 dos autos do procedimento administrativo), face ao pleito do autor, e atendendo à solicitação do Chefe de Gabinete da SEAD, seguem os fundamentos jurídicos que respondem ao aludido requerimento.
Toda a questão envolta nesse caso diz respeito à possibilidade de cumulação de cargos públicos: dois cargos cuja jornada de trabalho perfaz, cada um, o total de 40 (quarenta) horas, em um total de 80 (oitenta horas semanais).
Sobre o tema, o art. 37, I, XVI e XVII, da CF, é expresso em afirmar que:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação da EC 19/98)
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: (Redação da EC 19/98)
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público.”
No mesmo sentido, segue o texto do RJU estadual, Lei nº. 066/93, o qual, em seu art. 14, caput, reza que: “É vedada a acumulação de remuneração de cargo, empregos e funções públicas, exceto nos casos previstos na Constituição”.
Juridicamente, a acumulação é inconstitucional, porque não se coaduna com nenhuma das hipóteses previstas no texto da Carta de 1988, acima mencionado.
O Supremo Tribunal Federal, ao interpretar a Constituição, entende que não se pode conceder interpretação extensiva com base no supramencionado art. 37, XVI, “c” da CF. Colaciona-se julgado o qual mais parece ter sido elaborado para o caso em tela, verbis:
“O art. 37, XVI, c, da CF autoriza a acumulação de dois cargos de médico, não sendo compatível interpretação ampliativa para abrigar no conceito o cargo de perita criminal com especialidade em medicina veterinária, como ocorre neste mandado de segurança. A especialidade médica não pode ser confundida sequer com a especialidade veterinária. Cada qual guarda característica própria que as separam para efeito da acumulação vedada pela Constituição da República”[1].
Quando do primeiro requerimento realizado pelo servidor, no remoto ano de 2006, não existia a regulamentação da profissão de perito criminal.
Deve-se salientar que, em 17 de setembro de 2009, foi publicada a Lei 12.030, que dispõe sobre as perícias criminais e dá outras providências, entrando em vigor 90 (noventa) dias após sua publicação.
Portanto, hoje já não se questiona a regulamentação da profissão em lei, não obstante a existência de ação direta de inconstitucionalidade tramitando no STF[2].
Ademais, o art. 5º da Lei 12.030 salienta que:
“Art. 5º – Observado o disposto na legislação específica de cada ente a que o perito se encontra vinculado, são peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional”[3].
Não consta no requerimento do servidor qualquer regulamentação da profissão de perito farmacêutico especialidade bioquímica.
Não obstante todos esses fatos impeditivos, os quais, por serem de natureza constitucional, relevam-se de maior valor, ainda existem impeditivos de ordem temporal que impedem a acumulação pretendida.
É que a acumulação que se pretende é impossível de ocorrer na prática, eis que ambos os cargos são de 40 (quarenta) horas semanais, o que torna inexeqüível a realização das funções públicas.
No próprio edital do concurso (Edital nº. 004/04), consta, no item 2.2, “f”, como requisito para o cargo “não estar incompatibilizado para a nova investidura em cargo público”[4].
O interessado já é remunerado em tabela de 40 (quarenta) horas semanais, pretendendo acumular com outro cargo de 40 horas, o qual se torna impossível, ainda que no mesmo local de trabalho.
O objetivo da Constituição, ao permitir algumas acumulações (exclusivamente nas hipóteses nela previstas) foi o de proporcionar um melhor desenvolvimento da função pública.
A acumulação de 02 (dois) cargos de 40 (quarenta) horas cada obsta o normal desenvolvimento de qualquer função pública de forma zelosa, não atendo, destarte, o interesse público.
Em suma, mesmo que os cargos fossem passíveis de acumulação (o que já se viu não serem, por não encontrarem arrimo constitucional), seria imprescindível haver horário livre para tal (o que não há).
Dessa feita, tem-se como ilícita a acumulação de cargos ou empregos públicos em razão da qual o servidor fique submetido a dois regimes de 40 (quarenta) horas semanais, considerados isoladamente, pois não há possibilidade fática de harmonização dos horários, de maneira a permitir condições normais de trabalho e de vida do servidor.
Por fim, há, ainda, outro óbice legal. O interessado prestou concurso para exercer sua função no Município de Laranjal do Jarí, sendo que sua base de atuação no cargo federal é Macapá – AP. Como já salientado acima, ainda considerando o desenvolvimento das atividades em um mesmo local, seria impossível a acumulação, quanto mais em locais distintos (Municípios diversos não localizados em uma mesma região metropolitana).
III – CONCLUSÃO
Pelo exposto, opinamos pelo indeferimento do pleito do servidor I. B. L., seja pela ausência de suporte constitucional, seja pela incompatibilidade de horário (afora outros argumentos não menos relevantes), os quais demonstram a impossibilidade da referida acumulação.
É o que nos parece.
É o que nos parece.
Macapá, 24 de setembro de 2010.
Guilherme Carvalho e Sousa
Procurador do Estado
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Guilherme Carvalho e Sousa
Procurador do Estado no Amapá