Resumo: O trabalho apresenta o conceito e gestão de parque nacional, como área de proteção ambiental, na Alemanha. Aborda-se o sistema de áreas protegidas e a concepção particular que os parques nacionais assumem no país. O estudo contempla, ainda, o histórico, desenvolvimento e administração das unidades do sistema. Apresenta-se o Parque Nacional da Floresta da Bavária como unidade representativa de área protegida alemã, com vistas a demonstrar seus atributos naturais e sua estrutura de uso público. Conclui-se que o tratamento normativo e administrativo conferido, apesar da adoção de nomenclatura similar à brasileira, guarda certa correspondência com o modelo pátrio, mas também apresenta estágios diversos de desenvolvimento e gestão.
Palavras-chave: Parque Nacional. Uso público. Parque Nacional na Alemanha. Parque Nacional da Floresta da Bavária.
Sumário: 1. Introdução. 2. Alemanha. 2.1. Parques nacionais na Alemanha. 2.2. Parque nacional floresta da Bavária. 2.2.1 Características naturais. 2.2.2 Uso público. 3. Conclusão. Referencias bibliográficas.
1. Introdução
Em tempos em que a discussão acerca da perda da biodiversidade[1] está na pauta do dia, avulta a importância de se tratar das estratégias de sua conservação, dentre as quais se insere a criação e manutenção de unidades de proteção ambiental.
A natureza eminentemente global da temática ambiental impulsiona ao conhecimento dos instrumentos de proteção da natureza e do desenvolvimento da governança ambiental em diferentes Estados. Nesse contexto, o trabalho percorrerá o tratamento conferido aos parques nacionais na Alemanha.
Inicialmente, será realizada uma breve digressão ao sistema de áreas protegidas, com a apresentação da norma de regência e um apanhado do desenvolvimento histórico. Passar-se-á à apresentação do conceito e do histórico de criação de unidades designadas de parques nacionais, com a compilação de dados quanto à extensão territorial, número de unidades, estatística de visitação e metodologia da administração.
Foi selecionada unidade representativa dos parques nacionais no país abordado, com vistas a concretizar os dados genéricos antes retratados. Do parque nacional específico, tratar-se-á de suas características naturais e da estrutura de uso público.
A sistematização dos dados representados no trabalho visa a permitir o acesso ao conceito, gestão e histórico de parques nacionais na Alemanha e possibilita um estudo comparado entre si e entre eles e o sistema brasileiro pátrio. Contribui-se, desse modo, com o amadurecimento da discussão acerca do modelo de parque nacional como área de proteção ambiental.
2. Alemanha
O sistema de espaços territoriais especialmente protegidos na Alemanha tem sua disciplina preceituada no Bundesnaturgesetz[2][3], a lei federal que estabelece as regras gerais de proteção do meio ambiente.
Nas disposições genéricas que introduzem o Capítulo IV[4], intitulado Proteção de Especiais Representações da Natureza e da Paisagem, preceitua-se que os estados federados devem proteger, com fins ambientais, 10% de seu território[5]. Para tanto, estabelece que a proteção especial pode ser conferida através de sete diferentes categorias, quais sejam: áreas de conservação da natureza[6], áreas de proteção de paisagens[7], características protegidas de paisagens[8], monumentos naturais[9], parques da natureza[10], parques nacionais[11] e as reservas da biosfera[12]. Não obstante o mandamento da norma, somente 2,6% do território nacional da Alemanha se encontra sob especial proteção ambiental.
Considerando ser a Alemanha uma república federativa, a gestão dos espaços territoriais especialmente protegidos cabe a cada um dos estados federados, sob a coordenação do Bundesamt für Naturschutz[13][14], criado em 1993, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente[15]. Verifica-se, ainda, que a EUROPARC Deutschland, organização não governamental criada em 1991, desempenha um papel relevante na orientação e sistematização dos parques nacionais, dos parques da natureza e das reservas da biosfera[16].
2.1. Parques nacionais na Alemanha
O conceito de parques nacionais na legislação alemã pouco se diferencia do significado que referida categoria assume no sistema pátrio[17]. O §26 da Bundesnaturgesetz classifica os parques como extensa área de paisagem de importância nacional, com baixo ou nenhum impacto antrópico, e sem interferência humana. A área pode comportar a pesquisa científica, ações de educação ambiental e se destinam, ainda, à promoção do turismo[18]. O lema é ‘Natur, Natur lassen’[19]
A criação dessa área especialmente protegida é de responsabilidade do estado-membro, após consulta ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ministério do Transporte, Habitação e Construção[20].
O primeiro parque nacional da Alemanha, a Floresta da Bavária, foi criado em 1970. Desde então, foram estabelecidos 14 parques nacionais no território alemão, sendo o último deles em 2004[21], que cobrem 1.029.316 (um milhão, vinte e nove mil, trezentos e dezesseis) hectares[22]. Desses, 767.869 (setecentos e sessenta e sete mil, oitocentos e sessenta e nove) hectares correspondem a parques marinhos, cuja extensão alcança as águas marinhas. Desse modo, somente 0,54% do território nacional se reveste dessa categoria de especial conservação (194.182 hectares)[23]. A área em que se assentam os parques nacionais é de domínio público.
Não obstante a criação de parques nacionais, eles carecem de efetiva implementação da Alemanha. Estima-se que somente em duas ou três décadas se alcançarão os requisitos estabelecidos pela União Internacional para Conservação da Natureza (UICN)[24]. Desse modo, na gestão da referida categoria de proteção especial, consideram-se três diferentes zonas: a zona mantida intacta, a destinada à recreação e a parcela do território em desenvolvimento, que ainda comporta alguma atividade, a qual não se adequa à proteção integral de que se tenciona revestir os parques nacionais.
2.2. Parque nacional floresta da Bavária
O Parque Nacional da Floresta da Bavária – Bayerischer Wald Nationalpark foi o primeiro exemplar da categoria na Alemanha, criado em 1970, no estado membro da Bavária, em cuja área também se sobrepõe uma reserva da biosfera[25]. Figura como unidade administrativa que se reporta ao Ministério do Meio Ambiente e da Saúde Pública da Bavária[26]. A administração do parque emprega 200 (duzentos) funcionários, 30 dos quais guardas florestais[27].
Na fronteira com o Parque Nacional de Sumava, na República Tcheca, se estende por 24.250 (vinte e quatro mil, duzentos e cinqüenta) hectares e corresponde à mais extensa área de floresta protegida na Europa Central[28]. A região da Floresta da Bavária abriga, além do Parque Nacional, também um Parque da Natureza e uma Reserva da Biosfera, em áreas não sobrepostas[29].
2.2.1 Características naturais
O Parque Nacional Floresta da Bavária localiza-se entre os municípios de Spiegelau, Neuschönau e St Oswald/ Riedlhütte, em que predominam as paisagens de tundra e bosques de cânions, ladeados por montanhas (de 600 a 1.453m de altura[30]) e cortados por lagos glaciares[31]. Árvores seculares e gigantes marcam a característica florística, com destaque para os pinheiros. Seguindo o lema dos parques nacionais alemães, as árvores derrubadas em tempestades não são retiradas e se concede a oportunidade para a natureza restaurar seus processos e espécies sem qualquer intervenção humana. Esta só interfere quando se verifica algum risco para a população do entorno do parque, ou seja, quando a árvore apodrece, trazendo riscos de contaminação de pragas, ou quando ameaça cair sobre algum instrumento de transmissão de energia ou telecomunicação[32].
Por estar localizada em região temperada, não apresenta uma grande representatividade de biodiversidade no que atine à fauna. No parque encontram-se lobos, linces, ursos, bisões e espécies da avifauna[33].
2.2.2 Uso público
Partindo da premissa de que parcela da área dos parques nacionais não deve ser disponível à visitação, em 43% da área do Parque Nacional da Floresta da Bavária não é permitida a presença humana.
O parque recebeu, no ano de 2007, 760.000 (setecentos e sessenta mil) visitantes, na sua maioria (96,1%) de origem alemã, os quais movimentaram 24 milhões de euros.
Além de centros de informações localizados nas cidades que circundam o parque[34], a estrutura contempla dois centros de visitantes mantidos e geridos pela administração do parque: Nationalparkzentrum Lusen e o Nationalparkzentrum Falksenstein, de onde se pode iniciar a visitação.
O primeiro deles localiza-se no município de Neuschönau, nos limites do Parque, e disponibiliza um bureau de informações aos visitantes, com serviços de conveniência, e também permite uma apresentação inaugural do que será encontrado no parque, através de exposições interativas. Ali foi construído um minizoológico em que foram alocados representantes da fauna presentes no interior do parque em cativeiros que reproduzem o hábitat natural. Em 2009, foi inaugurada uma estrutura suspensa (Baumwipfelpfad), que alcança a altura de 25m (vinte e cinco metros), acessível aos portadores de necessidades especiais, em que se permite que os visitantes caminhem 1.300m (um mil e trezentos metros) sobre as árvores[35].
No Centro de Visitantes de Falkenstein, no município de Grafenau, os visitantes encontram uma ampla gama de serviços de informação acerca do parque, de alimentação, de lojas de conveniências, exposições da fauna e flora locais, atividades para crianças relacionadas à educação ambiental, bem como cinema 3D em que é projetado um vídeo sobre o parque. Do centro partem trilhas interativas e contemplativas[36].
O parque favorece a contemplação da natureza e também atividades esportivas de verão e de inverno. O visitante encontra 300km de trilhas, 200km de ciclovias e 80km de pista de esqui cross-country[37] em ótimo estado de conservação. As trilhas são definidas e mantidas pela administração do parque, a qual oferece visitas guiadas, inclusive noturnas. Escaladas, passeios a cavalo, passeios de trenó também são opções de passeios no interior do parque[38].
O parque disponibiliza, ainda, transporte coletivo sustentável (trem e ônibus) das cidades que norteiam seus limites até os pontos de início de trilhas e escaladas, uma vez que as estradas no interior do parque são controladas e, no verão, exclusivas para o staff[39].
A estrutura de uso público do Parque Nacional Bayerischer Wald é complementada com uma rede de parceiros privados que disponibiliza serviços de alimentação e hospedagem. O projeto Nationalpark-Partner[40] foi lançado em 2005 pela administração do Parque, juntamente com experts em turismo das cidades circunvizinhas. Figura como uma espécie de certificação, em que requisitos mínimos de sustentabilidade e de qualidade devem ser preenchidos[41]. Os parceiros servem ao Parque Nacional com 24 (vinte e quatro) hotéis, 8 (oito) pousadas, 8 (oito) hotéis-fazenda/chalés de montanha, 23 (vinte e três) acomodações de aluguel de temporada, 3 (três) albergues, 2 (duas) empresas de transporte coletivo, 1 (um) SPA, 8 (oito) restaurantes/espaço de repouso[42]. As hospedagens não se localizam no interior do parque, com exceção de um albergue. No entanto, dentro do Parque os visitantes encontram restaurantes e abrigos[43].
CONCLUSÃO
A compilação de dados referentes aos parques nacionais na Alemanha permite o cotejamento entre eles e os parques nacionais brasileiros. Não obstante haja peculiaridades, verifica-se que os modelos partilham um denominador comum, qual seja, a finalidade de preservação da beleza cênica da área para o desfrute das presentes e das futuras gerações. Da explanação dos dados resta cristalino, ainda, que a ideia dos parques nacionais e de sua instituição sofre o aporte de influências culturais do povo de cada país.
O sistema alemão encontra-se ainda em estágio incipiente e a pequena extensão do país, aliada à consolidação de áreas urbanas e rurais, exige que se encontrem soluções alternativas para garantir a conservação da biodiversidade e a proteção ambiental.
Informações Sobre o Autor
Alice Serpa Braga
Procuradora Federal lotada junto à Procuradoria Federal Especializada do Ibama. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Direito Constitucional pela UniSul. Mestranda em Direito e Políticas Públicas 2011/2012 pelo UniCeub. Ex-procuradora do Estado de Goiás.