Resumo: Os gêneros ao longo da história da humanidade, sempre foram ajustados por analogias que aludem uma firme e estável desigualdade e segmentação entre o feminino e o masculino. Não obstante essas relações tenham passado por mudanças significativas a partir da segunda metade do século XX, mesmo assim as desigualdades persistem em todos os campos da sociedade, principalmente nas esferas de poder. Isso posto, O presente artigo busca apontar o crescimento da participação política da mulher numa sociedade, ainda patriarcal, mas que se desenvolve de modo dinâmico, melhorando por um lado e do outro se conservando preso a heranças incorporadas historicamente. Este trabalho foi orientado pelo Professor Sebastião Patrício Mendes da Costa.
Palavras-chaves: gênero; participação da mulher; esferas de poder; Executivo; Legislativo; Judiciário;
Abstract: The genres throughout the history of mankind, have always been set by analogies alluded to a firm and stable inequality and segmentation between the male and female. Notwithstanding these relations have undergone significant changes from the second half of the twentieth century, yet the inequalities persist in all fields of society, especially in the spheres of power. That said, This article seeks to identify the growth of women’s political participation in a society still patriarchal, but develops dynamically, improving by one side or the other is attached to preserving historically built heritage.
Keywords: gender, participation of women; spheres of power, Executive, Legislative, Judiciary.
Sumário: 1. Considerações preliminares. 2. Participação das mulheres no Poder Judiciário. 3. Participação das mulheres no Poder Legislativo e Executivo. 3.1 A lei das cotas e a representação das mulheres no poder. 4. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Considerações preliminares
O conceito de papéis de gênero faz referência ao conjunto de expectativas sociais sobre as condutas ajustadas e nitidamente distintas que a pessoa deverá manifestar, conforme o sexo a que pertence.
Tomando Saffioti como alusão, pode-se proferir que gênero é “um processo infinito de modelagem-conquista dos seres humanos, que tem lugar na trama de relações sociais entre mulheres, entre homens e entre mulheres e homens.” Segundo a autora:
“O conceito de relação de gênero deve ser capaz de captar a trama de relações sociais, bem como as transformações historicamente por ela sofridas através dos mais distintos processos sociais, trama esta na qual as relações de gênero têm lugar.”
Os papeis que homens e mulheres vivenciam socialmente é produto de uma construção histórica, que intervém negativamente na qualidade de vida da mulher. Desde criança, a sociedade ensina que existem funções e posturas distintas entre mulheres e homens, no qual aquelas desempenham uma atitude de subordinação e submissão perante estes. O grande problema disso é que se aflora na sociedade uma visão estereotipada do feminino e do masculino e que gera consequências gravíssimas e insustentáveis.
Um desses problemas é a divisão sexual do trabalho. No Brasil, de acordo com dados do PNUD, (Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento) mostra que as mulheres já estudam mais que os homens, contudo ainda têm menos chances de emprego, recebem menos do que homens trabalhando nos mesmos cargos e ocupam as piores funções. Dados quantitativos em 2005 provam esta infeliz realidade, no qual a proporção de homens trabalhando com carteira assinada eram de 35%, enquanto que das mulheres era de 26,7%.
Em todo o mundo as mulheres estão sub-representadas na política. O termo déficit democrático de gênero deveria entrar para a agenda governamental e para o dia a dia da mídia com o mesmo destaque que os termos déficit público ou déficit comercial. O passado, infelizmente legou a exclusão das mulheres dos níveis mais altos de decisão do Legislativo, Executivo, Judiciário, da hierarquia religiosa e militar, ou mesmo do poder decisório das grandes corporações.
No Brasil, durante mais de 500 anos os homens monopolizam o exercício dos cargos de direção política. Com o processo de redemocratização dos anos de 1980 as mulheres saíram de taxas de participação próximas de zero para algo em torno de 10% a 15% na média das instâncias municipais, estaduais e federais.
No relatório de 2009, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil está no octogésimo segundo lugar no que se refere aos indicadores de desigualdades entre os sexos na participação política. Para conseguir cargos mais elevados nas hierarquias de poder, as mulheres brasileiras encaram o errôneo desenho cultural no qual as mesmas ainda não são facilmente aprovadas em posições de decisão e comando.
2. Participação das mulheres no Poder Judiciário
Acompanhando o processo de discussão que ocorre na sociedade quanto à inserção da mulher no mercado de trabalho e o desenvolvimento de sua carreira profissional, verifica-se, em especial a tímida ocupação de cargos de liderança e de poder, principalmente em relação ao poder Judiciário, já que o Direito apresenta uma forte tradição masculina no país. O ensino jurídico, inclusive, era quase privativo dos homens e apenas nos anos 60 começou a crescer o número de mulheres graduadas em Direito.
De acordo com dados analisados referentes ao ano de 2008 que abrangem diversas instancias do poder judiciário, como Justiça Federal de primeira e segunda instância e os Tribunais Superiores, a situação da mulher é totalmente desfavorável. Vale ressaltar que os dados estáticos disponibilizados pelo site do Conselho Federal de Justiça e pelo Conselho Nacional de Justiça são parciais e inacabados, impossibilitando um julgamento criterioso e minucioso a cerca da evolução da mulher no judiciário.
Os documentos disponíveis admitem assegurar que, de maneira geral, a atuação feminina na magistratura brasileira ainda é balizada por expressivo quadro de iniqüidade e infelizmente a diminuição das diferenças se processa de maneira tímida e dolorosa.
Atualmente no Brasil, cerca de 29% dos cargos de magistrados existentes na Justiça Federal são delegados por mulheres e na Justiça Comum de primeira Instância elas são em torno de 40%. Entretanto, esses percentuais vão diminuindo gradualmente conforme a analises das instâncias superiores e os cargos alcançados por indicação.
TABELA 1 – Quadro de juízes(as) da Justiça Federal de primeiro grau.
Atualizado em 31/12/2008
Já nos tribunais, compostos por juízes de segunda instância, esse percentual caí para 25,1% em relação ao total de cargos providos.
TABELA 2 – Quadro de Desembargadores da Justiça Federal de (Juiz de Segundo Grau)
Atualizado em 31/12/2008
Esse percentual se torna mais inferior ainda quando se analisa o número de mulheres atuantes nos Tribunais Superiores do Brasil. Dos setenta e um cargos disponíveis, apenas oito são dirigidos por mulheres, o que representa apenas 13,9% do total.
TABELA 3 – Quadro de Ministras dos Tribunais Superiores
Atualizado em 1/07/2009
*Ministras Ellen Gracie Northfleet e Cármen Lúcia Antunes Rocha
** Ministras Kátia Magalhães Arruda, Ives Gandra da Silva Martins Filho, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Dora Maria da Costa
*** Ministras Eliana Calmon Alves, Fátima Nancy Andrighi, Laurita Hilário Vaz, Denise Martins Arruda e Maria Thereza Rocha de Assis Moura
Pode-se inferir, sem dúvida, que a participação feminina nas 1º instâncias é mais expressiva que aquela averiguada nas instâncias superiores. Portanto, nota-se, uma maior participação da mulher nos quadros inferiores e o seu distanciamento da cúpula.
Outro dado relevante é a verificação de uma maior participação feminina na Justiça do Trabalho. Isso é examinado pelo percentual maior de mulheres participando desses tribunais do que em outros. Em alguns estados do país, elas já representam maioria tanto na ocupação dos cargos como presidindo os Tribunais Regionais do Trabalho.
TABELA 4 – Quadro de Juízas da Justiça do Trabalho
Atualizado em 1/07/2009
No início do ingresso da mulher na magistratura, a Justiça do Trabalho foi a mais receptiva. Entretanto, isso reforça o estereotipo da ligação da mulher com o social e a sensibilidade da mesma perante essas relações somada com a discriminação da justiça do trabalho, conhecida como justiça menor e que requer menos esforço intelectual e mais trabalho técnico.
Essas discrepâncias averiguadas pelos dados se devem sobremaneira na forma de provimento dos cargos da cúpula do poder judiciário. Na base da pirâmide, os cargos são alcançados via concurso público, enquanto que os do topo da pirâmide são conquistados através de indicações pela própria cúpula dos tribunais, com posterior escolha pelo Governador ou pelo Presidente da República. Portanto é de se concluir que o problema não está na falta de aptidão, mérito ou competência das mulheres, porque se assim fosse, o número de ingressantes na carreira deveria ser bem mais reduzido.
Outro fator que deve ser analisado, é o taxa de mulheres que preenchem o cargo de juízas via concurso público que pesar de ser um número considerável, não é satisfatório. Uma das explicações é o fato de que a magistratura é uma carreira lenta e a promoção se dar por antiguidade. Outro fator é que o acesso de mulheres a essa carreia só foi permitido a partir das décadas de 70 e 80 e assim pode justificar o fato de elas ainda não terem chegado aos tribunais por promoção da própria carreira.
É inquietante a sub-representação da mulher em posições qualificadas em algumas áreas da vida pública e privadas, principalmente no judiciário e nos mais altos escalões. É de se considerar louvável a tentativa de instituir um sistema de cotas femininas no judiciário. Entretanto essa medida gera controversa e carece de eficácia. Recomenda-se, pois, adotar um modelo coeso de equidade de gênero, com pré-requisitos mínimos de votação, de maneira a apreciar entre os quadros da cúpula do judiciário, uma representação equilibrada de homens e mulheres. A carência desses critérios impede o ingresso das mulheres aos espaços de decisão. E mais, origina incompatibilidade com o princípio da igualdade, tão consagrado pela Constituição Federal.
3. Participação das mulheres no Poder Legislativo e Executivo
As eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, de 1934, inauguraram finalmente, a era do direito das mulheres ao alistamento, como eleitoras e como candidatas, em todo Brasil. Todavia, a lei eleitoral só previa o direito de voto apenas a mulheres casadas com autorização dos maridos e a mulheres solteiras ou viúvas, com renda própria. Além disso, a única mulher a se eleger Deputada Federal Constituinte, foi a Dra. Carlota Pereira de Queirós, pelo Estado de São Paulo, que assumiu a tribuna, instaurando a representação das mulheres, no Poder Legislativo.
Entretanto as conquistas até agora são muito tímidas. Isso é verificado no ranking sobre a participação das mulheres nos Parlamentos que, em 192 países do mundo, o Brasil está em 146º lugar, atrás da média dos países árabes, que são altamente restritivos em relação à participação das mulheres em instâncias de poder.
Segundo informações do TSE, o ano de 2008 registrou um acréscimo expressivo no registro de candidaturas femininas. Ouve um aumento de 23% no registro da participação de mulheres no pleito em relação a 2004. Contudo, a sub-representação é evidente no poder legislativo e executivo
TABELA 5 – Quadro de Representantes do Poder Legislativo
Atualizado em 1/07/2009
TABELA 6 – Quadro de Representantes do Poder Executivo
Atualizado em 1/07/2009
*Governadoras Wilma de Faria, Yeda Crusius, Roseana Sarney e Ana Júlia Carepa
A pergunta basilar a ser feita é: por que as mulheres estão sub-representadas nas instâncias de poder Executivo e Legislativo?
Essa pergunta é bastante complexa e não existe uma única resposta devido à confluência de fatores. No entanto é possível concluir que as mulheres têm que arcar com o custo da participação política infinitamente maior se comparado com os homens. Tudo é adverso: as mulheres não são educadas para agir no espaço público, geralmente trabalham, estudam, participam ativamente das atividades familiares, o que não se é exigido tanto dos homens.
Outra situação adversa é que na política, o machismo é mais enraizado. Para a sociedade não basta simplesmente que a mulheres queiram participar da política ou que tenha o mesmo desempenho do homem. Elas têm que superar as expectativas da sociedade nos quesitos inteligência, capacidade e competência.
Outro desafio está no plano político eleitoral. O próprio recrutamento eleitoral é falho e há pouquíssimos estatutos partidários que aludem critérios para uma maior participação de ativistas de movimentos sociais. As candidatas mulheres não ficam no topo da lista dos partidos, que são aqueles considerados mais elegíveis e que podem ter mais chances de vitória e recebem mais apoio e visibilidade.
Não existe motivo e nem é aceitável a sub-representação feminina no Poder Legislativo e Executivo já que as mulheres são maioria da população e podem contribuir para um projeto emancipatório para toda a sociedade.
3.1 A lei das cotas e a representação das mulheres no poder
As ações afirmativas são medidas que visam reduzir e superar as gigantescas disparidades entre os distintos segmentos sociais, acumuladas historicamente em virtude de estruturas sociais discriminatórias e excludentes. As cotas estabelecem uma das medidas afirmativas mais polêmicas, sendo aplicadas mundialmente nas esferas políticas, educacionais e profissionais.
O processo de implementação da política de cotas no Brasil é muito recente. Contudo, esta política tem provocado, no mínimo, uma maior visibilidade à eliminação da mulher nos espaços políticos e às desigualdades existentes no âmbito político, entre homens e mulheres. Por esta razão, as cotas estão sendo tratadas como tópico central das discussões de gênero e política, sendo avaliado pelo movimento feminista como expressão e reconhecimento público alcançado pelas demandas femininas.
As ações afirmativas – mais precisamente a lei de cotas – são configurações positivas de reverter formalmente o conjunto de desigualdade entre os gêneros. A Lei de nº 9.100/95 vem responder as reivindicações dos movimentos de mulheres. Contudo, a redação desta lei deu margem ao questionamento a respeito da inconstitucionalidade do artigo, pois se constituiu um tratamento distinto para o sexo feminino. De forma imperativa o § 3º do art. 11 da Lei 9.100/95:
“Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres.”
Este tipo de construção abre espaço também para se discutir o princípio da meritocracia, pois se estaria favorecendo uma esfera da população que poderia estar sendo artificialmente representada no parlamento não pelo mérito, mas por imposições que distorcem a vontade popular e democrática.
Já a nova redação da Lei Eleitoral de nº 9.504/97 aumenta ainda mais os direitos alcançados, ficando assim o § 3º do artigo 10º redigido:
“Do número de vagas resultantes das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.
Apesar de esta nova formulação abandonar a política focalizada e assumir uma concepção universalista, ela não trouxe um aumento substancial de mulheres ativas na política. Isso se deve fundamentalmente pela palavra “vagas” que deveria ser trocada pela palavra “candidaturas”.
Apesar de todas essas conquistas, é notável que, somente com uma ação conjugada das distintas organizações de mulheres, com os partidos políticos, e a partir de um plano de ensino político que tenha o gênero como metodologia, será provável atenuar estas disparidades.
A implementação dessa medida no Brasil garantirá que aqui aconteça o que acontece em países como a Argentina, Ruanda e Costa Rica. Na Ruanda, 48% do Parlamento são compostos de mulheres, e na Argentina cerca de 30%.
É certa que a Lei das Cotas não irá mudar esse quadro nas próximas eleições. No entanto, a legitimidade permitirá um maior atrevimento das mulheres de penetrar em um mundo antes interditado. O ato de consentir, o que antes era negado de forma autoritária e irracional, pode ser também instigante. As transformações que a lei irá proporcionar na conjuntura político já são previsíveis pelo menos num ponto: maior visibilidade para as questões femininas, que durante séculos foram impedidas de desempenhar o poder e dirigir seus destinos, quiçá os destinos das Nações.
4. Conclusão
A história a cada dia divulga a importância da participação das mulheres e de sua atuação política nos ações revolucionárias. Da Revolução Francesa e Americana à Revolução Industrial, da abolição da escravatura à ampliação dos direitos dos cidadãos, as mulheres foram energia e presença em todos os processos revolucionários que transformaram as relações entre os gêneros.
A aquisição do voto em 1932 no Brasil não constituiu para as mulheres uma alteração substancial nos valores sociais então vigorantes, uma vez que estas permaneceram reprimidas por uma visão patriarcal conservadora e a um modelo de cidadania que privilegiava a imagem masculina ao espaço pública.
As mulheres, pela trajetória como se inseriram na política, precisavam de um tempo maior para se adequar à nova realidade. A incerteza, o desconhecimento das normas do mundo público, as subordinação culturais e psicológicas, as práticas partidárias excludentes, permaneciam operando sobre as mulheres, mantendo-as afugentadas da composição formal do poder político.
Como afirma Saffioti:
“É necessário, pois que mulheres e homens aprendam a viverem novas formas de relação, lidando com suas diferenças sem que estas se transformem em pretexto de domínio, só assim, a violência de gênero pode se constituir como algo do passado.”
Combater o sexismo, o racismo, o preconceito, a homofobia, a violência, a pobreza, é o desafio do Brasil. Porque combatendo todas as formas de discriminação, desigualdade e abuso chegaremos a uma sociedade plural, democrática e igualitária.
Informações Sobre o Autor
Ana Júlia da Silva de Sousa
Estudante de Direito.