Paternidade socioafetiva não impede o reconhecimento do vínculo biológico

resumo: O presente artigo tem como objetivo de estudo indicar posicionamento jurídico sobre a possibilidade do direito ao reconhecimento da paternidade biológica mesmo havendo existência de registro da criança e vinculo socioafetivo com o pai não biológico. Analisa-se  a atual filiação socioafetiva sob o aspecto: a)  da impossibilidade de  desconstituição da paternidade, por ser  irrevogável na doutrina majoritária; b) da impossibilidade  de  desconstituição da paternidade,  através de ação negatória de paternidade.

Palavras-chave: Paternidade socioafetiva. Reconhecimento de Vínculo biológico. Impossibilidade de desconstituição socioafetividade. Ação negatória de paternidade. 

Abstract: It has as objective the study indicate legal position on whether the right to recognition of biological paternity even with the existence of the child's record, and socio-emotional bond with the non-biological parent. Analyzes the current membership under the socioaffective aspect: a) the impossibility of deconstitution fatherhood, being in the majority doctrine irrevocable b) the impossibility of deconstitution paternity through paternity action negatory.

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Keywords: Socioaffective paternity. Linking biological recognition. Inability deconstitution socioaffectivity. Negatory paternity action.

Sumário: Considerações iniciais.1. Do parentesco nos dias atuais. 2. Dos requisitos para constituição e prevalência da paternidade socioafetiva. 3. Da impossibilidade de desconstituição da paternidade  socioafetiva através de ação negatória de paternidade. 4. Do não impedimento ao reconhecimento do vínculo biológico por existência de paternidade socioafetiva anterior. Conclusão. Referências.

1. Considerações iniciais

A atual paternidade socioafetiva quando reconhecida, hoje, na doutrina brasileira majoritária é irrevogavel e impossível de ser manejada através de uma ação negatória de paternidade. O presente trabalho aborda recente posicionamento do STJ no que diz respeito ao  fato de que a filiação socioafetiva não é impedimento para o reconhecimento do vínculo biológico.

2. Do parentesco nos dias atuais

Na sociedade atual a filiação não é mais erigida unicamente pelo casamento e vínculo biológico. No caso específico da paternidade socioafetiva, Costa (2009, p.04) afirma que, a filiação socioafetiva é uma relação jurídica de afeto com o filho em casos que, inexistente vínculo biológico, os pais criam uma criança por opção, dando-lhe amor, cuidado, e ternura.

Costa (2009, p.04), fazendo uma retrospectiva histórica lembra que, anteriormente, era a  verdade jurídica premissa da paternidade, depois a busca da verdade biológica e nos dias atuais diante do princípio da dignidade humana, prevalece a defesa da paternidade sócio-afetiva, mas sem desprezar as demais. Afirma que, valores como sentimento e afeição, desmistificam a supremacia da consangüinidade, diante de uma família formada por vínculo socioafetivo constitucionalmente reconhecido.

A filiação socioafetiva no contexto da realidade social em que vivemos devido aos novos vínculos que surgem com o desenvolvimento das relações familiares, foram impulsionadas pelas mudanças da sociedade como um todo.  Desta feita, doutrinariamente, o conceito de paternidade, compreende, hoje, o parentesco psicológico, ou seja, a paternidade socioafetiva, que prevalece sobre as demais formas de filiação.

Para Albuquerque Júnior (2007), fixando-se uma linha evolutiva, o direito civil passou do parâmetro biológico de parentesco para chegarmos ao estágio atual onde a sócio-afetividade erigi-se como concretizador dos princípios constitucionais relativos ao direito de família.

3. Dos requisitos para constituição e prevalência da paternidade socio-afetiva

No que diz respeito à constituição da paternidade socioafetiva que tem como vínculo a afetividade e a convivência, e tem como um de seus principais argumentos o fato de ser pai aquele que educa, sustenta e dá afeto, encontramos, também, a dignidade de todos os envolvidos, pai biológico, pai não biológico e filho, que deve ser analisada como parâmetro para a prevalência ou não da filiação socioafetiva frente a paternidade biológica.

Brito (2008, p.36), afirma que, por ser a dignidade um princípio constitucional presente em seu artigo primeiro, inciso terceiro, entende-se que toda pessoa deve ser vista pelo Estado a partir de sua condição de ser humano, que não pode ser desprezada. Acrescenta, citando Pereira, que é um ato complexo tentar buscar o equilíbrio entre a dignidade de uma pessoa com a de outra se for reconhecer a primazia principiológica da dignidade da pessoa humana.     Traz a lembrança de que o Direito de Família reúne a dignidade de várias pessoas que devem ser respeitadas sendo algo corriqueiro a ocorrência de confrontos de direitos. Mostra ainda Pereira (2005, p.62) que o princípio da dignidade humana pode ser usado em diferentes sentenças que utilizam distintas e contrárias argumentações, o que aponta para a relatividade do conceito.

Costa (2009, p.08), afirma que culturalmente a paternidade não é somente um “dado”, ela se “faz”, se constrói com o passar do tempo, com dedicação, atenção, respeito, carinho, zelo, etc.

Segundo Albuquerque Júnior, “O afeto torna-se, então, elemento componente do suporte fático da filiação socioafetiva. Isto significa dizer que temos filiação socioafetiva quando o estado fático trazido à apreciação conjuga afeto, convivência, tratamento recíproco paterno-filial e razoável duração.”

Assim, para ocorrer ou concretizar-se a filiação socioafetiva devem estar presentes os seguintes requisitos anteriormente expostos pelo jurista Albuquerque Júnior e que acrescenta-se serem necessários existirem em sua totalidade, ou seja, sem a ausência de algum destes: a) existência de afeto, b)convivência, c) tratamento recíproco paterno-filial d )razoável duração da relação.

No entanto, para que a filiação socioafetiva possa prevalecer frente a paternidade biológica deve ser analisado, cada caso, verificando-se a dignidade humana de todos os envolvidos e principalmente do filho.

Segundo Marinoni (2006, p. 419), “para que o processo seja capaz de atender ao caso concreto, o legislador deve dar à parte e ao juiz o poder de concretizá-lo ou de estruturá-lo.”

4. Da impossibilidade desconstituição da paternidade socio-afetiva através de ação negatória de paternidade

Costa (2009, p.05), afirma que a jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de que a filiação socioafetiva torne-se irrevogável com amparo constitucional nos artigos 226 e 227 e seus parágrafos.

Para os que defendem a desconstituição da paternidade socioafetiva através de uma ação negatória de paternidade a doutrina majoritária entende que na ação negatória de paternidade não possui, o pai socioafetivo, uma das condições da ação: o interesse de agir.         

As condições da ação dividem-se em: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir, legitimidade de parte.

NERY JÚNIOR (2008, P. 1071), O posicionamento da doutrina brasileira quanto à desconstituição da paternidade socioafetiva através de uma ação negatória de paternidade é de impossibilidade por falta de uma das condições processuais de validade da ação que é a falta de interesse de agir do marido, pois só ele tem legitimatio ad causam para propô-la a qualquer tempo ou se falecer na pendência da lide, a seus herdeiros continuá-la de acordo com o Código Civil (BRASIL, 2002) em seu art. 1.601, parágrafo único.

“Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.”

5. Do não impedimento ao reconhecimento do vínculo biológico por existência de paternidade socioafetiva anterior

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 17/10/2013, deu um importante passo no entendimento dos limites de prevalência da filiação socioafetiva frente a um vínculo biológico. Conforme notícias do STJ, por unanimidade a referida Turma decidiu que sendo a filiação um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível,  o filho pode exercita-lo sem restrições. “A existência de vínculo socioafetivo com pai registral não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial.”

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Segundo a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi: “Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão”, assinalou a ministra.”

O presente posicionamento de uma Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que diz respeito a não prevalência da paternidade socioafetiva em relação à biológica no caso do filho que queira exercitar o direito a ter em seu registro a sua filiação biológica, vem quebrar o absolutismo da prevalência da paternidade socioafetiva existente na doutrina majoritária  quanto a impossibilidade de qualquer desconstituição de paternidade sócio-afetiva.

Segundo as mesmas notícias do STJ sobre o caso,  A relatora, ministra Andrighi,  afirmou que quando o próprio filho busca o reconhecimento do vínculo biológico não se pode impor  a paternidade socioafetiva.

“É importante frisar que, conquanto tenha a recorrida usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, nada lhe retira o direito, em havendo sua insurgência, ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o nascimento até a idade madura” (ministra Nancy Andrighi.)

Conclusão

Cada vez mais, decisões e posicionamentos jurídicos recentes, inclusive de tribunais superiores, vêm mostrando a mitigação do absolutismo da irrevogabilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva.  Hoje, casos em que um filho queira ter o reconhecimento de seu vínculo biológico registrado legalmente mesmo que conste um registro de pai socioafetivo, há precedente jurídico que o ampare e, caso a caso, faça não prevalecer a filiação socioafetiva frente a filiação biológica.

O posicionamento do STJ, através de uma de suas Turmas, no que diz respeito ao  fato de que a filiação socioafetiva não é impedimento para o reconhecimento do vínculo biológico vem reafirmar que não pode a lei ou a doutrina obstaculizar a análise e a possibilidade de uma decisão favorável à desconstituição da paternidade socioafetiva quando visar o melhor interesse do filho.

Desta feita, através da garantia do acesso a justiça, do subjetivismo do Direito e do Processo Civil como meio adequado para aplicar a lei ao caso concreto realizando uma das funções do Estado que é a função jurisdicional dirigida, organizada e efetivada pelo poder judiciário através do Juiz, é possível a desconstituição da paternidade sócio-afetiva para os casos específicos em que não hajam concretizados os requisitos de existência da referida paternidade ou em que o próprio filho busque o reconhecimento do vínculo biológico não se podendo impor a paternidade socioafetiva e dando prevalência, então, ao direito à dignidade humana do filho de ter seu vínculo biológico reconhecido por escolha própria.

 

Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. A filiação socioafetiva no direito brasileiro e a impossibilidade de sua desconstituição posterior . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1547, 26 set. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10456>. Acesso em: 29 de maio 2008.
BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília: Senado Federal, 2002.
BRITO, Leila Maria Torraca de. Paternidades contestadas: a definição da paternidade como um impasse contemporâneo. Belo Horizonte:  Ed. Del Rey, 2008.
COSTA, Everton Leandro. Paternidade sócio-fetiva. Disponível em: www. feb.br/revistafebre/Paternidade-Socio-Afetiva-Everton.pdf. Acesso em: 23 de out. 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2006.
NERY JUNIOR, Nelson;  NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado.  6 ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais. 2008. (ACRESCENTADO NA PÁG. 04 EM VERDE).
PEREIRA, Rodrigo da cunha. Princípios fundamentais norteadores para o direito de família. Belo Horizonte: Del Rey,2005.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=111773

Informações Sobre o Autor

Ranieri de Andrade Lima Santos

Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Professor


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