Pedofilia na era digital


Resumo: Este trabalho realizou um estudo acerca do que é pedofilia, bem como sobre a Lei nº 11.829/2008 que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o intuito de combater as condutas relacionadas à pedofilia na Internet. Seu objetivo foi analisar a abrangência da referida Lei e quais as possíveis lacunas ainda existentes que funcionam como obstáculos à repressão de práticas pedófilas no meio digital. A pesquisa também investigou a diferença existente entre crime e pedofilia, a fim de demonstrar a problemática da generalização do pedófilo como criminoso. Além disso, contrapôs o avanço da tecnologia e a atualização da legislação para combater os chamados crimes virtuais. Os resultados mostram que foi bastante positiva a edição da Lei nº 11.829/2008, por inserir novas figuras típicas aproximando o ECA da modernidade. No entanto, outros obstáculos se impõem ao controle mais efetivo dos atos pedófilos praticados virtualmente, como as barreiras técnicas e econômicas, e a dificuldade de se atualizar a legislação, em geral, de forma equivalente ao progresso da informática.[1]


Palavras-chave: Pedofilia. Crime. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 11.869/2008. Crimes virtuais.


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Abstract: This work conducted a study about what is pedophilia, as well as Law No. 11.829/2008 amending the Statute of Children and Adolescents (SCA), in order to combat the conduct related to pedophilia on the Internet. His goal was to analyze the scope of this law and what the possible remaining gaps that act as barriers to the prosecution of pedophile practices in digital media. The survey also investigated the difference between crime and pedophilia in order to demonstrate the problem of generalization of the pedophile as a criminal. Moreover, countered the advance of technology and update legislation to tackle so-called cyber crime. The results show that it was very positive enactment of Law No. 11.829/2008, by inserting new figures approaching the typical SCA modernity. However, other obstacles are needed to more effectively control the acts committed virtually pedophiles, such as technical and economical barriers, and the difficulty of updating the legislation in general, equivalently to the progress of information technology.


Keywords: Pedophilia. Crime. Status of Children and Adolescents. Law No. 11.869/2008. Cybercrimes.


Sumário:  1. Introdução. 2. O que é crime. 2.1. Teorias do Crime. 2.1.1. Conceito Formal. 2.1.2. Conceito Material. 2.1.3. Conceito Analítico. 2.2. Teorias da Ação. 2.2.1. Teoria Causalista. 2.2.2. Teoria Finalista. 2.3. Iter Criminis. 3. O que é pedofilia. 4. Condutas típicas praticadas por pedófilos. 4.1. Imputabilidade, Inimputabilidade e Culpabilidade Diminuída. 4.2. Legislações Regulamentadoras da Matéria. 4.2.1. Tratados e Convenções Internacionais. 4.2.2. Constituição da República Federativa Brasileira. 4.2.3. Código Penal – CP.  4.2.4. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. 5. Bem jurídico protegido. 6. Crimes virtuais. 7. Pedofilia na internet. 8. Mecanismos de repressão e obstáculos probatórios. 9. Conclusão.


1 INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem como finalidade realizar um estudo acerca da abrangência dos crimes tipificados, em especial, no Estatuto da Criança e do Adolescente, relacionados às práticas pedófilas na Internet. Os avanços tecnológicos contribuíram para desatualizar a legislação brasileira, em geral, incluindo, portanto, o que diz respeito aos crimes sexuais e a pornografia infantil. Desse modo, é exigido do Direito novas formas de procedimentos e tipos legais que ampare e resguarde os frutos oriundos da evolução da ciência, e mais precisamente, da informática, visto que a interpretação e as formas de aplicação do Direito se modificam a medida em que a sociedade evolui.


Inicialmente, no capítulo segundo, é analisado o conceito de crime e os elementos que caracterizam a sua conduta e suas etapas constitutivas, para, em seguida, fazer-se um paralelo com a definição de pedofilia. O objetivo inicial é entender o porquê da pedofilia em si não constituir crime, sendo caracterizada simplificadamente por um estado psicológico ou desvio sexual.


Em que pese a distinção entre os conceitos de crime e pedofilia, ao extrapolar a esfera do intelecto, o pedófilo passa a incorrer em atos ilícitos. Nesse prisma, o capítulo quarto trata das condutas praticadas por pedófilos que se amoldam juridicamente em tipos penais inseridos nas legislações pertinentes, visto que não há no Brasil legislação específica sobre a matéria. O referido capítulo analisa também a culpabilidade dos agentes diagnosticados pedófilos, em razão de não poderem ser comparados àqueles que agem sem a capacidade de entendimento e autodeterminação.


Seguindo, ainda no capítulo quarto, faz-se uma breve exposição acerca das legislações regulamentadoras da matéria, que têm como finalidade promover a prevenção e a repressão das práticas relacionadas à pedofilia.


Já no capítulo quinto, ressalta-se a relevância dos direitos fundamentais à vida, à liberdade e à moral, das crianças e adolescentes, consagrados como bens jurídicos de primordial relevância e que, por isso, merecem serem, impreterivelmente, objetos da tutela estatal.


Em sequência, demonstra-se a problemática dos crimes virtuais de maneira geral, bem como a ausência de legislação específica que regule as condutas praticadas no âmbito digital.


No capítulo sétimo, passa-se, então, a análise dos crimes relacionados à pedofilia cometidos exclusivamente por meio da Internet. O foco principal desse capítulo é pontuar e discutir as principais alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente após a edição da Lei nº 11.829/2008. Pretende-se, desse modo, identificar se a inserção de novas tipificações foi satisfatória para suprir determinadas omissões do Estatuto.


Por fim, são destacados os principais mecanismos de repressão e os obstáculos probatórios que inviabilizam a identificação e repressão da ação dos pedófilos.


2 O QUE É CRIME


2.1 Teorias do Crime


Inicialmente, faz-se necessário definir o conceito de crime para posteriormente contrapô-lo ao conceito de pedofilia. Segundo Zaffaroni (2006, p. 332) “a teoria do delito é uma construção dogmática, que nos proporciona o caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto”.


Há três teorias que desenvolveram o conceito de crime, sem, contudo, se excluírem. Vejamos:


2.1.1Conceito Formal


Conforme preceitua Régis Prado (2004, p. 236), “o delito é definido sob o ponto de vista do Direito positivo, isto é, o que a lei penal vigente incrimina (sub specie júris), fixando seu campo de abrangência […].”


Nesse prisma, essa definição alcança somente


“[…] um dos aspectos do fenômeno criminal, o mais aparente, que é a contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, sua ilegalidade como fato contrário à norma penal. Não penetram, contudo, em sua essência, em seu conteúdo, em sua “matéria”.  (MIRABETE, 2004, p.95).


Assim, em seu sentido formal, crime é um fato humano, contrário á ordem jurídica, ao qual se associa uma sanção. É este o conceito mais simples de crime, visto que vislumbra apenas o seu aspecto externo, não contemplando o seu teor.


2.1.2 Conceito material


Considerando o “aspecto material, o delito constitui lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal, de caráter individual, coletivo ou difuso.” (PRADO, 2004, p.236). 


O referido conceito visa tão-somente o desvalor social da conduta em determinado momento histórico-cultural. Não tem, pois, grande relevância na prática em razão de o Direito Penal positivo não se importar com os fatos que geraram a tipificação de determinada conduta delituosa pelo legislador. Pode-se dizer que houve uma tentativa de definir crime como “toda ação que a consciência ética de um povo, em determinado momento histórico, considera passível de pena.” (KREBS, 2006, p. 3).


2.1.3 Conceito Analítico


Conceitua-se o crime de maneira estratificada, ou seja, a sua definição é integrada por vários componentes. Desse modo, somente se falará em crime quando houver fato típico, antijurídico e culpável.


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Tecnicamente, chamamos de tipos a estes elementos da lei penal que servem para individualizar a conduta que se proíbe com relevância penal.” (ZAFFARONI, 2006, p. 335). Sendo assim, um fato será típico momento em que se enquadrar em um ou mais tipos legais.


Fato antijurídico é, conforme definido por Mirabete (2004, p. 98), “aquele que contraria o ordenamento jurídico. No Direito Penal, a antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico.”


Por fim, para que se constitua um delito é necessário que a conduta tenha um caráter de reprovabilidade. “É a contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma.” (MIRABETE, 2004, p. 98).


Em suma, pode-se dizer que


“[…] delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável).” (ZAFARONI, 2006, p. 338/339).


Diante do exposto, a atual definição de crime é, portanto, uma soma de componentes que quando verificados simultaneamente tem-se constituído um delito.


2.2 Teorias da Ação


Não há crime sem que haja conduta. Assim, importa fazer uma breve análise das teorias da ação.


2.2.1 Teoria Causalista


Zaffaroni (2006, p. 369) define esquematicamente a conduta, segundo a teoria causalista, como “um fazer voluntário; a vontade pode separar-se da finalidade, conduta é um fazer final, mas nela não se considera a finalidade.”


Do mesmo modo, bem resumiu Bitencourt (2006, p. 271) como sendo a ação “movimento corporal voluntário que causa modificação no mundo exterior.”


“O que importa não é o conteúdo da vontade – sua direção final – (se o agente queria ou não realizar a ação típica). […]. A ação se exaure, pois, na simples produção do resultado.” (PRADO, 2004, p. 315-316).


2.2.2 Teoria Finalista


A teoria finalista, ao contrário da causalista, não separa os aspectos objetivo e subjetivo da ação. Conduta é, portanto, “um fazer voluntário, vontade implica finalidade, conduta é um fazer final.” (ZAFFARONI, 2006, p. 369).


“A ação humana consiste no exercício de uma atividade finalista. […] o atuar orientado conscientemente a um objetivo previamente determinado.” (PRADO, 2004, p. 318). Em outras palavras, a ação, nesse sentido, é baseada na previsão dos efeitos da conduta humana, o que confere ao agente a possibilidade de desenvolver sua ação de modo que atinja o objetivo desejado.


Wenzel, citado por Bitencourt (2006, p. 274) distingue ambas as teorias da seguinte forma:


“A atividade final […] é uma atividade dirigida conscientemente em função do fim, enquanto o acontecer causal não está dirigido em função do fim, mas é a resultante causal da constelação de causas existentes em cada caso. A finalidade é, por isso – dito graficamente – ‘vidente’, a causalidade ‘cega’.”


     É importante destacar a impossibilidade da elaboração de um conceito amplo de ação, sendo estes acima descritos, e outros aqui não analisados, criticados por não conseguirem abordar outros comportamentos que estão intimamente ligados à ação. No entanto, o que se pretende desmonstrar é que para o Direito Penal, independente da teoria adotada, não há que se falar em delito sem que haja ação humana. O que ocorre na esfera intelectiva, isto é, o simples pensar, não tem qualquer relevância se não exteriorizado.


2.3 Iter Criminis


Há ainda a necessidade de entendermos quais são as etapas constitutivas do crime, ou seja, quais são os caminhos traçados pelo agente para se chegar ao seu objetivo criminoso. São quatro as fases percorridas chamadas de iter criminis: a) cogitação, b) preparação, c) execução e d) consumação. No entanto, nem todas essas fases convêm ao Direito Penal.


A cogitação e a preparação são impunes por não interessarem ao Direito Penal.


“Nem todo iter criminis pode ser punido, porque se assim fosse a segurança jurídica estaria comprometida, já que estaria se punindo a idéia, o próprio pensamento, isto é, etapas que são puramente internas do autor, o que violaria o princípio jurídico elementar de que o pensamento não pode suportar pena alguma (cogitationis poenam nemo patitur)”. (ZAFFARONI, 2006, p. 598).


A cogitação é a elaboração mental do movimento criminoso. “São movimentos internos que percorrem o labirinto da mente humana, vencendo obstáculos e ultrapassando barreiras que porventura existam no espírito do agente.” (BITENCOURT, 2006, p. 494). Passando-se em seguida à preparação, compreendida por atos externos do agente que “[…] arma-se dos instrumentos necessários à prática da infração penal, procura o local mais adequado ou a hora mais favorável para realização do crime etc.” (BITENCOURT, 2006, p. 494).


O que realmente importa ao Direito Penal são as fases da execução e da consumação, sendo aquela o momento em que o ato é dirigido diretamente a pratica do crime, e esta “[…] o momento culminante da conduta delituosa […] quando, no crime, ‘se reúnem todos os elementos de sua definição legal’ (art. 14, I, do CP).” (BITENCOURT, 2006, p. 495).


A intervenção penal só é cabível, então, quando dos atos preparatórios passa-se aos executórios.


Pertinente é apontar que um elemento que, não raro, transmite aparente polêmica em relação ao iter criminis, consiste no exaurimento. Não se deve confundir a consumação com o exaurimento, devendo este elemento ser repelido de qualquer tentativa de inserção entre os componentes do iter criminis


O exaurimento repercute como mera consequência posterior a consumação. Fator que pode se caracterizar como causa de aumento de pena ou indiferente penal. Como exemplo, tem-se o sequestro, que se consuma posteriormente ao ato de privação da liberdade do sujeito passivo da relação material, e o resgate é mero exaurimento. Nesse viés, a norma penal em face do agente se aplicará independentemente do recebimento da consequência denominada resgate


3  O QUE É PEDOFILIA


Primeiramente, em análise da origem da palavra, pedofilia pode ser interpretada como atração sexual por crianças, tendo em vista a combinação das palavras gregas paidos, que significa criança, e philia, amizade ou amor.


 “A pedofilia é uma doença, com quadro clínico próprio […]” (SCREMIN NETO; SÁ JÚNIOR, 2002, p. 360), porém, confusões ocorrem porque se trata de uma palavra usada tanto na área médica, como no direito e no meio policial. Em verdade, o nome está associado diretamente a um diagnóstico médico. (BRASÍLIA, 2010).


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Consoante se dispõe


“O conceito de pedofilia se refere a um transtorno mental em que a pessoa sente prazer sexual quando tem estímulos que envolvam crianças ou se necessariamente precisa delas para se excitar. Trata-se de uma doença, de acordo com a CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), uma lista com as doenças conhecidas e descritas pela OMS (Organização Mundial de Saúde).” (BRASÍLIA , 2010, p. 36).


Nesse diapasão, Brutti (2008) comenta que a pedofilia é caracterizada por um fenômeno social que se constitui uma parafilia, ou seja, em um distúrbio psicossexual em que o indivíduo sente desejos e necessidades imperiosas de ter atividades sexuais, incluindo, muitas vezes, sofrimento, humilhação, consentidos ou não, de um parceiro. Em relação à pedofilia em especial, a atração sexual compulsiva está direcionada a crianças e adolescentes.


Nota-se, pois, ser um equívoco taxar a pedofilia como crime, visto que, como já exposto, trata-se de uma doença, geralmente “causada por fatores como a predisposição genética e estímulos ambientais”. (BRASÍLIA, 2010, p. 35). Há uma diferença entre o pedófilo e o autor de crimes sexuais, não sendo necessariamente pedófilo aquele que abusa sexualmente de uma criança.


Explica Brutti que


“[…] o Diagbostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition (DSM-IV), da Associação de Psiquiatras Americanos, aduz a definição de uma pessoa pedófila, mas especifica que a sua caracterização só se perfectibilizará caso cumpram-se os três quesitos seguintes: 1. Por um período mínimo de seis meses, a pessoa deveria possuir intensa atração sexual, fantasias sexuais ou outros comportamentos de caráter sexual relativos a pessoas menores de 13 anos de idade; 2. A pessoa deveria apresentar desígnios de realizar seus desejos, sendo que o seu comportamento seria afetado pelos seus próprios desejos, e/ou os referidos desejos acabariam causando estresse ou dificuldades intra e/ou interpessoais ao paciente; e 3. A pessoa possuiria mais de 16 anos de idade e seria, no mínimo, cinco anos mais velha do que a(s) criança(s) citada(s) no primeiro critério”. (2008, p. 20).


É importante frisar que a pessoa considerada clinicamente como pedófila, não precisa necessariamente extravasar seus desejos. Pedofilia, repita-se, tem sentido clínico e não penal, não sendo, portanto, crime.


“[…] a pedofilia é uma doença que precisa ser diagnosticada por um psiquiatra, a maioria dos casos que vemos todos os dias não é de pedofilia, mas abusos sexuais. Ás vezes, o pedófilo não chega a cometer abusos. E quando isso realmente acontece, é feito por criminosos comuns que abusam de crianças por ocasião, por uma questão pessoal, mas nem sempre por ter um transtorno”. (BRASÍLIA, 2010, p. 36).


Como já discutido no capítulo anterior, ao Direito Penal não importa o que ocorre na esfera intelectiva, se não há exteriorização. Quando fantasias e desejos sexuais permanecem na mente do pedófilo, não cabe nenhuma forma de sanção e intervenção penal.


Nas palavras de Nogueira tem-se, em síntese, que


“A pedofilia, por si, não é um crime, mas sim, um estado psicológico, e um desvio sexual. A pessoa pedófila passa a cometer um crime quando, baseado em seus desejos sexuais, comete atos criminosos como abusar sexualmente de crianças ou divulgar ou produzir pornografia infantil”. (2009, p. 129).


Assim sendo, “a legislação penal brasileira, acertadamente, não utiliza explicitamente referida terminologia, expondo, isto sim, em vários tipos penais, tipificações que abarcam como sujeitos passivos de crimes sexuais pessoa de tenra idade, […].” (BRUTTI, 2008, p. 21).


Observa-se que o senso comum que imputa, de forma generalizada, aos pedófilos, os crimes sexuais praticados contra menores, é idéia equivocada, uma vez que a pedofilia não constitui termo penal. Infere-se, pois, que desacertada seria a utilização expressa da palavra pedofilia em qualquer norma incriminadora, visto que o pedófilo não necessariamente incorrerá em atos delituosos. Isso sem considerar a possível repercussão social gerada, com influência direta na ordem pública.


4 CONDUTAS TÍPICAS PRATICADAS POR PEDÓFILOS


 


Embora não sendo a pedofilia tipificada como crime, aqueles diagnosticados pedófilos, que praticam determinadas condutas para satisfazer seus desejos sexuais, cometem crimes previstos no Código Penal (CP) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Não há na legislação brasileira tipo específico que utilize o termo pedofilia, sendo que o contato sexual entre adultos e crianças, pré-púberes ou não, encaixa-se juridicamente em tipos penais como o estupro de vulnerável e outros tipos descritos no ECA, de conteúdos variados (BRUTTI, 2008).    


O fato de o acusado de ter cometido abuso sexual ser considerado clinicamente pedófilo, não o exime de suas responsabilidades, visto que tem a capacidade plena de conhecer o carater ilícito de suas condutas, mesmo que não seja inteiramente capaz de se determinar conforme esse entendimento. Essa situação se enquadra na categoria de semi-imputabilidade, descrita no parágrafo único do art. 26 do CP.


Consoante expõem Scremin Neto e Sá Junior,


“[…] a lei nao fará vistas grossas aos seus trangressores, não podendo estes furtarem-se ao dever de obedecê-la, sob pena de obrigarem-se a sofrer suas duras sanções. Ademais, nos casos em que o réu for manifestamente louco, ainda assim haverá resposta, não na forma de prisão, mas na de internamento em manicômio judiciário – que em verdade é tão ou mais penoso que a própria penitenciária”. (2002, p.364).


A Constituição da República Brasileira já traz em seu escopo, especificamente em seu art. 227[2], a preocupação com a proteção à vida da criança e do adolescente e o dever do Estado e da família de assegurar que estarão a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Em complemento ao texto constitucional, o CP e o ECA consagram normas de prevenção e de repressão às práticas de abusos contra crianças e adolescentes.


Novamente, como bem explicou Brutti


“[…] a legislação brasileira, sem gris algum, estabelece múltiplas hipóteses de enquadramento legal daquelas pessoas que incidem em atos desvaliosos consistentes no abuso sexual de menores, a despeito de não conter qualquer tipo específico relativo ao termo “pedofilia”.” (2008, p. 22).


É propício e acertado que assim seja, visto que não é correta a utilização do termo pedofilia de maneira generalizada, o que acaba por gerar confusões no emprego e sentido real da palavra. Fatores diversificados, que não o distúrbio classificado como pedofilia, podem levar uma pessoa a consumar crimes sexuais contra crianças ou adolescentes. Além disso, é imperioso frisar que pedófilos nem sempre são criminosos, pois podem manter seus desejos sexuais por menores, sem, contudo, praticá-los.


Nesse sentido, “a conduta tida como pedófila terá sempre de ser subsumida numa das figuras típicas, ou seja, terá de se enquadrar num dos artigos do Código Penal ou leis extravagentes.” (SCREMIN NETO; SÁ JÚNIOR, 2002, p. 363). Não há, pois, em que se falar em crime enquanto o desejo do pedófilo permanece na fase de cogitação e, até mesmo de preparação, visto que são impuníveis e não constituem delito algum.


4.1 Imputabilidade, Inimputabilidade e Culpabilidade Diminuída


Consoante mencionado em capítulo anterior, o indivíduo embora tenha sido diagnosticado portador da parafilia pedofilia tem a capacidade plena de conhecer o caráter ilícito de suas condutas, mesmo que não seja inteiramente capaz de se determinar conforme esse entendimento, podendo, nesse caso, enquadrar-se como semi-imputável. Ressalta-se que, a caracterização do pedófilo como semi- imputável não constitui, de modo algum, regra geral.


É importante, assim, distinguir os elementos que compõem a culpabilidade.


A imputabilidade é a capacidade plena que tem o indivíduo de entender e de querer, o que gera responsabilidade penal. Sinteticamente Bitencourt define imputabilidade como “a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável”. (2006, p. 447-448).


Em contrapartida, aquele indivíduo que por razões psíquicas e de maturidade não seja capaz de entender o caráter ilícito do fato e de agir conforme esse entendimento é considerado inimputável. Sobre o tema, o Código Penal, em seu artigo 26, assim previu:


“Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. (BRASIL, 1940).


Conforme preceitua o CP, são inimputáveis, além dos doentes mentais e aqueles que possuem desenvolvimento mental incompleto, os menores de 18 (dezoito) anos de idade.


Há, ainda, uma área intermediária entre a imputabilidade e a inimputabilidade, denominada pela doutrina em geral como semi-imputabilidade. O que ocorre, em verdade, é a diminuição da capacidade de censura e, consequentemente, de culpabilidade da pessoa. Nessa hipótese o CP determina, no parágrafo único do art. 26, a redução da pena quando “[…] o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” (BRASIL, 1940).


Segundo ensina Bitencourt (2006), comprovada a inimputabilidade o agente será absolvido, sendo-lhe aplicada a medida de segurança. Contudo, na hipótese de semi-imputabilidade ou culpabilidade diminuída, é obrigatória, havendo condenação, a imposição de pena, reduzida, para, posteriormente, se comprovadamente necessária, ser substituída por medida de segurança.


Logo, em que pese ter sido o agente diagnosticado como pedófilo, não pode ser comparado ao inimputável que não tem capacidade de entendimento e/ou de autodeterminação, visto que, em geral, os pedófilos são plenamente capazes de entender o caráter ilícito do fato, não excluindo, portanto, a sua responsabilidade.


Pondera Nogueira (2009, p.197) que “é sempre bom sublinhar a ausência de doença mental na esmagadora maioria dos violadores e, o que se observa na maioria das vezes, são indivíduos com condutas aprendidas e/ou estimuladas determinadas pelo livre arbítrio.


Vieira, ao citar Luciolo Neves Galvão, conceituou genericamente o perfil do pedófilo da seguinte maneira:


“O protótipo do pedófilo não é o débil mental sem controle dos seus impulsos, nem o psicótico delirante, nem o delinquente à margem da lei, mas o honesto pai profissionalmente integrado, com uma maneira peculiar de viver a sexualidade, mutilado em partes secretas de si mesmo, numa dimensão perversa, ocupando apenas uma parte de sua energia psíquica, sem comprometer a liberdade dos seus atos”. (2004, p. 17).


Sobre o tema a jurisprudência é elucidativa:


“PENAL. PEDOFILIA OU PSDOSEXUALIDADE. REPRODUÇÃO FOTOGRÁFICA. FOTOGRAFAR OU PUBLICAR FOTOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM POSE ERÓTICAS. INSERÇÃO EM REDE BBS/INTERNET DE COMPUTADORES. CRIME. ART. 241 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM A REDAÇÃO DITADA PELA LEI


10.764, DE 2003. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA.1. A PEDOFILIA, OU PEDOSEXUALIDADE, É UM TRANSTORNO DA PREFERÊNCIA SEXUAL, sendo definido como a preferência por criança (pessoa com até 12 anos de idade) ou por adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos) – art. 1º do Estado da Criança e do Adolescente. Pelo Código Internacional de Doenças da Décima Conferência de Genebra é a pedofilia um transtorno mental (CID-10, F65.4), O QUE NÃO SIGNIFICA QUE O ACUSADO SEJA DOENTE MENTAL OU TENHA O DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO OU RETARDADO. 2. Aquele que fotografa ou publica (ação múltipla), em rede BBS (Bulletin Board System) ou internet (rede de redes que se comunicam através do protocolo TCP/IP), crianças ou adolescentes em poses eróticas, comete o crime previsto no art. 241 da Lei 8.069, de 10 de julho de 1990, com a redação ditada pelo art. 4º da Lei 10.764, de 12 de novembro de 2003 (crime de ação múltipla). 3. A objetividade do crime de fotografar ou publicar crianças ou adolescentes em poses eróticas – art. 241 do ECA – é o respeito à imagem, à liberdade sexual e ao domínio do corpo da criança e do adolescente. 4. Criança é a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos; adolescente é aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade – art. 2º do Estatuto da Criança e do adolescente. Pessoas que ainda estão em condição de desenvolvimento.5. A consumação na modalidade fotografar ocorre com o simples fato de fotografar cena erótica envolvendo criança ou adolescente. Não se exige que alguém tenha acesso à fotografia. Basta fotografar. Na ação de publicar é necessário que a fotografia seja vista, ainda que por uma só pessoa. A publicação pode dar-se por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet. Aquele que publica as fotos pode não ser o mesmo que fotografou. (Tribunal Regional Federal 1ª Região – Apelação criminal nº 2002.33.00.016034-7/BA – Rel. Tourinho Neto – Publicação 25/11/2005 – Grifo meu).


“”Crime contra os costumes – Atentado violento ao pudor – Prova insofismável de autoria – Réu que, CONFORME REVELA O EXAME DE SANIDADE MENTAL, NÃO SOFRIA DE DOENÇA MENTAL, SENDO POSSUIDOR DE UM DESVIO DE COMPORTAMENTO SEXUAL (PEDOFILIA – TENDÊNCIA E PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS COM CRIANÇAS) – Pena fixada pouco acima do mínimo legal em continuidade delitiva- Regime prisional, integralmente fechado, em consonância com a lei dos crimes hediondos (n. 8.072/90) – Apelo desprovido””. (TJMG- Apelação Criminal nº 1.0000.00.146762-0/000(1) – Rel. Sérgio Resende – Publicação 14/05/1999 – Grifo meu).


Ementa: ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PEDOFILIA. RECONHECIDO EM PERÍCIA PSIQUIÁTRICA QUE O ACUSADO POSSUI TRANSTORNO NA ESFERA SEXUAL ONDE É LEVADO IMPULSIVAMENTE A CONSUMAR A REALIZAÇÃO DO PRAZER SEXUAL COM MENORES DE IDADE, HABITUALMENTE CRIANÇAS, MAS COM CAPACIDADE DE COMPREENDER A ILICITUDE DE SEUS ATOS, DEVE SER MANTIDA A SENTENÇA CONDENATÓRIA, VISTO QUE FOI OBSERVADA NA DOSIMETRIA DA PENA A REDUÇÃO PELA SEMI-IMPUTABILIDADE. Regime prisional deve ser inicialmente fechado para possibilitar a progressão da pena por aplicação isonômica ao disposto sobre o crime de tortura (Lei 9.455/97.) RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA. (TJRS – Apelação Criminal nº 70006042311, Rel: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 30/04/2003 – Grifo meu).


4.2 Legislações Regulamentadoras da Matéria


Na legislação brasileira não há um tipo penal específico que aborde a pedofilia. Encontramos tão-somente normas incriminadoras associadas a condutas pedófilas. As normas penais, não exigem características pessoais específicas do autor do crime, sendo os indícios de ser o agente um pedófilo confirmados por meio diagnósticos próprios.


Segue uma breve análise das disposições legais existentes, que têm como finalidade promover a prevenção e a repressão das práticas relacionadas ao agir dos pedófilos.


Apesar de existirem tais previsões legais, ainda que não especificamente relacionadas à pedofilia, há, minoritariamente, quem defenda que o papel da família, no sentido de conscientizar a sociedade e reprimir a pornografia na Internet, seria fundamental e até mesmo mais eficaz quando comparado a ações governamentais. Nesse sentido, Carlos Alberto Di Franco, citado por Marzochi, argumenta que o mau uso da Internet e seus desvios “[…] não serão resolvidos por meio de tutelas governamentais. […] Não há regulamento capaz de suprir a ausência da família. A educação para o exercício da liberdade é o grande desafio dos nossos dias.” (2003, p. 237).


4.2.1 Tratados e Convenções Internacionais


Os tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos e Direitos da Criança, em especial, fizeram com que países como o Brasil adaptassem suas legislações com base nas diretrizes e recomendações internacionais. No caso específico de crimes cometidos virtualmente, a cooperação internacional entre os sistemas de segurança dos Estados é crucial para a identificação de criminosos, que usam a rede mundial para aliciar menores e trocar arquivos proibidos na certeza de estarem protegidos pelo anonimato. (NOGUEIRA, 2009).


Dentre os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, destaca-se o “Protocolo Facultativo à Convenção Relativa aos Direitos da Criança Referente ao Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Utilização de Crianças na Pornografia.”, de 2000.  Esse Protocolo passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro a partir da promulgação do Decreto n° 5.007, de 8 de março de 2004, sendo uma das considerações do Protocolo a preocupação com


“a crescente disponibilidade de pornografia infantil na Internet e com outras tecnologias modernas, e relembrando a Conferência Internacional sobre Combate à Pornografia Infantil na Internet (Viena, 1999) e, em  particular, sua conclusão, que demanda a criminalização em todo o mundo da produção, distribuição, exportação, transmissão, importação, posse intencional e propaganda de pornografia infantil, enfatizando a importância de cooperação e parceria mais estreita entre os governos e a indústria da Internet […].” (BITTAR e ALMEIDA, 2010, p. 529-530).


Nesse viés, o Brasil tem por obrigação adotar todas as medidas possíveis para se adequar aos preceitos de todos tratados, em geral, assinados e ratificados.


4.2.2 Constituição da República Federativa Brasileira


A Constituição estabeleceu primordialmente os direitos relativos à criança e ao adolescente, com previsão expressa no parágrafo 4°, do art. 227, de que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. No entanto, no que concerne às sanções e punições cabíveis para aqueles que transgridirem essas normas, a Carta Magna transfere o encargo às legislações mais específicas.


4.2.3 Código Penal – CP


O Código Penal aborda os crimes que se relacionam com aqueles praticados em função da pedofilia em seu Capítulo VI – Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, como, por exemplo,spacer quando trata do Estupro de vulnerável em seu art. 217-A[3].


De acordo com Nucci, o


“Código Penal busca assegurar, por meio dos tipos incriminadores, a punição dos agentes que cometam atos violentos contra a liberdade sexual, além de outros, configuradores de fraudes, assédios e investidas direta em relação às vítimas (2009, p. 252)”.


4.2.4 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA


A Lei 8.069/90 (ECA) dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, tratando dos seus direitos fundamentais, do dever da família, da comunidade e da sociedade em geral, bem como das formas de proteção, levando-se em conta a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.


Nas palavras de Horta


“Enquanto lei especial, o ECA significa um microssistema jurídico que dispõe sobre direitos próprios e especiais das crianças e dos adolescentes, os quais, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral, imprimindo prioridade absoluta para a questão da infância e da juventude, inclusive enquanto dever da família, da sociedade e do Estado, conforme o imperativo constitucional do art. 227 da Carta Magna. (2003).”


Convém destacar o que preconiza o ECA em seu art. 18, por tratar diretamente da inviolabilidade da criança e do adolescente: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” (BRASIL, 1990).


Tratando-se da liberdade sexual em específico, o ECA teve por fim a punição de agentes que envolvam crianças e adolescentes, em práticas sexuais, com o intuito, geralmente, de satisfação da lascívia, porém, sem necessariamente o contato sexual direto (NUCCI, 2009). Assim, dentre outras disposições, o Estatuto disciplina em seu art. 240 e seguintes os crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes, descrevendo tipos de conteúdos variados e impondo as sanções pertinentes.


5 BEM JURÍDICO PROTEGIDO


Uma das funções básicas do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos, sendo que estes podem ser descritos, de forma resumida, como aqueles bens cujo, em razão de seu valor ou interesse, a sociedade entende que devem ser protegidos a fim de que ela se desenvolva. Segundo ensina Bitencourt, “os bens jurídicos são bens vitais da sociedade e do indivíduo, que merecem proteção legal exatamente em razão de sua significação social.” (2006, p.10).                                                                                                                                                                                              


Em observância ao princípio da ofensividade, pelo qual somente haverá crime se ficar caracterizado lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido, deve-se verificar, relativamente aos crimes contra liberdade sexual, a concretude da afetação do bem jurídico. Gomes comenta que “em regra, a divulgação de cenas de sexo não constitui nenhum delito”. (2008, p. 16). Entretanto, a partir do momento em que a divulgação se cenas de sexo passa a envolver crianças, tem-se novas afetações.


Nesse contexto, os desejos do pedófilo quando traduzidos materialmente implicam em lesão concreta a um bem jurídico, isto é, em lesão ou ofensa direta aos direitos da criança.


“Então, sempre que uma criança for vítima de um abuso sexual, seja para fins de libido invidividual ou de redes organizadas para produção de material pornográfico, haverá, antes de tudo, uma ofensa aos seus direitos fundamentais: o direito à vida e à liberdade”. (BREIER, 2007, p. 100)


 


Desse modo, revelando-se o bem jurídico de indiscutível relevância, faz-se necessária a tutela estatal, para que os direitos fundamentais da criança e do adolescente – a vida e a liberdade, em sentido amplo, envolvendo a moral – sejam resguardados de qualquer expressão de agressividade.


6 CRIMES VIRTUAIS


O Direito se modifica conforme progride a sociedade a qual está ligado. A sociedade atual evolui com rapidez espantosa devido à crescente onda de descobertas nos diversos ramos da ciência, podendo-se colocar a informática no centro dos novos avanços. É, pois, inegável que a internet trouxe muitos benefícios para o mundo, mas juntamente com essa revolução informacional vieram os chamados “crimes virtuais”. Aqui, entende-se por crimes virtuais tanto aqueles delitos já existentes e potencializados pelo uso da Internet como aqueles próprios da Internet, isto é, cometidos única e exclusivamente por intermédio dela.


De acordo com Aires José Rover, citado por Brant (2003), a era da informática gerou um paradoxo no qual de um lado está a evolução tecnológica e suas manifestações qualitativas e quantitativas e, de outro, está a insegurança das leis ineficazes e a ansiedade diante de um universo inatingível de informação. Para Rover “precisamos de mais leis, sim, mas que sejam fruto de um direito aberto; precisamos de mais códigos, inteligentes, mas que sejam códigos abertos. Este é um desafio político e não tecnológico, de uma insustentável leveza.”


Quanto à legislação no âmbito da informática Nogueira entende que


“ainda falta uma lei especial para tutelar alguns delitos e que a dificuldade para tipificar algumas condutas é grande […]. […] é quase que absoluta a falta de punição para alguns crimes, isso justamente pela falta de uma lei que regule todo esse mundo digital.” (2009, p. 28/29).


Como causa dessa ausência de lei específica, Brant (2003) apresenta como explicação a velocidade do desenvolvimento tecnológico em relação a atualização da legislação, uma vez que o Direito e os governos não são capazes de promulgar e aplicar leis de forma equivalente ao progresso da informática. Segundo ele “um dos pontos unânimes é que nenhuma nação do mundo atualmente tem a capacidade de conferir plena eficácia ao ciberespaço por si própria, devido à sua volatilidade, velocidade e simultaneidade.”


Nesse sentido Vianna afirma que


“[…] uma legislação penal moderna e bem elaborada que aborde todas as questões criadas pelos novos crimes por computador facilitaria, e muito, o trabalho dos operadores do Direito. O ideal, inclusive é que o tema fosse regulado por um tratado internacional […], já que a Internet é um fenômeno transnacional e, como tal, deveria ser regulamentada”. (VIANNA, 2000, p. 5).


Brant (2003), no entanto, faz uma ressalva ao citar Tarcisio Queiroz Cerqueira, momento em que este defende que “[…] o excesso de regulamentação exacerba o risco de inibir o desenvolvimento da ‘Grande Rede’”, devendo a regulamentação da Internet ocorrer no âmbito internacional. Em outras palavras, deve-se ter cautela com o exagero de regras para não acabar por criar obstáculos ao progresso da tecnologia, restringindo seu pólo de atuação como ocorre em países totalitários.


Por outro lado, Vianna (2000) apropriadamente completa dizendo que, a nossa legislação já tipifica muitas das condutas hoje praticadas por meio da Internet. Nos casos em que nossa legislação penal é omissa, a introdução de tipos penais seria uma solução eficaz até que a matéria em questão seja regulada definitivamente por um tratado internacional.


A seguir, trataremos especificamente das condutas relacionadas à pedofilia na Internet já devidamente tipificadas no Estatuto da Criança e do Adolescente.


7 PEDOFILIA NA INTERNET


No que se refere aos crimes relacionados à pedofilia, “a internet, e seu uso como mídia de massa, transformou o mercado da pornografia infantil, aumentando seu público e, consequentemente, transformando também o seu significado.” (LANDINI, 2007, p. 171-172). Os mecanismos gerados pela informática são amplamente utilizados para difundir registros que contenham cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, favorecendo a prática de crimes dessa natureza.


Nesse prisma, Reinaldo Filho comenta que


“Os pedófilos tem se utilizado da Internet para trocar fotos e imagens que descrevam práticas sexuais com menores pré-púberes, não somente para simplesmente extravasar suas (doentias) fantasias sexuais e até mesmo para difundir uma espécie de filosofia pedófila.  […] Muitas pesquisas sugerem que a divulgação de “pornografia infantil” contribui para o aumento de crimes sexuais contra menores.” (2003).


Conforme preceitua Kalb,


“Alguns dos motivos para que o abuso sexual e a publicação de fotos e vídeos pornográficos aumentasse significativamente foram a “confidencialidade de usuários de salas de bate-papo; hospedagem de sites nos mais variados países, dificultando a identificação e a prisão dos responsáveis; pouca legislação específica para crimes de informática, etc. […].” (2008, p. 121).


O Estatuto da Criança e do Adolescente, em redações anteriores, já dispunha sobre os delitos relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes por diversos meios. Entretanto, inúmeras lacunas eram apontadas, sendo alvo de críticas. O surgimento das mídias digitais e a popularização da Internet forçou a adequação dos dispositivos legais contidos no ECA.


Em 2008, a Lei n° 11.829 alterou a redação dada a alguns dispositivos do ECA, incluindo novos tipos penais e ampliando a abrangência do Estatuto, com o objetivo principal de acompanhar o desenvolvimento da modernidade e da tecnologia. É oportuno destacar a ementa da referida Lei, visto que apresenta de forma concisa seu objeto


“Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.” (BRASIL, 2008).


Desse modo, cumpre pontuar as principais alterações após a edição da Lei supracitada.


Os verbos reproduzir, fotografar, filmar e registar foram incluidos no núcleo do tipo do art. 240, expandindo as condutas que podem ensejar a configuração do delito, cujo objeto consiste em cenas de sexo explícito ou pornográfica abrangendo crianças e adolescentes. Além da inserção de novos componentes no núcleo do tipo do parágrafo primeiro do aludido dispositivo.


É importante frisar que as modificações trazidas pela Lei n° 11.829/08 são específicas e superiores àquelas contidas no Código Penal, afastando, assim, a aplicação dos tipos penais que porventura sejam semelhantes. Como exemplo, podemos citar a introdução do verbo coagir, no §1° do art. 240, “configurador [também] de uma modalidade especial de constrangimento ilegal (art. 146, CP)”. (NUCCI, 2009, p. 255).


Outros cinco novos artigos foram incluídos no ECA, além de ter sido alterado o art. 241. Vejamos o que dispunha a sua antiga redação:


Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes:


Pena – reclusão de dois a seis anos, e multa.” (BRASIL, 2003).


Tal redação, contudo, conforme aduz Reinaldo Filho (2008), não alcançava as simulações de pornografia infantil, pois, ela só tipificava a disseminação de imagens que fossem efetivamente a reprodução de cenas que envolviam a participação real de menores. Este tipo de material passou a ser difundido em razão do desenvolvimento da tecnologia, sobretudo de softwares de computação gráfica.


Nesse sentido, é relevante destacar as reformulações da legislação que passaram a reprimir do mesmo modo a pornografia infantil que não representa um abuso real e efetivo contra uma criança ou adolescente.


Destaca-se o art. 241-C, pelo qual simular a participação de criança ou adolescente em cenas de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual (2010, p.112), implica em ato criminoso.


Nesse prisma, a Lei passou a alcançar não só as situações reais como também aquelas que envolvem pseudo-imagens, cartoons, desenhos animados, pinturas. As pseudo-imagens são aquelas criadas artificialmente (mediante a utilização de recursos computacionais gráficos ou qualquer outro método), que aparentam ser a reprodução fotográfica de uma criança real em situação de exploração sexual, dificultando a distinção de cenas reais. (REINALDO FILHO, 2008).


Já as imagens assemelhadas aos cartoons, são conceituadas como “dotadas de animações com intenções voltadas à pornografia infantil, mas que são facilmente distinguíveis de cenas reais.” (REINALDO FILHO, 2008, p. 11).


Embora sendo imagens fictícias, não correspondentes, portanto, à realidade, pelo fato de demostrarem crianças sofrendo abusos sexuais, a sua divulgação por si só já constitui motivo suficiente para caracterizar ilícito penal, visto que, “[…] de qualquer modo fere-se o bem jurídico tutelado, vale dizer, a boa formação moral da criança ou adolescente”. (NUCCI, 2009, p. 267). Salienta-se que a difusão dessas imagens fantasiosas serve como alimento para que abusos reais aconteçam, funcionam como meio de potencializar e estimular os sentimentos nutridos pelos pedófilos.


Inexistia também a punição para o indivíduo que obtivesse qualquer material pornográfico envolvendo menores de 18 anos, com o objetivo de guardar consigo. Porém, o art. 241-B atualmente prevê a prática dessa conduta como delito, desde que demonstrado o dolo do agente. Quanto a esse artigo, Nogueira entende que a “a principal inclusão foi responsabilizando penalmente quem armazena conteúdo erótico com crianças ou adoelscentes”. (2009, p. 84).


“Comumente, com o avanço da tecnologia e da difusão dos computadores pessoais, dá-se a obtenção de extenso número de fotos e vídeos pela Internet, guardando-se o material no disco rígido do computador, em disquetes, DVDs, CDs, pen drives, entre outros.” (NUCCI, 2009, p. 264).


Como forma primordialmente de prevenção, “punindo-se o pedófilo em atividade de captação do menor […]” (NUCCI, 2009, p. 269), com o fito de se evitar que o abuso sexual se concretize, inseriu-se o tipo incriminador contido no art. 241-D. Este está direcionado, sobretudo


“[…] ao agente que se comunica, via Internet (embora a lei mencione qualquer meio de comunicação), por intermédio de salas de bate-bapo, sites, mensagens eletrônicas, dentre outros instrumentos, com crianças, buscando atraí-las para a mantença de relacionamento sexual.” (NUCCI, 2009, p. 268-269).


Convém, por fim, ressaltar a norma contida no art. 241-E, que sendo uma norma explicativa, esclarece a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” como: “[…] qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.” (2010, p. 113).


De acordo com Nucci (2009), não foi bem colocada a definição dada pelo legislador da referida expressão, isto porque houve uma redução do contexto da pornografia, não tendo a norma do art. 241-E abarcado as atividades sexuais implícitas e poses sensuais, sem a expressa mostra dos órgãos genitais, que constituem situações igualmente inadequadas.


Visto de maneira geral, a Lei n° 11.829/08 trouxe alterações de suma importância, uma vez que passou a tipificar várias condutas que antes eram silenciadas pela legislação e a preencher determinadas lacunas que, conforme Nogueira (2009), eram encontradas por delinquentes pra ficarem impunes.


Frisa-se, novamente, que não há no Brasil qualquer lei que defina pedofilia como crime, sendo todas as condutas relacionadas tipificadas como ilícitas independente da condição pessoal do agente, de ser ou não considerado clinicamente pedófilo.


8 MECANISMOS DE REPRESSÃO E OBSTÁCULOS PROBATÓRIOS


Conforme exposto, a Internet envolve inúmeros recursos que propiciam a divulgação de imagens e vídeo contendo cenas de sexo explícito e pornografia infantil. Existem inúmeros programas de compartilhamento de arquivos em rede mundial gratuitos, além dos chamados sites de relacionamento e salas de bate-papo. A dificuldade consiste especialmente na agilidade de se divulgar e compartilhar arquivos entre computadores, bastando estar conectado à Internet.


Os chamados estratagemas são uns dos grandes responsáveis pela problemática. Independente de sua vontade é possível que uma pessoa que esteja navegando pela Internet seja direcionada a um site de pornografia infantil, isto é, as pessoas podem capturar fotos e vídeos acidentalmente (LANDINI, 2007), que jamais desejariam encontrar. “Dessa forma, o receptor inocente acreditará estar baixando para seu computador um vídeo lícito, mas, na verdade, tratar-se-á de uma filmagem doentia envolvendo o estupro ou o atentado violento de uma criança de tenra idade.” (BRUTTI, 2008, p. 24). Essa estratégia de utilizar arquivos e sites com nomenclatura simulada complica demasiadamente a responsabilização criminal.


Destaca-se, como exemplo, que a despeito de não ser muito divulgado e principalmente cobrado, foi assinado no ano de 2005 um termo de compromisso e de responsabilidade entre cinco grandes provedores da internet (AOL, UOL, IG, Click 21 e Terra) e a Abranet (Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet), destinado a “unir esforços para prevenir e combater a pornografia infantil, o racismo e outras formas de discriminação na rede mundial de computadores”. (KALB, 2008, p.368). A fiscalização e a repressão da divulgação e da prática de pedofilia na Internet, dentre outras condutas criminosas, é também obrigação inerente aos provedores. Sem desconsiderar, logicamente, a ação do Ministério Público e da Polícia Federal, e outros entes atuando em colaboração.


Vale observar o que dispõe o parágrafo segundo do art. 241-A do ECA: “As condutas tipificadas nos incisos I e II do §1° deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que se trata o caput deste artigo.” Nucci (2009) comenta que os profissionais não poderão alegar ignorância a fim de se isentarem da responsabilidade, ou alegar a impossibilidade de se controlar, durante 24h, sem interrupção, todo material circulante na Internet. Dessa maneira, caso o responsável legal permaneça inerte após tomar conhecimento da existência de material ilícito hospedado em páginas eletrônicas, será devidamente responsabilizado.


A identificação da autoria do delito praticado torna-se ainda mais complexa quando envolve empresas, escolas, lan-houses, e outros locais públicos de acesso à Internet. “Quando o material pornográfico infanto-juvenil é viabilizado na rede mundial de computadores, torna-se mais fácil localizar o provedor do que propriamente o criador da imagem”. (NUCCI, 2009, p. 261).


Landini observa que


“[…] as pessoas que navegam pela web sentem como se estivessem em um espaço privado, protegidas pelo uso de um nickname e, consequentemente, agem como se estivessem em suas próprias casas escondidas dos olhares e censuras dos outros. Eles podem – ou pensam que podem- agir livremente, fazer o que desejarem.” ( 2007, p. 177).


Outro fator que também atua como empecilho a identificação dos criminosos é a insuficiência de legislação específica para crimes de informática, uma vez que “[…] as redes de pedofilia ultrapassam limites territoriais de qualquer legislação penal.” (BREIER, 2007, p.105). Isso importa na necessidade de se criar soluções que vão além dos limites geográficos, de modo que se tenha um “sistema jurídico de repercussão mundial.” (BRANT, 2003).


Nesse sentido completa Nogueira


“Necessitamos de um trabalho investigativo rigoroso, que exige uma estrutura grande, com policiais treinados e com conhecimento de informática, computadores de última geração para fazer o rastreamento e localização de forma rápida, e tudo isso requer pessoal treinado, tempo e necessita recursos, […].” (2009, p. 177-178).


O desenvolvimento da Internet demanda que haja um acompanhamento jurídico de igual proporção, visto que, consoante expõe Reinaldo Filho, “a todo impacto nas relações humanas corresponde igual reação no Direito.” (2005, p. 2). É, pois, de fundamental importância que os sistemas legais e jurídicos se amoldem a fim de acompanharem o desenvolvimento tecnológico. No que diz respeito à criminalidade, não é somente que tenham surgido novos tipos, mas também novas maneiras de se praticar delitos já existentes, e que devem ser igualmente repelidos.


Em 12 de maio de 2011, foi aprovado pelo Senado Federal o projeto de Lei n° 100 de 2010 que altera novamente o ECA, a fim de autorizar a infiltração de policiais na rede mundial de computadores para investigar crimes contra a liberdade sexual de criança ou adolescentes. Conforme o projeto de Lei a investigação deverá ser “[…] precedida de autorização judicial devidamente circunstanciada e fundamentada, estabelecido os limites para obtenção de provas, ouvido o Ministério Público, […]” além disso, “define que os policiais responderão pelos excessos praticados nas investigações”.(COMISSÃO – CPI – PEDOFILIA, 2010).


 Segundo se extrai do parecer do relator, senador Demóstenes Torres (do DEM de Goiás)


“A infiltração é um poderoso instrumento de intimidação. Ele serve tanto à repressão quanto à prevenção. Tornada Lei, a proposta criará um ambiente de dúvida e insegurança para os pedófilos que poderão ser surpreendidos por todo um aparato garantido pelo Estado e presente no outro lado da conexão”. (SENADO FEDERAL, 2010).


     Desse modo, percebe-se que as barreiras que inviabilzam um controle mais efetivo dos atos praticados virtualmente são jurídicas na medida em que, segundo Relvas (2006), o Direito é muito lento para construir um conjunto de normas que possam atender a mutabilidade em toda a sociedade em decorrência dos avanços tecnológicos, além de, concomitantemente, serem barreiras econômicas e técnicas.


9 CONCLUSÃO


Os avanços tecnológicos, em especial o desenvolvimento da Internet, trouxeram inegáveis benefícios para a sociedade. No entanto, ao lado desta revolução informacional surgiram os crimes propriamente virtuais e novas formas de se praticar delitos já existentes.


A legislação, apesar de ainda ser omissa em muitos casos, vem tentando se adequar a fim de abordar novas questões trazidas pela tecnologia. A pedofilia na Internet e seus meios de combate buscam encontrar soluções para ao menos reduzir a prática destes atos hediondos.


No que se refere ao abuso e exploração sexual de menores, e às condutas praticadas por pedófilos, a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei nº 11.829/08, alcançou determinadas lacunas antes existentes e conferiu modernidade ao texto do ECA. Em consequência, novos tipos penais foram criados, passando-se a se exigir uma punição dos infratores que se valiam das falhas legais para se isentarem de suas responsabilidades. Foram inseridas determinadas condutas no ECA que apesar de parecerem representar menor potencial ofensivo, como as simulações de pornografia infantil por meio de pseudo-imagens e cartoons, podem servir de propagação e estímulo ás práticas pedófilas, representando uma lesão real e direta aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Desse modo, merecem ser igualmente reprimidas.


Questiona-se, no entanto, se a edição de uma legislação especial acerca da pedofilia seria necessária e mais eficaz para melhor repressão e punição dos atos cometidos por pedófilos. Conforme salientado no presente trabalho, pedofilia e crime não se confundem. A pedofilia está associada a um transtorno mental em que a pessoa sente desejos e atração sexual por crianças, o que não significa que necessariamente irá extravasar esses sentimentos, dando início a execução de qualquer delito, momento, a partir do qual, é cabível a intervenção penal.


A generalização feita pelo senso comum de que todo e qualquer crime sexual cometido contra menores seja praticado por pedófilos é, pois, um equívoco. Qualquer pessoa, independente da condição pessoal, de ser ou não pedófilo, pode ser sujeito ativo de crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes.


Salienta-se que, caso o indivíduo atue impelido por seus desejos sexuais e pratique qualquer infração penal não será eximido de suas responsabilidades por possuir livre arbítrio e plena capacidade de entendimento. O fato de ser diagnosticado pedófilo não faz com que seja caracterizado inimputável.


Nesse sentido, a legislação brasileira mostrou-se adequada ao expor as condutas cometidas por aqueles que aproveitam de pessoa de tenra idade para satisfazer sua lascívia em vários tipos penais, em detrimento da edição de lei específica ou da utilização expressa do termo pedofilia em qualquer norma incriminadora, haja vista as possíveis repercussões na ordem social, bem como as incorreções no uso e classificação do termo pedofilia.


Finalmente, no que concerne aos obstáculos probatórios, as barreiras não são apenas de cunho jurídico ou legislativo, mas também econômico e técnico. Ademais, para combater o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes na Internet de maneira mais eficiente, tanto o Poder Público como a iniciativa privada e a sociedade em geral devem unir esforços.


 


Referências


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Notas:






[1] Monografia apresentada ao Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Hugo Rios Bretas




[2] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.




[3] Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.


 




Informações Sobre o Autor

Isadora Caroline Coelho Coutinho

Acadêmica de Direito na Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG


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Pedofilia na Era Digital

Resumo: Este trabalho realizou um estudo acerca do que é pedofilia, bem como sobre a Lei nº 11.829/2008 que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o intuito de combater as condutas relacionadas à pedofilia na Internet. Seu objetivo foi analisar a abrangência da referida Lei e quais as possíveis lacunas ainda existentes que funcionam como obstáculos à repressão de práticas pedófilas no meio digital. A pesquisa também investigou a diferença existente entre crime e pedofilia, a fim de demonstrar a problemática da generalização do pedófilo como criminoso. Além disso, contrapôs o avanço da tecnologia e a atualização da legislação para combater os chamados crimes virtuais. Os resultados mostram que foi bastante positiva a edição da Lei nº 11.829/2008, por inserir novas figuras típicas aproximando o ECA da modernidade. No entanto, outros obstáculos se impõem ao controle mais efetivo dos atos pedófilos praticados virtualmente, como as barreir as técnicas e econômicas, e a dificuldade de se atualizar a legislação, em geral, de forma equivalente ao progresso da informática. Este trabalho foi orientado pelo Professor Hugo Rios Bretas.


Palavras-chave: Pedofilia. Crime. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 11.869/2008. Crimes virtuais.


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Abstract: This work conducted a study about what is pedophilia, as well as Law No. 11.829/2008 amending the Statute of Children and Adolescents (SCA), in order to combat the conduct related to pedophilia on the Internet. His goal was to analyze the scope of this law and what the possible remaining gaps that act as barriers to the prosecution of pedophile practices in digital media. The survey also investigated the difference between crime and pedophilia in order to demonstrate the problem of generalization of the pedophile as a criminal. Moreover, countered the advance of technology and update legislation to tackle so-called cyber crime. The results show that it was very positive enactment of Law No. 11.829/2008, by inserting new figures approaching the typical SCA modernity. However, other obstacles are needed to more effectively control the acts committed virtually pedophiles, such as technical and economical barriers, and the difficulty of updating the legislation in general, equiva lently to the progress of information technology.


Keywords: Pedophilia. Crime. Status of Children and Adolescents. Law No. 11.869/2008. Cybercrimes.


Sumário:  1. Introdução. 2. O que é crime. 2.1. Teorias do crime. 2.1.1Conceito Formal. 2.1.2 Conceito material. 2.1.3 Conceito Analítico. 2.2 Teorias da Ação. 2.2.1. Teoria Causalista. 2.2.2 Teoria Finalista. 2.3 Iter Criminis.. 3.  O que é pedofilia. 4. Condutas típicas praticadas por pedófilos. 4.1 Imputabilidade, Inimputabilidade e Culpabilidade Diminuída. 4.2 Legislações Regulamentadoras da Matéria. 4.2.2 Constituição da República Federativa Brasileira4.2.3 Código Penal – CP. 4.2.4 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. 5. Bem jurídico protegido. 6. Crimes virtuais. 7. Pedofilia na internet. 8. Mecanismos de repressão e obstáculos probatórios.9. Conclusão. Referências bibliográficas


1. Introdução


O presente trabalho tem como finalidade realizar um estudo acerca da abrangência dos crimes tipificados, em especial, no Estatuto da Criança e do Adolescente, relacionados às práticas pedófilas na Internet. Os avanços tecnológicos contribuíram para desatualizar a legislação brasileira, em geral, incluindo, portanto, o que diz respeito aos crimes sexuais e a pornografia infantil. Desse modo, é exigido do Direito novas formas de procedimentos e tipos legais que ampare e resguarde os frutos oriundos da evolução da ciência, e mais precisamente, da informática, visto que a interpretação e as formas de aplicação do Direito se modificam a medida em que a sociedade evolui.


Inicialmente, no capítulo segundo, é analisado o conceito de crime e os elementos que caracterizam a sua conduta e suas etapas constitutivas, para, em seguida, fazer-se um paralelo com a definição de pedofilia. O objetivo inicial é entender o porquê da pedofilia em si não constituir crime, sendo caracterizada simplificadamente por um estado psicológico ou desvio sexual.


Em que pese a distinção entre os conceitos de crime e pedofilia, ao extrapolar a esfera do intelecto, o pedófilo passa a incorrer em atos ilícitos. Nesse prisma, o capítulo quarto trata das condutas praticadas por pedófilos que se amoldam juridicamente em tipos penais inseridos nas legislações pertinentes, visto que não há no Brasil legislação específica sobre a matéria. O referido capítulo analisa também a culpabilidade dos agentes diagnosticados pedófilos, em razão de não poderem ser comparados àqueles que agem sem a capacidade de entendimento e autodeterminação.


Seguindo, ainda no capítulo quarto, faz-se uma breve exposição acerca das legislações regulamentadoras da matéria, que têm como finalidade promover a prevenção e a repressão das práticas relacionadas à pedofilia.


Já no capítulo quinto, ressalta-se a relevância dos direitos fundamentais à vida, à liberdade e à moral, das crianças e adolescentes, consagrados como bens jurídicos de primordial relevância e que, por isso, merecem serem, impreterivelmente, objetos da tutela estatal.


Em sequência, demonstra-se a problemática dos crimes virtuais de maneira geral, bem como a ausência de legislação específica que regule as condutas praticadas no âmbito digital.


No capítulo sétimo, passa-se, então, a análise dos crimes relacionados à pedofilia cometidos exclusivamente por meio da Internet. O foco principal desse capítulo é pontuar e discutir as principais alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente após a edição da Lei nº 11.829/2008. Pretende-se, desse modo, identificar se a inserção de novas tipificações foi satisfatória para suprir determinadas omissões do Estatuto.


Por fim, são destacados os principais mecanismos de repressão e os obstáculos probatórios que inviabilizam a identificação e repressão da ação dos pedófilos.


2. O que é crime


2.1 Teorias do crime


Inicialmente, faz-se necessário definir o conceito de crime para posteriormente contrapô-lo ao conceito de pedofilia. Segundo Zaffaroni (2006, p. 332) “a teoria do delito é uma construção dogmática, que nos proporciona o caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto”.


Há três teorias que desenvolveram o conceito de crime, sem, contudo, se excluírem. Vejamos:


2.1.1Conceito Formal


Conforme preceitua Régis Prado (2004, p. 236), “o delito é definido sob o ponto de vista do Direito positivo, isto é, o que a lei penal vigente incrimina (sub specie júris), fixando seu campo de abrangência […].”


Nesse prisma, essa definição alcança somente


“[…] um dos aspectos do fenômeno criminal, o mais aparente, que é a contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, sua ilegalidade como fato contrário à norma penal. Não penetram, contudo, em sua essência, em seu conteúdo, em sua “matéria”.  (MIRABETE, 2004, p.95).


Assim, em seu sentido formal, crime é um fato humano, contrário á ordem jurídica, ao qual se associa uma sanção. É este o conceito mais simples de crime, visto que vislumbra apenas o seu aspecto externo, não contemplando o seu teor.


2.1.2 Conceito material


Considerando o “aspecto material, o delito constitui lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico-penal, de caráter individual, coletivo ou difuso.” (PRADO, 2004, p.236). 


O referido conceito visa tão-somente o desvalor social da conduta em determinado momento histórico-cultural. Não tem, pois, grande relevância na prática em razão de o Direito Penal positivo não se importar com os fatos que geraram a tipificação de determinada conduta delituosa pelo legislador. Pode-se dizer que houve uma tentativa de definir crime como “toda ação que a consciência ética de um povo, em determinado momento histórico, considera passível de pena.” (KREBS, 2006, p. 3).


2.1.3 Conceito Analítico


Conceitua-se o crime de maneira estratificada, ou seja, a sua definição é integrada por vários componentes. Desse modo, somente se falará em crime quando houver fato típico, antijurídico e culpável.


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Tecnicamente, chamamos de tipos a estes elementos da lei penal que servem para individualizar a conduta que se proíbe com relevância penal.” (ZAFFARONI, 2006, p. 335). Sendo assim, um fato será típico momento em que se enquadrar em um ou mais tipos legais.


Fato antijurídico é, conforme definido por Mirabete (2004, p. 98), “aquele que contraria o ordenamento jurídico. No Direito Penal, a antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato típico praticado e o ordenamento jurídico.”


Por fim, para que se constitua um delito é necessário que a conduta tenha um caráter de reprovabilidade. “É a contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma.” (MIRABETE, 2004, p. 98).


Em suma, pode-se dizer que


“ […] delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável).” (ZAFARONI, 2006, p. 338/339).


Diante do exposto, a atual definição de crime é, portanto, uma soma de componentes que quando verificados simultaneamente tem-se constituído um delito.


2.2 Teorias da Ação


Não há crime sem que haja conduta. Assim, importa fazer uma breve análise das teorias da ação.


2.2.1. Teoria Causalista


Zaffaroni (2006, p. 369) define esquematicamente a conduta, segundo a teoria causalista, como “um fazer voluntário; a vontade pode separar-se da finalidade, conduta é um fazer final, mas nela não se considera a finalidade.”


Do mesmo modo, bem resumiu Bitencourt (2006, p. 271) como sendo a ação “movimento corporal voluntário que causa modificação no mundo exterior.”


“O que importa não é o conteúdo da vontade – sua direção final – (se o agente queria ou não realizar a ação típica). […]. A ação se exaure, pois, na simples produção do resultado.” (PRADO, 2004, p. 315-316).


2.2.2 Teoria Finalista


A teoria finalista, ao contrário da causalista, não separa os aspectos objetivo e subjetivo da ação. Conduta é, portanto, “um fazer voluntário, vontade implica finalidade, conduta é um fazer final.” (ZAFFARONI, 2006, p. 369).


“A ação humana consiste no exercício de uma atividade finalista. […] o atuar orientado conscientemente a um objetivo previamente determinado.” (PRADO, 2004, p. 318). Em outras palavras, a ação, nesse sentido, é baseada na previsão dos efeitos da conduta humana, o que confere ao agente a possibilidade de desenvolver sua ação de modo que atinja o objetivo desejado.


Wenzel, citado por Bitencourt (2006, p. 274) distingue ambas as teorias da seguinte forma:


“A atividade final […] é uma atividade dirigida conscientemente em função do fim, enquanto o acontecer causal não está dirigido em função do fim, mas é a resultante causal da constelação de causas existentes em cada caso. A finalidade é, por isso – dito graficamente – ‘vidente’, a causalidade ‘cega’”.


É importante destacar a impossibilidade da elaboração de um conceito amplo de ação, sendo estes acima descritos, e outros aqui não analisados, criticados por não conseguirem abordar outros comportamentos que estão intimamente ligados à ação. No entanto, o que se pretende desmonstrar é que para o Direito Penal, independente da teoria adotada, não há que se falar em delito sem que haja ação humana. O que ocorre na esfera intelectiva, isto é, o simples pensar, não tem qualquer relevância se não exteriorizado.


2.3 Iter Criminis


Há ainda a necessidade de entendermos quais são as etapas constitutivas do crime, ou seja, quais são os caminhos traçados pelo agente para se chegar ao seu objetivo criminoso. São quatro as fases percorridas chamadas de iter criminis: a) cogitação, b) preparação, c) execução e d) consumação. No entanto, nem todas essas fases convêm ao Direito Penal.


A cogitação e a preparação são impunes por não interessarem ao Direito Penal.


“Nem todo iter criminis pode ser punido, porque se assim fosse a segurança jurídica estaria comprometida, já que estaria se punindo a idéia, o próprio pensamento, isto é, etapas que são puramente internas do autor, o que violaria o princípio jurídico elementar de que o pensamento não pode suportar pena alguma (cogitationis poenam nemo patitur).” (ZAFFARONI, 2006, p. 598).


A cogitação é a elaboração mental do movimento criminoso. “São movimentos internos que percorrem o labirinto da mente humana, vencendo obstáculos e ultrapassando barreiras que porventura existam no espírito do agente.” (BITENCOURT, 2006, p. 494). Passando-se em seguida à preparação, compreendida por atos externos do agente que “[…] arma-se dos instrumentos necessários à prática da infração penal, procura o local mais adequado ou a hora mais favorável para realização do crime etc.” (BITENCOURT, 2006, p. 494).


O que realmente importa ao Direito Penal são as fases da execução e da consumação, sendo aquela o momento em que o ato é dirigido diretamente a pratica do crime, e esta “[…] o momento culminante da conduta delituosa […] quando, no crime, ‘se reúnem todos os elementos de sua definição legal’ (art. 14, I, do CP).” (BITENCOURT, 2006, p. 495).


A intervenção penal só é cabível, então, quando dos atos preparatórios passa-se aos executórios.


Pertinente é apontar que um elemento que, não raro, transmite aparente polêmica em relação ao iter criminis, consiste no exaurimento. Não se deve confundir a consumação com o exaurimento, devendo este elemento ser repelido de qualquer tentativa de inserção entre os componentes do iter criminis


O exaurimento repercute como mera consequência posterior a consumação. Fator que pode se caracterizar como causa de aumento de pena ou indiferente penal. Como exemplo, tem-se o sequestro, que se consuma posteriormente ao ato de privação da liberdade do sujeito passivo da relação material, e o resgate é mero exaurimento. Nesse viés, a norma penal em face do agente se aplicará independentemente do recebimento da consequência denominada resgate


3.  O que é pedofilia


Primeiramente, em análise da origem da palavra, pedofilia pode ser interpretada como atração sexual por crianças, tendo em vista a combinação das palavras gregas paidos, que significa criança, e philia, amizade ou amor.


 “A pedofilia é uma doença, com quadro clínico próprio […]” (SCREMIN NETO; SÁ JÚNIOR, 2002, p. 360), porém, confusões ocorrem porque se trata de uma palavra usada tanto na área médica, como no direito e no meio policial. Em verdade, o nome está associado diretamente a um diagnóstico médico. (BRASÍLIA, 2010).


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Consoante se dispõe


“O conceito de pedofilia se refere a um transtorno mental em que a pessoa sente prazer sexual quando tem estímulos que envolvam crianças ou se necessariamente precisa delas para se excitar. Trata-se de uma doença, de acordo com a CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), uma lista com as doenças conhecidas e descritas pela OMS (Organização Mundial de Saúde)”. (BRASÍLIA , 2010, p. 36).


Nesse diapasão, Brutti (2008) comenta que a pedofilia é caracterizada por um fenômeno social que se constitui uma parafilia, ou seja, em um distúrbio psicossexual em que o indivíduo sente desejos e necessidades imperiosas de ter atividades sexuais, incluindo, muitas vezes, sofrimento, humilhação, consentidos ou não, de um parceiro. Em relação à pedofilia em especial, a atração sexual compulsiva está direcionada a crianças e adolescentes.


Nota-se, pois, ser um equívoco taxar a pedofilia como crime, visto que, como já exposto, trata-se de uma doença, geralmente “causada por fatores como a predisposição genética e estímulos ambientais”. (BRASÍLIA, 2010, p. 35). Há uma diferença entre o pedófilo e o autor de crimes sexuais, não sendo necessariamente pedófilo aquele que abusa sexualmente de uma criança.


Explica Brutti que


“[…] o Diagbostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition (DSM-IV), da Associação de Psiquiatras Americanos, aduz a definição de uma pessoa pedófila, mas especifica que a sua caracterização só se perfectibilizará caso cumpram-se os três quesitos seguintes: 1. Por um período mínimo de seis meses, a pessoa deveria possuir intensa atração sexual, fantasias sexuais ou outros comportamentos de caráter sexual relativos a pessoas menores de 13 anos de idade; 2. A pessoa deveria apresentar desígnios de realizar seus desejos, sendo que o seu comportamento seria afetado pelos seus próprios desejos, e/ou os referidos desejos acabariam causando estresse ou dificuldades intra e/ou interpessoais ao paciente; e 3. A pessoa possuiria mais de 16 anos de idade e seria, no mínimo, cinco anos mais velha do que a(s) criança(s) citada(s) no primeiro critério”. (2008, p. 20).


É importante frisar que a pessoa considerada clinicamente como pedófila, não precisa necessariamente extravasar seus desejos. Pedofilia, repita-se, tem sentido clínico e não penal, não sendo, portanto, crime.


“[…] a pedofilia é uma doença que precisa ser diagnosticada por um psiquiatra, a maioria dos casos que vemos todos os dias não é de pedofilia, mas abusos sexuais. Ás vezes, o pedófilo não chega a cometer abusos. E quando isso realmente acontece, é feito por criminosos comuns que abusam de crianças por ocasião, por uma questão pessoal, mas nem sempre por ter um transtorno”. (BRASÍLIA, 2010, p. 36).


Como já discutido no capítulo anterior, ao Direito Penal não importa o que ocorre na esfera intelectiva, se não há exteriorização. Quando fantasias e desejos sexuais permanecem na mente do pedófilo, não cabe nenhuma forma de sanção e intervenção penal.


Nas palavras de Nogueira tem-se, em síntese, que


“A pedofilia, por si, não é um crime, mas sim, um estado psicológico, e um desvio sexual. A pessoa pedófila passa a cometer um crime quando, baseado em seus desejos sexuais, comete atos criminosos como abusar sexualmente de crianças ou divulgar ou produzir pornografia infantil.” (2009, p. 129).


Assim sendo, “a legislação penal brasileira, acertadamente, não utiliza explicitamente referida terminologia, expondo, isto sim, em vários tipos penais, tipificações que abarcam como sujeitos passivos de crimes sexuais pessoa de tenra idade, […].” (BRUTTI, 2008, p. 21).


Observa-se que o senso comum que imputa, de forma generalizada, aos pedófilos, os crimes sexuais praticados contra menores, é idéia equivocada, uma vez que a pedofilia não constitui termo penal. Infere-se, pois, que desacertada seria a utilização expressa da palavra pedofilia em qualquer norma incriminadora, visto que o pedófilo não necessariamente incorrerá em atos delituosos. Isso sem considerar a possível repercussão social gerada, com influência direta na ordem pública.


4. Condutas típicas praticadas por pedófilos


Embora não sendo a pedofilia tipificada como crime, aqueles diagnosticados pedófilos, que praticam determinadas condutas para satisfazer seus desejos sexuais, cometem crimes previstos no Código Penal (CP) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Não há na legislação brasileira tipo específico que utilize o termo pedofilia, sendo que o contato sexual entre adultos e crianças, pré-púberes ou não, encaixa-se juridicamente em tipos penais como o estupro de vulnerável e outros tipos descritos no ECA, de conteúdos variados (BRUTTI, 2008).    


O fato de o acusado de ter cometido abuso sexual ser considerado clinicamente pedófilo, não o exime de suas responsabilidades, visto que tem a capacidade plena de conhecer o carater ilícito de suas condutas, mesmo que não seja inteiramente capaz de se determinar conforme esse entendimento. Essa situação se enquadra na categoria de semi-imputabilidade, descrita no parágrafo único do art. 26 do CP.


Consoante expõem Scremin Neto e Sá Junior,


“[…] a lei nao fará vistas grossas aos seus trangressores, não podendo estes furtarem-se ao dever de obedecê-la, sob pena de obrigarem-se a sofrer suas duras sanções. Ademais, nos casos em que o réu for manifestamente louco, ainda assim haverá resposta, não na forma de prisão, mas na de internamento em manicômio judiciário – que em verdade é tão ou mais penoso que a própria penitenciária.” (2002, p.364).


A Constituição da República Brasileira já traz em seu escopo, especificamente em seu art. 227[1], a preocupação com a proteção à vida da criança e do adolescente e o dever do Estado e da família de assegurar que estarão a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Em complemento ao texto constitucional, o CP e o ECA consagram normas de prevenção e de repressão às práticas de abusos contra crianças e adolescentes.


Novamente, como bem explicou Brutti


“[…] a legislação brasileira, sem gris algum, estabelece múltiplas hipóteses de enquadramento legal daquelas pessoas que incidem em atos desvaliosos consistentes no abuso sexual de menores, a despeito de não conter qualquer tipo específico relativo ao termo “pedofilia”. (2008, p. 22).


É propício e acertado que assim seja, visto que não é correta a utilização do termo pedofilia de maneira generalizada, o que acaba por gerar confusões no emprego e sentido real da palavra. Fatores diversificados, que não o distúrbio classificado como pedofilia, podem levar uma pessoa a consumar crimes sexuais contra crianças ou adolescentes. Além disso, é imperioso frisar que pedófilos nem sempre são criminosos, pois podem manter seus desejos sexuais por menores, sem, contudo, praticá-los.


Nesse sentido, “a conduta tida como pedófila terá sempre de ser subsumida numa das figuras típicas, ou seja, terá de se enquadrar num dos artigos do Código Penal ou leis extravagentes.” (SCREMIN NETO; SÁ JÚNIOR, 2002, p. 363). Não há, pois, em que se falar em crime enquanto o desejo do pedófilo permanece na fase de cogitação e, até mesmo de preparação, visto que são impuníveis e não constituem delito algum.


4.1 Imputabilidade, Inimputabilidade e Culpabilidade Diminuída


Consoante mencionado em capítulo anterior, o indivíduo embora tenha sido diagnosticado portador da parafilia pedofilia tem a capacidade plena de conhecer o caráter ilícito de suas condutas, mesmo que não seja inteiramente capaz de se determinar conforme esse entendimento, podendo, nesse caso, enquadrar-se como semi-imputável. Ressalta-se que, a caracterização do pedófilo como semi- imputável não constitui, de modo algum, regra geral.


É importante, assim, distinguir os elementos que compõem a culpabilidade.


A imputabilidade é a capacidade plena que tem o indivíduo de entender e de querer, o que gera responsabilidade penal. Sinteticamente Bitencourt define imputabilidade como “a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável”. (2006, p. 447-448).


Em contrapartida, aquele indivíduo que por razões psíquicas e de maturidade não seja capaz de entender o caráter ilícito do fato e de agir conforme esse entendimento é considerado inimputável. Sobre o tema, o Código Penal, em seu artigo 26, assim previu:


“Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. (BRASIL, 1940).


Conforme preceitua o CP, são inimputáveis, além dos doentes mentais e aqueles que possuem desenvolvimento mental incompleto, os menores de 18 (dezoito) anos de idade.


Há, ainda, uma área intermediária entre a imputabilidade e a inimputabilidade, denominada pela doutrina em geral como semi-imputabilidade. O que ocorre, em verdade, é a diminuição da capacidade de censura e, consequentemente, de culpabilidade da pessoa. Nessa hipótese o CP determina, no parágrafo único do art. 26, a redução da pena quando “[…] o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” (BRASIL, 1940).


Segundo ensina Bitencourt (2006), comprovada a inimputabilidade o agente será absolvido, sendo-lhe aplicada a medida de segurança. Contudo, na hipótese de semi-imputabilidade ou culpabilidade diminuída, é obrigatória, havendo condenação, a imposição de pena, reduzida, para, posteriormente, se comprovadamente necessária, ser substituída por medida de segurança.


Logo, em que pese ter sido o agente diagnosticado como pedófilo, não pode ser comparado ao inimputável que não tem capacidade de entendimento e/ou de autodeterminação, visto que, em geral, os pedófilos são plenamente capazes de entender o caráter ilícito do fato, não excluindo, portanto, a sua responsabilidade.


Pondera Nogueira (2009, p.197) que “é sempre bom sublinhar a ausência de doença mental na esmagadora maioria dos violadores e, o que se observa na maioria das vezes, são indivíduos com condutas aprendidas e/ou estimuladas determinadas pelo livre arbítrio.


Vieira, ao citar Luciolo Neves Galvão, conceituou genericamente o perfil do pedófilo da seguinte maneira:


“O protótipo do pedófilo não é o débil mental sem controle dos seus impulsos, nem o psicótico delirante, nem o delinquente à margem da lei, mas o honesto pai profissionalmente integrado, com uma maneira peculiar de viver a sexualidade, mutilado em partes secretas de si mesmo, numa dimensão perversa, ocupando apenas uma parte de sua energia psíquica, sem comprometer a liberdade dos seus atos”. (2004, p. 17).


Sobre o tema a jurisprudência é elucidativa:


“PENAL. PEDOFILIA OU PSDOSEXUALIDADE. REPRODUÇÃO FOTOGRÁFICA. FOTOGRAFAR OU PUBLICAR FOTOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM POSE ERÓTICAS. INSERÇÃO EM REDE BBS/INTERNET DE COMPUTADORES. CRIME. ART. 241 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM A REDAÇÃO DITADA PELA LEI 10.764, DE 2003. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA.


1. A PEDOFILIA, OU PEDOSEXUALIDADE, É UM TRANSTORNO DA PREFERÊNCIA SEXUAL, sendo definido como a preferência por criança (pessoa com até 12 anos de idade) ou por adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos) – art. 1º do Estado da Criança e do Adolescente. Pelo Código Internacional de Doenças da Décima Conferência de Genebra é a pedofilia um transtorno mental (CID-10, F65.4), O QUE NÃO SIGNIFICA QUE O ACUSADO SEJA DOENTE MENTAL OU TENHA O DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO


OU RETARDADO.


2. Aquele que fotografa ou publica (ação múltipla), em rede BBS (Bulletin Board System) ou internet (rede de redes que se comunicam através do protocolo TCP/IP), crianças ou adolescentes em poses eróticas, comete o crime previsto no art. 241 da Lei 8.069, de 10 de julho de 1990, com a redação ditada pelo art. 4º da Lei 10.764, de 12 de novembro de 2003 (crime de ação múltipla). 3. A objetividade do crime de fotografar ou publicar crianças ou adolescentes em poses eróticas – art. 241 do ECA – é o respeito à imagem, à liberdade sexual e ao domínio do corpo da criança e do adolescente.


4. Criança é a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos; adolescente é aquela entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade – art. 2º do Estatuto da Criança e do adolescente. Pessoas que ainda estão em condição de desenvolvimento. 5. A consumação na modalidade fotografar ocorre com o simples fato de fotografar cena erótica envolvendo criança ou adolescente. Não se exige que alguém tenha acesso à fotografia. Basta fotografar. Na ação de publicar é necessário que a fotografia seja vista, ainda que por uma só pessoa. A publicação pode dar-se por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet. Aquele que publica as fotos pode não ser o mesmo que fotografou. (Tribunal Regional Federal 1ª Região – Apelação criminal nº 2002.33.00.016034-7/BA – Rel. Tourinho Neto – Publicação 25/11/2005 – Grifo meu).


“”Crime contra os costumes – Atentado violento ao pudor – Prova insofismável de autoria – Réu que, CONFORME REVELA O EXAME DE SANIDADE MENTAL, NÃO SOFRIA DE DOENÇA MENTAL, SENDO POSSUIDOR DE UM DESVIO DE COMPORTAMENTO SEXUAL (PEDOFILIA – TENDÊNCIA E PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS COM CRIANÇAS) – Pena fixada pouco acima do mínimo legal em continuidade delitiva- Regime prisional, integralmente fechado, em consonância com a lei dos crimes hediondos (n. 8.072/90) – Apelo desprovido””. (TJMG- Apelação Criminal nº 1.0000.00.146762-0/000(1) – Rel. Sérgio Resende – Publicação 14/05/1999 – Grifo meu).


Ementa: ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PEDOFILIA. RECONHECIDO EM PERÍCIA PSIQUIÁTRICA QUE O ACUSADO POSSUI TRANSTORNO NA ESFERA SEXUAL ONDE É LEVADO IMPULSIVAMENTE A CONSUMAR A REALIZAÇÃO DO PRAZER SEXUAL COM MENORES DE IDADE, HABITUALMENTE CRIANÇAS, MAS COM CAPACIDADE DE COMPREENDER A ILICITUDE DE SEUS ATOS, DEVE SER MANTIDA A SENTENÇA CONDENATÓRIA, VISTO QUE FOI OBSERVADA NA DOSIMETRIA DA PENA A REDUÇÃO PELA SEMI-IMPUTABILIDADE. Regime prisional deve ser inicialmente fechado para possibilitar a progressão da pena por aplicação isonômica ao disposto sobre o crime de tortura (Lei 9.455/97.) RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA.” (TJRS – Apelação Criminal nº 70006042311, Rel: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em 30/04/2003 – Grifo meu).


4.2 Legislações Regulamentadoras da Matéria


Na legislação brasileira não há um tipo penal específico que aborde a pedofilia. Encontramos tão-somente normas incriminadoras associadas a condutas pedófilas. As normas penais, não exigem características pessoais específicas do autor do crime, sendo os indícios de ser o agente um pedófilo confirmados por meio diagnósticos próprios.


Segue uma breve análise das disposições legais existentes, que têm como finalidade promover a prevenção e a repressão das práticas relacionadas ao agir dos pedófilos.


Apesar de existirem tais previsões legais, ainda que não especificamente relacionadas à pedofilia, há, minoritariamente, quem defenda que o papel da família, no sentido de conscientizar a sociedade e reprimir a pornografia na Internet, seria fundamental e até mesmo mais eficaz quando comparado a ações governamentais. Nesse sentido, Carlos Alberto Di Franco, citado por Marzochi, argumenta que o mau uso da Internet e seus desvios “[…] não serão resolvidos por meio de tutelas governamentais. […] Não há regulamento capaz de suprir a ausência da família. A educação para o exercício da liberdade é o grande desafio dos nossos dias.” (2003, p. 237).


4.2.1 Tratados e Convenções Internacionais


Os tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos e Direitos da Criança, em especial, fizeram com que países como o Brasil adaptassem suas legislações com base nas diretrizes e recomendações internacionais. No caso específico de crimes cometidos virtualmente, a cooperação internacional entre os sistemas de segurança dos Estados é crucial para a identificação de criminosos, que usam a rede mundial para aliciar menores e trocar arquivos proibidos na certeza de estarem protegidos pelo anonimato. (NOGUEIRA, 2009).


Dentre os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, destaca-se o “Protocolo Facultativo à Convenção Relativa aos Direitos da Criança Referente ao Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Utilização de Crianças na Pornografia.”, de 2000.  Esse Protocolo passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro a partir da promulgação do Decreto n° 5.007, de 8 de março de 2004, sendo uma das considerações do Protocolo a preocupação com


“a crescente disponibilidade de pornografia infantil na Internet e com outras tecnologias modernas, e relembrando a Conferência Internacional sobre Combate à Pornografia Infantil na Internet (Viena, 1999) e, em  particular, sua conclusão, que demanda a criminalização em todo o mundo da produção, distribuição, exportação, transmissão, importação, posse intencional e propaganda de pornografia infantil, enfatizando a importância de cooperação e parceria mais estreita entre os governos e a indústria da Internet […].” (BITTAR e ALMEIDA, 2010, p. 529-530).


Nesse viés, o Brasil tem por obrigação adotar todas as medidas possíveis para se adequar aos preceitos de todos tratados, em geral, assinados e ratificados.


4.2.2 Constituição da República Federativa Brasileira


 A Constituição estabeleceu primordialmente os direitos relativos à criança e ao adolescente, com previsão expressa no parágrafo 4°, do art. 227, de que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. No entanto, no que concerne às sanções e punições cabíveis para aqueles que transgridirem essas normas, a Carta Magna transfere o encargo às legislações mais específicas.


4.2.3 Código Penal – CP


O Código Penal aborda os crimes que se relacionam com aqueles praticados em função da pedofilia em seu Capítulo VI – Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, como, por exemplo, quando trata do Estupro de vulnerável em seu art. 217-A[2].


De acordo com Nucci, o


“Código Penal busca assegurar, por meio dos tipos incriminadores, a punição dos agentes que cometam atos violentos contra a liberdade sexual, além de outros, configuradores de fraudes, assédios e investidas direta em relação às vítimas” (2009, p. 252). 


4.2.4 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA


A Lei 8.069/90 (ECA) dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, tratando dos seus direitos fundamentais, do dever da família, da comunidade e da sociedade em geral, bem como das formas de proteção, levando-se em conta a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.


Nas palavras de Horta


“Enquanto lei especial, o ECA significa um microssistema jurídico que dispõe sobre direitos próprios e especiais das crianças e dos adolescentes, os quais, na condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, necessitam de proteção diferenciada, especializada e integral, imprimindo prioridade absoluta para a questão da infância e da juventude, inclusive enquanto dever da família, da sociedade e do Estado, conforme o imperativo constitucional do art. 227 da Carta Magna.” (2003).


Convém destacar o que preconiza o ECA em seu art. 18, por tratar diretamente da inviolabilidade da criança e do adolescente: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” (BRASIL, 1990).


Tratando-se da liberdade sexual em específico, o ECA teve por fim a punição de agentes que envolvam crianças e adolescentes, em práticas sexuais, com o intuito, geralmente, de satisfação da lascívia, porém, sem necessariamente o contato sexual direto (NUCCI, 2009). Assim, dentre outras disposições, o Estatuto disciplina em seu art. 240 e seguintes os crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes, descrevendo tipos de conteúdos variados e impondo as sanções pertinentes.


5. Bem jurídico protegido


Uma das funções básicas do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos, sendo que estes podem ser descritos, de forma resumida, como aqueles bens cujo, em razão de seu valor ou interesse, a sociedade entende que devem ser protegidos a fim de que ela se desenvolva. Segundo ensina Bitencourt, “os bens jurídicos são bens vitais da sociedade e do indivíduo, que merecem proteção legal exatamente em razão de sua significação social.” (2006, p.10).


Em observância ao princípio da ofensividade, pelo qual somente haverá crime se ficar caracterizado lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico protegido, deve-se verificar, relativamente aos crimes contra liberdade sexual, a concretude da afetação do bem jurídico. Gomes comenta que “em regra, a divulgação de cenas de sexo não constitui nenhum delito”. (2008, p. 16). Entretanto, a partir do momento em que a divulgação se cenas de sexo passa a envolver crianças, tem-se novas afetações.


Nesse contexto, os desejos do pedófilo quando traduzidos materialmente implicam em lesão concreta a um bem jurídico, isto é, em lesão ou ofensa direta aos direitos da criança.


“Então, sempre que uma criança for vítima de um abuso sexual, seja para fins de libido invidividual ou de redes organizadas para produção de material pornográfico, haverá, antes de tudo, uma ofensa aos seus direitos fundamentais: o direito à vida e à liberdade”. (BREIER, 2007, p. 100)


Desse modo, revelando-se o bem jurídico de indiscutível relevância, faz-se necessária a tutela estatal, para que os direitos fundamentais da criança e do adolescente – a vida e a liberdade, em sentido amplo, envolvendo a moral – sejam resguardados de qualquer expressão de agressividade.


6. Crimes virtuais


O Direito se modifica conforme progride a sociedade a qual está ligado. A sociedade atual evolui com rapidez espantosa devido à crescente onda de descobertas nos diversos ramos da ciência, podendo-se colocar a informática no centro dos novos avanços. É, pois, inegável que a internet trouxe muitos benefícios para o mundo, mas juntamente com essa revolução informacional vieram os chamados “crimes virtuais”. Aqui, entende-se por crimes virtuais tanto aqueles delitos já existentes e potencializados pelo uso da Internet como aqueles próprios da Internet, isto é, cometidos única e exclusivamente por intermédio dela.


De acordo com Aires José Rover, citado por Brant (2003), a era da informática gerou um paradoxo no qual de um lado está a evolução tecnológica e suas manifestações qualitativas e quantitativas e, de outro, está a insegurança das leis ineficazes e a ansiedade diante de um universo inatingível de informação. Para Rover “precisamos de mais leis, sim, mas que sejam fruto de um direito aberto; precisamos de mais códigos, inteligentes, mas que sejam códigos abertos. Este é um desafio político e não tecnológico, de uma insustentável leveza.”


Quanto à legislação no âmbito da informática Nogueira entende que


“ainda falta uma lei especial para tutelar alguns delitos e que a dificuldade para tipificar algumas condutas é grande […]. […] é quase que absoluta a falta de punição para alguns crimes, isso justamente pela falta de uma lei que regule todo esse mundo digital”. (2009, p. 28/29).


Como causa dessa ausência de lei específica, Brant (2003) apresenta como explicação a velocidade do desenvolvimento tecnológico em relação a atualização da legislação, uma vez que o Direito e os governos não são capazes de promulgar e aplicar leis de forma equivalente ao progresso da informática. Segundo ele “um dos pontos unânimes é que nenhuma nação do mundo atualmente tem a capacidade de conferir plena eficácia ao ciberespaço por si própria, devido à sua volatilidade, velocidade e simultaneidade.”


Nesse sentido Vianna afirma que


“[…] uma legislação penal moderna e bem elaborada que aborde todas as questões criadas pelos novos crimes por computador facilitaria, e muito, o trabalho dos operadores do Direito. O ideal, inclusive é que o tema fosse regulado por um tratado internacional […], já que a Internet é um fenômeno transnacional e, como tal, deveria ser regulamentada.” (VIANNA, 2000, p. 5).


Brant (2003), no entanto, faz uma ressalva ao citar Tarcisio Queiroz Cerqueira, momento em que este defende que “[…] o excesso de regulamentação exacerba o risco de inibir o desenvolvimento da ‘Grande Rede’”, devendo a regulamentação da Internet ocorrer no âmbito internacional. Em outras palavras, deve-se ter cautela com o exagero de regras para não acabar por criar obstáculos ao progresso da tecnologia, restringindo seu pólo de atuação como ocorre em países totalitários.


Por outro lado, Vianna (2000) apropriadamente completa dizendo que, a nossa legislação já tipifica muitas das condutas hoje praticadas por meio da Internet. Nos casos em que nossa legislação penal é omissa, a introdução de tipos penais seria uma solução eficaz até que a matéria em questão seja regulada definitivamente por um tratado internacional.


A seguir, trataremos especificamente das condutas relacionadas à pedofilia na Internet já devidamente tipificadas no Estatuto da Criança e do Adolescente.


7. Pedofilia na internet


No que se refere aos crimes relacionados à pedofilia, “a internet, e seu uso como mídia de massa, transformou o mercado da pornografia infantil, aumentando seu público e, consequentemente, transformando também o seu significado.” (LANDINI, 2007, p. 171-172). Os mecanismos gerados pela informática são amplamente utilizados para difundir registros que contenham cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, favorecendo a prática de crimes dessa natureza.


Nesse prisma, Reinaldo Filho comenta que


“Os pedófilos tem se utilizado da Internet para trocar fotos e imagens que descrevam práticas sexuais com menores pré-púberes, não somente para simplesmente extravasar suas (doentias) fantasias sexuais e até mesmo para difundir uma espécie de filosofia pedófila.  […] Muitas pesquisas sugerem que a divulgação de “pornografia infantil” contribui para o aumento de crimes sexuais contra menores.” (2003).


Conforme preceitua Kalb,


“Alguns dos motivos para que o abuso sexual e a publicação de fotos e vídeos pornográficos aumentasse significativamente foram a “confidencialidade de usuários de salas de bate-papo; hospedagem de sites nos mais variados países, dificultando a identificação e a prisão dos responsáveis; pouca legislação específica para crimes de informática, etc. […].” (2008, p. 121).


O Estatuto da Criança e do Adolescente, em redações anteriores, já dispunha sobre os delitos relacionados à exploração sexual de crianças e adolescentes por diversos meios. Entretanto, inúmeras lacunas eram apontadas, sendo alvo de críticas. O surgimento das mídias digitais e a popularização da Internet forçou a adequação dos dispositivos legais contidos no ECA.


Em 2008, a Lei n° 11.829 alterou a redação dada a alguns dispositivos do ECA, incluindo novos tipos penais e ampliando a abrangência do Estatuto, com o objetivo principal de acompanhar o desenvolvimento da modernidade e da tecnologia. É oportuno destacar a ementa da referida Lei, visto que apresenta de forma concisa seu objeto


“Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet”. (BRASIL, 2008).


Desse modo, cumpre pontuar as principais alterações após a edição da Lei supracitada.


Os verbos reproduzir, fotografar, filmar e registar foram incluidos no núcleo do tipo do art. 240, expandindo as condutas que podem ensejar a configuração do delito, cujo objeto consiste em cenas de sexo explícito ou pornográfica abrangendo crianças e adolescentes. Além da inserção de novos componentes no núcleo do tipo do parágrafo primeiro do aludido dispositivo.


É importante frisar que as modificações trazidas pela Lei n° 11.829/08 são específicas e superiores àquelas contidas no Código Penal, afastando, assim, a aplicação dos tipos penais que porventura sejam semelhantes. Como exemplo, podemos citar a introdução do verbo coagir, no §1° do art. 240, “configurador [também] de uma modalidade especial de constrangimento ilegal (art. 146, CP)”. (NUCCI, 2009, p. 255).


Outros cinco novos artigos foram incluídos no ECA, além de ter sido alterado o art. 241. Vejamos o que dispunha a sua antiga redação:


“Art. 241. Apresentar, produzir, vender, fornecer, divulgar ou publicar, por qualquer meio de comunicação, inclusive rede mundial de computadores ou internet, fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes:


Pena – reclusão de dois a seis anos, e multa.” (BRASIL, 2003).


Tal redação, contudo, conforme aduz Reinaldo Filho (2008), não alcançava as simulações de pornografia infantil, pois, ela só tipificava a disseminação de imagens que fossem efetivamente a reprodução de cenas que envolviam a participação real de menores. Este tipo de material passou a ser difundido em razão do desenvolvimento da tecnologia, sobretudo de softwares de computação gráfica.


Nesse sentido, é relevante destacar as reformulações da legislação que passaram a reprimir do mesmo modo a pornografia infantil que não representa um abuso real e efetivo contra uma criança ou adolescente.


Destaca-se o art. 241-C, pelo qual simular a participação de criança ou adolescente em cenas de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual (2010, p.112), implica em ato criminoso.


Nesse prisma, a Lei passou a alcançar não só as situações reais como também aquelas que envolvem pseudo-imagens, cartoons, desenhos animados, pinturas. As pseudo-imagens são aquelas criadas artificialmente (mediante a utilização de recursos computacionais gráficos ou qualquer outro método), que aparentam ser a reprodução fotográfica de uma criança real em situação de exploração sexual, dificultando a distinção de cenas reais. (REINALDO FILHO, 2008).


Já as imagens assemelhadas aos cartoons, são conceituadas como “dotadas de animações com intenções voltadas à pornografia infantil, mas que são facilmente distinguíveis de cenas reais.” (REINALDO FILHO, 2008, p. 11).


Embora sendo imagens fictícias, não correspondentes, portanto, à realidade, pelo fato de demostrarem crianças sofrendo abusos sexuais, a sua divulgação por si só já constitui motivo suficiente para caracterizar ilícito penal, visto que, “[…] de qualquer modo fere-se o bem jurídico tutelado, vale dizer, a boa formação moral da criança ou adolescente”. (NUCCI, 2009, p. 267). Salienta-se que a difusão dessas imagens fantasiosas serve como alimento para que abusos reais aconteçam, funcionam como meio de potencializar e estimular os sentimentos nutridos pelos pedófilos.


Inexistia também a punição para o indivíduo que obtivesse qualquer material pornográfico envolvendo menores de 18 anos, com o objetivo de guardar consigo. Porém, o art. 241-B atualmente prevê a prática dessa conduta como delito, desde que demonstrado o dolo do agente. Quanto a esse artigo, Nogueira entende que a “a principal inclusão foi responsabilizando penalmente quem armazena conteúdo erótico com crianças ou adoelscentes”. (2009, p. 84).


“Comumente, com o avanço da tecnologia e da difusão dos computadores pessoais, dá-se a obtenção de extenso número de fotos e vídeos pela Internet, guardando-se o material no disco rígido do computador, em disquetes, DVDs, CDs, pen drives, entre outros.” (NUCCI, 2009, p. 264).


Como forma primordialmente de prevenção, “punindo-se o pedófilo em atividade de captação do menor […]” (NUCCI, 2009, p. 269), com o fito de se evitar que o abuso sexual se concretize, inseriu-se o tipo incriminador contido no art. 241-D. Este está direcionado, sobretudo


“[…] ao agente que se comunica, via Internet (embora a lei mencione qualquer meio de comunicação), por intermédio de salas de bate-bapo, sites, mensagens eletrônicas, dentre outros instrumentos, com crianças, buscando atraí-las para a mantença de relacionamento sexual”. (NUCCI, 2009, p. 268-269).


Convém, por fim, ressaltar a norma contida no art. 241-E, que sendo uma norma explicativa, esclarece a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” como: “[…] qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.” (2010, p. 113).


De acordo com Nucci (2009), não foi bem colocada a definição dada pelo legislador da referida expressão, isto porque houve uma redução do contexto da pornografia, não tendo a norma do art. 241-E abarcado as atividades sexuais implícitas e poses sensuais, sem a expressa mostra dos órgãos genitais, que constituem situações igualmente inadequadas.


Visto de maneira geral, a Lei n° 11.829/08 trouxe alterações de suma importância, uma vez que passou a tipificar várias condutas que antes eram silenciadas pela legislação e a preencher determinadas lacunas que, conforme Nogueira (2009), eram encontradas por delinquentes pra ficarem impunes.


Frisa-se, novamente, que não há no Brasil qualquer lei que defina pedofilia como crime, sendo todas as condutas relacionadas tipificadas como ilícitas independente da condição pessoal do agente, de ser ou não considerado clinicamente pedófilo.


8. Mecanismos de repressão e obstáculos probatórios


Conforme exposto, a Internet envolve inúmeros recursos que propiciam a divulgação de imagens e vídeo contendo cenas de sexo explícito e pornografia infantil. Existem inúmeros programas de compartilhamento de arquivos em rede mundial gratuitos, além dos chamados sites de relacionamento e salas de bate-papo. A dificuldade consiste especialmente na agilidade de se divulgar e compartilhar arquivos entre computadores, bastando estar conectado à Internet.


Os chamados estratagemas são uns dos grandes responsáveis pela problemática. Independente de sua vontade é possível que uma pessoa que esteja navegando pela Internet seja direcionada a um site de pornografia infantil, isto é, as pessoas podem capturar fotos e vídeos acidentalmente (LANDINI, 2007), que jamais desejariam encontrar. “Dessa forma, o receptor inocente acreditará estar baixando para seu computador um vídeo lícito, mas, na verdade, tratar-se-á de uma filmagem doentia envolvendo o estupro ou o atentado violento de uma criança de tenra idade.” (BRUTTI, 2008, p. 24). Essa estratégia de utilizar arquivos e sites com nomenclatura simulada complica demasiadamente a responsabilização criminal.


Destaca-se, como exemplo, que a despeito de não ser muito divulgado e principalmente cobrado, foi assinado no ano de 2005 um termo de compromisso e de responsabilidade entre cinco grandes provedores da internet (AOL, UOL, IG, Click 21 e Terra) e a Abranet (Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet), destinado a “unir esforços para prevenir e combater a pornografia infantil, o racismo e outras formas de discriminação na rede mundial de computadores”. (KALB, 2008, p.368). A fiscalização e a repressão da divulgação e da prática de pedofilia na Internet, dentre outras condutas criminosas, é também obrigação inerente aos provedores. Sem desconsiderar, logicamente, a ação do Ministério Público e da Polícia Federal, e outros entes atuando em colaboração.


Vale observar o que dispõe o parágrafo segundo do art. 241-A do ECA: “As condutas tipificadas nos incisos I e II do §1° deste artigo são puníveis quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que se trata o caput deste artigo.” Nucci (2009) comenta que os profissionais não poderão alegar ignorância a fim de se isentarem da responsabilidade, ou alegar a impossibilidade de se controlar, durante 24h, sem interrupção, todo material circulante na Internet. Dessa maneira, caso o responsável legal permaneça inerte após tomar conhecimento da existência de material ilícito hospedado em páginas eletrônicas, será devidamente responsabilizado.


A identificação da autoria do delito praticado torna-se ainda mais complexa quando envolve empresas, escolas, lan-houses, e outros locais públicos de acesso à Internet. “Quando o material pornográfico infanto-juvenil é viabilizado na rede mundial de computadores, torna-se mais fácil localizar o provedor do que propriamente o criador da imagem”. (NUCCI, 2009, p. 261).


Landini observa que


“[…] as pessoas que navegam pela web sentem como se estivessem em um espaço privado, protegidas pelo uso de um nickname e, consequentemente, agem como se estivessem em suas próprias casas escondidas dos olhares e censuras dos outros. Eles podem – ou pensam que podem- agir livremente, fazer o que desejarem.” ( 2007, p. 177).


Outro fator que também atua como empecilho a identificação dos criminosos é a insuficiência de legislação específica para crimes de informática, uma vez que “[…] as redes de pedofilia ultrapassam limites territoriais de qualquer legislação penal.” (BREIER, 2007, p.105). Isso importa na necessidade de se criar soluções que vão além dos limites geográficos, de modo que se tenha um “sistema jurídico de repercussão mundial.” (BRANT, 2003).


Nesse sentido completa Nogueira


“Necessitamos de um trabalho investigativo rigoroso, que exige uma estrutura grande, com policiais treinados e com conhecimento de informática, computadores de última geração para fazer o rastreamento e localização de forma rápida, e tudo isso requer pessoal treinado, tempo e necessita recursos, […]”. (2009, p. 177-178).


O desenvolvimento da Internet demanda que haja um acompanhamento jurídico de igual proporção, visto que, consoante expõe Reinaldo Filho, “a todo impacto nas relações humanas corresponde igual reação no Direito.” (2005, p. 2). É, pois, de fundamental importância que os sistemas legais e jurídicos se amoldem a fim de acompanharem o desenvolvimento tecnológico. No que diz respeito à criminalidade, não é somente que tenham surgido novos tipos, mas também novas maneiras de se praticar delitos já existentes, e que devem ser igualmente repelidos.


Em 12 de maio de 2011, foi aprovado pelo Senado Federal o projeto de Lei n° 100 de 2010 que altera novamente o ECA, a fim de autorizar a infiltração de policiais na rede mundial de computadores para investigar crimes contra a liberdade sexual de criança ou adolescentes. Conforme o projeto de Lei a investigação deverá ser “[…] precedida de autorização judicial devidamente circunstanciada e fundamentada, estabelecido os limites para obtenção de provas, ouvido o Ministério Público, […]” além disso, “define que os policiais responderão pelos excessos praticados nas investigações”.(COMISSÃO – CPI – PEDOFILIA, 2010).


 Segundo se extrai do parecer do relator, senador Demóstenes Torres (do DEM de Goiás)


“A infiltração é um poderoso instrumento de intimidação. Ele serve tanto à repressão quanto à prevenção. Tornada Lei, a proposta criará um ambiente de dúvida e insegurança para os pedófilos que poderão ser surpreendidos por todo um aparato garantido pelo Estado e presente no outro lado da conexão.” (SENADO FEDERAL, 2010).


Desse modo, percebe-se que as barreiras que inviabilzam um controle mais efetivo dos atos praticados virtualmente são jurídicas na medida em que, segundo Relvas (2006), o Direito é muito lento para construir um conjunto de normas que possam atender a mutabilidade em toda a sociedade em decorrência dos avanços tecnológicos, além de, concomitantemente, serem barreiras econômicas e técnicas.


9. Conclusão


Os avanços tecnológicos, em especial o desenvolvimento da Internet, trouxeram inegáveis benefícios para a sociedade. No entanto, ao lado desta revolução informacional surgiram os crimes propriamente virtuais e novas formas de se praticar delitos já existentes.


A legislação, apesar de ainda ser omissa em muitos casos, vem tentando se adequar a fim de abordar novas questões trazidas pela tecnologia. A pedofilia na Internet e seus meios de combate buscam encontrar soluções para ao menos reduzir a prática destes atos hediondos.


No que se refere ao abuso e exploração sexual de menores, e às condutas praticadas por pedófilos, a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei nº 11.829/08, alcançou determinadas lacunas antes existentes e conferiu modernidade ao texto do ECA. Em consequência, novos tipos penais foram criados, passando-se a se exigir uma punição dos infratores que se valiam das falhas legais para se isentarem de suas responsabilidades. Foram inseridas determinadas condutas no ECA que apesar de parecerem representar menor potencial ofensivo, como as simulações de pornografia infantil por meio de pseudo-imagens e cartoons, podem servir de propagação e estímulo ás práticas pedófilas, representando uma lesão real e direta aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Desse modo, merecem ser igualmente reprimidas.


Questiona-se, no entanto, se a edição de uma legislação especial acerca da pedofilia seria necessária e mais eficaz para melhor repressão e punição dos atos cometidos por pedófilos. Conforme salientado no presente trabalho, pedofilia e crime não se confundem. A pedofilia está associada a um transtorno mental em que a pessoa sente desejos e atração sexual por crianças, o que não significa que necessariamente irá extravasar esses sentimentos, dando início a execução de qualquer delito, momento, a partir do qual, é cabível a intervenção penal.


A generalização feita pelo senso comum de que todo e qualquer crime sexual cometido contra menores seja praticado por pedófilos é, pois, um equívoco. Qualquer pessoa, independente da condição pessoal, de ser ou não pedófilo, pode ser sujeito ativo de crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes.


Salienta-se que, caso o indivíduo atue impelido por seus desejos sexuais e pratique qualquer infração penal não será eximido de suas responsabilidades por possuir livre arbítrio e plena capacidade de entendimento. O fato de ser diagnosticado pedófilo não faz com que seja caracterizado inimputável.


Nesse sentido, a legislação brasileira mostrou-se adequada ao expor as condutas cometidas por aqueles que aproveitam de pessoa de tenra idade para satisfazer sua lascívia em vários tipos penais, em detrimento da edição de lei específica ou da utilização expressa do termo pedofilia em qualquer norma incriminadora, haja vista as possíveis repercussões na ordem social, bem como as incorreções no uso e classificação do termo pedofilia.


Finalmente, no que concerne aos obstáculos probatórios, as barreiras não são apenas de cunho jurídico ou legislativo, mas também econômico e técnico. Ademais, para combater o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes na Internet de maneira mais eficiente, tanto o Poder Público como a iniciativa privada e a sociedade em geral devem unir esforços.


 


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Notas:

[1] Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[2] Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

 


Informações Sobre o Autor

Isadora Caroline Coelho Coutinho

Acadêmica de Direito na Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG


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