Resumo: Destarte a manifestação das modernas tendências despenalizadoras, a repressão penal instituída pela Lei Maria da Penha constitui para muitos o seu foco primordial. A fim de conferir efetividade a sua função protetiva, a Lei 11.340/2006 criou mecanismos sancionadores, entendendo deter o Direito em sua totalidade o dever de perseguir a transformação positiva da sociedade. Haja vista a relevância dos dispositivos mencionados, este trabalho pretende apresentá-los de forma breve, colaborando, contudo, para sua adequada mobilização.
Palavras – Chave: Lei Maria da Penha. Medidas Protetivas de Urgência. Violência contra a Mulher. Violência Doméstica.
Summary: Before the manifestation of the unpenalizable modern tendencies, the penal repression instituted by the Law ‘Maria da Penha’ constitutes to many its primordial focus. In order to check the effectiveness and its protetive function, the Law nº 11.340/2006 created sanctionable mechanisms, understanding that the Law retains in its totality the duty to pursue the positive transformation of society. Because of the relevance of the mentioned devices, this work intends to present them briefly, collaborating, however, for their adequate mobilization.
Key-Words: Law ‘Maria da Penha’. Urgency Protetive measures. Violence against Women. Domestic Violence.
Sumário. Considerações iniciais. 1. Disposições gerais. 2. Medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor. 3. Medidas protetivas de urgência à ofendida. Considerações finais. Referências bibliográficas.
Considerações iniciais
A relativização da tradicional divisão sexual do trabalho, a maior presença na esfera pública, não garantiram às mulheres as relações afetivo – sexuais que desejavam. Homens e mulheres mantiveram diferenças substanciais em suas relações sociais de sexualidade, estas priorizando contextos de afeto e compromisso, enquanto aqueles continuaram a considerá-las “como um objeto que se deseja adquirir (e depois exibir), mais do que como um sujeito com o qual se estabelece uma relação”. [1]
Estudos baseados em entrevistas com mulheres indicam ser a violência sexual um aspecto comum em suas vidas, porém, prevalecendo seu anonimato com relação às denúncias de violência ocorridas no âmbito doméstico. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 30% das mulheres foram coagidas em suas primeiras experiências sexuais; 52% são vítimas de assédio sexual; 69% já foram agredidas, no entanto somente 10% desses casos chegam ao conhecimento da polícia. [2]
A alta incidência da violência de homens contra mulheres foi comprovada estatisticamente, adquirindo caráter endêmico aquela cujo autor apresenta traços de intimidade com a vítima. Estudos recentes em 267 delegacias especializadas identificaram 326.693 notificações, correspondendo 113.727 dos casos a queixas de lesão corporal; 107.999 a ameaças; 32.183 a vias de fato; 13 mil ocorrências de injúria; 10.049 de difamação; 6.805 de calúnia e 4.697 queixas de estupro em todas as delegacias especializadas do país. [3]
Enfim, inúmeros índices catastróficos enfatizaram a relevância desse tema, haja vista que “superando todos os tipos de câncer, acidentes de trânsito e guerras, a violência doméstica e o estupro são considerados a sexta causa de anos de vida perdidos por morte ou incapacidade física em mulheres”, vitimizando inclusive suas testemunhas emocionalmente e seus espectadores moralmente. [4]
Entretanto, somente com a promulgação da Lei 11.340/2006, houve o reconhecimento legal da condição hipossuficiente da mulher no contexto mencionado, em virtude da intensidade da herança patriarcal, determinando ao poder estatal a responsabilidade de viabilizar o reequilíbrio dessas relações. [5]
1. Disposições gerais
A Lei em análise traz medidas cautelares alternativas à prisão, mescladas a medidas cautelares de caráter extrapenal e administrativo de proteção à mulher, expressas em seus artigos 11, 22, 23 e 24, sendo no último denominadas medidas protetivas de urgência. [6]
Inobstante o explicitado, outras formas de proteção se encontram dispersas nesse instrumento, todas voltadas à equânime finalidade de “assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência”. [7]
De acordo com a legislação em pauta, tais dispositivos “poderão ser concedidos pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida” (art. 19), não havendo necessidade, no último caso, de ser o pedido subscrito por advogado e “independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público”. [8]
Providências como deter o agressor, garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima, são competências tanto das autoridades policial e judiciária quanto do próprio Ministério Público, as quais exigem a interação dos agentes, a fim de conferir eficácia à tutela. [9]
Segundo Rômulo de Andrade Moreira, “algumas destas medidas são salutares, seja do ponto de vista de proteção da mulher, seja sob o aspecto descarcerizador que elas encerram”, haja vista ser a aplicação de uma medida provisória não privativa de liberdade mais benéfica que a decretação de uma prisão preventiva ou temporária. [10]
A autoridade policial e o Ministério Público possuem o dever de agir ante ao conhecimento de fato configurado como violência doméstica, já o magistrado necessita ser provocado. A adoção de medidas cautelares está condicionada à vontade da ofendida, sendo exclusivamente nessa hipótese cabível a atuação de ofício do juiz, o qual poderá instituir dispositivo diverso se considerá-lo oportuno ou necessário. [11]
Na interpretação do artigo 27 da Lei 11.340/2006, proposta por Rogério Sanches Cunha, as medidas consideradas de urgência podem ser concedidas de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou ofendida, prescindindo da presença de advogado, no que se refere ao artigo 19. Para o autor, a urgência da circunstância viabiliza, inclusive, a manifestação pessoal da vítima perante o magistrado. [12]
Em vista da natureza jurídica de medidas cautelares, para a sua decretação deve ser observada a presença do fumus commissi delicti e do periculum in mora. Sem tais pressupostos será ilegítima a imposição de tais procedimentos. [13]
São classificadas como aquelas que obrigam o agressor (art. 22) e as que protegem a ofendida (arts. 23 e 24). Destaca-se que as medidas especificadas em cada um dos artigos mencionados são sempre exemplificativas, não esgotando o rol de providências protetivas passíveis de adoção, consoante ressalvado no art. 22, § 1º e no caput dos arts. 23 e 24. [14]
2. Medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor
No artigo 22 da Lei 11.340/2006 estão elencadas como medidas voltadas ao sujeito ativo da violência doméstica: a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente; o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; a proibição de condutas como a aproximação da família e o contato com a ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores e a prestação de alimentos provisionais ou provisórios. [15]
A restrição ao porte de armas denota preocupação com a incolumidade física da vítima, uma vez que dados estatísticos apontam sua assustadora utilização na prática de crimes contra mulheres. Depreende-se, inclusive, que deverá a ordem de busca e apreensão acompanhar esse impedimento, bem como serem acrescidos ao termo “arma de fogo” o “acessório”, “munição” e “artefato explosivo ou incendiário”. [16]
O afastamento do lar somente será deferido ante a notícia da prática ou do risco concreto do crime, evitando, dessa forma, equívocos ou prejuízos que extrapolam a sua pessoa. Na vigência dessa ordem, sua desobediência tipifica a conduta prevista no artigo 359 do CP; depois de ultimada a separação judicial ou dissolvida a união estável, configurará a invasão de domicílio prevista no artigo 150 do CP. [17]
Em situações traumáticas, o comportamento condenado não se restringe ao recesso do lar, podendo abranger o local de trabalho da ofendida ou lugares por ela freqüentados, sendo cabível a determinação do distanciamento do agressor. [18]
A referida determinação se torna extensiva aos familiares, ante a pretensão de preservar a vítima, a qual necessitará do apoio destes “para atravessar a ruptura da relação violenta, por natureza interativa e conflituosa”. Quanto às testemunhas, assume a finalidade de evitar a intimidação implícita. [19]
Com relação aos alimentos provisionais ou provisórios fixados liminarmente, os mesmos estarão sujeitos à mutabilidade e à eficácia temporal limitada, enquanto não sentenciada a ação principal. Caberá a autora a propositura desta ação principal no prazo de 30 dias, contados a partir da instituição da medida, haja vista a competência do Juizado limitar-se às situações em conformidade à previsão dos arts. 18 e 24 da legislação específica. [20]
Salienta-se que o caput do artigo em análise possibilita a aplicação cumulativa das medidas previstas, dependendo sua concessão, como comentado anteriormente, de provocação (requerimento do Ministério Público ou pedido da ofendida conforme disposição do artigo 19). [21]
3. Medidas protetivas de urgência à ofendida
O legislador estabelece, nos artigos 23 e 24 da Lei Maria da Penha, medidas determináveis pelo juiz, destinadas à proteção da ofendida e de seus bens particulares ou do patrimônio do casal.
O encaminhamento da vítima e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento, estará condicionado à existência de projetos, mesmo não sendo específicos ao tipo de violência a ser combatida no caso em tela. [22]
A recondução da ofendida ao respectivo domicílio, após o afastamento do agressor ocorre quando necessária. Pressupõe o acompanhamento por oficial de justiça e a utilização de força policial, a fim de coibir novas investidas violentas do acusado. Carece de conjunto probatório, o qual poderá conter parecer técnico de equipe multidisciplinar ou laudo de especialista, para contribuir com o convencimento do julgador. [23]
Ao magistrado delega-se a possibilidade de autorizar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo de direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos. Será descabida, em virtude do exposto, a acusação de abandono do lar, uma vez que assim sucedera por razões de segurança. [24]
Ao Juizado, competirá a determinação da separação de corpos (casados) ou medida cautelar inominada (união estável), diante das situações de risco previstas em Lei. Enquanto não instalado, tal competência será delegada à Vara Criminal. [25]
Já o artigo 24 enfrenta a violência patrimonial contra a mulher, abrangendo condutas físicas, morais e psicológicas. Destaca-se, na interpretação de seu inciso I, o preenchimento de condições – que o bem em questão seja da ofendida; que lhe tenha sido subtraído pelo agressor; que esta subtração seja indevida – para a concessão da restituição do bem. [26]
Considerações finais
Durante muito tempo, a ausência de uma denominação específica para as manifestações da violência doméstica e a sua absorção em tipos penais distintos como delitos de menor potencial ofensivo velou sua gravidade. Esse rótulo, sobretudo, descartou ignorou implicações relevantes peculiares dessa violência, como o comprometimento emocional ao qual são submetidas suas vítimas; a fobia paralisante que as impede de romper com a situação; a violência sexual; o cárcere privado entre outras violações. [27]
A transparência promovida pela Lei 11.340/2006, nesta senda, representa um avanço para a transformação da sociedade. Sua continuidade, no entanto, carece de serenidade, a fim de contribuir efetivamente para “a construção de uma convivência equilibrada, pacífica e democrática entre os sexos”.[28]
Informações Sobre o Autor
Fernanda da Rosa Cristino
Graduada em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Maria /RS, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria/ RS, Especialista em Ciências Criminais pela Unama/IDRS, Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Fadisma/RENAESP, Especializanda em Gestão da Segurança Pública na Sociedade Democrática pela ULBRA/RENAESP, Perita Odonto-legista do Instituto Geral de Perícias do RS