Perspectivas jurídicas para o biênio 2009-2010


Visão prospectiva requer exame do passado e do presente, analisando as causas e conseqüências dos principais fatos ocorridos e dos que estão acontecendo.


A exemplo do cenário econômico, completamente dominado por uma visão pessimista, não vejo boas perspectivas na área jurídica no próximo biênio.


Tenho a impressão de que essa “crise econômica” tem um componente político, para tentar justificar uma série de fracassos decorrentes de fatores diversos que não cabe apontar neste modesto artigo.


Na verdade, a crise recaiu mais sobre os países desenvolvidos e menos sobre os países emergentes, que podem até dela se aproveitar para oxigenar a economia mundial. O que não deve é os governantes se comportarem como um país que jogou no cassino e perdeu.


Simplesmente espantoso que várias propostas orçamentárias anuais em discussão nas Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas estão recebendo cortes e mais cortes por conta da propalada crise. Só que ao invés de cortarem a gordura estão cortando a carne e até o osso. Será que é para justificar mais calotes de precatórios?


Com as Casas Legislativas atuando dessa forma não se pode esperar grande coisa em termos de aperfeiçoamento da ordem jurídica, com a elaboração de leis complementares para preencher os imensos vazios deixados pela Carta Política. A omissão do legislador, talvez, por conveniência política, está criando um impasse jurídico na doutrina e na jurisprudência, permitindo que a legislação ordinária ocupe aqueles vácuos deixados, a fim de que a confusão seja resolvida pelo Judiciário.


Abrir mão de prerrogativa própria do Legislativo, para deixar que outro Poder supra sua omissão, é atentar contra o princípio da independência e harmonia dos Poderes, que é um princípio federativo inserido no núcleo protegido por cláusulas pétreas, sem o qual não há que se falar em Estado Democrático de Direito.


Conspira, também, contra a eficiência do Poder Legislativo a previsão constitucional da Media Provisória como redigida está no art. 62 da Constituição Federal.


Está em tramitação a PEC nº 511/06 já aprovada na Câmara dos Deputados para, aparentemente, devolver ao Congresso Nacional a plenitude da função legislativa, acabando com o “trancamento de pauta”, liberando os parlamentares para a produção de outros instrumentos normativos úteis à sociedade, independentemente, de apreciação da medida provisória, normalmente, de interesse imediato do governo, que nem sempre coincide com o interesse da sociedade. Aliás, há quem atua com a seguinte cartilha: o que é bom para o povo, é ruim para o Estado, isto é, coloca-se o Estado como um fim em si mesmo.


Contudo, ao que saibamos, a emenda está saindo pior que o soneto, exatamente, como aconteceu com o PL nº 462, de 1-12-2008 versando sobre a certificação das entidades filantrópicas para “melhorar” a redação da MP nº 446, de 7-11-2008, que pende de “devolução” por conter vícios incuráveis”.


De fato, a PEC nº 511/06 foi substituída pela PEC nº 511-A, que destranca a pauta do Congresso Nacional, mas tranca, a partir do 7º dia, a pauta da Comissão de Justiça e de Cidadania, que tem o prazo de dez dias para emitir parecer prévio sobre os pressupostos constitucionais de admissibilidade da medida provisória.


Ora, com o trancamento da pauta da CJC paralisam-se os trabalhos legislativos visto que todos os projetos legislativos têm que passar primeiramente pelo crivo daquela Comissão.


O certo seria acrescentar ao elenco proibitivo do § 1º do art. 62 da CF a matéria tributária, pois a medida provisória fere, às escancaras, o princípio quase milenar da legalidade tributária. Nenhum tributo pode ser exigido sem o consentimento popular representado pela Casa Legislativa. Contudo, essa proibição que estava no texto original da PEC nº 511/06 foi suprimida pela proposta substitutiva em discussão no Parlamento Nacional.


Parece que esse estado de coisas, que emperra a atividade legislativa é conveniente politicamente, por isso o regime de tramitação da MP não será alterado em sua substância, nem o elenco de proibições de uso desse instrumento normativo anormal. Este regime serve para explicar uma porção de omissões, inclusive, da tão falada Reforma Tributária, que já foi adiada para março próximo, e com uma agravante: a PEC 233/08 foi substituída por nova Proposta do Relator, que expurgou do seu texto muitos dispositivos de relevância jurídica que haviam sido incorporados na proposta original, fruto de longas discussões com a sociedade civil.


Concluindo, o diagnóstico da realidade atual e do passado não permite vislumbrar em futuro próximo um aperfeiçoamento da ordem jurídica complexa, confusa, lacunosa e bastante nebulosa, concorrendo para aumentar as demandas judiciais.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


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