Resumo: O artigo analisa os dispositivos constitucionais e os contidos no Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/2001) que se relacionam ao plano diretor que é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
Sumário: 1. O Plano Diretor na Constituição Federal. 2. Função social da propriedade urbana e plano diretor no Estatuto da Cidade. 3. O Plano Diretor no Estatuto da Cidade. 4. Obrigatoriedade do Plano Diretor. 5. Conteúdo do plano diretor
1. O Plano Diretor na Constituição Federal
A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput da CF/88).
O instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana é o plano diretor conforme estabelece a Constituição de 1988 em seu artigo 182, parágrafo primeiro: “§ 1º – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”.
O plano diretor segundo Hely Lopes Meirelles[1] é o “complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local”.
A propriedade urbana apenas cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (art. 182, § 2° da CF/88).
No dizer de Adilson Abreu Dallari[2] “o plano diretor está destinado a ser o instrumento pelo qual a Administração Pública Municipal, atendendo aos anseios da coletividade, finalmente poderá determinar quando, como e onde edificar, de maneira a melhor satisfazer ao interesse público, por razões estéticas, funcionais, econômicas, sociais, ambientais etc., em lugar do puro e simples apetite dos especuladores imobiliários”.
Em suma, para o ordenamento da cidade é essencial a elaboração de um plano diretor para promover regras de política urbana reguladoras do convívio em sociedade “sendo considerado como instrumento de aprimoramento e manifestação dos dispositivos constitucionais e do Estatuto da Cidade, destinados a atender a pacificação do direito de propriedade” (Janaína Rigo Santin e Letícia Virgínia Leidens[3]).
2. Função social da propriedade urbana e plano diretor no Estatuto da Cidade
O direito de propriedade que no passado era absoluto está hodiernamente, sujeito a inúmeras restrições, fundamentadas no interesse público e também no próprio interesse privado, mudando-se assim sua concepção individualista, para uma concepção de conteúdo social.
A Constituição Federal de 1988 no rol dos direitos e garantias fundamentais no inciso XX do artigo 5° garante o direito de propriedade e logo no inciso seguinte (XXI) assevera que a propriedade atenderá a sua função social.
O cumprimento da função social da propriedade é exigido na atividade econômica, onde se constitui em princípio específico (art. 170, III da CF/88), bem como em propriedades rurais (arts. 184, caput e 186 da CF/88) e como já antes mencionado também em propriedades urbanas (artigo 182, § 2°).
Diz José Cretella Júnior[4]:
“A propriedade privada urbana predial cumpre, por inteiro, sua função social, quando adequadamente utilizada. O solo urbano cumpre sua função social sempre que tenha aproveitamento racional e adequado. Quem reside, em prédio próprio ou locado, está fazendo com que a propriedade cumpra sua função social. Prédio próprio, vazio, assim conservado para efeitos de especulação imobiliária, está afastado de sua função social, que é a de abrigar pessoas.”
Visando o aproveitamento econômico do imóvel urbano é facultado ao Poder Público municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de, sucessivamente: I) parcelamento ou edificação compulsórios; II) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressiva no tempo; III) desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente autorizada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (art. 182, § 4° da CF/88).
Daí porque diz Celso Bastos[5] que “se o bem estiver prestando uma utilização econômica plena, evidentemente levando-se em conta a sua adequação topográfica, localização, etc., não será passível das medidas sancionatórias ”.
Mas o artigo 39 da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) não se contenta somente com a utilização econômica da propriedade urbana para cumprimento da função social, mas também exige que atenda às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas inclusive as diretrizes do referido estatuto (art. 2°).
3. O Plano Diretor no Estatuto da Cidade
O plano diretor, aprovado por lei municipal – submetendo-se portanto ao princípio da legalidade – é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (art. 40 do Estatuto da Cidade).
Assim sendo, segundo diz Karla Botrel[6] o plano direito “é a principal ferramenta do Poder Público Municipal para a execução da política de desenvolvimento urbano, expressão esta que abrange, conforme interpretação decorrente do caput do referido art. 182, a ordenação do território, de forma a proporcionar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (moradia, lazer, circulação, trabalho) para o bem-estar de seus habitantes”.
O plano diretor não pode ser entendido apenas como um documento técnico, pois pela concepção estabelecida na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, assume função político-social “devendo atuar como instrumento de intervenção social, reconhecendo a cidade como espaço de realizações da sociedade e prescrevendo caminhos para o seu desenvolvimento justo e sustentável” (Gabriel Luis Bonora Vidrib Ferreira)[7].
Assim é necessário o equacionamento entre tecnicidade do plano diretor, já que de fato “é um documento técnico, elaborado e assinado por profissionais legalmente habilitados, que assumem responsabilidade técnica por seu conteúdo” (Victor Carvalho Pinto[8]) e sua legitimidade político-social, com a participação efetiva da sociedade civil na sua elaboração.
Daí porque adverte Roberto Loeb[9] que “a idéia do Plano liga-se mais a um conjunto de medidas relacionadas com a participação política efetiva por parte da população do que a um amontoado de recomendações e desenhos, cuja viabilidade é quase impossível”, porque, com a devida venia, um documento meramente técnico assinado por profissionais habilitados que não ordene o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garanta o bem-estar de seus habitantes, apesar de ter valor jurídico, configura um plano “sem alma” e por óbvio ilegal e inconstitucional.
Por outro lado o plano diretor deve também estabelecer diretrizes e prioridades para serem aplicados para o desenvolvimento urbano e pela legislação que o complementa, em especial, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual (§ 1° do art. 40 do Estatuto da Cidade). De fato o plano diretor “traçará, para os instrumentos legais que lhe são correlatos, normas gerais e programáticas, de modo a garantir-lhe o conteúdo e a práxis” (Edílio Ferreira[10]).
Pelo § 2° do artigo 40 do Estatuto da Cidade “o plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo”. A interpretação literal do dispositivo pode gerar a conclusão de sua inconstitucionalidade, pois o Município é formado pelo meio urbano e rural e evidentemente o Plano Diretor não pode prescrever políticas agrárias.
Toshio Mukai[11] diz que essa disposição (§ 2° do artigo 40 do Estatuto da Cidade) é absolutamente inconstitucional pois “o âmbito de abrangência do plano diretor não alcança o meio rural, o campo, que é regido pelo art. 186 da CF”.
Contudo nos parece que evidentemente não pretendeu o estatuto disciplinar também imóveis rurais ou políticas agrárias situados no Município, até porque haveria usurpação de competência legislativa da União, mas somente os aspectos urbanísticos que possam abranger as áreas rurais.
Nesse sentido Jacintho Arruda Câmara[12] exemplifica:
“São várias as diretrizes urbanísticas que podem – e devem, segundo o Estatuto – abranger as áreas rurais. Assim ocorre, por exemplo, ao disciplinar a forma de expansão urbana, impondo regras que afetem áreas rurais destinadas a tal fim; ao condicionar o uso de áreas rurais importantes ao desenvolvimento urbano em virtude de recursos ambientais ou hídricos; ao disciplinar o trânsito de veículos automotores entre cidades e centros urbanos – e assim por diante.”
Quanto ao prazo para a instituição do plano diretor reza o artigo 50 do Estatuto da Cidade que “os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do caput do art. 41 desta Lei e que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei deverão aprová-lo até 30 de junho de 2008”.
Ou seja, os Municípios com mais com mais de vinte mil habitantes e integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas deveriam ter aprovado o plano diretor até 30.06.2008.
A conseqüência ao Prefeito que deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância do prazo previsto no artigo 50 do Estatuto da Cidade é incorrer em improbidade administrativa (art. 52, VII do Estatuto).
O Plano diretor é instituído por lei municipal e deverá ser revisto, pelo menos, a cada dez anos conforme reza o § 3° do artigo 40 do Estatuto da Cidade. Deveras “enquanto instrumento de planejamento, é dinâmico, sendo, pois, passível de modificação, conforme novas circunstâncias se evidenciem” (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior[13]). A falta de revisão decenal também pode acarretar em relação ao prefeito municipal improbidade administrativa (art. 52, VII do Estatuto).
O § 4° do artigo 40 do Estatuto da Cidade reconhece a importância da participação da população na elaboração do plano diretor, bem como na fiscalização de sua implementação, já que somente assim será possível a realização dos anseios e desejos das diferentes regiões e classes pertencentes ao espaço.
Por isso Ferreira[14] diz que o Plano Diretor tem “caráter emancipatório que visa, por meio da gestão democrática da cidade, propiciar com que os anseios de todas as camadas e regiões sejam satisfeitos e respeitados de modo a garantir a igualdade de oportunidades no ambiente urbano.”
Em conclusão podemos afirmar conforme Raquel Rolnik[15] que mais do que um documento técnico, normalmente hermético, distante dos conflitos reais que caracterizam a cidade, o Plano é um espaço de debate dos cidadãos e de definição de opções, conscientes e negociadas, visando o desenvolvimento e expansão urbana de forma de forma justa e sustentável.
4. Obrigatoriedade do Plano Diretor
O plano diretor é obrigatório para cidades: a) com mais de vinte mil habitantes (art. 41, I), b) integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas (art. 41, II), c) onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumento previstos no § 4º do artigo 182, da CF/88, qualquer que seja a população (art. 41, III), d) integrantes de áreas de especial interesse turístico(art. 41, IV) e e) inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto de âmbito regional ou nacional (art. 41, V).
Cidade com menos de 20 mil habitantes não está obrigada a aprovação de plano diretor a não ser que se enquadre em um dos incisos II a V do artigo 41.
De acordo com § 2º do artigo 41 no caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.
5. Conteúdo do plano diretor
Diogenes Gasparini entende que o Plano Diretor pode ter conteúdo menor que o especificado no artigo 42 do Estatuto da Cidade, pois “as situações caracterizadoras desse conteúdo mínimo podem não interessar à política municipal de desenvolvimento e expansão urbana”[16].
E complementa o citado autor que:
“O Município, mais ninguém, deve-se afirmar, é o titular da instituição e execução dessa política, de sorte que nem tudo que foi posto com conteúdo mínimo do Plano Diretor será, necessariamente, do interesse dessa política ou do agrado de sua comunidade. É evidente, então que outro conteúdo, menor que o indicado, pode ser legalmente tratado pelo Plano Diretor. A imaginar a obrigatoriedade desse mínimo, ter-se-ia que afirmar sua inconstitucionalidade por afrontar a autonomia municipal.”
Por sua vez Jacintho Arruda Câmara entende que para ser considerado juridicamente plano diretor é essencial a observância desse conteúdo mínimo nesses termos: “O Estatuto da Cidade, em seu art. 42, buscou arrolar os assuntos sem os quais uma planificação não pode ser juridicamente considerada um plano diretor”[17].
Entendemos que para ser considerado constitucionalmente um plano diretor devem constar obrigatoriamente os itens I e III do artigo 41 do Estatuto da Cidade e facultativamente e de acordo com a política de desenvolvimento e política urbana de cada Município o contido no item II do artigo 41. Ora, a própria Constituição Federal exige a inclusão da área urbana no plano diretor onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (art. 184, § 4º da CF/88) e o sistema de acompanhamento e controle da política urbana é inerente ao Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF/88) e corresponde ao exercício da cidadania (art. 1, II da CF/88).
A primeira matéria que deve necessariamente constar no plano diretor de acordo com o Estatuto da Cidade é a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º do referido estatuto.
As disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 do Estatuto da Cidade também devem ser abordados no plano diretor consoante o inciso II do artigo 42. Essas disposições se referem: a) ao direito de preempção, que confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares (art. 25); b) às áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado (art. 28); c) às áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo (art. 29); d) à delimitação de áreas para aplicação de operações consorciadas (art. 32) e e) às áreas em que serão admitidas transferências do direito de construir (art. 35).
Finalmente o artigo 42 exige que o plano diretor contenha um sistema de acompanhamento e controle, que se relaciona obviamente com os artigo 2, II e 40, § 4º do mesmo Estatuto que garantem a participação democrática na formulação, execução e no acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
Doutor e Mestre pela FADISP, Especialista em direito constitucional pela ESDC, Especialista em direito processual civil e civil pela EPD, Especialista em direito processual tributário pelo COGEAE, Especialista em direito tributário pelo IBET, advogado.
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