O empréstimo consignado é uma das modalidades de crédito mais utilizadas no Brasil, principalmente por oferecer juros mais baixos em razão do desconto automático em folha de pagamento. No entanto, quando o contrato de trabalho chega ao fim — seja por pedido de demissão, dispensa sem justa causa ou qualquer outra forma de rescisão — surgem dúvidas relevantes quanto à continuidade do pagamento do consignado. Uma das mais comuns é: pode descontar empréstimo consignado na rescisão?
Neste artigo, vamos abordar de forma completa e clara todos os aspectos legais que envolvem o desconto do empréstimo consignado no momento da rescisão contratual. Você vai entender o que é permitido por lei, o que depende de cláusulas contratuais, quais os limites para desconto, como proteger seus direitos e o que fazer em caso de desconto abusivo ou ilegal.
O que é o empréstimo consignado
O empréstimo consignado é um tipo de crédito em que o pagamento das parcelas é feito diretamente por meio de desconto na folha de pagamento do trabalhador, servidor público, aposentado ou pensionista. No caso de empregados com carteira assinada, o valor das parcelas é retido pela empresa empregadora e repassado à instituição financeira.
Essa modalidade tem como vantagens:
Menor taxa de juros
Prazo de pagamento mais longo
Facilidade de contratação
Em contrapartida, exige que o tomador tenha vínculo empregatício ativo ou esteja recebendo benefício do INSS. Isso levanta a dúvida sobre o que ocorre quando o contrato de trabalho é encerrado.
O que acontece com o empréstimo consignado na rescisão
Ao ser demitido ou pedir demissão, o trabalhador deixa de receber salário regularmente, e a empresa não pode mais realizar o desconto diretamente na folha. Quando isso acontece, duas situações podem ocorrer:
Desconto autorizado na rescisão: parte do valor rescisório é usada para quitar ou amortizar a dívida, conforme previsão contratual.
Migração para débito convencional: a dívida passa a ser cobrada via boleto, carnê, débito em conta ou outro meio tradicional.
Ou seja, o empréstimo consignado não desaparece com a rescisão, e o banco continua tendo direito de receber as parcelas pendentes. A forma de cobrança é que muda.
É permitido descontar o empréstimo na rescisão?
Sim, é permitido, mas com limites e requisitos legais específicos. A legislação autoriza o desconto de valores da rescisão para abater parte do empréstimo consignado desde que haja autorização expressa do trabalhador no contrato. Essa cláusula deve estar clara e detalhar:
Que o desconto poderá ser feito em caso de rescisão contratual
Qual o valor ou percentual autorizado
Quais verbas podem ser utilizadas (exceto aquelas protegidas por lei)
É importante destacar que o simples fato de o contrato prever desconto em folha não autoriza automaticamente o uso da rescisão para quitar o débito integralmente.
Quais são os limites legais para o desconto
A CLT e o Código Civil não trazem uma norma específica para o limite de desconto em verbas rescisórias. No entanto, o entendimento majoritário na Justiça do Trabalho e nas normas do Banco Central é o de que existem restrições quanto à natureza das verbas passíveis de desconto e aos percentuais máximos autorizados.
Veja os principais limites:
1. Verbas de natureza alimentar são protegidas
São exemplos de verbas de natureza alimentar:
Saldo de salário
Férias vencidas
13º salário proporcional
Horas extras
Adicional de insalubridade, periculosidade ou noturno
Essas verbas não podem ser descontadas para quitar empréstimo consignado, salvo autorização expressa do trabalhador. A jurisprudência considera que elas são essenciais para a sobrevivência do empregado.
2. Percentual máximo de desconto
Durante o contrato de trabalho, a soma dos descontos de consignado não pode ultrapassar 35% da remuneração líquida do trabalhador (30% para empréstimos e 5% para cartão consignado), conforme regras do Banco Central.
No momento da rescisão, não há um percentual legal fixado, mas o entendimento dos tribunais é de que não pode haver retenção integral das verbas rescisórias. O desconto precisa ser proporcional, razoável e respeitar a dignidade do trabalhador.
3. Necessidade de autorização prévia
Para ser válido, o desconto na rescisão precisa estar expressamente previsto no contrato de empréstimo e autorizado pelo trabalhador no momento da contratação. Sem essa autorização, o desconto é considerado indevido.
Situações em que o desconto pode ser considerado abusivo
Mesmo com previsão contratual, há situações em que o desconto pode ser considerado abusivo e contestado judicialmente. Veja alguns exemplos:
Desconto que consome integralmente a rescisão
Quando o banco ou a empresa retêm todo o valor da rescisão para quitar o empréstimo, o trabalhador fica sem recursos mínimos para se sustentar. Os tribunais têm considerado essa prática como violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, e já decidiram pela devolução dos valores e pagamento de danos morais.
Desconto de verbas alimentares sem autorização
Mesmo que o contrato tenha cláusula de desconto, não é permitido descontar verbas alimentares sem autorização específica e destacada do trabalhador. Cláusulas genéricas ou mal redigidas não são aceitas judicialmente.
Cláusulas contratuais abusivas
Cláusulas que preveem o vencimento antecipado de toda a dívida no momento da rescisão ou que autorizam descontos irrestritos podem ser consideradas nulas, especialmente se ferirem o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Jurisprudência sobre descontos de consignado na rescisão
Os tribunais têm decidido, em sua maioria, que:
“É ilegal o desconto integral das verbas rescisórias para quitação de empréstimo consignado, ainda que haja previsão contratual, se isso comprometer a subsistência do trabalhador.” (TRT-3 – RO 0010544-72.2019.5.03.0005)
“O desconto das verbas rescisórias deve respeitar os limites do razoável e não pode ser feito sem autorização expressa e destacada do trabalhador.” (TJSP – Apelação Cível 1001823-62.2018.8.26.0004)
“A retenção de verbas salariais para pagamento de empréstimo consignado na rescisão configura prática abusiva quando excede os limites de legalidade e proporcionalidade.” (TST – RR 1001375-61.2020.5.02.0071)
Esses precedentes demonstram que a legalidade do desconto depende da forma como ele é feito, do tipo de verba utilizada e da existência de cláusula contratual clara.
O que fazer se houve desconto indevido
Se o trabalhador identificar que o valor da rescisão foi usado indevidamente para quitar o empréstimo consignado, ele deve:
Solicitar o demonstrativo detalhado da rescisão
Conferir quais verbas foram utilizadas para o desconto
Verificar se existe cláusula contratual autorizando esse desconto
Tentar resolver administrativamente com a empresa ou com o banco
Se não houver solução, registrar reclamação no Procon ou no Consumidor.gov.br
Buscar um advogado ou a Defensoria Pública e ingressar com ação judicial, requerendo:
Restituição dos valores descontados indevidamente
Atualização monetária
Indenização por danos morais, se aplicável
Alternativas ao desconto na rescisão
Caso o contrato de empréstimo não preveja desconto na rescisão ou se o valor da rescisão for insuficiente, o banco pode:
Migrar o contrato para modalidade de cobrança convencional, com boletos mensais
Oferecer renegociação do saldo devedor
Efetuar débitos em conta, se houver autorização para isso
Promover cobrança judicial, se houver inadimplência
É importante que o trabalhador não ignore a dívida e tente resolver amigavelmente para evitar juros, negativação e protesto.
Dicas para evitar problemas com consignado
Leia atentamente o contrato antes de assinar
Verifique se existe cláusula sobre desconto na rescisão
Nunca assine documentos em branco ou com campos não preenchidos
Guarde cópia do contrato e dos comprovantes de pagamento
Evite comprometer mais de 30% da sua renda com parcelas de empréstimos
Se for pedir demissão ou tiver risco de ser dispensado, procure negociar a dívida com antecedência
Perguntas e respostas
A empresa pode descontar todo o meu acerto para pagar o empréstimo?
Não. Mesmo com autorização, o desconto deve respeitar os limites legais e não pode comprometer sua subsistência. Desconto integral é considerado abusivo.
Posso recusar o desconto na rescisão?
Se não houver cláusula contratual autorizando, o desconto não pode ser feito. Se houver cláusula, é necessário analisar sua legalidade e validade.
O banco pode me cobrar depois da demissão?
Sim. A dívida não desaparece. O banco pode continuar cobrando por boleto, débito em conta ou ação judicial.
A empresa é obrigada a continuar descontando após a demissão?
Não. Com o fim do vínculo, a empresa deixa de ser responsável pelos descontos. A cobrança passa a ser entre banco e trabalhador.
Posso pedir a devolução dos valores descontados indevidamente?
Sim. Se o desconto for ilegal ou não autorizado, você pode pedir judicialmente a devolução com correção e, em alguns casos, indenização por danos morais.
O seguro desemprego pode ser usado para pagar consignado?
Não. O seguro desemprego é verba de caráter alimentar e não pode ser usado para esse fim.
Conclusão
Sim, é possível descontar empréstimo consignado na rescisão, mas isso não é automático nem ilimitado. A legalidade do desconto depende de uma série de fatores, como a existência de cláusula contratual autorizando, o tipo de verba utilizada, os limites de proporcionalidade e a proteção das verbas de natureza alimentar. O simples fato de existir uma dívida consignada não autoriza o banco ou a empresa a utilizar indiscriminadamente os valores devidos ao trabalhador.
O trabalhador tem direito à proteção jurídica e ao respeito à sua dignidade, inclusive no momento da rescisão do contrato. Por isso, é essencial ler o contrato com atenção, manter os comprovantes e, em caso de abuso, buscar orientação jurídica para garantir seus direitos. O conhecimento da lei é o primeiro passo para que tanto empresas quanto trabalhadores possam agir com responsabilidade e justiça em situações de encerramento do vínculo empregatício.