Resumo: Este artigo tem a finalidade de demonstrar o alcance do Poder de Polícia conferido ao Exército Brasileiro, por intermédio da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, alterada pela Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004, no que tange aos seus aspectos práticos na região amazônica. Devemos levar em consideração que o território amazônico tem características que o tornam diferenciado do restante de nosso País, o que dificulta muito a implementação da supracitada lei, principalmente devido à ausência dos demais órgãos públicos e à dificuldade de locomoção no seu interior agravado às peculiaridades geográficas da área.
Palavras-chave: Exército Brasileiro. Poder de polícia. Amazonia
Abstract: This article aims to demonstrate the scope of police power granted to the Brazilian Army, through the Supplementary Law No. 97, June 9, 1999, as amended by Complementary Law No. 117 of September 2, 2004, with respect to its practical aspects in the Amazon region. We consider that the Amazon territory has features that make it different from the rest of our country, which makes it very difficult to implement the aforementioned law, mainly due to the absence of other public agencies and the difficulty of movement within it aggravated the geographic peculiarities area.
Keywords: Brazilian Army. Police power. Amazon
Sumário: 1. Introdução; 2. Poder de Polícia na faixa de fronteira; 3. Faixa de Fronteira; 4. Principais dificuldades encontradas na região amazônica; 5. Conclusão; 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Inicialmente devemos identificar a missão constitucional das Forças Armadas em nosso País, onde podemos observar ao longo de todas as nossas Constituições que a mesma variou muito pouco, ou praticamente nada, pois em todas elas ficou reservado às mesmas a Defesa da Pátria, dos Poderes Constitucionais e da Lei e da Ordem, conforme podemos observar abaixo:
a) Constituição de 1824
“Art. 145. Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a Independencia, e integridade do Imperio, e defende-lo dos seus inimigos externos, ou internos.
Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio”.
b) Constituição de 1891
“Art 14 – As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais.”
c) Constituição de 1934
“Art 162 – As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e, ordem e a lei.”
d) Constituição de 1937
“Art 166 – Em caso de ameaça externa ou iminência de perturbações internas ou existências de concerto, plano ou conspiração, tendente a perturbar a paz pública ou pôr em perigo a estrutura das instituições, a segurança do Estado ou dos cidadãos, poderá o Presidente da República declarar em todo o território do Pais, ou na porção do território particularmente ameaçado, o estado de emergência. Desde que se torne necessário o emprego das forças armadas para a defesa do Estado, o Presidente da República declarará em todo o território nacional ou em parte dele, o estado de guerra.”
e) Constituição de 1946
“Art 177 – Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.”
f) Constituição de 1967
“Art 92 – As forças armadas, constituídas pela Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei.
§ 1º – Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os Poderes constituídos, a lei e a ordem.”
g) Constituição de 1969 (na verdade, emenda constitucional nº 1, de 1º de outubro de 1969, que alterou toda a Constituição de 1967)
“Art. 91. As Fôrças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos podêres constituídos, da lei e da ordem.”
h) Constituição de 1988
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
2. PODER DE POLÍCIA NA FAIXA DE FRONTEIRA
Como se pode verificar nos textos das diversas constituições que nortearam o ordenamento jurídico de nosso país, desde seus primórdios, observa-se que as missões constitucionais principais de nossas Forças Armadas sempre foram e ainda são a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e a garantia da lei e da ordem.
A Lei Complementar 97 de 1999, alterada pela Lei Complementar 117 de 2004, fazendo alusão ao texto constitucional e atribuindo caráter subsidiário ao emprego das Forças Armadas, em especial o Exército Brasileiro, na atividade de preservação de segurança pública, destinou à Força Terrestre, como atribuição subsidiária particular o poder de polícia na faixa de fronteira, demonstrando como deve atuar neste sentido, conforme pode-se observar no texto legal abaixo:
“Art. 17-A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:
I – contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre;
II – cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante;
III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução;
IV – atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:
a) patrulhamento;
b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e
c) prisões em flagrante delito.”
No que tange às alíneas a) e b) do inciso IV do Art 17-A da Lei Complementar 97 de 1999 não há dúvidas quanto à sua execução, porém no que diz respeito à alínea c) do mesmo inciso fica uma grande lacuna no tocante à sua execução, visto que as prisões em flagrante delito são prerrogativas de qualquer do povo, conforme podemos observar no Art. 301 do Código de Processo Penal que prevê que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Fica evidente apenas que os militares passam de situação de poder realizar prisões em flagrante contra delitos transfronteiriços e ambientais para a situação de dever prender quem estiver cometendo qualquer destes delitos na faixa de fronteira. No que a Lei Complementar 97 de 99 não é clara é quanto à lavratura do Auto de Prisão de Flagrante Delito, uma vez que este ato é de competência das autoridades com atribuição de Polícia Judiciária, sendo os militares do Exército Brasileiro competentes para lavrar os autos de prisão em flagrante delito apenas no caso de crimes militares, ficando os demais crimes na esfera de competência da Polícia Civil Estadual ou da Polícia Federal, conforme as características do crime cometido.
Em relação aos crimes transfronteiriços e ambientais, os crimes em sua maioria são de competência da Justiça Federal, sendo autoridade para a lavratura dos respectivos autos de prisão a Polícia Federal, que tem a missão constitucional de exercer a função de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, conforme § 1º do Art 144 da Constituição Federal, que trata da segurança pública.
“§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III – exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”
Portanto, existe uma limitação legal para a atuação do Exército Brasileiro, o que dificulta o trabalho desses militares no caso da lavratura de autos de prisão em flagrante delito, que é uma atividade típica de polícia judiciária e, por mais que a Lei Complementar 117 tenha atribuído ao Exército a competência de realizar prisões em flagrante para os crimes transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira, não pode fazê-lo em relação à lavratura do auto de prisão, visto que a Constituição atribuiu à Polícia Federal competência exclusiva para exercer as funções de polícia judiciária da União.
3. FAIXA DE FRONTEIRA
Segundo o Art. 1º da Lei 6.634, de maio de 1979, que dispõe sobre a Faixa de Fronteira, é considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 Km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de Fronteira. A fronteira brasileira possui uma extensão de aproximadamente 16.866 km, sendo, na região amazônica, correspondente a 11.600 km, podendo-se chegar ao número de 1.740.000 km² de área a ser patrulhada somente nesta região.
4. PRINCIPAIS DIFICULDADES ENCONTRADAS NA REGIÃO AMAZÔNICA
A implementação da Lei Complementar 97 de 99, no que tange ao poder de polícia destinado ao Exército Brasileiro, na região amazônica é dificultada por diversos fatores, dentre eles a imensidão do território amazônico aliado à ausência da maior parte dos poderes públicos nesta parte do Brasil.
a) Ausência dos poderes públicos
A Polícia Federal, no Estado do Amazonas, que é o maior Estado da Amazônia Brasileira, tem uma área de 1.570.745,680 km², vasta fronteira terrestre com a Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, conta com a Superintendência Regional na cidade de Manaus e apenas uma delegacia em todo o Estado, situada na cidade de Tabatinga, ao passo que o Estado do Rio de Janeiro, com território de 43.969,054 km², portanto mais que 35 vezes menor que o Estado citado anteriormente e nenhuma fronteira terrestre com qualquer país possui, além da Superintendência Regional na cidade do Rio de Janeiro, mais sete delegacias, dispostas nas cidades de Angra dos Reis, Campos dos Goytacazes, Macaé, Niterói, Nova Iguaçu, Volta Redonda e Petrópolis.
Na maioria dos Pelotões de Fronteira do Exército Brasileiro, os militares são a única presença do Estado em uma vasta área do território nacional, ficando sob sua atribuição as atividades destinadas a outros órgão públicos, dentre elas podemos destacar a saúde, educação, segurança, dentre outras.
b) Dificuldade de locomoção na região amazônica
Em relação à locomoção dentro da região amazônica verificamos o pequeno número de estradas existentes em nossa região, aliados ao péssimo estado de conservação em que se encontram a maioria das existentes, devido principalmente às características geográficas da região que praticamente impedem a interligação de todos os municípios dessa região.
Fruto dessa dificuldade de transporte, podemos utilizar o exemplo de uma prisão em flagrante delito que ocorra na localidade de Estirão do Equador, Município de Atalaia do Norte, Estado do Amazonas, que está localizada na fronteira do Brasil com o Peru. Para que seja lavrado o auto de prisão de flagrante delito será necessário que o cidadão seja conduzido até a cidade de Tabatinga, onde existe a Delegacia de Polícia Federal mais próxima, para que o Delegado de Polícia Federal lavre o respectivo auto, caso entenda que é caso. Ocorre que, para que esta pessoa seja conduzida até Tabatinga será necessário apoio aéreo, ou então deslocamento por via fluvial, o que não durará menos de 48 horas. Tendo em vista que os meios aéreos são extremamente caros e que não existe previsão para o custeio de verbas para condução de elementos até a Polícia Federal para que sejam lavrados autos de prisão o que deverá ocorrer é o deslocamento fluvial. Com isso fica impossível o cumprimento do Art 306 do Código de Processo Penal.
“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 11.449, de 2007).
§ 1o Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.”
5. CONCLUSÃO
Ao fim deste trabalho chega-se à conclusão de que o Exército Brasileiro recebeu o poder de polícia para atuar contra os crimes transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira, atuando por meio de ações preventivas e repressivas, podendo realizar uma série de atividades típicas de polícia, tais como realizar patrulhamentos, revistas de pessoas, veículos, embarcações e aeronaves. Contudo a atribuição de combate a esses crimes não foi transmitida para o Exército Brasileiro por parte da Polícia Federal, que continua constitucionalmente destinada a atuar como polícia de fronteira e com a competência de polícia judiciária exclusiva da União.
Fica também claro que a atuação do Exército Brasileiro se torna muito dificultada em face da ausência dos demais órgãos governamentais nessa faixa do território nacional e principalmente devido às características geográficas do território que tornam o transporte de pessoas detidas muito demorado, acabando por inviabilizar o cumprimento do Código de Processo Penal no que tange à apresentação do preso em prazo não superior a 24 horas após a prisão.
Informações Sobre o Autor
Bruno Costa Marinho
O autor é oficial do Exército Brasileiro, formado pela Academia Militar das Agulhas, bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá e Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco.