1. INTRODUÇÃO
Através do presente trabalho, busca-se um conhecimento maior a respeito da questão agrária no Brasil, tanto em relação à sua evolução quanto seu posicionamento na atualidade. Tal matéria sempre foi muito pouco explorada pelos doutrinadores e possui jurisprudência ainda em formação.
Devido ao problema agrário que o nosso País enfrenta, principalmente no que diz respeito à grande concentração de terras e renda, a Constituição Federal separa todo um capítulo para seu estudo e direcionamento de suas principais políticas, buscando assim, uma maior valorização do trabalho e do trabalhador do campo.
Dessa forma, é traçado um paralelo, em nosso presente estudo, a respeito do direito de propriedade com a função social da mesma, na busca de se conseguir equilibrar o sistema fundiário brasileiro com os interesses dos trabalhadores, dos proprietários e do próprio Estado.
Nosso texto constitucional explicita, de maneira geral, os mecanismos de efetivação das políticas agrícolas e fundiárias, bem como as linhas gerais de como deve se basear a reforma agrária, sempre na busca da democratização da terra.
É indubitável que o presente estudo vem acalentar os corações de toda a população brasileira, ansiosa por mudanças no quadro fundiário atual, inclusive, com sua participação efetiva em muitos movimentos sociais no campo, demonstrando que a sociedade não está receosa frente às mudanças, ela virão, e é certo que para melhor.
2. EVOLUÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA
O problema fundiário do país não é recente, ele remonta a 1530, com a criação das capitanias hereditárias e do sistema de sesmarias – grandes glebas distribuídas pela Coroa portuguesa a quem se dispusesse a cultivá-las, em troca de uma parte da produção. Dessa forma, nascia o latifúndio.
A Independência, em 1822, piorou o quadro, na medida em que tornava inevitável a troca de donos das terras, que se deu sob a lei do mais forte, em meio à grande violência. Os conflitos não envolviam trabalhadores rurais (quase todos escravos), mas proprietários e grileiros apoiados por bandos armados. Só em 1850 o Império tentou colocar ordem no campo, editando a Lei das Terras.
A Lei de Terras do Brasil (Lei nº. 601) disciplinava as questões da terra e do trabalho rural, estabelecendo que as terras devolutas somente poderiam ser adquiridas por compra. Tal lei, sem dúvida, constituiu-se num entrave ao crescimento da pequena propriedade destinada à agricultura para produção de alimentos, ao mesmo tempo em que favoreceu o grande proprietário rural, pois somente ele tinha recursos financeiros para efetuar a compra de grandes áreas. O simples colono e o escravo não possuíam dinheiro.
O advento da República, em 1889, um ano e meio após a libertação dos escravos, tampouco fez melhorar o perfil da distribuição de terras. O poder político continuou nas mãos dos latifundiários, também chamados de coronéis. Apenas no final dos anos 50 e início dos anos 60, com a industrialização do país, é que a questão fundiária começou a ser debatida pela sociedade, que se urbanizava rapidamente.
Contraditoriamente, logo no início do regime militar foi dado o primeiro passo para a realização da reforma agrária no país, com a elaboração do Estatuto da Terra (Lei nº. 4.504, de 1964) e de outros Institutos que tinham por objetivo o desenvolvimento agrário e a reforma agrária.
Contudo, esta experiência não foi bem sucedida, tendo em vista que os projetos que foram implantados durante este período não foram capazes de satisfazer as necessidades agrícolas. Em vez de dividir a propriedade, o capitalismo impulsionado pelo regime militar brasileiro promoveu a modernização do latifúndio, por meio do crédito rural fortemente subsidiado e abundante. O dinheiro farto e barato, aliado ao estímulo à cultura de soja – para gerar grandes excedentes exportáveis – propiciou a incorporação das pequenas propriedades rurais pelas médias e grandes.
Nesse período, toda a economia brasileira cresceu com vigor – eram os tempos do “milagre brasileiro”, o país urbanizou-se e industrializou-se em alta velocidade, sem ter que democratizar a posse da terra, nem precisar do mercado interno rural. O projeto de reforma agrária foi esquecido e a herança da concentração da terra e da renda permaneceu intocada.
Somente em 1984, com a redemocratização, voltou à tona o tema da reforma agrária. De grande fomento foi sua vinculação ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao qual imediatamente se incorporou o INCRA. Desde então, a reforma agrária tem recebido grandes estímulos, com dotações orçamentárias crescentes e importantes alterações legislativas.
É de se ressaltar aqui, a importância dos movimentos sociais pró-reforma agrária, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), cujas reivindicações se delineiam num panorama de mudanças político-sociais da ordem estrutural, enfatizando os valores da ética e da moral, através de uma democracia participativa.
Quanto à legitimidade do MST para tanto, veja-se entendimento jurisprudencial do STJ:
“Reforma Agrária. Movimento Sem-Terra. Movimento popular visando a implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do Estado de Direito Democrático” (HC nº. 5.574/SP – 6ª T. – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 8-4-97).
3. A QUESTÃO AGRÁRIA NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição brasileira de 1988 apresenta-se progressista no plano agrário, porém com traços conservadores devido à herança cultural privada do país. Os institutos básicos de direito agrário (o direito de propriedade e a posse da terra rural) são disciplinados e o direito de propriedade é garantido como direito fundamental, previsto no art. 5º, XXII, da atual Lei Magna.
O texto constitucional garante o direito de propriedade, porém, este direito encontra-se mitigado, na medida em que a propriedade terá que atender a sua função social (art. 5º, XXIII), sob pena de o proprietário ficar sujeito à desapropriação para fins de reforma agrária. Além disso, a propriedade volta a ser incluída entre os princípios da ordem econômica, que têm por fim ”assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170, III).
De acordo com José Afonso da Silva, lembrando Fernando Pereira Sodero, “o regime jurídico da terra fundamenta-se na doutrina da função social da propriedade, pela qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e quem a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que vive” (da Silva, José Afonso; Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros Editores, 2003, 22ª edição, pág. 795).
De acordo com a Magna Carta, em seu art. 186, para que a propriedade rural cumpra sua função social, ela tem que atender, simultaneamente, a cinco requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis; preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Então, o princípio da função social da propriedade na zona rural corresponde à idéia, já assente na doutrina jurídico-agrária, de correta utilização econômica da terra e sua justa distribuição, de modo a atender ao bem-estar da coletividade, mediante o aumento da produtividade e da promoção da justiça social.
4. REFORMA AGRÁRIA
De acordo com o §1º, do art. 1º, da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), “considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade”.
Dessa forma, a reforma agrária deve ser entendida como o conjunto de notas e planejamentos estatais mediante intervenção do Estado na economia agrícola com a finalidade de promover a repartição da propriedade e renda fundiária.
O art. 184 da Constituição da República determina que a sanção para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social é a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis no prazo de até 20 (vinte) anos, a partir do segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional ao prazo, de acordo com os critérios estabelecidos nos incisos I a V, § 3º, do art. 5º da Lei nº. 8.629/93. Entretanto, as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
O Decreto que declarar o imóvel rural como de interesse social, para efeito de reforma agrária, autoriza a União (competência exclusiva) a propor a ação de desapropriação. As operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária bem como a transferência ao beneficiário do programa, serão isentas (imunes) de impostos federais, estaduais e municipais (art. 26, Lei n. 8.629/93; §5º, do art. 184, da CF/88).
Para evitar o desvirtuamento dos objetivos da reforma agrária, o art. 189 da CF determina que “os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 anos”.
A Constituição do Brasil indica como pressupostos da desapropriação, a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social.
“Ocorre interesse social quando o Estado esteja diante dos chamados interesses sociais, isto é, daqueles diretamente atinentes às camadas mais pobres da população e à massa do povo em geral, concernentes à melhoria nas condições de vida, à mais eqüitativa distribuição de riqueza, à atenuação das desigualdades em sociedade (cf. M. Seabra Fagundes, 1984: 287-288).
O orçamento da União fixará, anualmente, o volume de títulos da dívida agrária e dos recursos destinados, no exercício, ao atendimento do Programa de Reforma Agrária; devendo constar estes recursos do orçamento do Ministério responsável por sua implementação e do órgão executor da política de colonização e reforma agrária (INCRA).
De acordo com o art. 185 da Constituição Federal, são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: a pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra; e a propriedade produtiva.
Este artigo apresenta justificativa, tendo em vista que de nada adianta desapropriar uma pequena ou média propriedade de uma pessoa para passar à outra, porque não resolve o problema agrário do País e gera um desgaste político considerável; por outro lado, de nada adianta, e nem justo é, se tirar a grande propriedade de quem produz, só porque é grande, e passar para quem, talvez, nunca tenha produzido e nem saiba fazê-lo.
Não ficou ao arbítrio da Administração Pública definir o que sejam propriedade rural, pequena propriedade, propriedade produtiva, nem as hipóteses em que se consideram atendidos os requisitos da função social da propriedade. Todos esses conceitos estão contidos na Lei nº. 8.629/93, que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos na Constituição.
A desapropriação não é feita somente de acordo com o art. 184 da Carta Maior, há também previsão constitucional no art. 5º, XXIV, que diz que “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro”.
Dessa forma, as vedações contidas no art. 185 da Constituição de 1988 fazem referência somente ao processo de reforma agrária constante do art. 184, e não ao poder geral de desapropriação do art. 5º, XXIV.
Enfim, pode-se dizer que, sendo para fins de necessidade, utilidade pública, bem como interesse social, desde que não atrelado à reforma agrária, qualquer imóvel, produtivo ou improdutivo, rural ou urbano, pequeno, grande ou médio, único do proprietário ou apenas um entre muitos, pode ser desapropriado, mas a indenização deverá ser paga a vista e em dinheiro. Se, porém, a desapropriação se fundar em interesse social, para fins de reforma agrária, não há como incidir sobre qualquer propriedade produtiva, e nem tampouco sobre a pequena e a média, produtiva ou não, desde que seja a única de que disponha o proprietário.
Em relação às pequenas e médias propriedades, importante destacar que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (6 x 5), concedeu mandado de segurança impetrado contra decreto presidencial que declarou de interesse social para fins de reforma agrária imóvel rural que houvera se transformado em média-propriedade somente após sua vistoria para fins expropriatórios. O STF considerou lícita a argumentação de tratar-se de média propriedade e, portanto, insuscetível de reforma agrária. O tribunal entendeu ser direito do proprietário do imóvel repartir sua propriedade, mesmo após a vistoria do imóvel para fins de reforma agrária, devendo eventual divisão fraudulenta ser examinada em ação própria e jamais em sede de mandado de segurança (Informativo STF nº. 80 – MS nº. 22.591 – Rel. Min. Moreira Alves, 20-8-97; tendo sido citados os seguintes precedentes: MS nº. 21.010 e MS nº. 22.645).
Assim, em outras palavras, podemos caracterizar a reforma agrária como um conjunto sistemático de medidas destinadas a melhorar as condições do homem do campo, por meio da utilização mais racional da terra. Além dos objetivos políticos sociais – permitir acesso à propriedade da terra aos que nela trabalham, eliminar grandes desigualdades e impedir o êxodo rural, fixando o homem no campo –, a reforma agrária tem objetivos econômicos: desconcentrar a renda e elevar a produção e a produtividade do trabalho na agricultura.
As medidas abaixo expostas cobrem quatro setores diversos e cada um constitui uma reforma parcial. Ao conjunto dessas reformas é que se atribui o nome reforma agrária.
1º – Reforma fundiária: processo de redistribuição da propriedade fundiária promovido pelo Estado, sobretudo em áreas de agricultura tradicional e pouco produtiva. A redistribuição dos direitos de propriedade é feita por meio da expropriação ou desapropriação e divisão dos latifúndios e grandes fazendas, improdutivas em geral, com entrega de títulos de propriedade aos arrendatários, parceiros e posseiros. Essa medida visa uma distribuição mais justa da propriedade do solo, portanto, o governo deve incluir nessa operação as terras de sua propriedade, ou seja: terras devolutas, terras da Federação, dos Estados e Municípios.
Terras devolutas são bens de natureza dominical, vale dizer, integram o patrimônio de pessoa jurídica de direito público, embora não destinadas a uso público nem concedidas a particulares. São terras vagas, não aproveitadas, que podem ser alienadas ou concedidas a particulares.
“Com pertinência às terras devolutas, outra dificuldade se apresenta: a relativa ao ônus da prova de o serem ou de o não serem. É praticamente impossível fixar-se uma conceituação jurídica positiva de terras devolutas, a partir da legislação existente: a definição só se pode fazer por exclusão, e a sua característica é a da inexistência de titulação” (Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII. Tomo III. Forense, 1981, p. 649).
Terras devolutas são bens públicos patrimoniais ainda não utilizados pelos respectivos proprietários, conceito dado pela Lei Imperial 601, de 18/9/1850 e tem sido aceito uniformemente pelos civilistas.
2º – Reforma agrícola: compreende um conjunto de medidas destinadas a aumentar a produtividade de terras e mão-de-obra agrícola, como: iniciação de técnicas avançadas de cultivo e assistência técnica; crédito fácil e acessível; facilidades para o escoamento dos produtos a preços compensatórios; e escolas e serviços médico-hospitalares locais.
3º – Reforma rural: entende-se pelo termo a reforma da empresa rural. Nem 10% dos trabalhadores no campo são proprietários das terras que cultivam. A maior parte deles trabalha em regime de assalariamento, parceiros ou arrendatários. Para certos tipos de cultura extensiva, a grande empresa rural pode oferecer condições e melhorar a utilização da terra, pelas suas maiores possibilidades de atingir grandes mercados e de renovar seus métodos e equipamentos. Mas a pequena propriedade rural, que garante um teor de vida digno e identifica na mesma pessoa as figuras do operário e do proprietário, é a mais sólida base da prosperidade agrícola de um país. A implantação de um novo sistema de produção, com a integração dessas propriedades em cooperativas pode apresentar o regime rural ideal, porque atinge as vantagens econômicas da grande empresa, com vantagens sociais que estas não podem oferecer.
4º – Regime das relações de Poder: os trabalhadores do campo necessitam, assim como os proprietários urbanos, de mecanismos de defesa legal. Reformar as relações de poder é conferir ao trabalhador do campo os recursos legais para reivindicar os seus direitos. Esses recursos são, principalmente, a organização do sindicalismo rural e da justiça agrária.
5. POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA
Não se deve confundir reforma agrária com política agrícola, na medida em que esta é a política que orienta, no interesse da economia rural, a atividade agropecuária, traçando planos, com a finalidade de harmonizá-la com o processo de industrialização do país e de melhorar a utilização da terra, implementando a produção, o aproveitamento da mão-de-obra rural e a colonização oficial e rural, atualizando a legislação e adaptando-a aos planos e programas de ação governamental, e ainda, elevando o nível de vida rural.
A política agrícola pode ser entendida como ação própria do Poder Público que consiste na escolha de meios adequados para influir na estrutura e na atividade agrária, a fim de obter um ordenamento satisfatório da conduta das pessoas que delas participam ou a ela se vinculam, com o escopo de conseguir o desenvolvimento e o bem estar da comunidade
Tal política deve ser planejada e executada na forma da lei, exigindo a participação efetiva do setor de produção, envolvendo simultaneamente produtores e trabalhadores rurais, bem como os setores de comercialização, de armazenamento e de transportes. Deverá levar em conta sobretudo: os instrumentos creditícios e fiscais; os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; incentivo à pesquisa e à tecnologia; a assistência técnica e a extensão rural; o seguro agrícola; o cooperativismo; a eletrificação rural e a irrigação; e a habitação para o trabalhador rural.
A Lei nº. 8.171/91, que dispõe sobre a política agrícola, regula que “entende-se por atividade agrícola a produção, o processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados, serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais”.
Dispõe ainda o art. 8° que o planejamento agrícola será feito em consonância com o que dispõe o art. 174 da Constituição, de forma democrática e participativa, através de planos nacionais de desenvolvimento agrícola plurianuais, planos de safras e planos operativos anuais, observadas as definições constantes da referida lei.
A política fundiária, por sua vez, difere da política agrícola, sendo um capítulo, uma parte especial desta, tendo em vista o disciplinamento da posse da terra e de seu uso adequado (função social da propriedade). Nesse contexto, a política fundiária deve visar e promover o acesso à terra daqueles que saibam produzir, dentro de uma sistemática moderna, especializada e profissionalizada.
Mas a Constituição, nas lições de José Afonso da Silva, amparou mais a política agrícola do que a reforma agrária. “Enquanto a esta se opuseram inúmeros obstáculos, àquela tudo ocorre liso e natural, porque aí o beneficiário é a classe dominante no campo” (da Silva, José Afonso; Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros Editores, 2003, 22ª edição, pág. 799).
A Constituição Federal criou o chamado “usucapião constitucional” ou “pro labore”, em favor daquele que, não sendo proprietário de imóvel urbano ou rural, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família e tendo nela sua moradia, terá adquirido sua propriedade. Em contrapartida, vedou qualquer possibilidade de usucapião em imóveis públicos.
CONCLUSÃO
Em conclusão, podemos asseverar que as políticas governamentais de acesso à terra no Brasil não conseguem promover um pacto político de sustentação para um projeto de redistribuição de terras, apesar de possuir um dos mais belos diplomas sobre a questão agrária (Lei nº. 4.504/64).
Essa crônica incapacidade de articulação tem sido responsável por uma histórica criação de expectativas, seguida de frustrações, com projetos de colonização que nascem e morrem no papel. Na raiz desse processo há um poderoso jogo de interesses bancado no século passado por fazendeiros que começaram a amealhar fortuna como posseiros de grandes áreas públicas, hoje sucedidos por grupos empresariais proprietários de fazendas altamente mecanizadas.
Reforma agrária não consiste apenas na entrega da terra a quem não a tem e a quer, precisamos sim de uma reforma acoplada à política agrícola, que responda aos anseios do homem sem terra.
A participação efetiva do público alvo na execução dos programas de regularização fundiária é vital não só para adequá-las às expectativas da população, mas também para que os ocupantes destas terras exercitem a sua cidadania.
Na definição dos instrumentos legais para a regularização fundiária deve-se adotar a negociação como forma de relação entre planejadores, executores e ocupantes, evitando imposições e incentivando a discussão de princípios e práticas que favoreçam a melhoria da qualidade de vida e fortalecimento da cidadania.
Por tudo isso, a importância da reforma agrária é decisiva porque permite e consolida a estabilidade econômico-financeira de um país. Nenhuma nação poderá ser próspera enquanto seu trabalhador rural estiver na miséria social-econômica. Daí a necessidade premente da “libertação” destes trabalhadores, numa base econômica de aliança harmônica entre o proprietário e os trabalhadores rurais.
A reforma agrária não é contra a propriedade privada no campo. Ao contrário, descentraliza-a democraticamente, favorecendo as massas e beneficiando o conjunto da nacionalidade. É um imperativo da realidade social atual, devendo atender a função social da propriedade, evitando-se assim, as tensões sociais e conflitos no campo. Uma reforma agrária no País, moderada e sábia, será uma das causas principais do progresso nacional.
Assessor de Procurador de Justiça. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Mestre em Políticas Públicas e Doutorando em Direito
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