Sumário: 1 Introdução. 2 Metodologia. 3 Contextualização do Problema. 3.1 Primeira fase da epidemia (1981-1985) – As iniciativas e articulações. 3.2 Segunda fase (1986-1990): a criação do Programa Nacional de AIDS. 3.3 Terceira fase (1990-1992): a paralisação do Programa Nacional de DST e AIDS. 3.4 Quarta fase (1992-1994): a reorganização da nova gestão e consolidação das parcerias. 3.5 O quinto período (1994 até o presente): a gestão da política nacional de DST e AIDS dentro do novo modelo de saúde. 4 Epidemia pelo HIV/AIDS e as primeiras respostas sociais. 5 Epidemiologia das DST/AIDS no Estado de Pernambuco. 6 Conclusões. 7 Recomendações. 8 Bibliografia.
1 Introdução
A SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) ou AIDS (Acquired Immunodeficiency Síndrome) é o estágio tardio da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Este tipo de infecção vem aumentando progressivamente sua incidência. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde – OMS, já se contabiliza no mundo mais 40 milhões de casos cadastrados, sendo 20 milhões o número de mortes decorrentes da contaminação pelo vírus. Segundo estimativas para este ano, realizada pela mesma Organização, 90% das ocorrências de AIDS serão registradas nos países em desenvolvimento.
A forma de contágio continua sendo predominantemente através da relação sexual, representada por 54,3%, sendo que a transmissão por relações heterossexuais é a categoria que mais cresce. Essa mudança incorpora alguns componentes nas discussões sobre a doença e sua inserção nos contextos socioeconômicos e culturais e derruba definitivamente o seu arcabouço inicial, centrado na idéia dos grupos de risco. Mesmo que haja grupos mais expostos, é toda a sociedade que está imediatamente implicada no processo.
Pela tendência observada no Brasil, são as populações já tradicionalmente marginalizadas, sobre as quais recaem a grande maioria das doenças endêmicas e as patologias decorrentes da fome e ausência de saneamento, que estão sendo cada vez mais infectadas pelo HIV. O instrumento de coleta de dados adotado pelo Ministério da Saúde não dispõe de variáveis que mensurem diretamente o nível socioeconômico dos pacientes, sendo, portanto, a escolaridade um indicador indireto utilizado para descrever a pauperização da epidemia. Dos casos diagnosticados em 1986, 38% apresentavam nível de escolaridade até o primeiro grau e 37% escolaridade superior; já em 1997, 72% referiram escolaridade até o primeiro grau e 8% superior.
No caso do Nordeste, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico – IBGE indicam como sendo a região de menor renda per capita e de menor taxa de escolaridade do País sendo assim as condições socioeconômicas favorecem uma maior propagação da doença, principalmente em mulheres e crianças em áreas denominadas “bolsões de pobreza”, próximas às cidades com alta concentração de casos.
Verifica-se após vintes anos de epidemia uma concomitante mudança do perfil dos pacientes, dos órgãos de financiamento, das ONGs e por fim da nova constituição de governo tanto nacional, estadual e em particular em Recife. Como elaborar e implementar uma política pública em DST/AIDS com as mudanças no perfil desses atores?
2 Metodologia
Realizamos duas entrevistas uma com o coordenador do programa DST/AIDS da prefeitura da cidade do Recife, Sr. Aciolly e outra com a srª Alessandra Nilo coordenadora da entidade não governamental GESTOS -Soropositividade, Comunicação e Gênero-, que trabalha especificamente na prevenção a AIDS. Cada entrevista durou aproximadamente duas horas e permitiu que os integrantes do grupo se familiarizassem com a política pública de prevenção a DST/AIDS e subsidiados por estas entrevistas fizemos um estudo comparativo da visão do Estado e da Sociedade, sobre os avanços, fracassos e o que precisa ser feito para o aprimoramento dessa política pública.
Após discussão em grupo, percorremos a literatura pertinente ao assunto, através de livros, papers e relatórios do Ministério da Saúde e órgãos afins, para dar suporte acadêmico ao nosso estudo. Por fim esperamos apontar elementos e fornecer recomendações que auxiliem aos atores envolvidos na política de prevenção a DST/AIDS.
3 Contextualização do problema
A gestão de um Programa Nacional impõe desafios em todos os graus de complexidade. Estes desafios no nível estadual e local se traduzem principalmente: pela instabilidade política das equipes de coordenação, pelas estruturas de gestão incipientes, pela falta de priorização das ações de DST e AIDS, pelas dificuldades de adequação aos cumprimentos de acordos efetuados com o governo federal, pela escassez de recursos humanos capacitados no gerenciamento, planejamento, monitoramento e avaliação das ações, e principalmente pela pouca integração que ainda existe das ações de DST e AIDS no Sistema Único de Saúde. Os caminhos para a superação destas dificuldades passam necessariamente pelo compromisso institucional dos gestores estaduais e municipais de saúde. Este deve refletir no fortalecimento institucional das Coordenações de DST e AIDS quanto a sua estrutura e organização, na garantia de recursos financeiros e humanos, na integração das ações de DST e estabelecimento das parcerias, para que haja continuidade das estratégias, ações e produtos mesmo após o encerramento do 2o acordo de empréstimo – Projeto AIDS II.
A inadequação de secretarias municipais e estaduais de saúde às novas regras para repasse de recursos federais para o combate à Aids colocam em risco as ações e projetos de combate à epidemia. O sistema de repasse “fundo a fundo”, em vigor a partir deste ano exige que as secretarias municipais e estaduais da saúde se habilitem para receber os recursos. Isso, no entanto, está acontecendo de forma muito lenta, conforme demonstra a CN DST/AIDS: Passados três meses da vigência da nova sistemática de repasse de recursos para ações de prevenção ao HIV, aids e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) para estados e municípios, apenas 39 cidades, das 411 cadastradas, habilitaram-se junto ao Ministério da Saúde para receberem as verbas. Entre as secretarias estaduais, somente Ceará, São Paulo e Espírito Santo já estão qualificados. Isso representa 18,84% dos recursos previstos e garante a cobertura de 24,4% dos casos de aids notificados, ou 17,82% da população. E deixa sem ação as ONG que trabalham na prevenção e controle da doença, uma vez que 10% das verbas estaduais serão automaticamente destinadas a elas.
As ações de controle da transmissão vertical do HIV também não foram definidas pelos estados e municípios. A reunião da Tripartite decidiu que o Ministério da Saúde se comprometerá a fornecer os testes rápidos anti-HIV e confirmatório para sífilis, bem como inibidor de lactação e fórmula infantil até junho, para não interromper a política de atendimento às gestantes. Também estão disponíveis recursos adicionais de cerca R$ 2,5 milhões para a compra do leite fórmula infantil. Até abril desta ano, nenhum, município a licitou.
A demora na qualificação para o recebimento dos recursos gerou para o Ministério da Saúde um saldo de R$ 13,9 milhões de reais, que serão transferidos para ações prioritárias em HIV e aids a serem definidas junto com os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde (Conass e Conasems). Essa medida, no entanto, foge inteiramente às propostas estabelecidas para o repasse direto de recursos para as secretarias de saúde, que tem o objetivo de descentralizar as ações, fortalecer a autonomia dos estados e municípios e garantir repasses mensais para a continuidade das políticas locais estabelecidas”.
3.1 Primeira fase da epidemia (1981-1985): as iniciativas e articulações efetuadas no Brasil
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) teve seus primeiros casos notificados no Brasil no ano de 1981, na cidade de São Paulo, região Sudeste do país. O Brasil, neste início de década, era caracterizado por profundas mudanças na organização do sistema de saúde, que ficaram conhecidas como reforma sanitária, onde se defendia a saúde como um direito de todos e um dever do estado. O Brasil saía de longos anos de ditadura militar e a sociedade ainda sofria as conseqüências deste fato.
A redemocratização da sociedade acontecia de forma gradual e lenta, e as instituições de saúde tentavam se reorganizar, para atender da melhor forma possível seus problemas mais prioritários e emergentes. O modelo de saúde vigente era então extremamente centralizado. E foi neste contexto que surgiram os primeiros casos de AIDS no país (Parker, Galvão e Bessa, 1999).
Como já citamos os primeiros casos de AIDS foram notificados em São Paulo, maior e mais populosa cidade brasileira, e palco de intenso movimento sanitarista progressista. Deste estado surgem as primeiras respostas, com a criação de referenciais éticos, políticos e legais que viriam a influenciar posteriormente na elaboração das políticas públicas de AIDS no país. As diretrizes e normas operacionais adotadas pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo serviriam de modelo para os outros estados brasileiros que também identificavam os primeiros casos de AIDS. Até 1985 pelo menos 11 estados da federação já organizavam suas políticas a AIDS, criando seus programas de controle, cujas ações eram dirigidas para investimentos em vigilância epidemiológica, assistência médica e prevenção, quase sempre somente com campanhas de informação veiculadas na mídia falada e escrita.
Até o final desta primeira fase o Ministério da Saúde do Brasil não tinha qualquer ação expressiva contra a epidemia.
3.2 Segunda fase (1986-1990): a criação do Programa Nacional de AIDS
A partir de 1986 a epidemia de AIDS no país começou a se expandir, e o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Controle de DST e AIDS, com sede em Brasília, a capital do Distrito Federal. Como gestor das políticas de saúde pública no país, o Ministério se organizou para uma resposta urgente à epidemia de AIDS, que já atingia 22 estados da federação. Organizou, em parceria e com apoio financeiro da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), o primeiro curso para formação de gestores de Programas Estaduais de Controle de DST e AIDS. As diretrizes e normas do Programa Nacional foram elaboradas e divulgadas para direcionamento das ações de controle nos estados.
Este período foi também caracterizado pelo surgimento de um grande número de organizações não-governamentais (ONGs) que tinham com expressão maior a luta contra a AIDS e em favor dos direitos das pessoas atingidas, e que passaram a atuar principalmente na assistência e na mobilização social para uma pressão política.
Em 1986, como um dos mais importantes marcos históricos no Brasil, foi realizada a VII Conferência Nacional de Saúde que implantou as bases do Sistema Único de Saúde (SUS) hoje vigentes. Este novo sistema, diferente do anterior que era hegemônico e centrado nos hospitais e nas ações assistenciais curativas, foi criado com o objetivo de promover os direitos constitucionais, sendo organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as ações preventivas, sem prejuízo das assistenciais; e participação da comunidade.
O Programa Nacional de DST e AIDS, mesmo reconhecendo a importância de inserir as ações de DST/AIDS no novo modelo, demorou em avançar em sua política, pois não tomou como referencial as diretrizes do SUS para o direcionamento das ações de controle das DST/AIDS, optando, pois pela centralização da política e dos recursos financeiros (Teixeira, 1997).
3.3Terceira fase (1990-1992): a paralisação do Programa Nacional de DST e AIDS
Este foi um período de grave crise institucional no governo federal, que praticamente desestruturou o Programa Nacional de DST e AIDS, tendo conseqüências sérias para os Programas estaduais, que se fragilizaram diante da falta de perspectiva nacional. Posturas muitas vezes equivocadas da equipe do Programa Nacional de Controle de DST e AIDS determinaram o rompimento das relações com alguns organismos internacionais (Teixeira, 1997; Parker, Galvão e Bessa, 1999).
3.4 Quarta fase (1992-1994): a reorganização da nova gestão e consolidação das parcerias
Passada a crise de 1992, e a partir da instituição de um novo ministério, iniciou-se o processo de reestruturação e ampliação da resposta nacional. A Coordenação Nacional se reorganizou internamente, contratou novos técnicos e elaborou um plano estratégico para o novo período. As relações com os estados, municípios e ONGs foram restabelecidas e as articulações internacionais retomadas.
O ano de 1993 foi de muito investimento na capacitação das equipes estaduais e municipais, pois se iniciavam as negociações do Governo Brasileiro com o Banco Mundial para o primeiro acordo de empréstimo, que ampliaria a capacidade de resposta à epidemia de AIDS em todo o país. Este acordo de 160 milhões de dólares, dos quais 90 milhões proveriam de contrapartida do Tesouro Nacional, foi negociado em tempo recorde. A importância deste acordo é que ele não só possibilitou a ampliação das ações de controle no país, como estabeleceu um compromisso formal do governo a partir da alocação de recursos no orçamento da União e dos estados e municípios para este fim.
3.5 O quinto período (1994 até o presente): a gestão da política nacional de DST e AIDS dentro do novo modelo de saúde
A partir de 1994, com o acordo de empréstimo, o Ministério da Saúde, através da Coordenação Nacional (CN DST e Aids), passou a implementar o Projeto de Controle de DST e AIDS (o AIDS I, com apoio de Banco Mundial). Como condição essencial ao desenvolvimento do Projeto, houve uma reestruturação administrativa do Programa Nacional, com ampliação do quadro de pessoal proporcionado por novas contratações de profissionais especializados nas áreas de: Prevenção; Assistência; Vigilância Epidemiológica; Laboratório; Informática; Planejamento e Avaliação e Administrativa-Financeira, dentre outras. A partir deste marco a CN DST e Aids fortaleceu sua estrutura gerencial, revisou e/ou elaborou diretrizes e normas do Programa em todas as suas áreas de atuação e promoveu a capacitação de sua equipe de profissionais. A incorporação das diretrizes do SUS no direcionamento das ações de controle de DST e AIDS passou a ser prioridade da CN DST e Aids, pois a implementação do SUS avançava a cada dia no processo de descentralização e criava novas condições de gestão para estados e municípios.
A participação e o controle social se efetuaram através das inúmeras parcerias formadas com organizações não-governamentais que tinham expressão na questão das DST/AIDS e organizações comunitárias.
As questões relacionadas à prevenção e ao controle das DST e AIDS foram também introduzidas e discutidas nos fóruns colegiados de controle social tais como conselhos estaduais e municipais de saúde (compostos por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários) e suas instâncias representativas nacionais (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, CONASSEMS, e Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde, CONASSE).
A Coordenação Nacional de DST e Aids tem procurado consolidar o processo de descentralização das ações a partir da formulação de convênios de assistência técnica e financeira com governos estaduais, prefeituras municipais e consórcios intermunicipais por meio das Secretarias estaduais e municipais e executivas de saúde. Estas instâncias assumem a responsabilidade de promover a implementação do Projeto de Controle de DST e AIDS nos seus âmbitos de atuação. Hoje o Brasil já possui uma gestão descentralizada das ações de DST e AIDS em 27 estados e 43 municípios. Até o ano 2000 serão conveniados mais 105 municípios que terão suas ações de controle organizadas e fortalecidas. A descentralização das ações e a participação e o controle social são também hoje utilizados como estratégias por grande parte dos estados brasileiros, que visualizam estes recursos como os mais viáveis e eficazes para o enfrentamento da epidemia no país.
A institucionalização destas ações no âmbito do SUS tem sido priorizada na gestão do segundo convênio com o Banco Mundial (o AIDS II). A Coordenação Nacional de DST e Aids tem atuado no sentido de promover a articulação interinstitucional e intersetorial e o debate com as instâncias de controle social, para garantir o fortalecimento deste processo.
A Coordenação Nacional de DST e Aids formulou o Projeto AIDS II na perspectiva de permitir uma maior autonomia de gestão às Secretarias de Saúde Estaduais e Municipais. Com isto, tem procurado fortalecer o desenvolvimento institucional de seus parceiros e investir na organização do processo de gestão, capacitando as equipes locais em planejamento, programação, execução, acompanhamento e avaliação de projetos. No intuito de garantir a sustentabilidade das ações, a CN DST e Aids faz regularmente um trabalho de sensibilização dos gestores de saúde nos órgãos colegiados, discutindo as competências dos três níveis de governo e pactuando algumas questões.
No processo de descentralização destacam-se, inicialmente, os investimentos na área de planejamento e programação. Com o objetivo de instrumentalizar as Coordenações Estaduais e Municipais para a elaboração dos seus Planos Operativos Anuais (POAs) – instrumentos de operacionalização do Projeto –, a Coordenação Nacional de DST e Aids promove assessoramento técnico em todas as áreas do Projeto (Promoção, proteção e prevenção; Diagnóstico, tratamento e assistência às pessoas portadoras de DST/HIV/AIDS; Fortalecimento institucional), capacita as equipes das Coordenações na gerência administrativa e financeira do Projeto, e promove reuniões sistemáticas de atualização e monitoramento.
4- A epidemia pelo HIV/Aids e as primeiras respostas sociais
No Brasil, a trajetória de combate à epidemia, sobretudo a partir da década de 1990, registrou-se uma interação crescente entre ações governamentais e movimentos comunitários. No plano governamental, em 1985, uma portaria ministerial criava a atual Coordenação Nacional de DST e Aids e, em 1986, foram iniciados os trabalhos da então Divisão Nacional de Controle das DST e Aids, do Ministério da Saúde. Integrada por epidemiologistas, sanitaristas e clínicos, o programa logo destacou-se como um dos maiores na estrutura ministerial, mobilizando mais de 30 profissionais.
No plano da sociedade, data de 1985 a criação da primeira ONG que trabalha com aids no Brasil: o Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (GAPA) do estado de São Paulo. É por sinal, neste estado, com tradição de autonomia administrativa e com o maior número de casos de aids relatados no país, que se criou, na gestão do governo Franco Montoro (1983-1987), um serviço pioneiro e exemplar: o Centro de Referência e Treinamento para Aids (CRTA).
Centralizando o atendimento e a informação, promovendo contínuas campanhas de prevenção, incluindo o inédito outreach (trabalho corpo a corpo) comunitário no Brasil, o CRTA serviu como estímulo para o surgimento das primeiras ONG exclusivamente dedicadas ao trabalho com aids de São Paulo: o GAPA, com ações voltadas para o combate à discriminação e campanhas gerais de prevenção.
No Rio de Janeiro, a situação foi bem diferente. O estado e a cidade não possuíam um programa profissionalizado e apresentavam uma infra-estrutura de saúde muito precária. Por outro lado as primeiras iniciativas no campo comunitário foram lideradas por Herbert de Souza (Betinho) e Herbert Daniel que trouxeram para a luta contra a aids suas tradições oposicionistas, marcadamente reformistas, e as preocupações com as chamadas questões emergentes dos anos 80, como a discussão ecológica, de gênero, de sexualidade e da homossexualidade, vindas da tradição européia e norte-americana da contracultura dos anos 60 e 70.
A união dos dois Herberts, mais a adesão de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, do criminalista Nilo Batista, do bispo da Igreja Católica Mauro Morelli, e do jornalista Luiz Lobo, entre outros, resultou em 21 de dezembro de 1986 na fundação da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA). Uma organização que nascia não de um movimento de base, estritamente voluntarista e comunitário, mas de um projeto elaborado, com identidade definida e totalmente profissionalizada. A Fundação Ford, escritório Brasil, apostou no projeto, alocando, de imediato, recursos e servindo de ponto de referência para outras agências internacionais de financiamento nos Estados Unidos e Europa. O mesmo empenho da Fundação Ford ocorreu a partir de l989, quando do seu apoio determinante para a continuidade do projeto do Grupo Pela VIDDA/RJ, também liderado por Herbert Daniel.
A ABIA se propunha a tematizar a aids no contexto maior das políticas públicas, na perspectiva da multidisciplinariedade, sustentando a idéia de que a exclusão e a vulnerabiliade sociais eram facilitadores e potencializadores da infecção pelo HIV e situando a prevenção e assistência numa visão estratégica da democracia. Esta foi a marca do discurso abiano.
No início de 1989 Herbert Daniel – como vice-presidente informal da ABIA – e um grupo de amigos, fundaram o Grupo pela Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids (Grupo Pela VIDDA). O Pela VIDDA insere em sua pauta a necessidade de as pessoas com HIV e aids terem uma participação ativa e determinante nas políticas públicas para aids, abandonando a tradicional posição passiva e vitimizada das pessoas com HIV e aids, predominante em alguns círculos. O Pela VIDDA foi a primeira experiência desse gênero na América Latina, ganhando grande visibilidade na V Conferência Internacional de Aids em Montreal (1989) e constituindo-se, junto com a ABIA, em um dos fomentadores da criação do Conselho Internacional de Organizações que trabalham com Aids (ICASO).
Em fins de 1991, o conflito entre ONG e governo já estava estabelecido quando se iniciou a discussão a respeito dos protocolos de produtos candidatos a vacinas anti-HIV e da possibilidade de que uma de suas fases de testagem fosse conduzida no Brasil, segundo proposta da Organização Mundial da Saúde, feita no primeiro semestre desse mesmo ano, ao governo e diretamente às ONG. Mesmo suspensa após negociações preliminares, a discussão proporcionou a primeira grande aproximação entre as ONG – sobretudo os Grupos Pela VIDDA do Rio e São Paulo e ABIA – e pesquisadores e médicos interessados nos protocolos de vacinas. “Onguistas”, pesquisadores e médicos estabelecem então uma agenda de trabalho com objetivos comuns.
Por razões que não se prendem diretamente à aids, a direção da CN-DST/AIDS foi afastada e a política de saúde mudada mais uma vez, abrindo nova possibilidade de diálogo no plano federal. Lair Guerra de Macedo Rodrigues reassume a CN-DST/AIDS, constituindo quatro grupos de trabalhos, sob a responsabilidade de técnicos de expressão, com uma tarefa estratégica imediata: elaborar a carta de intenção ao Banco Mundial, propondo um projeto de controle das DST e HIV/aids no País. Ao contar com o trabalho voluntário de parte das equipes dos Grupos Pela VIDDA/RJ e SP, ABIA e GAPA/SP, entre outras ONG, a carta de intenções era uma clara demonstração de uma nova perspectiva propositiva por parte da cultura da aids no Brasil.
Os objetivos gerais do projeto apresentado ao Banco Mundial foram dois: (a) reduzir a incidência e a transmissão do HIV e DST e (b) fortalecer instituições públicas e privadas responsáveis pelo controle do HIV e aids.
A carta de intenções foi aceita pelo Banco Mundial, no contexto de sua nova fronteira de trabalho: deter a infecção pelo HIV e aids nos países em desenvolvimento e aplicar os conceitos de capital humano e participação comunitária nos programas de governo.
A lógica proposta pelo projeto assumia que, sem intervenções conjuntas e imediatas, haveria um aumento da epidemia com conseqüências graves e adversas para o país. Estimava-se que o projeto salvaria cerca de 300.000 vidas em um período de 3 anos, totalizando uma economia nos custos diretos de tratamento de cerca de 600 milhões de dólares e de 1,2 bilhões de dólares em custos indiretos associados. O aproveitamento da experiência adquirida, aliado a uma infra-estrutura adequada e aprimorada teriam impactos futuros imensuráveis na prevenção do HIV.
É no contexto maior do projeto com o Banco Mundial que situamos o Setor de Articulação com ONG, seu progresso e sua experiência na administração pública federal. Desde 1992, as ONG, sem abdicarem de suas prerrogativas, substituem a política do confronto por ação propositiva e co-responsável com o governo. Voluntariamente ou não, quando começam a participar das concorrências promovidas pela CN-DST/AIDS, as ONG desenham parte da nova agenda social do país: “o encontro e a sinergia entre a lógica governamental, marcada pela permanência e universalidade das políticas sociais, e a lógica da sociedade civil, marcada pela defesa de interesses específicos e a experimentação de formas mais ágeis e flexíveis de ação”.
5 Epidemiologia das DST/AIDS no Estado de Pernambuco
A epidemia da Aids no Estado de Pernambuco teve início no ano de 1983, na cidade do Cabo de Santo Agostinho, município da Região Metropolitana do Recife – RMR, disseminando-se por todo o estado, assumindo uma expressiva magnitude nas últimas décadas, medida pelo crescimento das taxas de detecção de caso.
Analisando-se a epidemia até o ano de 1986, 100% dos casos encontravam-se na RMR, sobretudo em Recife, Olinda, Jaboatão e Paulista, com o passar dos anos a doença vai se interiorizando, inicialmente nos maiores centros urbanos do interior do estado, como Caruaru e Petrolina. Isto pode ser explicado pelo maior fluxo de pessoas, devido a migrações e comércio. Até o ano 2000 (10/08/00), existiam 3.620 casos notificados na RMR, correspondendo a cerca de 83% do total de casos de Aids do Estado (4.371). O processo de interiorização atinge 138 municípios dos 185 municípios do Estado (75 %), a disseminação da AIDS para o interior não vem se dando de forma homogênea, visto que dentre os municípios atingidos, apenas 06 apresentam mais de 100 casos, destacando-se dentre estes o município do Recife, com 2.212 casos; 24 municípios, têm entre 10 e 100 casos e a grande maioria com apenas 1 ou 2 casos.
Em face deste diagnóstico, a Secretaria Estadual de Saúde, através do Programa Estadual de DST/AIDS, criou Centros de Referência para o atendimento a pacientes portadores do HIV/AIDS, visando a descentralização da prevenção e assistência, a exemplo dos municípios de Recife, Olinda, Caruaru, Cabo e Garanhuns, que além de equipes multiprofissionais treinadas, contam ainda com Centros de Testagem e Aconselhamento em DST – CTA.
Em relação às microrregiões, a do Recife foi a que registrou em todos os períodos as maiores taxas de detecção. O mesmo ocorreu quando se analisam as mesorregiões, enquanto que as menores taxas de detecção ocorreram no Sertão Pernambucano.
6 Conclusões
O cenário trazido através dos levantamentos realizados pelos organismos oficiais que tratam do tema, aponta uma realidade preocupante e que requer um constante processo de mobilização e comunicação com a sociedade e entre os seus diversos sujeitos sociais. O Brasil lidera, em números absolutos, o número de casos na América Latina e caminha para um processo de descentralização no tocante às ações sobre o HIV/AIDS, o que irá requerer uma preparação diferenciada por parte dos estados e municípios, inclusive na perspectiva de captação de recursos e de esclarecimento junto à sociedade.
Esse processo de comunicação precisa ser claro e permanente. Os avanços na medicina têm aportado ganhos ao tratamento, o que ainda não significa a cura, mas no tocante à prevenção os ganhos são, ainda, tímidos. A consciência sobre a doença é vaga para a maioria da população, a resistência ao uso de preservativo é alta e a procura por testes que identifiquem a presença do vírus diante de uma situação de risco é pequena, o que faz com que muitas vezes o diagnóstico só ocorra mediante a presença de doenças oportunistas, muitas das quais irreversíveis.
Assim, faz-se necessário uma constante articulação entre Governo e sociedade civil numa perspectiva de troca de experiência e de divulgação sobre aspectos primordiais referentes a HIV/AIDS junto a diversos setores da população.
7 Recomendações
O Brasil conseguiu reverter as expectativas pessimistas do início dos anos 90, quando o Banco Mundial previu que o país entraria no século XXI com 1,2 milhão de portadores do HIV. O coordenador do Programa Nacional de DST/Aids, Paulo Roberto Teixeira, na abertura do IX Congresso Brasileiro de Prevenção em DST/Aids, em 10 de setembro de 2002, em Cuiabá (MT), afirmou que graças à parceria do Ministério da Saúde com a sociedade civil o número de pessoas infectadas com o vírus da Aids é de 597 mil.
A preocupação atual, tanto para o Ministério da Saúde como para a sociedade civil, é a continuidade das ações iniciadas nos últimos anos. Com o fim do acordo com o Banco Mundial em dezembro de 2002, as ações de prevenção a Aids, majoritariamente financiadas com dinheiro do BIRD, podem ficar comprometidas, caso os governos – federal, estaduais e municipais – e as Organizações Não-Governamentais (ONG’s) não encontrem outras formas de financiamento.
A sustentabilidade do programa DST/Aids tem sido tema de diversos debates. Em maio passado, 215 entidades representativas da sociedade civil reuniram-se, em Recife, para discutir o assunto no Encontro Nacional das Organizações que trabalham com Aids. Segundo o assessor de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Carlos Passareli, as ONG’s estão seguras de que independentemente da renovação ou não do acordo com o BIRD é preciso encontrar caminhos para dar continuidade às ações em desenvolvimento.
“O governo tem que inserir a prevenção no Sistema Único de Saúde (SUS), que ainda é exclusiva das entidades comunitárias. O SUS precisa dar conta da Aids. Continuar fazendo o que já faz, ou seja, o tratamento, e ao mesmo tempo fazer a prevenção”, ressalta Passareli.
De acordo com o secretário do Fórum ONG/Aids do Rio de Janeiro, Roberto Pereira, o movimento social está buscando alternativas para garantir a manutenção de suas ações. Entre elas, identificação de parcerias locais, capacitações e trabalhos integrados entre ONG’s. Representantes do Fórum/RJ participaram, nos dias 22 e 23 de setembro de 2002, da Conferência Municipal de Saúde tentando mobilizar os delegados para a importância da descentralização das ações de prevenção e sua inserção no SUS.
A responsável pela Unidade de Articulação com a Sociedade Civil e de Direitos Humanos da Coordenação Nacional, informou que até 2002 não havia na estrutura estatal canais para o repasse de verbas às ONG’s. Por isso, o primeiro desafio foi o de viabilizar meios para que no futuro, após o término do empréstimo com o Banco Mundial, o governo possa manter os convênios com as entidades da sociedade civil. Com esta finalidade está em discussão a mudança da legislação de operacionalização do SUS.
Além dos recursos da Coordenação Nacional da Aids, as ações das ONG’s são financiadas por agências internacionais. A maioria dos projetos das ONG’s conta com financiamento externo. O problema é que as agências internacionais vêm diminuindo o investimento no Brasil. As razões, na opinião do assessor da Abia, são o maior envolvimento do governo em ações sociais e o melhor desempenho do país em comparação aos do continente africano. “Precisamos ter recursos para sustentar as ações, seja do tesouro nacional ou das agências internacionais”, resume Passareli.
Outra alternativa é o fortalecimento das ONG’s para que possam obter outras fontes de recursos. A Coordenação Nacional, nos últimos meses do ano de 2002, realizou treinamentos por regiões, englobando um total de 180 entidades. Além da discussão sobre a sustentabilidade dos projetos, os representantes das ONG’s foram treinados para o gerenciamento e o planejamento estratégico. Os encontros contaram com apoio da Fundação Getúlio Vargas (São Paulo) e do GAPA- Bahia.
A Coordenação Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde continua atuando no sentido de apoiar os seus parceiros na superação das dificuldades, fazendo as articulações necessárias junto às instâncias gestoras do SUS e órgãos colegiados, viabilizando tecnologias e incentivando o fortalecimento da integração das ações no cotidiano das instituições gestoras estaduais e municipais para, desta forma, tornar efetiva a descentralização, a institucionalização e a sustentabilidade das ações de controle de DST e AIDS no país.
No momento em que se discute a potencialização do modelo das ONG que trabalham com aids para a política social em geral, não se pode recuar em qualquer direção. Por parte do governo, há que manter a compreensão do papel crítico das ONG e que o financiamento a este tipo de trabalho não pode substituir o investimento básico na área social. Por parte das ONG, há que ter em mente que a fonte de sua legitimidade são os cidadãos e sua sobrevivência depende de sua força na sociedade, tanto para a obtenção direta de recursos quanto para a garantia de fundos estatais. Em qualquer hipótese, porém, sua eficiência e seus resultados são elementos fundamentais.
O Banco Mundial (Bird) liberou financiamento de US$ 100 milhões para o programa brasileiro de tratamento e prevenção à AIDS e a doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Esse é o terceiro repasse de recursos do Bird para o combate à AIDS no País.
O governo brasileiro dará uma contrapartida para completar o orçamento total do programa, da ordem de US$ 200 milhões. O empréstimo tem vencimento de 15 anos e 5 anos de carência.
Há hoje uma grande preocupação na comunidade científica com a continuidade das ações preventivas e pesquisas sobre a doença e novos medicamentos. Isso porque o perfil da AIDS mudou e ela é hoje uma doença de pobres tanto em países ricos com nas nações em desenvolvimento. Há um temor generalizado de que essa mudança provoque a redução das pesquisas sobre a doença e, principalmente, o investimento no desenvolvimento de novos antiretrovirais.
O programa dará ênfase à melhoria da cobertura e qualidade das intervenções e fortalecimento do programa brasileiro, considerado modelo. Outro destaque é o investimento em novas tecnologias para tratamento e prevenção. O projeto revela preocupação ainda com o avanço da tuberculose, especialmente as formas resistentes da doença, entre doentes de AIDS.
Advogado com atuação na Paraíba e em Pernambuco, Especialista Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba. Professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Paraíba e da Universidade Estadual da Paraíba. Assessor jurídico da Coordenadoria de Meio Ambiente da Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Campina Grande (PB).
Economista. Mestre em Gestão da Políticas Públicas pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Professor da Faculdade Santa Helena (FSH).
Advogado. Mestre em Gestão da Políticas Públicas pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Professor da Universidade Santa Joana (USJ)
Advogada. Analista da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE). Mestre em Gestão da Políticas Públicas pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ).
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…