Sumário: 1. Introdução: Os regimes internacionais e o Direito Internacional Ambiental 2. O Direito Internacional Ambiental da região da Antártica 3. O Direito Internacional Ambiental da região do Ártico 4. Estudo Comparado dos Regimes Jurídicos do Ártigo e da Antártica 5. Conclusão
Resumo: Trata o presente artigo, de um estudo comparativo dos dispositivos normativos sobre direito ambiental que regulam a Região Ártica e a Antártica. Para tanto, estrutura-se a composição dos respectivos regimes jurídicos, e se analisa as peculiaridades do contexto de ambas as regiões e principais diferenças normativas em termos de natureza jurídica (hard law e soft law) e de mecanismos de efetivação das suas normas.
Palavras-Chave: Direito Ambiental, Região Ártica e Região Antártica.
Abstract: This article aims to compare the environmental law of the Ártic and Antartic regions. To viabilize this, it identifies the composition of both legal systems, and analyzes the peculiarities of each context and they regulatory differences in terms of hard or soft law law, and effective mechanisms for their standards.
Key-Words: Environmental Law, Ártic and Antartic regions.
1. Introdução: Os regimes internacionais e o Direito Internacional Ambiental
O presente artigo visa comparar os dispositivos normativos sobre direito ambiental que regulam a Região Ártica e a Antártica. Nesse sentido, cabe, primeiramente, destacar algumas assimetrias geográficas, políticas e econômicas para melhor entendimento do assunto. Ilustra-se, inicialmente, o contexto em que as regulamentações ambientais de tais regiões se inserem, qual seja, o Direito Internacional Ambiental, com foco para o estudo da diferença entre os respectivos regimes ambientais, abordando nesse aspecto, como parâmetros de pesquisa, a natureza dos regimes e o modo de controle de suas normas, no sentido de se identificar como tratam a efetividade dos tratados e como se dá a exigência do seu cumprimento.
Os regimes internacionais são os princípios, normas, regras e decisões reflexos da convergência de interesses de seus atores. Os princípios são o conjunto coerente de estabelecimentos teóricos, as normas especificam formas gerais de comportamento, e as regras e decisões se referem a prescrições especificas de comportamento em áreas definidas.[1]
O desenvolvimento do Direito Internacional Ambiental foi sendo estabelecido no parâmetro dos interesses dos diversos sujeitos das relações internacionais, em várias questões. Os regimes representam à própria dinâmica do Direito Internacional, na medida em comportam o próprio resultado da interação internacional, que não se limitam mais somente aos Estados, além das várias formas que estes regimes podem adquirir na elaboração das normas.
É dizer que os regimes constituem a própria expansão do direito internacional, pois se verifica a necessidade de regulamentação internacional de assuntos que antes eram tratados apenas no âmbito interno, como ocorre com o âmbito do meio ambiente, conseqüência da descentralização das fontes do Direito Internacional. Essa descentralização é oriunda da atribuição progressiva de capacidade para se emanar e controlar as normas internacionais às organizações internacionais e supranacionais.[2]
Os regimes ambientais se inserem na concretização do desenvolvimento sustentável[3], na medida em que compõem a regulamentação da exploração dos respectivos recursos naturais de modo a viabilizar o desenvolvimento das atividades humanas com a manutenção da qualidade ambiental, para as presentes e futuras gerações. É a normatização da racionalização da ação humana, levando-se em conta os aspectos de suas conseqüências no meio ambiente.
Em suma, a multiplicidade de atores na cena internacional e a exploração de setores sociais, cujas expectativas ampliaram-se para alcançar, além dos aspectos econômicos da vida humana, outras necessidades e modo de organização os mais variados, como, por exemplo, a própria questão da proteção ambiental e do desenvolvimento sustentável, extrapolando os limites clássicos de percepção da juridicidade territorial, provocaram o surgimento de regimes normativos autônomos dissociados do Estado, liberados dessa limitação territorial estatal.[4]
Talvez a mais significante contribuição da teoria dos regimes tem sido a sua ênfase no âmbito das organizações internacionais voltadas para a questão ambiental, e na efetividade da aplicação de suas normas.[5] Os regimes são específicos no que se refere à matéria e ao modo de tratar essa matéria, adquirindo uma verdadeira autonomia na regulamentação daquela questão, e por isso se verifica uma mudança na perspectiva da efetividade do Direito Internacional.
Nessa perspectiva, a presente análise atua no âmbito do direito internacional ambiental, dirigida para o estudo da diferença entre os regimes ambientais das regiões do Ártico e da Antártica, abordando como parâmetros de pesquisa, a natureza dos regimes e o modo de controle de suas normas, no sentido de se identificar como tratam a efetividade dos tratados e como exigem o seu cumprimento.
2. O Direito Internacional Ambiental da região da Antártica
O continente antártico é rodeado pelo Oceano Austral, delimitado pela chamada Convergência Antártica, que é formada pelas correntes geladas do Oceano Antártico e as águas quentes do norte, formando uma barreira biológica própria que caracteriza o seu ecossistema.[6] O continente onde foi registrada a temperatura mais fria de todos os tempos (-89,2°C na estação Vostok em 21/07/1983)[7] é localizado no Pólo Sul do planeta, cercado pelos oceanos Pacífico e Atlântico. Durante todo o ano quase que sua totalidade territorial permanece congelada. A Região Antártica é o único continente que não possui população permanente.
A regulamentação ambiental pertinente é predominantemente marinha. Como umas das peculiaridades do Direito Internacional Ambiental, destaca-se o Tratado da Antártica. Segundo o Núcleo Antártico da UFSM, órgão suplementar do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM):
“Em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos realizaram sua primeira expedição de grande porte à Antártica, denominada Operação “High Jump”, Salto Grande, comandada pelo Almirante Byrd, a qual contou com nove navios, um submarino e um navio quebra-gelos. Posteriormente, entre 1949 e 1952, ocorreu a primeira expedição internacional, com a participação da Inglaterra, Noruega e Suécia, fornecendo as bases para o Ano Geofísico Internacional. No Ano Geofísico Internacional, ocorrido de 1º de julho de 1957 a 31 de dezembro de 1958, foi realizado um programa científico de grande envergadura, com a participação de 12 países, a saber: Argentina, Austrália, África do Sul, Bélgica, Chile, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, ex-URSS, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos da América do Norte. Em 1959, esses países elaboraram e assinaram, em Washington, o Tratado da Antártica, firmando o primeiro estatuto jurídico para a Antártica. Depois do Ano Geofísico Internacional, muitas nações estabeleceram estações na região.”[8]
Desse modo, o continente Antártico é regido pelo “Tratado da Antártica”, onde os países abrem mão da soberania sobre determinadas regiões do continente e fica acordado que a Antártida será usada somente para pesquisa científica com cooperação entre os países. Esse tratado é o único no campo do Direito Internacional Público, com os seguintes destaques:
– a Antártica só pode ser usada para fins pacíficos. Todas as atividades militares são proibidas, mas a utilização de pessoal ou equipamento militar para pesquisas científicas ou outro fim pacífico pode ser feita. (Artigo I)
– a liberdade de pesquisa científica na Região Antártica é o princípio básico do Tratado. (Artigo II)
– a cooperação internacional na investigação científica deve ser promovida através do intercâmbio de planos de programas científicos, cientistas, observações científicas e resultados. (Artigo III)
– O Tratado colocou de lado todas as reclamações territoriais e não permite nenhum novo pedido ou extensão dos pedidos existentes. (Artigo IV)
– qualquer explosão nuclear ou depósito de lixo atômico são proibidos na Antártica. (Artigo V)
– todas as estações e equipamentos podem ser inspecionados por observadores indicados por um ou mais membros do Tratado. (Artigo VII).[9]
O Tratado da Antártica não estabeleceu estruturas permanentes, pois o artigo IX, assevera que as Partes Contratantes reunir-se-ão em intervalos e lugares convenientes, a fim de formularem e recomendarem, a seus Governos, medidas modificativas dos seus princípios e objetivos. Contudo, vale citar as observações do Núcleo Antártico da UFSM, que pondera:
“Atualmente, existem duas posições políticas defendidas pelos países com interesse na Antártica: a territorialista e a não-territorialista. Os defensores da posição territorialista alegam que o Continente Antártico é passível de apropriação e de ser submetido a soberania e jurisdição nacionais. Reivindicam a anexação de seções do Território Antártico às respectivas soberanias nacionais. Essa posição é defendida pela Argentina, Austrália, Chile, França, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido. Em torno de quatro quintos da Antártica foram divididos em setores pelos meridianos que se encontram no Pólo Sul. Somente o Setor do Pacífico, o quinto restante, não foi demarcado. Países como o Chile, Argentina e Reino Unido reivindicam porções territoriais que se superpõem. Os defensores da posição não-territorialista não reivindicam nem aceitam qualquer reivindicação territorial, preferindo a liberdade de atuação em qualquer setor da Antártica. Essa posição é defendida pelos demais países do grupo consultivo do Tratado da Antártica, dentre os quais o Brasil, Equador, Peru e Uruguai.”
“Uma nova corrente vem marcando, ultimamente, uma terceira tese, a posição internacionalista, opositora do Tratado da Antártica, deseja ver o Continente Antártico alçado à situação de patrimônio comum da Humanidade, sob a égide das Nações Unidas.” [10]
Além desse tratado constitutivo, existem duas convenções que visam à exploração de recursos naturais, que são a Convenção para a Conservação das Focas Antárticas, que tem o objetivo de monitorar o desenvolvimento das populações de focas marinhas antárticas (CCAS); e a Convenção sobre a Comissão Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, que entrou em vigor em 1982, como parte e em conformidade com o Tratado da Antártica, e visa regulamentar o aproveitamento de todas as espécies de recursos vivos marinhos na área do Tratado (CCAMLR).[11] Estas duas convenções geram reuniões separadas e podem ser ratificadas por Estados não participantes do Tratado da Antártica.
Em 1991, foi aprovado o “Protocolo sobre Proteção Ambiental para o Tratado da Antártica”, conhecido como Protocolo de Madri, na “XI Reunião Consultiva Especial do Tratado da Antártica” que impede a exploração mineral que não seja para fins de pesquisa e prescreve normas de preservação ambiental.
Existem, ainda, cinco anexos do Protocolo Ambiental que regulamentam o EIA, Environmental Impact Assessment (Avaliação de Impacto Ambiental), sob os aspectos de depósito de lixo, conservação da flora e fauna, poluição marinha, e a proteção de áreas especiais. E um sexto anexo, sobre responsabilidades econômicas em caso de dano ambiental encontra-se em negociação atualmente.
Tais convenções remetem para a concretização do desenvolvimento sustentável, na medida em que determinam a necessidade de uma exploração racional dos recursos, pelo estabelecimento de um critério de precaução para minimizar o risco associado às práticas econômicas pertinentes, requerendo, para tanto, a formulação de informações e técnicas científicas adequadas.
A Antártica é detentora de recursos naturais que certamente motivam a cobiça dos países. Pesquisas ali conduzidas mostram a ocorrência de mais de cento e setenta e seis minerais, energéticos e não energéticos, entre eles prata, ferro, urânio, carvão, ouro e petróleo. Estudos do litoral e da plataforma continental revelam a existência de lençóis de gás natural e de petróleo em quantidade que pode ser medidas em bilhões de barris. “Logo, a decisão por parte de algum país em explorar recursos em área reivindicada por outro Estado, certamente seria fator de tensão que poderia colocar em perigo todo o sistema do Tratado da Antártica”[12].
“Assim, devem ser cumpridas certas regras de procedimento, dentre as quais, as abaixo listadas:
a. Evitar ao máximo caminhar sobre a vegetação;
b. Não perturbar desnecessariamente os animais naturais da região;
c. Não afugentar, nem fustigar as aves (skuas, petréis, gaivotas e pingüins) nos ninhos;
d. Não caminhar indiscriminadamente dentro de colônias de aves;
e. Não usar arma de qualquer natureza;
f. Não introduzir plantas ou animais na Antártica sem prévia consulta formal ao PROGRAMA ANTÁRTICO BRASILEIRO (PROANTAR);
g. Não entrar nas áreas consideradas, por acordos internacionais, “Área especialmente protegidas”(“SPA”) – e somente penetrar nos “Sítios de Especial Interesse Científico ” (“SSSI”) para realização de pesquisa aprovada pelo PROGRAMA ANTÁRTICO BRASILEIRO (PROANTAR);
h. Não pintar ou escrever nas rochas e instalações da região;
i. Não coletar ovos, fósseis, liquens, animais de qualquer espécie; e
j. Não deixar ao relento lixo, por exemplo, pontas de cigarros, plásticos, papéis, etc… Esses detritos deverão ser coletados e transportados para o(s) navio(s), aeronave(s) ou para a Estação Antártica “Comandante Ferraz”.”[13]
No que se refere à concretização das normas dessas Convenções, um dos atores mais importantes para o desenvolvimento da conservação ambiental na Antártica é a Comissão para a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, formada por alguns dos Estados partes, dentre eles o Brasil.[14] A Comissão implementa a Convenção para a proteção das Focas da Antártica e a Convenção para a conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos.[15]
Em geral, são os membros da Comissão que são responsáveis pela eficácia das normas, todavia, eles têm efetuado diversas publicações para um apoio ao seu trabalho e ao trabalho do Comitê Científico, que são o Informe da Reunião Anual da Comissão, o Informe da Reunião Anual do Comitê Científico, a lista das Medidas de Conservação e um Boletim Estatístico. [16]
Quanto à identificação da natureza do regime, e de como se exige o cumprimento das normas, na região da Antártica, merece destaque as Medidas de Conservação. São adotadas pela Comissão, baseadas no assessoramento científico disponível e o seu cumprimento determina o seu grau de eficácia. Na medida em que os recursos adquirem maior importância econômica, aumenta a tentação de se ignorar as medidas de conservação. Além disso, a imensidade do Oceano Austral é um obstáculo para a aplicação controle das medidas, sendo o maior problema é na área da pesca. Essas medidas são atualizadas todos os anos, e a fim de melhorar a sua implementação, foi adotado um sistema de documentação de capturas, para controlar o desembarque da pesca, sendo que o Bacalhau foi o primeiro a ser regulado pelo sistema, a fim de monitorar a pesca e o comércio.[17]
A título ilustrativo, a Lista das Medidas de Conservação vigentes na Temporada 2007/2008 retrata para o estabelecimento de regras adicionando as novas pesquisas e regulamentos que se fazem necessários diante destas, determinando uma série de orientações do procedimento a ser adotado pelos membros que querem estabelecer a atividade naquela região, sendo que, no que tange as medidas para promover o cumprimento das regras estabelecem como sanções o cancelamento da licença de pesca, confiscar a captura dos peixes, proibir o apoio a tais barcos, e etc, tudo a ser feito pela parte contratante responsável.[18] Verificada alguma irregularidade, cabe ao Estado membro responsável aplicar a sanção pertinente, sendo que isso é apurado mediante informações entre os Estados, com o auxílio da Comissão, e das informações coletadas pelo seu sistema e pelo Comitê Científico.
As medidas de conservação consistem em uma série de princípios e normas que norteiam a atividade dos membros. Nesse sentido, vale ressaltar que os responsáveis pela implementação de tais normas, e pela punição quando do não cumprimento são as partes, e não um órgão internacional autônomo designado para isso. A resolução de conflitos no que tange ao descumprimento é realizada por meios diplomáticos de troca de informações e relatório de ações, a fim de saber se os membros cumpriram as medidas.
Nesse sentido, a efetividade das normas, em especial, das Medidas de Conservação, que representam o principal conjunto de normas de proteção ambiental na região da Antártica, depende da atuação das partes, cujo principal instrumento para tanto se demonstra ser o incentivo para a atuação regular da atividade, a fim de que os pescadores respectivos obedeçam às medidas de conservação aplicadas, sendo que as sanções são aplicadas pelos próprios membros, e não por um ente autônomo, ou um Tribunal próprio.
3. O Direito Internacional Ambiental da região do Ártico
A região do Ártico possui mais de 30 milhões de quilômetros e vinte e quatro fusos horários, e uma população de cerca de quatro milhões de pessoas, sendo uma região de vastos recursos naturais.[19] É região ao norte, onde se encontra o Oceano Ártico e o Pólo Norte e essa região está praticamente toda inscrita no Círculo Polar Ártico. Existem culturas locais indígenas – Esquimós – que são adaptadas ao frio e às condições extremas (vegetação escassa, noite polar, …). Ela ocupa uma posição chave no equilíbrio físico, químico e biológico do planeta. É uma região sensível às mudanças climáticas e suas reações repercutem largamente pelo meio ambiente global.
Além disso, a região Ártica está localizada em águas internacionais, o Pólo Norte pertence a todo o mundo, ou seja, a nenhum Estado. Ele é regido pela Convenção Internacional do Direito do Mar, da Organização das Nações Unidas (ONU), que declara serem os fundos marinhos, situados além das jurisdições nacionais, “patrimônio comum da humanidade”. Tal Convenção foi assinada em 1982, e ratificada no final de 1994, essa convenção estabelece a soberania de um país, na superfície do mar, em 12 milhas marítimas (22,2 km), contadas a partir da costa. Também considera como sua zona econômica exclusiva (ZEE), incluindo os recursos submarinos, uma faixa maior, de 200 milhas (360 km).
“Um estudo da agência governamental norte-americana US Geological Survey estima que 25% das reservas mundiais de hidrocarbonetos estão localizadas ao norte do círculo polar [2]. Um novo eldorado, que os países costeiros – Rússia, Estados Unidos, Canadá, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Suécia e Islândia – poderiam reivindicar e explorar, sob condição de que sua plataforma continental entre no jogo de extensão territorial.”[20]
Nota-se que o Ártico está num processo de derretimento das calotas de gelo, pois mesmo divergindo sobre as causas do fenômeno, a comunidade científica é unânime: o Ártico está derretendo! Segundo um estudo do Arctic Climate Impact Assessment (ACIA), publicado em 2004, 4,988 milhões de km2 de geleiras – quase 60% da superfície do Brasil – desapareceram ao longo dos últimos 30 anos. Em perspectiva, o desaparecimento das geleiras permitirá a exploração de jazidas de petróleo e minérios (diamante, ouro, prata, cobre, chumbo, zinco) hoje inacessíveis. Um potencial formidável emerge das profundezas. É ainda mais atraente por se situar em zona geopolítica muito mais estável do que o Oriente Médio.[21] Dominique Kopp, pondera:
“Enquanto isso, uma expedição norte-americana tomou o rumo do Pólo Norte. E outra, norte-americano-norueguesa, explora a Dorsal de Gakke, situada entre a Sibéria e a Groenlândia. Em 12 de agosto, a Dinamarca enviou uma equipe de cientistas para tentar provar que a Dorsal de Lomonosov é uma extensão da Groenlândia. Essas operações também integram a agenda do Ano Polar, sob a nobre justificativa de reforçar a pesquisa científica e desenvolver a cooperação internacional. O interesse científico é real. Mas o interesse econômico é ainda mais. Aliás, a última cúpula do G8 foi bem clara, ao reunir, em uma mesma sessão de trabalho, a discussão sobre as mudanças climáticas e a utilização dos recursos naturais.”[22]
Além desse complicado cenário repleto de interesses, observa-se que os ancestrais de caça e pesca, as populações autóctones da Rússia, Canadá, Estados Unidos e Groenlândia não têm voz nessa história. “Elas estão presentes apenas no Conselho Ártico na qualidade de participantes permanentes e não de Estados-membros, já que não formam uma nação”[23].
Desse modo, verifica-se que ao contrário da Região Antártida a Região Ártica não conta com um tratado constitutivo internacional que lhe garanta um estatuto e uma segurança quanto ao seu território. No subitem anterior, foi citado o Tratado Antártico que consagra o continente à paz e à ciência. Este tratado foi reforçado pelo Protocolo de Madri, em vigor desde 1998, que declara a zona situada abaixo do paralelo 60° “reserva natural” e proíbe qualquer exploração dos recursos minerais até 2041.
No Ártico não há nada disso, uma vez que os embates de interesses são demasiadamente intensos e situam-se num contexto geopolítico particularmente tenso[24]. Para a União Européia, a situação é especialmente delicada. É difícil, para ela, condenar abertamente as ostensivas pretensões russas ou as mais discretas, da Noruega: os dois países garantem mais de um terço das suas necessidades energéticas. Além disso, a Total, associada ao gigante russo Gazprom, acaba de obter a exploração de 25% da jazida petrolífera de Shtokman, no Mar de Barents, tomando a dianteira em relação a norte-americanos e noruegueses. Uma jazida imensa, de 3,8 trilhões de m3 – “mais do que exportamos para a Europa nos últimos 30 anos”, anunciou Serguei Kouprianov, porta-voz da companhia de gás russa[25].
Em que pese, como composição do direito internacional ambiental do Ártico, merece destaque o Conselho do Ártico, considerado um elevado fórum intergovernamental, formalmente criado pela Declaração de 1996, para fornecer um meio para promover a cooperação, coordenação e interação entre os Estados, com a participação das comunidades indígenas do Ártico e outros habitantes, em questões específicas do desenvolvimento sustentável.[26]
As decisões no Conselho são por consenso das partes.[27] Os Estados-membros do Conselho são o Canadá, Dinamarca (incluindo a Groenlândia e as Ilhas Faroé), Finlândia, Islândia, Noruega, Rússia, Suécia e Estados Unidos. Além deles, há a categoria de Participantes Permanente, aberta também às organizações dos povos indígenas do Ártico, garantindo a sua ampla participação. E também, há a possibilidade de não membros como Organizações Inter-governamentais, não governamentais, inter-parlamentares, globais e regionais, assistirem e mesmo auxiliarem as reuniões, que são bianuais, e mesmo no âmbito dos Grupos de Trabalho. [28]
O trabalho realizado nesse aspecto configura em uma excelente ilustração da própria implementação do desenvolvimento sustentável, vale ressaltar, pois, a conscientização dos problemas ambientais leva a região a se reunir e buscar métodos diferentes de crescimento, com vistas a harmonizar o desenvolvimento local e nacional, com uma gestão racional do ambiente, e essa é a idéia do ecodesenvolvimento, enfatizando as potências locais e buscando suprir o que está fraco.[29]
Os Grupos de Trabalho do Conselho e respectivos Grupos Científicos, responsáveis por reuniões em intervalos regulares durante todo o ano. Cada Grupo de Trabalho tem um calendário diferente, divulgado pelo respectivo Secretariado. Atualmente, existem seis grupos de trabalho, sendo que cada um deles possui um mandato específico em que opera, com vistas ao desenvolvimento sustentável da questão que regula.[30]
As disposições de proteção ambiental existentes no Ártico comportam uma natureza de soft law, tendo em vista o caráter norteador dominante. Isso pode ser ilustrado pela Estratégia para a Proteção Ambiental no Ártico, de 1991, que resultou em inúmeros relatórios técnicos e científicos e em uma estratégia para a conservação ambiental, exigindo a necessidade de cooperação entre os membros.[31]
A regulamentação no Ártico possui um maior número de objetos que na Antártica, tendo em vista frisar para outras questões ambientais relevantes além da conservação do ambiente marinho. Nesse sentido, são estudados no Conselho e nos Grupos de Estudo, questões como as Mudanças Climáticas, Proteção do Ambiente Marinho, Poluição, além de levar em consideração também, os interesses das comunidades indígenas. E isso, levando-se em consideração o contexto político que expõe o cenário a um aspecto normativo diferente daquele da Antártica, conforme se analisa a seguir.
4. Estudo Comparado dos Regimes Jurídicos do Ártigo e da Antártica
Observou-se que a Região Antártica e Ártica, geo-politicamente não têm muitas semelhanças. Segundo Margarita González: “Aunque el Ártico y la Antártida sean realidades práticamente opuestas en términos geográficos, topográficos y políticos, tienen en común las bajas temperaturas, el aislamiento y la dureza de su entorno.”[32] Contudo, ambas são de fundamental importância para o meio ambiente global.
Nesse sentido, verificou-se que a região antártica possui tratados específicos de preservação ambiental (Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção ao Meio Ambiente ou Protocolo de Madri), adaptados a sua realidade, enquanto a região ártica tem seu meio ambiente amparado por um tratado genérico (Convenção Internacional do Direito do Mar – ONU) que não cuida das peculiaridades da região. Assim, comparar-se-á esses dois dispositivos normativos que visam a proteção ambiental nessas duas regiões de suma importância para o mundo e a humanidade.
Iniciar-se-á pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar[33], celebrada em 1982, na cidade de Montego Bay[34] (Jamaica), é um tratado multilateral celebrado com auxílio das Nações Unidas – ONU – que define conceitos do direito internacional costumeiro e estabelece os princípios gerais da exploração dos recursos naturais do mar, como os recursos vivos, os do solo e os do subsolo. O Brasil, que ratificou a Convenção em dezembro de 1988, ajustou seus direitos internos, antes de encontrar-se obrigado no plano internacional. A Lei nº. 8.617, adota o conceito de zona econômica exclusiva[35] paras as 188 milhas adjacentes.
A Convenção regula as instalações de segurança e de auxilio à navegação e outros dispositivos, responsáveis pela prevenção, redução e controle de poluição. No art. 56 que disciplina as zonas econômicas exclusivas[36] está prevista a cláusula de proteção e preservação do meio marinho que os Estados devem respeitar.
A convenção preceitua sobre a conservação dos recursos vivos (art. 61) e sobre a utilização dos recursos vivos (art. 62). Ainda, verifica-se que o texto da convenção preocupou-se com espécies migratória (art. 64), mamíferos marinhos (art. 65), peixes anádromos (art. 66), espécies catádromas (art. 67) e espécies sedentárias (art. 68), ou seja, com a fauna marinha.
A convenção asseverou sobre a investigação científica marinha, que deve ser realizada exclusivamente com fins pacíficos e em benefício da humanidade em geral (art. 143). E sobre a proteção do meio marinho, onde os Estados membros devem prevenir, reduzir e controlar a poluição e outros perigos para o meio marinho, incluindo o litoral, bem como a perturbação do equilíbrio ecológico do meio marinho, prestando especial atenção à necessidade de proteção contra os efeitos nocivos de atividades, tais como a perfuração, dragagem, escavações, lançamento de detritos e outros dispositivos relacionados com tais atividades (art. 145)
Nota-se, assim, que a região Ártica não possui um mecanismo próprio de preservação ambiental que cuida das peculiaridades de seu clima, geografia e demais aspectos. Outro ponto relevante é a não proibição de exploração dos minérios.
No que tange à região Antártica, esta possui um tratado específico para proteção ambiental, qual seja, o Protocolo de Madrid, que segundo Valter Bischoff “atualmente atingiu-se definitivamente o consenso de um regime global e unitário, no texto do Protocolo ao Tratado e quatro de seus Anexos, sobre a “Avaliação do Impacto Ambiental”, “Conservação de Fauna e Flora Antárticas”, “Eliminação e Tratamento de Resíduos” e “Prevenção da Poluição Marinha”[37].
Verifica-se que o Protocolo de Madri possui uma abrangência muito superior, uma vez que está amplamente voltado para a avaliação, a adoção de medidas preventivas e o controle ecológico, pois ele desdobra-se ao longo de vinte e sete artigos e cinco anexos e deixa claro que deve ser interpretado “como um complemento ao “Tratado da Antártica” e que, sem emendá-lo ou modificá-lo, visa a garantir que a região não venha a se converter em cenário ou objeto de discórdia internacional, designando a Antártica como reserva natural, consagrada à paz e à ciência.”[38]Assim, o artigo sete do Protocolo veio afirmar, de forma contundente, a “proibição de qualquer atividade relacionada com recursos minerais, exceto a pesquisa científica”[39].
As principais diferenças entre os regimes ambientais do Ártico e da Antártica consiste na variedade de membros que o Conselho do Ártico, principal atributo representante do Direito Internacional Ambiental nessa região, que vão além dos Estados, comportando também Organizações Civis, a fim de efetivar a representação dos indígenas da região, bem como permitir como observadores outras organizações, enquanto que na Antártica, a Comissão só é formada por Estados.
Esse aspecto da pluralidade de atores na participação da constituição do Direito Internacional Ambiental que pode ser percebido pela análise da proteção ambiental do Ártico ilustra essa nova concepção de se fazer o Direito Internacional ambiental, de outros sujeitos que não somente os Estados, mas organizações e etc, e justamente onde se verifica um vasto panorama de interesses que necessitam de atenção e regulamentação, o que representa a expansão do direito internacional, em especial, no âmbito ambiental.
Além disso, destaca-se a amplitude do rol de objeto de proteção no Ártico, que releva uma série de questões além da marinha, de modo a abranger também os interesses das populações indígenas, enquanto que na Antártica, a proteção é voltada praticamente para o âmbito da pesca.
No que se refere à natureza das normas acima estudadas, no Ártico, são disposições de soft law, na medida em que possuem a função principal de orientação do comportamento nos diversos assuntos que são tratados, visando sempre implementar o desenvolvimento sustentável, e na Antártica, existe a exigência normativa de que no caso de descumprimento, os Estados devem aplicar às sansões pertinentes, apresentando assim características de hard law.
Ambas as regiões possuem regimes autônomos na medida em que possuem princípios, regras e normas próprias, contudo, o modo de tratamento é diferente. A efetividade das normas na Antártica é realizada, na medida em que se vejam modificados os comportamentos sancionados diante da punição, e no Ártico, a questão é relativizada para o limite das normas com natureza de soft law, em que devem ser intensificados os mecanismos de incentivo (embora isso também deve ser feito em normas hard law) a fim de que não haja a violação, pois a punição ai não é oriunda da norma, mas da própria característica das relações internacionais, em que se mede o interesse no cumprimento ou não da norma.
5. Conclusão
Finalmente cabe destacar que as duas regiões (Antártica e Ártico) são de fundamental importância para biosfera, principalmente, no tocante as alterações climáticas. Contudo, devido às conjecturas políticas essas regiões são distintamente reguladas pelo direito internacional ambiental.
Nota-se que a região antártica possui um conjunto normativo maior e específico tanto no âmbito da preservação ambiental como nos atributos políticos da região, enquanto a região ártica possui apenas um documento legal que regula a proteção e preservação ambiental da região de forma genérica. Além disso, o Ártico encontra-se assolado pelos interesses dos países como Rússia, Estados Unidos, Canadá e outros do norte da Europa (UE).
Desse modo, entende-se que os conflitos de interesses da região ártica, com destaque para os recurso minerais como os hidrocarbonetos, impossibilita a criação de mecanismos jurídicos de preservação ambiental. Em contrapartida a Antártida é um exemplo que pode ser seguido pela Região Ártica, no sentido de proteção ambiental pelo direito internacional. Contudo, a Antártica, também pode adotar mecanismos utilizados no Ártico, como por exemplo, a não restrição dos entes privados na participação e gerência do ecossistema do pólo sul.
O assunto abordado nesse estudo é tema fundamental na agenda global, inclusive para a preservação ambiental dessas duas regiões. Ambas, de fundamental importância para um mundo ecologicamente saudável.
Informações Sobre os Autores
Gabriela Garcia Batista Lima
Mestranda, bolsista da CAPES, em Direito das Relações Internacionais do UniCEUB, em Brasília. Pesquisadora do UniCEUB, membro dos grupos de pesquisa: A internacionalização dos Direitos, Núcleo de Estudos Constitucionais – NEC, GERIMA, Governança Corporativa. Cursa a especialização em Direito Internacional Ambiental da United Nation Institute For Training And Research – UNITAR
Vitor Eduardo Tavares de Oliveira
Cursa a especialização em Direito Internacional Ambiental da United Nation Institute For Training And Research – UNITAR, graduando em Direito pelo Uniceub, pesquisador bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, membro dos grupos de pesquisa: A internacionalização dos Direitos, Mercosul e Novas Tendências do Direito Público, todos do Uniceub